Mostrando postagens com marcador Cristo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Cristo. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Ser cristão, por Johan Konings

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Élio Gasda,

teólogo

 

‘Tempos difíceis. Ignorância, tristezas e decepções, pandemias e guerras, desigualdades e miséria, fome e desemprego, chacinas em favelas. Banalização da vida e da justiça. Em tempos obscuros é fundamental que o cristão restaure a fé, a esperança e, acima de tudo, o amor. Amor e Fidelidade!

O que é ser cristão? Respostas são diversas : ser batizado e fazer parte de uma igreja. Frequentar cultos e assistir missa. Seguir normas morais. Ajudar o próximo. São práticas que identificam o cristão. Algumas revelam certa proximidade com Cristo. Será mesmo?

Cristão é o que crê que Jesus é o Cristo! ‘Sem a fé no Cristo, ninguém pode ser chamado de cristão’. Portanto, ser cristão só se é cristão, hoje e sempre, a partir de Jesus de Nazaré. Nele, Deus se revela e se dá a conhecer (Jo 1,18; 14,8-9). Fé é adesão e opção comprometida por uma pessoa e sua proposta de vida.

Jesus Cristo é a proposta de Deus para a humanidade. Ele nos apresenta o Reino. Para ser cristão não basta o batismo ou assistir missa, isso é ‘cristandade’. É necessária uma opção consciente e integral pelo Cristo, pois, quando Jesus fala é Deus quem fala. O que Jesus faz, Deus quem o faz. Ouvir, contemplar e ter fé em Jesus Cristo que caminha com a comunidade, é a forma de conhecer a Deus. ‘O Verbo se fez carne, e habitou entre nós...cheio de graça e de verdade’ (Jo 1, 14).

O amor ao próximo é a identidade do ser cristão. A esperança cristã está na obra de Jesus, no amor que Ele nos ensinou, ‘amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei’ (Jo 13,34). Quem não ama seu irmão permanece na morte. O amor que reside nas atitudes práticas do cotidiano revela aqueles que são seguidores de Jesus. Quando abrimos mão do egoísmo, Jesus se revela em nós. Nos inspira a buscar uma sociedade justa e fraterna. Nos tornamos verdadeiros discípulos. Deus conosco - Emanuel - se humaniza para permanecer no meio de nós.

Muitos cristãos não entendem que o Reino de Deus já está acontecendo, o que fica evidente no amor de Cristo pela humanidade. Ele permanece entre nós em Espírito. ‘Ele permanece conosco também no dom messiânico que ele nos deixa, a ‘paz’, porém, não como o mundo a concebe (14,27)’. Só se tem paz na presença da Trindade Santa. ‘Tendo Cristo por centro e luz, certamente haverá unidade e comunhão...’ e o encontro com os mais pobres e vulneráveis. Paz fruto da caridade.

Na caridade fraterna, Deus e ‘o Cordeiro’ moram conosco. A cidade de Deus não é uma grandeza de ficção científica, nem uma cristandade sociologicamente organizada. Ela é uma realidade interior, atuante em nós e, naturalmente, produzindo também modificações no mundo em que vivemos. Ela é obra do Espírito de Deus que nos impele’.

O caminho que nos impulsiona deve se apoiar no Evangelho. É preciso reconhecer e seguir Cristo e servi-lo na assistência de todo aquele que também Nele sofre. A Igreja não está a serviço de um Estado ou de um sistema, ela não oprime, e sua esperança não se baseia no progresso e desenvolvimento tecnológico, mas na esperança que anuncia o amor de Deus.

Se o amor é o que supera tudo, importa que entendamos a partir da fonte que é Deus. Mais que amar a Deus e ao próximo é deixar-se amar por Deus; mais fundamental que conhecer a Deus é ser conhecido por Ele (1Coe 13,12; Gl4,9). Experimentar a própria vida como dom que se recebe é uma dimensão fundamental do ser cristão consciente’.

Para ser cristão é preciso retornar à raiz da fé. ‘Devemos reaprender o que é crer como cristão : não dizer ‘Amém’ a doutrinas incompreensíveis, mas aderir, cheios de confiança, ao homem de Nazaré no qual Deus se dá a conhecer’. Deus está no meio de nós. Os fiéis são a morada de Deus. Isto Basta.

Johan Konings (1941-2022) com sua gentileza, sotaque inconfundível, sentido de humor e sorriso fácil e acolhedor foi esse cristão, morada divina que caminhou com Jesus no meio da história. Viveu com liberdade a fé, a esperança e o amor dos filhos de Deus.

Konings, sonhador de um projeto de sociedade pautado no humanismo cristão, continue inspirando gerações de teólogos, exegetas, universitários, políticos e jesuítas. Obrigado, companheiro!

Não é nos templos de pedra que Deus habita, mas no coração de quem ama e vive seu amor na prática. ‘Onde o amor e a caridade, Deus aí está’’.

A Palavra de Deus é uma palavra de Amor e Fidelidade’.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1579504/2022/05/ser-cristao-por-johan-konings/

terça-feira, 1 de março de 2022

A história da sinodalidade é mais antiga do que você pensa

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Bispos no Concílio de Nicéia, que decretou que os bispos deveriam realizar sínodos duas vezes por ano

*Artigo do Padre John W. O'Malley, SJ

 

‘Apesar de toda a sua proeminência no jargão da Igreja nos dias de hoje, o termo sinodalidade não tem uma longa história; é um neologismo cunhado apenas cerca de 20 anos atrás. Não é de admirar, então, que os católicos fiquem intrigados com isso e com o apelo do Papa Francisco por uma Igreja mais sinodal. A perplexidade é especialmente mais aguda nos Estados Unidos, onde até recentemente foi dada pouca atenção à sinodalidade. No entanto, é uma questão urgente, vital para o bem-estar da Igreja hoje.

