sábado, 27 de abril de 2013

Carta Apostólica Mulieris Dignitatem (Capítulos 1 e 2 de 9)

Caros Leitores

Estamos às portas do mês de maio, mês que a Igreja dedica a Maria, Mãe de Jesus.  Então achamos oportuno trazer uma matéria de imensa importância que é o Documento da Igreja denominado  Carta Apostólica "Mulieris Dignitatem". como é muito extensa, iremos publicá-la em capítulos, tal como está no documento. Esperamos que seja proveitosa a leitura.


CARTA APOSTÓLICA MULIERIS DIGNITATEM DO SUMO PONTÍFICE JOÃO PAULO II OBRE A DIGNIDADE E A VOCAÇÃO DA MULHER POR OCASIÃO DO ANO MARIANO

                              CAPITURA I  E II


                                                               


Veneráveis Irmãos e caríssimos Filhos e Filhas,

saúde e Bênção Apostólica!

-I-

INTRODUÇÃO



Um sinal dos tempos



1. A DIGNIDADE DA MULHER e a sua vocação — objeto constante de reflexão humana e cristã — têm assumido, em anos recentes, um relevo todo especial. Isso é demonstrado, entre outras coisas, pelas intervenções do Magistério da Igreja, refletidas nos vários documentos do Concílio Vaticano II, que afirma em sua Mensagem final: « Mas a hora vem, a hora chegou, em que a vocação da mulher se realiza em plenitude, a hora em que a mulher adquire no mundo uma influência, um alcance, um poder jamais alcançados até agora. Por isso, no momento em que a humanidade conhece uma mudança tão profunda, as mulheres iluminadas do espírito do Evangelho tanto podem ajudar para que a humanidade não decaia ».(1) As palavras desta Mensagem retomam o que já fora expresso no Magistério conciliar, especialmente na Constituição pastoral Gaudium et Spes (2) e no Decreto sobre o apostolado dos leigos, Apostolicam Actuositatem.(3)

Tomadas de posição semelhantes verificaram-se no período pré-conciliar, por exemplo em não poucos discursos do Papa Pio XII (4)e na Encíclica Pacem in Terris do Papa João XXIII.(5) Após o Concílio Vaticano II, o meu predecessor Paulo VI explicitou o significado deste « sinal dos tempos », conferindo o título de Doutor da Igreja a Santa Teresa de Jesus e a Santa Catarina de Sena, (6) e instituindo, além disso, a pedido da Assembléia do Sínodo dos Bispos em 1971, uma Comissão especial cuja finalidade era estudar os problemas contemporâneos concernentes à « promoção efetiva da dignidade e da responsabilidade das mulheres ». (7) Num de seus Discursos, o Papa Paulo VI declarou, entre outras coisas « No cristianismo, de fato, mais que em qualquer outra religião, a mulher tem, desde as origens, um estatuto especial de dignidade, do qual o Novo Testamento nos atesta não poucos e não pequenos aspectos (...); aparece com evidência que a mulher é destinada a fazer parte da estrutura viva e operante do cristianismo de modo tão relevante, que talvez ainda não tenham sido enucleadas todas as suas virtualidades ».(8)

Os Padres da recente Assembléia do Sínodo dos Bispos (Outubro de 1987), dedicada à « vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo vinte anos após o Concílio Vaticano II », voltaram a ocupar-se da dignidade e da vocação da mulher. Auspiciaram, entre outras coisas, o aprofundamento dos fundamentos antropológicos e teológicos necessários para resolver os problemas relativos ao significado e à dignidade do ser mulher e do ser homem. Trata-se de compreender a razão e as consequências da decisão do Criador de fazer existir o ser humano sempre e somente como mulher e como homem. Somente a partir destes fundamentos, que consentem colher em profundidade a dignidade e a vocação da mulher, é possível falar da sua presença ativa na Igreja e na sociedade.


