Por
Eliana Maria (Ir. Gabriela,
Obl. OSB)
Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma de 2015
‘Amados
irmãos e irmãs,
Tempo
de renovação para a Igreja, para as comunidades e para cada um dos fiéis, a Quaresma é sobretudo um ‘tempo favorável’ de graça (cf. 2 Cor 6, 2). Deus nada nos pede, que
antes não no-lo tenha dado : ‘Nós amamos,
porque Ele nos amou primeiro’ (1 Jo 4, 19). Ele não nos olha com
indiferença; pelo contrário, tem a peito cada um de nós, conhece-nos pelo nome,
cuida de nós e vai à nossa procura, quando O deixamos. Interessa-Se por cada um
de nós; o seu amor impede-Lhe de ficar indiferente perante aquilo que nos
acontece. Coisa diversa se passa connosco! Quando estamos bem e comodamente
instalados, esquecemo-nos certamente dos outros (isto, Deus Pai nunca o faz!),
não nos interessam os seus problemas, nem as tribulações e injustiças que
sofrem; e, assim, o nosso coração cai na indiferença : encontrando-me
relativamente bem e confortável, esqueço-me dos que não estão bem! Hoje, esta
atitude egoísta de indiferença atingiu uma dimensão mundial tal que podemos
falar de uma globalização da indiferença. Trata-se de um mal-estar que temos
obrigação, como cristãos, de enfrentar.
Quando
o povo de Deus se converte ao seu amor, encontra resposta para as questões que
a história continuamente nos coloca. E um dos desafios mais urgentes, sobre o
qual me quero deter nesta Mensagem, é o da globalização da indiferença.
Dado
que a indiferença para com o próximo e para com Deus é uma tentação real também
para nós, cristãos, temos necessidade de ouvir, em cada Quaresma, o brado dos
profetas que levantam a voz para nos despertar.
A Deus
não Lhe é indiferente o mundo, mas ama-o até ao ponto de entregar o seu Filho
pela salvação de todo o homem. Na encarnação, na vida terrena, na morte e
ressurreição do Filho de Deus, abre-se definitivamente a porta entre Deus e o
homem, entre o Céu e a terra. E a Igreja é como a mão que mantém aberta esta
porta, por meio da proclamação da Palavra, da celebração dos Sacramentos, do
testemunho da fé que se torna eficaz pelo amor (cf. Gl 5, 6). O mundo, porém,
tende a fechar-se em si mesmo e a fechar a referida porta através da qual Deus
entra no mundo e o mundo n'Ele. Sendo assim, a mão, que é a Igreja, não deve
jamais surpreender-se, se se vir rejeitada, esmagada e ferida.
Por
isso, o povo de Deus tem necessidade de renovação, para não cair na indiferença
nem se fechar em si mesmo. Tendo em vista esta renovação, gostaria de vos
propor três textos para a vossa meditação.
1. ‘Se um membro sofre, com ele sofrem todos os membros’
(1 Cor 12, 26) : A Igreja.
Com
o seu ensinamento e sobretudo com o seu testemunho, a Igreja oferece-nos o amor
de Deus, que rompe esta reclusão mortal em nós mesmos que é a indiferença. Mas,
só se pode testemunhar algo que antes experimentámos. O cristão é aquele que
permite a Deus revesti-lo da sua bondade e misericórdia, revesti-lo de Cristo
para se tornar, como Ele, servo de Deus e dos homens. Bem no-lo recorda a
liturgia de Quinta-feira Santa com o rito do lava-pés. Pedro não queria que
Jesus lhe lavasse os pés, mas depois compreendeu que Jesus não pretendia apenas
exemplificar como devemos lavar os pés uns aos outros; este serviço, só o pode
fazer quem, primeiro, se deixou lavar os pés por Cristo. Só essa pessoa ‘tem a haver com Ele’ (cf. Jo 13, 8),
podendo assim servir o homem.