A definição de sinodal como ‘relativo a um sínodo’ é uma referência que fornece pouca ajuda. O termo sínodo é em si apenas um pouco mais familiar e, na medida em que tem significado para os católicos, evoca a imagem do Sínodo dos Bispos criado pelo Papa São Paulo VI em setembro de 1965, quando o Concílio Vaticano II estava chegando ao fim. Embora relacionado com a instituição tradicional, o Sínodo dos Bispos modificou muito um aspecto crucial da instituição original, como explicarei mais adiante.

Devemos começar, portanto, fazendo a pergunta básica : O que é um sínodo? Até a criação do Sínodo dos Bispos, a resposta à pergunta era simples : um sínodo era um concílio; as palavras eram sinônimas, e a primeira era a palavra derivada do grego, enquanto a outra derivada do latim. Na igreja ocidental, as duas palavras eram usadas de forma intercambiável. O Concílio de Trento, por exemplo, referiu-se a si mesmo como ‘este santo sínodo’, e as edições oficiais das atas do Vaticano II (cerca de 53 volumes) são intituladas como ‘atas sinodais do concílio ecumênico Vaticano II’ (acta synodalia).

Mas o que é um concílio? A palavra é familiar; o que isso implica que seja entendida. Se examinarmos a história dos 21 concílios que os católicos consideram ecumênicos (em toda a Igreja) e as centenas e centenas de concílios locais, a resposta que surge é clara : um concílio é uma reunião, principalmente de bispos, juntos em nome de Cristo para a toma de decisões obrigatórias para a Igreja.

Cada palavra nessa definição é importante, começando com ‘reunião’. Um concílio é uma reunião na qual as negociações devem ser realizadas. Não é uma sociedade de debates nem mesmo uma reunião para celebrar as glórias da Igreja. Um concílio entra em ação.

‘Principalmente dos bispos’

E quanto a ‘principalmente dos bispos’? Em todos os concílios, os bispos estiveram presentes e tiveram o voto decisivo, mas outras figuras desempenharam papéis importantes. Afinal, não foi um clérigo, mas o imperador Constantino quem convocou o primeiro concílio ecumênico em Nicéia em 325 e estabeleceu a agenda principal dele. O concílio se reuniu em seu palácio, e o imperador serviu efetivamente como presidente honorário do conselho. Quando o Papa Inocêncio III convocou o Quarto Concílio de Latrão em 1215, ele ordenou que o imperador, todos os reis, duques e vários outros participassem pessoalmente ou por meio de um vigário. Além dessas pessoas seculares, cerca de 800 abades compareceram, superando os bispos em dois para um.

No Concílio de Trento, chefes de Estado enviaram seus emissários, alguns dos quais eram leigos. Os enviados tiveram o privilégio de se dirigir ao conselho quando apresentaram suas credenciais e, de outra forma, influenciaram os procedimentos do conselho nos bastidores. A certa altura, até os enviados luteranos foram admitidos e autorizados a defender seu caso. A presença de ‘observadores’ não católicos no Vaticano II é bem conhecida. Embora sua influência seja difícil de medir, certamente foi operativa.

Finalmente, uma vez que os teólogos surgiram no século 13 como uma classe de professores distinta dos bispos, invariavelmente participaram e foram indispensáveis na formulação dos decretos dos concílios. Quase 500 foram oficialmente acreditados no Vaticano II. Esse número foi grandemente aumentado pelos teólogos do concílio que serviram como conselheiros pessoais de bispos individuais.

‘Reunidos em nome de Cristo’

Que dizer de ‘reunidos em nome de Cristo’? Esta é a fonte da autoridade de um concílio (isto é, de um sínodo). Os bispos sabiam que ‘onde dois ou três’ estavam reunidos, Cristo estava no meio deles. Além disso, os bispos tinham uma base mais específica nas Escrituras para a autoridade de um concílio : o chamado Concílio de Jerusalém (Atos 15). Naquela reunião importante, os ‘apóstolos e anciãos’ decidiram não impor a circuncisão e ritos judaicos semelhantes aos convertidos não-judeus, e assim abriram o caminho para que um maior número de gentios se convertesse.

O Concílio de Jerusalém é a pedra angular para a afirmação de que os sínodos são a forma mais antiga de governo da Igreja, mas essa afirmação é validada ainda mais pelo surgimento já no século II de numerosos sínodos em todo o mundo romano. Só nesse século, temos evidências de pelo menos 50 dessas reuniões na Palestina, no norte da África, na Gália e em outros lugares.

Daquele momento em diante, os sínodos tornaram-se uma característica padrão da vida da Igreja. Houve no mínimo 400 sínodos entre o segundo e o sétimo século. O Concílio de Nicéia havia de fato decretado que os bispos deveriam realizar sínodos duas vezes por ano, e o Concílio de Trento, como parte de sua reforma do episcopado, ordenou que cada bispo realizasse um sínodo anualmente em sua diocese. Ao longo dos séculos, o ritmo variou, mas se manteve forte. No século 19, os sínodos diminuíram após a definição do primado papal no Concílio Vaticano I (1869-1870), mas nunca desapareceram completamente. Uma das primeiras coisas que o futuro Papa João XXIII fez quando se tornou patriarca de Veneza foi convocar um sínodo diocesano.

Os sínodos são essencialmente um modo colegial de governança. Os bispos trabalham em conjunto com outros bispos e, às vezes, com seu clero e até com outros.

E o modo hierárquico, com o qual, de fato, estamos mais familiarizados? Esse modo também teve uma origem venerável precoce. No início do século II, os bispos surgiram como supervisores, guardiões e líderes de seus rebanhos em suas cidades e alegaram que eram sucessores dos apóstolos. Embora os bispos percebessem que tinham que trabalhar com seus presbíteros, bispos e oficiais leigos para serem eficazes, eles ainda mantinham suas responsabilidades de liderança. Quase desde o início, portanto, o governo da Igreja tinha dois modos – hierárquico e colegial. Às vezes eram companheiros estranhos, mas ao longo dos séculos conseguiram trabalhar juntos apesar de numerosos e constantes confrontos.