é disso que entendo tratar no presente Documento. A Exortação pós-sinodal, a ser publicada a seguir, apresentará as propostas de índole pastoral relativas ao lugar da mulher na Igreja e na sociedade, sobre as quais os Padres sinodais teceram importantes considerações, tendo avaliado também os testemunhos dos Auditores leigos — mulheres e homens — provenientes das Igrejas particulares de todos os continentes.

O Ano Mariano

2. O último Sínodo realizou-se durante o Ano Mariano, que oferece um incentivo particular para tratar do tema presente, como o indica também a Encíclica Redemptoris Mater. (9) Esta Encíclica desenvolve e atualiza o ensinamento do Concílio Vaticano II, contido no capítulo VIII da Constituição dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium. Esse capítulo traz um título significativo: « A Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, no mistério de Cristo e da Igreja ». Maria — esta « mulher » da Bíblia (cf. Gên 3, 15; Jo 2, 4; 19, 26) — pertence intimamente ao mistério salvífico de Cristo, e por isso está presente de modo especial também no mistério da Igreja. Porque « a Igreja é em Cristo como que o sacramento... da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano », (10) a presença especial da Mãe de Deus no mistério da Igreja nos consente pensar no vínculo excepcional entre esta « mulher » e toda a família humana. Trata-se aqui de cada um e de cada uma, de todos os filhos e de todas as filhas do gênero humano, nos quais se realiza, no curso das gerações, aquela herança fundamental da humanidade inteira que está ligada ao mistério do « princípio » bíblico: « Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou » (Gen 1, 27). (11)

ta verdade eterna sobre o homem, homem e mulher — verdade que está imutavelmente fixada também na experiência de todos — constitui ao mesmo tempo o mistério que só « se torna claro verdadeiramente no Verbo encarnado... Cristo manifesta plenamente o homem ao próprio homem e lhe descobre a sua altíssima vocação », como ensina o Concílio. (12) Neste « manifestar o homem ao próprio homem » não será talvez preciso descobrir um lugar especial para a « mulher » que foi a Mãe de Cristo? A « mensagem » de Cristo, contida no Evangelho e que tem como pano de fundo toda a Escritura, Antigo e Novo Testamentos, não poderá talvez dizer muito à Igreja e à humanidade sobre a dignidade e a vocação da mulher?

Este quer ser precisamente o fio condutor do presente Documento, que se enquadra no amplo contexto do Ano Mariano, enquanto nos encaminhamos para o final do segundo milênio do nascimento de Cristo e o início do terceiro. E parece-me que o melhor seja dar a este texto o estilo e o caráter de uma meditação.


II

MULHER — MÃE DE DEUS

(THEOTÓKOS )

União com Deus

« Ao chegar a plenitude dos tempos, enviou Deus o seu Filho, nascido duma mulher ». Com estas palavras da Carta aos Gálatas (4, 4), o Apóstolo Paulo une entre si os momentos principais que determinam essencialmente o cumprimento do mistério « preestabelecido em Deus » (cf. Ef 1, 9). O Filho, Verbo consubstancial ao Pai, nasce como homem de uma mulher, quando chega a « plenitude dos tempos ». Este acontecimento conduz ao ponto chave da história do homem sobre a terra, entendida como história da salvação. É significativo que o Apóstolo não chame a Mãe de Cristo com o nome próprio de « Maria », mas a defina como « mulher »: isto estabelece uma concordância com as palavras do Proto-Evangelho no Livro do Gênesis (cf. 3, 15). Precisamente essa « mulher » está presente no evento salvífico central, que decide da « plenitude dos tempos »: esse evento realiza-se nela e por seu meio.