A
Quaresma é um tempo propício para nos deixarmos servir por Cristo e, deste
modo, tornarmo-nos como Ele. Verifica-se isto quando ouvimos a Palavra de Deus
e recebemos os sacramentos, nomeadamente a Eucaristia. Nesta, tornamo-nos
naquilo que recebemos : o corpo de Cristo. Neste corpo, não encontra lugar a tal
indiferença que, com tanta frequência, parece apoderar-se dos nossos corações;
porque, quem é de Cristo, pertence a um único corpo e, n'Ele, um não olha com
indiferença o outro. ‘Assim, se um membro
sofre, com ele sofrem todos os membros; se um membro é honrado, todos os
membros participam da sua alegria’ (1 Cor 12, 26).
A
Igreja é communio sanctorum,
não só porque, nela, tomam parte os Santos mas também porque é comunhão de
coisas santas : o amor de Deus, que nos foi revelado em Cristo, e todos os seus
dons; e, entre estes, há que incluir também a resposta de quantos se deixam
alcançar por tal amor. Nesta comunhão dos Santos e nesta participação nas
coisas santas, aquilo que cada um possui, não o reserva só para si, mas tudo é
para todos. E, dado que estamos interligados em Deus, podemos fazer algo mesmo
pelos que estão longe, por aqueles que não poderíamos jamais, com as nossas
simples forças, alcançar : rezamos com eles e por eles a Deus, para que todos
nos abramos à sua obra de salvação.
2. ‘Onde está o teu irmão?’ (Gn 4, 9) : As paróquias e as
comunidades
Tudo
o que se disse a propósito da Igreja universal é necessário agora traduzi-lo na
vida das paróquias e comunidades. Nestas realidades eclesiais, consegue-se
porventura experimentar que fazemos parte de um único corpo? Um corpo que,
simultaneamente, recebe e partilha aquilo que Deus nos quer dar? Um corpo que
conhece e cuida dos seus membros mais frágeis, pobres e pequeninos? Ou
refugiamo-nos num amor universal pronto a comprometer-se lá longe no mundo, mas
que esquece o Lázaro sentado à sua porta fechada (cf. Lc 16, 19-31)?
Para
receber e fazer frutificar plenamente aquilo que Deus nos dá, deve-se
ultrapassar as fronteiras da Igreja visível em duas direcções.
Em
primeiro lugar, unindo-nos à Igreja do Céu na oração. Quando a Igreja terrena
reza, instaura-se reciprocamente uma comunhão de serviços e bens que chega até
à presença de Deus. Juntamente com os Santos, que encontraram a sua plenitude
em Deus, fazemos parte daquela comunhão onde a indiferença é vencida pelo amor.
A Igreja do Céu não é triunfante, porque deixou para trás as tribulações do
mundo e usufrui sozinha do gozo eterno; antes pelo contrário, pois aos Santos é
concedido já contemplar e rejubilar com o facto de terem vencido definitivamente
a indiferença, a dureza de coração e o ódio, graças à morte e ressurreição de
Jesus. E, enquanto esta vitória do amor não impregnar todo o mundo, os Santos
caminham connosco, que ainda somos peregrinos. Convicta de que a alegria no Céu
pela vitória do amor crucificado não é plena enquanto houver, na terra, um só
homem que sofra e gema, escrevia Santa Teresa de Lisieux, doutora da Igreja : ‘Muito espero não ficar inactiva no Céu; o
meu desejo é continuar a trabalhar pela Igreja e pelas almas’ (Carta 254,
de 14 de Julho de 1897).
Também
nós participamos dos méritos e da alegria dos Santos e eles tomam parte na
nossa luta e no nosso desejo de paz e reconciliação. Para nós, a sua alegria
pela vitória de Cristo ressuscitado é origem de força para superar tantas
formas de indiferença e dureza de coração.
Em
segundo lugar, cada comunidade cristã é chamada a atravessar o limiar que a põe
em relação com a sociedade circundante, com os pobres e com os incrédulos. A
Igreja é, por sua natureza, missionária, não fechada em si mesma, mas enviada a
todos os homens.