O modo hierárquico ganhou força quando, nos séculos IV e V, o bispo de Roma começou a fazer reivindicações efetivas de supervisão geral sobre a igreja maior. O surgimento dessas alegações indicava que outro nível de hierarquia da Igreja havia se estabelecido. Isso era verdade principalmente no Ocidente. Após o século 11, as reivindicações papais tornaram-se mais decisivas, e os papas começaram a assumir o direito exclusivo de convocar concílios.

‘Tomar decisões obrigatórias para a Igreja’

O que significa, então, ‘tomar decisões obrigatórias para a igreja’? As decisões de um concílio, seja local ou de toda a Igreja, seja em relação à doutrina ou disciplina, desde os primeiros tempos foram tomadas como finais, embora não necessariamente irrevogáveis. Até mesmo os conselhos locais têm desfrutado dessa autoridade para sua própria área. Os bispos podem tomar suas decisões sem recorrer a Roma, embora, é claro, estejam em comunhão com a Santa Sé.

Em casos raros, as decisões dos conselhos locais sobre questões doutrinárias foram tomadas como obrigatórias para toda a Igreja. Os exemplos mais marcantes a esse respeito são as decisões dos concílios do norte da África nos séculos IV e V sobre as heresias do donatismo e do pelagianismo.

No entanto, a instituição que o Papa Paulo VI criou com o Sínodo dos Bispos não era um órgão decisório, mas consultivo. Por si só, o Sínodo dos Bispos pode fazer recomendações ao papa, mas não pode tomar decisões vinculantes. O Papa Paulo pretendia que o Sínodo dos Bispos implementasse o decreto do Vaticano II sobre a colegialidade, e até certo ponto o fez. Mas eliminou um elemento tradicional e crucial na definição da palavra.

‘O dia de hoje’

Isso nos traz ao presente e ao Papa Francisco. Embora seja o primeiro papa em 50 anos a não ter participado do Vaticano II, ele aprecia profundamente o Concílio e o alcance transformador de seus decretos, como demonstrou inequivocamente quando era arcebispo de Buenos Aires. Dois aspectos do concílio pertinentes à sinodalidade que ele particularmente encarnou são a descrição do concílio da Igreja como ‘o povo de Deus’ e sua ampla insistência em um modo colegiado de governança da Igreja. Sua declaração de assinatura a esse respeito ocorre no terceiro capítulo da ‘Lumen Gentium’, que descreve a relação colegial entre os bispos e o papa. Mas em outros documentos, o concílio sustentava o ideal de uma relação colegial entre o bispo e seus padres, e entre os padres e seu povo.

O Papa Francisco também está profundamente convencido de que o povo de Deus tem uma compreensão profunda da fé e da prática da Igreja – e, portanto, o povo deve ser ouvido. Esta não é uma ideia peculiar a Francisco, mas é um exemplo da herança católica, bem expressa na frase latina sensus fidelium, talvez mais bem traduzida em português como ‘o sentido da fé do fiel’. A insistência do Papa Francisco sobre isso é possivelmente influenciada pelo influente ensaio de Saint John Henry Newman ‘On Consulting the Faithful in Matters of Doctrine’.

Com isso, temos a base essencial para entender o que é sinodalidade e por que o papa está promovendo avidamente uma Igreja mais sinodal. A sinodalidade é o renascimento da mais antiga tradição de governança da Igreja e, portanto, o renascimento do papa é em si totalmente tradicional.

Como todo avivamento, no entanto, este é modificado pelas condições em que é revivido. Os avivamentos nunca reproduzem perfeitamente o artigo original. Por mais que tentassem, os arquitetos do século XIX não conseguiram replicar perfeitamente a arquitetura gótica do século XIII. A modificação mais dramática hoje da sinodalidade é a inclusão de tirar o fôlego do que o Papa Francisco propõe.

No passado, os participantes dos sínodos eram restritos a um pequeno número, não importa quão variado fosse o estado de vida dos participantes. Hoje, o Papa Francisco quer que todos os membros da Igreja expressem sua fé e suas esperanças e desejos para a Igreja. Os documentos preparatórios para o sínodo em toda a Igreja preveem a inclusão de não-católicos e não-cristãos. Nunca houve um exercício de colegialidade com um convite tão desqualificado e inclusivo.

Francisco claramente pretende que o processo sinodal seja um ato de colegialidade, mas o manual oficial do processo, o Vademecum, indica que deve ser uma consulta massiva no modo do Sínodo dos Bispos. Mesmo que o Papa Francisco pretenda que os resultados do processo sejam de alguma forma vinculativos para a Igreja – como as decisões dos sínodos foram até 1965 –não abdicará das responsabilidades de seu cargo. Devemos lembrar que na tradição de colegialidade praticada na Igreja ocidental desde o século 11, a voz do papa tem sido um elemento essencial no processo colegial. Os papas não são simples executores das determinações dos sínodos.

Assim, embora o apelo do Papa Francisco seja totalmente tradicional, é radicalmente novo na amplitude que prevê. Isso não deve nos escandalizar, mas nos energizar. Estamos iniciando um grande projeto, e nossa responsabilidade pelo seu sucesso é tão grande quanto o próprio projeto. Nós nos animamos trabalhando sob a égide de um versículo do Evangelho de Mateus : ‘E Jesus lhes disse : Portanto, todo mestre da lei, bem esclarecido quanto ao Reino dos céus, é semelhante a um pai de família que sabe tirar do seu tesouro coisas novas e coisas velhas. O profeta não é honrado pelos seus’ (13,52).’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1566413/2022/02/a-historia-da-sinodalidade-e-mais-antiga-do-que-voce-pensa/

sábado, 1 de maio de 2021

Cantar Cristo na liturgia e na vida

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Tânia da Silva Mayer,

teóloga


‘Quando eu soltar a minha voz,

Por favor, entenda

é apenas o meu jeito de viver

O que é amar’.