Inicia-se assim o evento central, o evento chave na história da salvação, a Páscoa do Senhor. Contudo, vale talvez a pena reconsiderá-lo a partir da história espiritual do homem entendida no sentido mais amplo, tal como se exprime nas diversas religiões do mundo. Recorremos aqui às palavras do Concílio Vaticano II: « Por meio de religiões diversas procuram os homens uma resposta aos profundos enigmas para a condição humana, que tanto ontem como hoje afligem intimamente os espíritos dos homens, quais sejam: que é o homem, qual o sentido e fim de nossa vida, que é bem e que é pecado, qual a origem dos sofrimentos e qual sua finalidade, qual o caminho para obter a verdadeira felicidade, que é a morte, o julgamento e retribuição após a morte e, finalmente, que é aquele supremo e inefável mistério que envolve nossa existência, donde nos originamos e para o qual caminhamos. (13) « Desde a antiguidade até à época atual, encontra-se entre os diversos povos certa percepção daquela força misteriosa que preside o desenrolar das coisas e acontecimentos da vida humana, chegando mesmo às vezes ao conhecimento duma suprema divindade ou até do Pai. (14)

Sobre o pano de fundo desse vasto panorama, que põe em evidência as aspirações do espírito humano em busca de Deus — às vezes a caminhando quase às apalpadelas » (cf. At 17, 27) — a « plenitude dos tempos », de que fala Paulo na sua Carta, põe em relevo a resposta do próprio Deus, daquele « em quem vivemos, nos movemos e somos » (cf. At 17, 28). Este é o Deus que « muitas vezes e de muitos modos falou outrora a nossos pais, nos profetas; nestes últimos tempos, falou a nós no Filho » (cf. Hebr 1, 1-2). O envio deste Filho, consubstancial ao Pai, como homem « nascido de mulher », constitui o ponto culminante e definitivo da autorevelação de Deus à humanidade. Esta auto-revelação possui um caráter salvífico, como ensina em outra parte o Concílio Vaticano II: « Aprouve a Deus, em sua bondade e sabedoria, revelar-Se a Si mesmo e tornar conhecido o mistério de Sua vontade (cf. Ef 1, 9), pelo qual os homens, por intermédio do Cristo, Verbo feito carne, e no Espírito Santo, têm acesso ao Pai e se tornam participantes da natureza divina (cf. Ef 2, 18; 2 Pdr 1, 4)». (15)

A mulher encontra-se no coração deste evento salvífico. A auto-revelação de Deus, que é a imperscrutável unidade da Trindade, está contida, nas suas linhas fundamentais, na Anunciação de Nazaré. « Eis que conceberás e darás à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo ». — « Como se realizará isso, pois não conheço homem? » — « Virá sobre ti o Espírito Santo e a potência do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso mesmo o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus... A Deus nada é impossível » (cf. Lc. 1, 31-37). (16)

É fácil pensar neste evento na perspectiva da história de Israel, o povo eleito do qual Maria descende; mas é fácil também pensá-lo na perspectiva de todos aqueles caminhos pelos quais a humanidade desde sempre procura resposta às interrogações fundamentais e, ao mesmo tempo, definitivas que mais a afligem. Não se encontra, talvez, na Anunciação de Nazaré, o início daquela resposta definitiva, mediante a qual Deus mesmo vem ao encontro das inquietudes do coração humano? (17) Aqui não se trata apenas de palavras de Deus reveladas através dos Profetas; mas da resposta pela qual realmente « o Verbo se faz carne » (cf. Jo 1, 14). Maria alcança assim uma tal união com Deus que supera todas as expectativas do espírito humano. Supera até mesmo as expectativas de todo Israel e, particularmente, das filhas deste povo escolhido; estas, tendo por base a promessa, podiam esperar que uma delas se tornasse um dia Mãe do Messias. Qual delas, todavia, podia supor que o Messias prometido seria o « Filho do Altíssimo »? A partir da fé monoteísta do Antigo Testamento, isto se tornava dificilmente conjeturável. Só pela força do Espírito Santo, que « estendeu a sua sombra » sobre ela, Maria podia aceitar o que é « impossível para os homens, mas possível para Deus » (cf. Mc 10, 27).