Esta
missão é o paciente testemunho d'Aquele que quer conduzir ao Pai toda a
realidade e todo o homem. A missão é aquilo que o amor não pode calar. A Igreja
segue Jesus Cristo pela estrada que a conduz a cada homem, até aos confins da
terra (cf. Act 1, 8). Assim podemos ver, no nosso próximo, o irmão e a irmã
pelos quais Cristo morreu e ressuscitou. Tudo aquilo que recebemos, recebemo-lo
também para eles. E, vice-versa, tudo o que estes irmãos possuem é um dom para
a Igreja e para a humanidade inteira.
Amados
irmãos e irmãs, como desejo que os lugares onde a Igreja se manifesta,
particularmente as nossas paróquias e as nossas comunidades, se tornem ilhas de
misericórdia no meio do mar da indiferença!
3. ‘Fortalecei os vossos corações’ (Tg 5, 8) : Cada um dos
fiéis
Também
como indivíduos temos a tentação da indiferença. Estamos saturados de notícias
e imagens impressionantes que nos relatam o sofrimento humano, sentindo ao
mesmo tempo toda a nossa incapacidade de intervir. Que fazer para não nos
deixarmos absorver por esta espiral de terror e impotência?
Em
primeiro lugar, podemos rezar na comunhão da Igreja terrena e celeste. Não
subestimemos a força da oração de muitos! A iniciativa 24 horas para o Senhor,
que espero se celebre em toda a Igreja – mesmo a nível diocesano – nos dias 13
e 14 de Março, pretende dar expressão a esta necessidade da oração.
Em
segundo lugar, podemos levar ajuda, com gestos de caridade, tanto a quem vive
próximo de nós como a quem está longe, graças aos inúmeros organismos caritativos
da Igreja. A Quaresma é um tempo propício para mostrar este interesse pelo
outro, através de um sinal – mesmo pequeno, mas concreto – da nossa
participação na humanidade que temos em comum.
E,
em terceiro lugar, o sofrimento do próximo constitui um apelo à conversão,
porque a necessidade do irmão recorda-me a fragilidade da minha vida, a minha
dependência de Deus e dos irmãos. Se humildemente pedirmos a graça de Deus e
aceitarmos os limites das nossas possibilidades, então confiaremos nas possibilidades
infinitas que tem de reserva o amor de Deus. E poderemos resistir à tentação
diabólica que nos leva a crer que podemos salvar-nos e salvar o mundo sozinhos.
Para
superar a indiferença e as nossas pretensões de omnipotência, gostaria de pedir
a todos para viverem este tempo de Quaresma como um percurso de formação do
coração, a que nos convidava Bento XVI (Carta
enc. Deus caritas est, 31). Ter um coração misericordioso não significa ter
um coração débil. Quem quer ser misericordioso precisa de um coração forte,
firme, fechado ao tentador mas aberto a Deus; um coração que se deixe impregnar
pelo Espírito e levar pelos caminhos do amor que conduzem aos irmãos e irmãs;
no fundo, um coração pobre, isto é, que conhece as suas limitações e se gasta
pelo outro.
Por
isso, amados irmãos e irmãs, nesta Quaresma desejo rezar convosco a Cristo : ‘Fac cor nostrum secundum cor tuum –
Fazei o nosso coração semelhante ao vosso’ (Súplica das Ladainhas ao Sagrado Coração de Jesus). Teremos assim
um coração forte e misericordioso, vigilante e generoso, que não se deixa
fechar em si mesmo nem cai na vertigem da globalização da indiferença.
Com
estes votos, asseguro a minha oração por cada crente e cada comunidade eclesial
para que percorram, frutuosamente, o itinerário quaresmal, enquanto, por minha
vez, vos peço que rezeis por mim. Que o Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos
guarde!’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/fortalecei-os-vossos-coracoes