‘O cantor e poeta Gonzaguinha eternizou em sua voz os versos, ‘cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz’. E o aprendizado tem tudo a ver com a fé cristã, pois que já está muito claro em nosso tempo que nenhuma pessoa nasce cristã ou se torna cristã por forças culturais ou familiares. O tornar-se cristão, isto é, alguém que se encontrou com Jesus e se reconheceu diante da face desse homem e decidiu em segui-lo, é um processo que depende de um contínuo iniciar dos passos que nos levam em direção a ele que vem, de braços abertos, até nós. Por isso, os cristãos, mesmo os que já passaram pela iniciação à fé, são chamados a sempre retornarem ao primeiro amor, fonte de beleza e que dá sentido à vida. E, como afirmou santo Agostinho, ‘cantar é próprio de quem ama’. Dessa maneira, os cristãos que se deixaram inflamar pelo amor de Cristo e pelos irmãos estão sempre a cantar e cantar a beleza de constantemente revisitarem esse amor fonte da vida.

Por isso, as liturgias cristãs sempre foram integradas pela dimensão do canto e da música. Essa integração tem sua raiz mais profunda na experiência do povo judeu. O livro dos salmos é uma excelente amostra de convite ao louvor do Senhor por meio do próprio corpo ou de instrumentos musicais : ‘louvai-o tocando trombetas, louvai-o com harpa e cítara; louvai-o com tímpanos e danças, louvai-o nas cordas e nas flautas. Louvai-o com címbalos sonos, louvai-o com címbalos retumbantes’ (Sl 150, 3-5b). E diante da bondade e da fidelidade de Deus, o salmista entende sua vocação de reverenciar a Deus, e fala com muita certeza : ‘louvarei o Senhor enquanto eu for vivo, enquanto viver cantarei hinos a meu Deus’ (Sl 146,2). Também as comunidades cristãs reconhecem : ‘Alguém está alegre? Entoe hinos’ (Tg 5,13).

Nessa perspectiva, a reforma da liturgia realizada no Concílio Vaticano II reafirmou a participação plena e ativa da assembleia celebrante na ação litúrgica. Essa participação se dá de muitos modos e maneiras : ‘Para fomentar a participação ativa, promovam-se as aclamações dos fiéis, as respostas, a salmodia, as antífonas, os cânticos, bem como as ações, gestos e atitudes corporais. Não deve deixar de observar-se, a seu tempo, um silêncio sagrado’ (SC, n. 30). Ademais, a Igreja conciliar considerou que ‘Efetivamente, na Liturgia Deus fala ao Seu povo, e Cristo continua a anunciar o Evangelho. Por seu lado, o povo responde a Deus com o canto e a oração’ (SC, n. 33a). Desse modo, compreende-se o lugar fundamental e intrínseco que o canto ocupa na liturgia como fonte para nutrir a própria fé : ‘Por isso, não é só quando se faz a leitura ‘do que foi escrito para nossa instrução’ (Rm 15,4), ‘mas também quando a Igreja reza, canta ou age, que a fé dos presentes é alimentada e os espíritos se elevam a Deus, para se lhe submeterem de modo racional e receberem com mais abundância a sua graça’ (SC 33c).

Mas essa perspectiva precisa vir vinculada à outra que alcança a razão de ser da liturgia cristã. Precisamente, a liturgia é louvor a Deus e a oferta de santificação que o próprio Deus faz ao seu povo reunido ‘por Cristo, com Cristo e em Cristo’. Nesse aspecto, o Concílio ensinou que a liturgia é ação primeira de Cristo e do seu corpo que é a comunidade cristã. Assim, ‘Cristo está sempre presente na sua igreja, especialmente nas ações litúrgicas’; e Está presente, enfim, quando a Igreja reza e canta, Ele que prometeu : ‘Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles’ (Mt 18,20) (SC, n. 7a). Nessa perspectiva, é imprescindível compreender que pela gravidade da ação litúrgica no horizonte da salvação do povo, não é qualquer música ou canto que torna a presença de Cristo efetiva na liturgia. Precisamente, Cristo não é apenas o ‘Cantor’ que reúne as vozes polifônicas da assembleia reunida, ele é também o conteúdo, isto é, a razão e o motivo pelos quais a Igreja louva a Deus. Por isso se afirma que os fiéis cantam (a) liturgia porquanto cantam a morte e a ressurreição de Jesus, o Mistério Pascal que é fonte da alegria verdadeira que a faz louvar e cantar.

Nesse sentido, é importante considerar que a ação litúrgica, mesmo sendo o cume e a fonte da ação da Igreja (Cf. SC, n.10), não esgota o trabalho evangelizador que a comunidade cristã é chamada a realizar no mundo (Cf. SC, n.9). Desse modo, a vida de cada cristão e cristã deve ser uma ação litúrgica, isto é, um serviço por meio do qual a vida plena e abundante possa alcançar todos os povos e pessoas. Nessa esteira, pode-se afirmar que é no chão da vida de cada homem e mulher que Cristo é cantado, precisamente porque a existência está sempre diante da cruz e do túmulo vazio, de modo que fazemos cotidianamente a experiência de morrer e ressuscitar com Cristo. Por isso, ao longo de um único dia podemos ser tomados por uma tristeza sem fim que acaba sempre perdendo a força diante de uma tímida alegria por nos sabermos vivos. Desse modo, da mesma maneira que cantamos Cristo na liturgia da comunidade reunida na fé do Mistério Pascal, cantamos Cristo na liturgia da vida quando o nosso canto é expressão genuína das nossas vivências, das pelejas que todos enfrentamos entre risos e lágrimas, entre palavras e silêncios. Cantamos Cristo na liturgia da vida quando ‘são as lutas dessa nossa vida, que eu estou cantando’, na melodia, nem sempre harmônica, que nos embala e nos aproxima daquele que é a fonte de amor, da alegria e do canto.