Theotókos

4. Assim a « plenitude dos tempos » manifesta a extraordinária dignidade da « mulher ». Esta dignidade consiste, por um lado, na elevação sobrenatural à união com Deus, em Jesus Cristo, que determina a profundíssima finalidade da existência de todo homem, tanto na terra, como na eternidade. Deste ponto de vista, a « mulher » é a representante e o arquétipo de todo o gênero humano: representa a humanidade que pertence a todos os seres humanos, quer homens quer mulheres. Por outro lado, porém, o evento de Nazaré põe em relevo uma forma de união com o Deus vivo que pode pertencer somente à « mulher », Maria: a união entre mãe e filho. A Virgem de Nazaré torna-se, de fato, a Mãe de Deus.

Esta verdade, recebida desde o início da fé cristã, foi solenemente formulada no Concílio de Éfeso (a. 431). (18) Contrapondo-se à opinião de Nestório, que considerava Maria exclusivamente mãe de Jesus-homem, este Concílio salientou o significado essencial da maternidade da Virgem Maria. No momento da Anunciação, respondendo com o seu « fiat », Maria concebeu um homem que era Filho de Deus, consubstancial ao Pai. Portanto, é verdadeiramente a Mãe de Deus, uma vez que a maternidade diz respeito à pessoa inteira, e não apenas ao corpo, nem tampouco apenas à « natureza » humana. Deste modo o nome « Theotókos » — Mãe de Deus — tornou-se o nome próprio da união com Deus, concedida à Virgem Maria.

A união singular da « Theotókos » com Deus, que realiza do modo mais eminente a predestinação sobrenatural à união com o Pai prodigalizada a todo homem (« filii in Filio »), é pura graça e, como tal, um dom do Espírito. Ao mesmo tempo, porém, mediante a resposta de fé, Maria exprime a sua livre vontade e, portanto, a plena participação do « eu » pessoal e feminino no evento da Encarnação. Com o seu «fiat », Maria torna-se o sujeito autêntico da união com Deus que se realizou no mistério da Encarnação do Verbo consubstancial ao Pai.

Toda ação de Deus na história dos homens respeita sempre a vontade livre do « eu » humano. O mesmo acontece na Anunciação em Nazaré.

« Servir quer dizer reinar »

5. Este evento possui um caráter nitidamente interpessoal: é um diálogo. Não o compreendemos plenamente se não enquadrarmos toda a conversação entre o Anjo e Maria na saudação: « cheia de graça ». (19) Todo o diálogo da Anunciação revela a dimensão essencial do evento: a dimensão sobrenatural (**). Mas a graça nunca dispensa nem anula a natureza, antes a aperfeiçoa e enobrece. Portanto, a « plenitude de graça », concedida à Virgem de Nazaré, em vista do seu tornar-se « Theotókos », significa, ao mesmo tempo, a plenitude da perfeição daquilo « que é característico da mulher », daquilo « que é feminino ». Encontramo-nos aqui, em certo sentido, no ponto culminante, no arquétipo da dignidade pessoal da mulher.

Quando Maria responde às palavras do mensageiro celeste com o seu « fiat », a « cheia de graça » sente necessidade de exprimir a sua relação pessoal, a respeito do dom que lhe foi revelado, dizendo: « Eis a serva do Senhor » (Lc 1, 38). Esta frase não pode ser privada nem diminuída do seu sentido profundo, tirando-a artificialmente de todo o contexto do evento e de todo o conteúdo da verdade revelada sobre Deus e sobre o homem. Na expressão « serva do Senhor » transparece toda a consciência de Maria de ser criatura em relação a Deus. Todavia, a palavra « serva », quase no fim do diálogo da Anunciação, se inscreve na perspectiva integral da história da Mãe e do Filho. Na verdade, este Filho, que é verdadeiro e consubstancial « Filho do Altíssimo », dirá muitas vezes de si, especialmente no momento culminante de sua missão: « o Filho do homem ... não veio para ser servido, mas para servir » (Mc 10, 45).