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1513319/2021/04/cantar-cristo-na-liturgia-e-na-vida/

quinta-feira, 1 de abril de 2021

A Paixão de Cristo analisada por um médico católico

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de J-P Mauro,

escritor


‘O médico católico Timothy Millea examinou as últimas 18 horas da vida de Jesus e a tensão a que seu corpo foi submetido durante a Paixão e Crucificação. O cirurgião católico determinou, a partir dos relatos dos Evangelhos e das imagens do Sudário Turim – supostamente a mortalha de Cristo – que a causa mais provável de sua morte foi a perda de sangue. As informações foram dadas em uma palestra nos Estados Unidos.

Catholic News Service relata que, de acordo com o médico, o corpo humano contém cerca de 5 litros de sangue, e que perder apenas 40% deste volume o coloca em risco de choque hipovolêmico, uma condição com risco de vida. Depois de uma noite inteira de espancamentos, flagelação e sua derradeira Crucificação, Jesus provavelmente tenha ultrapassado esse limiar.

Cristo se esvaziou. Como cirurgião, digo que uma palavra deixa nosso cabelo em pé : sangrar. Se você não consegue parar um sangramento, não conseguirá manter o paciente vivo’, disse o doutor Millea.

Algumas pessoas perguntam : Jesus realmente morreu de fatores físicos, ou ele – como Deus – disse : ‘OK, meu trabalho está feito’. Como ele viveu esse tempo é um dos maiores mistérios divinos’, acrescentou o cirurgião.

O médico explicou que seu interesse pelo assunto – a causa da morte de Cristo – surgiu quando ele leu um artigo de 1986 sobre a morte física de Jesus Cristo no Jornal da Associação Médica Americana. Em sua pesquisa sobre o assunto, descobriu que essa discussão vem ocorrendo desde o século XVI.

Depois de vários estudos, o cirurgião concluiu que o homem do Sudário de Turim pesava cerca de 79 quilos. Apesar de a tradição nos dizer que Jesus foi açoitado 39 vezes, para o especialista a imagem no Sudário exibe quase 400 feridas – e todas sangravam no dia da morte.

Os romanos provavelmente usaram um flagrum, um tipo de chicote feito de cordões de couro de 2 metros de comprimento com objetos de metal, vidro quebrado e bolas de chumbo. Cada golpe do chicote tinha o potencial de deixar dezenas de feridas. ‘Foi um meio diabolicamente eficaz de atingir os tecidos até a profundidade muscular’, disse Millea.

A coroa de espinhos também poderia ter provocado muitas feridas. ‘Toda vez que os soldados acertavam os espinhos, eles penetravam no couro cabeludo. Se você já teve um corte no seu couro cabeludo, você sabe que isso faz você sangrar como um louco’, lembrou o médico.

Sobre a cruz, Millea afirmou que Jesus provavelmente só estava carregando a trave, já que a cruz inteira seria muito pesada. Ele disse : ‘Você tem um homem de 79 quilos que foi espancado, está sangrando, não comeu, dormiu ou bebeu nada e vai conseguir carregar mais de 100 quilos? Ele caiu três vezes? É um milagre que ele não tenha caído mais’, acrescentou o especialista.

Mais perda de sangue ocorreu quando Jesus foi pregado pelos pulsos. Millea observa que os pregos não teriam sido passado pelas mãos, pois não seriam capazes de suportar o peso do crucificado.

Millea também lembrou que outros médicos e historiadores especulam que a morte de Cristo poderia ter sido causada por asfixia (porque a respiração era muito difícil na cruz) ou mesmo por um ataque cardíaco após passar por um trauma tão intenso durante tanto tempo.

Mas o cirurgião disse que a perda de sangue não é apenas uma explicação médica para a morte de Jesus, mas também uma explicação bíblica. Os cordeiros abatidos no Antigo Testamento podem ser uma referência a Jesus, pois a causa da morte dos animais era também a perda de sangue.

Por fim, ele descreveu os eventos da Paixão e Morte de Jesus como ‘uma história trágica, uma história horrível, uma história dolorosa’, mas ao terminar sua apresentação, o médico mostrou uma imagem do Cristo ressuscitado, lembrando ao público que ‘essa história não termina como nós terminamos esta apresentação nesta noite’.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2019/04/15/a-paixao-de-cristo-analisada-por-um-medico-catolico/

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Por que precisamos do Espírito Santo?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

What about the Holy Spirit?
*Artigo do Padre Paulo Ricardo


‘O Tempo Pascal dá-nos a oportunidade de entender o papel do Espírito Santo na salvação e na santificação das almas, e porque devemos recorrer a Ele não somente agora. Afinal de contas, é por meio do Espírito Santo que aplicamos em nós a redenção de Cristo.

Nota prévia. — Para os estudantes de teologia, queremos esclarecer que a finalidade deste programa é, antes de tudo, apresentar uma distinção entre a chamada redenção objetiva e a redenção subjetiva, de tal forma que as pessoas possam compreender, na prática, como é aplicada a salvação de Cristo em suas vidas.
Depois, as coisas que iremos apresentar sobre o papel do Espírito Santo na ‘economia da salvação’ — ou seja, as obras ad extra, que Deus realiza na história humana — dizem respeito às três Pessoas Divinas, como ensina o Tratado da Trindade. Na verdade, as ações de Deus são sempre ações trinitárias, e o papel que atribuímos a cada uma das Pessoas Divinas é por ‘apropriação’ (secundum quid), segundo aquilo que expõe a própria Sagrada Escritura e a Tradição da Igreja.

A economia da salvação. — A Tradição Católica ensina claramente que nosso único Deus é, ao mesmo tempo, distinto em três Pessoas igualmente divinas : Pai, e Filho, e Espírito Santo. Esse mesmo Deus, uno e trino, quer a nossa salvação e, para isso, deve nos introduzir na sua própria natureza divina, por meio de uma adoção filial. Ou seja, Ele quer fazer de nós seus filhos, mesmo sendo o homem uma pobre criatura, que ademais caiu na escravidão do pecado.

Para cumprir esse desígnio, o Pai, que habita em luz inacessível, enviou o seu Filho eterno, que veio a este mundo, tornando-se Filho do Homem (filho da Virgem Maria, dizendo com mais propriedade). E com essa carne Ele sofreu a sua Paixão, Morte e Ressurreição, em vista da redenção de todos. A partir do mistério da Cruz, portanto, nós, homens, temos acesso aos méritos da Redenção e podemos, enfim, receber a graça da libertação do pecado e da adoção como ‘filhos de Deus’.

Objetivamente, Jesus Cristo nos salvou, dando-nos o remédio de uma doença que antes parecia incurável. Mas esse remédio, ou seja, aquilo que Jesus alcançou na Cruz, precisa ser aplicado à alma para que surta efeito, de modo que a redenção objetiva de Jesus, como dizem os teólogos, deve ser acolhida pessoalmente, no íntimo de nossas almas, como redenção subjetiva. Ao contrário, se não houver essa acolhida, se o paciente não tomar o remédio, se nós não acolhermos os méritos da Paixão de Cristo como dom para nossa salvação, então pereceremos todos do mesmo modo (cf. Lc 13, 3).

Para aplicar esse remédio na alma, nós precisamos do Espírito Santo. Sem Ele, podemos nos considerar perdidos, pois necessitamos que nossa inteligência e vontade sejam movidas em direção a Deus.

O papel do Espírito Santo e os sacramentos. — Nas Sagradas Páginas, vemos que o Espírito Santo é enviado a todas as pessoas, a fim de movê-las para Deus. Todos os seres humanos, mesmo o mais pecador, recebem a visita do Paráclito, que procede do Pai e do Filho. E, por meio dessa visita, isto é, os toques da graça, Deus nos convida à conversão.

Se a alma acolhe o chamado divino, fugindo das distrações do mundo, recebe desde já um ‘toque’ do Espírito Santo, que a coloca num estado de busca de Deus. A pessoa ainda não batizada busca, assim, saciar sua sede em diferentes lugares : num livro, numa pregação, num filme religioso etc. Mais tarde, ela toma a decisão de mudar, procura ser católica e, finalmente, pede o Batismo. E se já for batizada, mas estiver em estado de pecado mortal, pede a Confissão. E por meio desses sacramentos, o Espírito Santo realiza uma mudança nessa alma, dando-lhe a graça santificante, um organismo espiritual, um verdadeiro estado de amizade com Deus, e esse mesmo Espírito passa a habitá-la, plantando ali um ‘germe da vida eterna’, a própria vida divina (Cf. 2 Pe 1, 4).

Aqui devemos insistir que os sacramentos, todos eles, não são coisas dispensáveis, mas instrumentos eficazes da ação do Espírito Santo. Portanto, sem os sacramentos instituídos por Cristo, os quais se encontram perfeita e plenamente na Igreja Católica, é impossível ter uma vida cristã autêntica, razão pela qual a alma dos não católicos encontra-se em situação muito grave.

O progresso da graça santificante. — Os sete sacramentos são, sim, um instrumento do Cristo Ressuscitado para nos conceder o Espírito Santo e nos assegurar a graça santificante. Essa graça nada mais é que a ‘semente’ ou ‘germe da vida eterna’, que precisa ser cultivada a fim de dar muitos frutos.

Como uma criança que cultiva uma pequena semente de feijão, colocando-a num algodão e cercando-a de todos os cuidados, nós precisamos zelar pelo nosso estado de graça, cujo valor está acima de todos os bens do universo (cf. STh I-II 113, 9 ad 2). Se a criança cuida bem de seu feijãozinho, logo ele cresce e pode ser plantado no jardim para gerar muitas vagens. Do mesmo modo, o organismo espiritual necessita de meios adequados para crescer e produzir frutos de vida eterna.

Acontece, de fato, que a graça santificante não progride em muitos corações. E a razão para isso é a falta de seu cultivo; a graça fica como que estagnada, esquecida como uma semente de feijão no saco da despensa. Desse modo, ela nunca poderá crescer pois lhe faltam terreno fértil, luz do sol e adubo adequado. Dito de outro modo, graça santificante precisa de uma vida de oração, uma vida de intimidade com o Espírito Santo, afora a recepção devota e bem disposta dos sacramentos.

A forma comum de o Espírito Santo agir numa alma, para além dos sacramentos, é a oração humilde. Ele se aproxima de quantos se colocam com o coração pobre e pedem a sua intervenção. Essas almas precisam suplicar a vinda do Pai dos pobres (pater pauperum) e confessar-lhe a própria indigência. E ainda que elas se dirijam às outras Pessoas da Trindade, à Virgem Maria ou a algum santo de devoção, o Espírito Santo não as desprezará se, contudo, fizerem uma oração sincera e humilde.

Ora, se um ateu fizer uma oração sincera, suplicando a intervenção de Jesus, mesmo que esse incrédulo não tenha certeza da existência de Deus, o Espírito Santo escutará a sua prece. Porque, na verdade, não seria por força própria, mas sim por aquela do Espírito Santo que a oração seria sincera e sairia do coração como um grito, de modo que poderíamos dizer que já não é a pessoa quem está rezando, mas o próprio Espírito Santo que diz : Abba, Pai.

Toda alma que clama por Deus, clama no Espírito Santo, mesmo não sabendo da sua existência. Porque, de fato, como canta a sequência para a solenidade de Pentecostes, sem a luz que acode, nada o homem pode, nenhum bem há nele. Quando, portanto, pedimos ajuda aos céus, esse nosso pedido não é um clamor solitário. Ao contrário, tendo o Espírito Santo nos incitado à prece, acompanha-nos inspirando o que pedir e como pedir.

A vida de oração. — Sem dúvida, a oração é um excelente meio de nos relacionarmos com o Espírito Santo e, por isso mesmo, progredirmos na santidade. Devemos, pois, rezar e rezar muito.

É fato, porém, que muitas almas têm dificuldade de se concentrar e ouvir a voz de Deus. São como crianças que se dispersam por qualquer coisa. Nesse caso, essas almas precisam ser humildes e seguir a pedagogia da boa mãe, que sabe acalmar os filhos agitados, dando-lhes os seus brinquedos e, ao mesmo tempo, educando-os na verdade. Enquanto as crianças pintam os seus desenhos, dirigem os seus carrinhos ou cuidam de suas bonecas, a mãe lhes diz a lição. Mas se essa mãe agir com rudeza, separando os filhos dos seus ‘companheiros de diversão’, ela só conseguirá deixá-los mais agitados e dispersos.

Na vida de oração, mutatis mutandis, a pessoa pode precisar de alguns ‘brinquedos’ para se concentrar, pois algumas almas são tão agitadas que, diante do Santíssimo na capela, ou elas se agitam mais ou simplesmente paralisam, ficam em stand by, sem se darem conta do Deus que está presente ali. E mesmo se essas almas forem disciplinadas, por exemplo, e passarem um ano ‘rezando’ desse modo, elas não colherão fruto algum e o diabo não deixará de incutir nelas um desprezo pela intimidade com Deus.

A oração, no entanto, como ensina Santa Teresa, é um trato de amizade com quem você sabe que o ama. Rezar é falar com Deus. E para realizar este trato íntimo de diálogo com Deus, pode-se recorrer a esses ‘brinquedos’ : pode ser durante o trânsito; pode ser numa caminhada; pode ser escrevendo uma carta para Deus, desde que tudo isso seja feito como diálogo sincero, como um colóquio entre amigos. No início da vida de oração, aliás, a alma é mesmo como uma criança e precisa de estímulos para se recolher. Por isso, a melhor maneira de rezar nesse estágio é aquela em que a pessoa consegue ter uma conversa com Deus, seja onde for : andando, dirigindo ou lavando a louça.

Um recurso eficaz para quem gosta de fazer suas orações na capela e, no entanto, sente-se muito agitado, é o caderno espiritual. Com essas folhas, a pessoa poderá escrever sua carta para Deus, expressando-se ali com toda segurança e simplicidade.

Enfim, se essas almas forem constantes, mesmo que sua oração seja de apenas 15 minutos, elas certamente colherão, na vida cotidiana, os frutos do Espírito Santo, porque, de verdade, é no dia a dia que os bens de Deus se revelam : é a maior paciência diante de uma contrariedade; é a resistência diante de um desejo impuro; é o cumprimento de uma tarefa difícil etc. Todas essas pequenas mudanças, que acontecem lentamente, surgem a partir da perseverança na oração.

Veni, Sancte Spiritus’. — Mais uma vez queremos insistir : o progresso na santidade depende necessariamente do nosso abandono ao Paráclito. Precisamos do Espírito Santo para que a semente da graça santificante gere, em nós, frutos de vida eterna. Por isso nós lhe chamamos, no Credo de Niceia e Constantinopla, ‘Dominum et vivificantem’ : Dominum, porque é Senhor, e vivificantem, porque nos enche da Vida (do grego ζωη ou zoé).

Tal geração pode ser muito rápida, como em São Paulo Apóstolo e São Francisco de Assis, mas, na maior parte dos casos, acontece lentamente, passo por passo, como o crescimento de uma planta. Requerem-se, portanto, paciência, perseverança e, sobretudo, abandono ao Espírito Santo, e, aos poucos, Ele mesmo fará brotar os novos ramos e as folhas até, finalmente, aparecerem os frutos. Ou seja, Ele nos concederá o ‘dom da graça’. O Espírito Santo produzirá em nós o acolhimento pessoal (redenção subjetiva) dos méritos obtidos por Cristo na Cruz para a salvação universal dos homens (redenção objetiva).

Para facilitar esse relacionamento com o Espírito Santo, a Igreja nos oferece, nestes dias, a novena de Pentecostes. Trata-se de pedir incessantemente com todos os santos e anjos : Veni, Sancte Spiritus, nessa oração da sequência de Pentecostes, que o ‘gênio do cristianismo’ adaptou belissimamente ao canto gregoriano (existe também uma versão em vernáculo para o Brasil). Recomendamos a todos a récita dessa oração, que se encontra disponível no Lecionário.

Na primeira estrofe, diz-se assim : Veni, Sancte Spiritus, et emitte caelitus lucis tuae radium, isto é, ‘Espírito de Deus, enviai dos céus um raio de luz’. É apenas por meio da luz de Deus que enxergamos o mundo com visão sobrenatural. Como sugere a sequência nas sétima e oitava estrofes, aqueles que vivem na carne olham para esta vida e veem tudo sujo (sordidum), seco (aridum), ferido e doente (saucium). Para quem vive na carne, tudo é difícil (rigidum), de modo que o coração permanece frio (frigidum) e os caminhos, desviados (devium) de Deus.

Somente o Espírito Santo pode transformar essa visão. A sequência, por isso, pede assim : Lava quod est sordidum (ao sujo lavai) / riga quod est aridum (ao seco regai) / sana quod est saucium (curai o doente). O interessante desses três versos é que, ordenadamente, eles passam do ser menos animado ao mais animado, do mineral, passando pelo vegetal, ao animal : lava, por exemplo, a pedra suja, rega a planta seca, cura o animal ferido.

Na oitava estrofe, o Espírito é chamado de ferreiro, que vai atiçar o fogo para transformar a dureza do ferro. No fogo do amor de Deus, aquele material ‘rígido’ torna-se ‘flexível’ (flecte quod est rigidum); a sua ‘frieza’ é ‘aquecida’ (fove quod est frigidum) e, finalmente, o seu ‘desvio’ é ‘endireitado’ (rege quod est devium).

É fato bem concreto que, sem a luz sobrenatural da graça, enxergamos apenas sujeira, aridez e doença, e por elas somos movidos. E isso é perceptível mesmo entre as pessoas ditas ‘de Igreja’. Elas vivem ainda na carne e, por isso, veem apenas os membros miseráveis do santo Corpo de Cristo; vão à missa por moralismo, pelas sensações que irão sentir com algum canto, sermão ou rito, pela teologia da prosperidade ou pela possibilidade de conseguir algum relacionamento amoroso. Mas não são movidas pelo Espírito Santo.

Sem o Espírito Santo, nós iniciamos uma boa obra mas não a levamos à perfeição, de modo que nossa participação na Igreja se torna cada vez mais indiferente, fria e árida. E a própria Igreja se torna, para nós, um ambiente ‘sujo’, ‘rígido’, ‘torto’ e ‘doente, ainda que estejamos num mosteiro beneditino, na cartuxa ou na melhor paróquia do mundo.

A finalidade de tudo quanto dissemos até agora é, ao fim e ao cabo, libertar-nos, por meio do Espírito Santo, dessa visão tortuosa e carnal, a fim de que Ele aplique em nós a salvação de Jesus, mais especificamente, o salutis exitum, isto é, o êxito final da alegria eterna (perenne gaudium). No caminhar de nossa vida, o Espírito Santo deve nos dar as virtudes (virtutis meritum), com as quais iremos crescendo na santidade até chegarmos a nossa meta (salutis exitum), à perfeição final. Porque apenas desse modo seremos objetos concretos da redenção de Cristo, teremos a redenção subjetiva perfeitamente realizada em nossas almas.

Portanto, comecemos imediatamente a suplicar a presença do Espírito Santo, repetindo o exemplo dos Apóstolos e da Virgem Maria, que rezaram com perseverança durante nove dias, até a chegada do Senhor. A novena de Pentecostes é um microcosmos de como deve ser a nossa vida inteira. Com o auxílio de nossa Mãe Santíssima, aprenderemos a viver na intimidade do Espírito, o socorro do Céu. Ela, a Virgem Maria, os santos e os anjos bem podem se unir a nossa oração da sequência e dizer conosco : Veni, Sancte Spiritus, et emitte caelitus lucis tuae radium!

E o ‘Pai dos pobres’ (pater pauperum), ‘doador dos dons’ (dator munerum), e ‘luz dos corações’ (lumen cordium) virá logo em nosso auxílio, porque Ele é o ‘consolo que acalma’ (consolator optime), o ‘hóspede da alma’ (hospes animae), o nosso ‘doce alívio’ (dulce refrigerium).

Sim, Luz beatíssima, enche os corações dos teus fiéis (O lux beatissima, reple cordis intima tuorum fidelium).’



Fonte :
*Artigo na íntegra

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Não somos super-heróis porque Cristo nos fortalece

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Shadows of Christ: Marriage – Springs of Life Bible Church
*Artigo de Fabrício Veliq,
teólogo protestante



Esse versículo é amplamente conhecido pelos cristãos. É muito comum encontrá-lo em carros, casas, status de redes sociais etc. Geralmente é usado com a ideia de que se é vencedor ou, em alguns casos mais extremos, abençoado, alguém que, por batalhar firme em seus projetos, alcançou o que gostaria ou é retribuído por Deus com uma vida na qual todas as barreiras são transpostas.

Esta visão, embora motivacional e encorajadora, em nada tem a ver com o texto paulino. Somente revela aquilo que não cansamos de pontuar : que todo texto tirado do seu contexto serve de pretexto para se afirmar qualquer coisa. Com o texto em questão não é diferente. Ele não tem nada a ver com uma visão triunfalista do mundo e muito menos com uma espécie de discurso coaching de Paulo para os membros da Igreja de Filipos.

A leitura do contexto deixa muito clara qual é a intenção de Paulo ao dizer essas palavras. Nos dois versículos anteriores ele menciona que aprendeu a viver em toda e qualquer situação : pobreza, humilhação, honra, fome, abundância e escassez, de maneira que afirma que pode todas as coisas em Cristo que o fortalece em meio a isso. Dessa forma, o texto fala mais sobre o conforto e suporte de Cristo que Paulo encontrou em meio às inúmeras dificuldades do que a criação de uma espécie de supercristão, imbatível, que pode fazer todas as coisas a que se propõe.

Nos tempos conturbados pelos quais passamos, a compreensão do texto bíblico se mostra fundamental e de suma importância para que possa realmente se tornar palavra de Deus em nosso cotidiano e, através de nós, alcançar outras vidas. Uma leitura equivocada desse texto pode levar a atitudes totalmente irresponsáveis em relação à pandemia que enfrentamos. Basta tomar o texto em sua compreensão errada para sair afirmando que se é mais forte que o vírus ou, ainda, que pegá-lo não causará dano algum, visto que a vitória sobre ele seria certa porque todas as coisas são possíveis em Cristo que nos fortalece.

Como exemplo, podemos tomar os inúmeros líderes políticos e religiosos. Vários têm se mostrado irresponsáveis, mentirosos, charlatões e cruéis em suas falas a respeito da flexibilização das medidas de isolamento. Propagam promessas de curas por meio de vendas de elementos ungidos e outras práticas baseados em leituras distorcidas e desonestas dos textos bíblicos tirados de seus contextos. Com esses discursos e atitudes, têm levado à morte e ao engano pessoas simples e de boa fé.

O texto, porém, entendido em sua forma e contexto corretos, quer afirmar que em todos os momentos de nossa vida – alegres e tristes, saudáveis e doentes, em paz e em guerra, na normalidade e na pandemia – Cristo está nos fortalecendo. Ele caminha conosco, confortando-nos e capacitando-nos para tomarmos as atitudes corretas, responsáveis e sábias em cada momento de nossa existência.

Dessa forma, o ensinamento que Paulo quer trazer passa longe da postura de supercristãos em frente às dificuldades. Antes, quer mostrar que, por meio de Cristo, é possível se manter firme na fé e ser sinal da esperança cristã. Ela aponta que Deus se faz presente até mesmo nos momentos mais desesperadores pelos quais passamos e, dessa forma, nos fortalece a ponto de sermos capazes de afirmar que podemos todas as coisas naquele que nos fortalece.



Fonte :
*Artigo na íntegra