Cristo está sempre consciente de ser « servo do Senhor », segundo a profecia de Isaías (cf. 42, 1; 49, 3. 6; 52, 13), na qual se encerra o conteúdo essencial da sua missão messiânica: a consciência de ser o Redentor do mundo. Maria, desde o primeiro instante da sua maternidade divina, da união com o seu Filho que « o Pai enviou ao mundo, para que o mundo fosse salvo por ele » (cf. Io 3, 17), insere-se no serviço messiânico de Cristo.. (20) é precisamente este serviço que constitui o fundamento próprio do Reino, no qual « servir ... quer dizer reinar». (21) Cristo, « Servo do Senhor », manifestará a todos os homens a dignidade real do serviço, com a qual anda estreitamente ligada a vocação de todo homem.

Assim, considerando a realidade mulher-Mãe de Deus, entramos da maneira mais oportuna na presente meditação do Ano Mariano. Essa realidade determina também o horizonte essencial da reflexão sobre a dignidade e sobre a vocação da mulher. Ao pensar, dizer ou fazer algo em ordem à dignidade e à vocação da mulher, não se devem separar deste horizonte o pensamento, o coraçãoe as obras. A dignidade de todo homem e a vocação que a ela corresponde encontram a sua medida definitiva na união com Deus. Maria — a mulher da Bíblia — é a expressão mais acabada desta dignidade e desta vocação. De fato, o ser humano, homem ou mulher, criado à imagem e semelhança de Deus, não pode realizar-se fora da dimensão desta imagem e semelhança.

                                          Próximo Capitulo III

segunda-feira, 22 de abril de 2013

QUO VADIS PETRUS?

Por Maria Vanda (Ir. Maria Silvia, Obl. OSB)


Caros visitantes,
 
Um momento de reflexão e emoção.

Esse Pastor que tanto nos guiou com suas palavras, ações e escritos.

Esse Teólogo de imensa envergadura, (nestes dias quase único), ainda tem muito a nos falar.

Espero que curtam.  

 
 
 
 

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Dia do Indio

Por Áurea Maria Corsi   

Tecumseh
 
                 Para deleite dos visitantes e uma justa homenagem ao dia do Índio, segue um poema que muito nos diz. Aos injustiçados, que haja Justiça, mesmo que tardia!

               (Tecumseh (1768 - 1812) é o nome aproximado de um líder indígena dos  Shawnee que viveu no estado de Michigan. Ficou famoso pela coragem e pelas vitórias em inúmeras batalhas. Tecumseh é um ícone, respeitado pelos povos indígenas americanos e considerado um herói nacional no Canadá. Mesmo o seus inimigos declaravam-no um  homem genial, de grande bravura e de sabedoria incontestável.)
 
 
Tecumseh
“Quando o tempo é negro,
É preciso suportar o sofrimento.
Se o coração ódio alenta,
Tudo será sufocado,
Como a pedra mata a relva.
E se a hora é chegada,
Empunha a clava,
No fogo da batalha
A coragem encara a morte!

Um guerreiro nada teme,
E é mais valente
Pelos pequenos
Que a ele vêm.

A terra vive no coração do bravo,
Que nunca será tão fraco
Para dizer: ‘Tomem tudo que é meu!’ ”

A luz da pantera já se apagava no céu...
E ele vagou por montanhas e vales,
Por onde havia árvores,
E límpida água,
Que espirra da fonte,
No ar, leve, como pena branca...
Vem de longe,
Deve estar com fome,
Não crê nas promessas dos homens,
E prefere morrer pela espada,
Que viver sob as botas.

“Seremos fortes,
Se o espírito for puro!
O Grande Espírito é meu pai,
A terra é minha mãe,
Em seu regaço me reúno.
Eu voltei pela paz...
Os homens que têm discórdia
Não devem conversar em público,
Mas sob as calmas espirais de fumaça,
Para que não os engane o orgulho.

                                                                      A vingança


é veneno

atirado

contra

o vento!

 
Palavras saem da boca
E volteiam nos ouvidos,
Palavras podem encher um grande livro...
Eu aprendi os seus caracteres escuros,
E li que Jesus veio ao mundo,
Eles o mataram – o filho de Deus!
E depois mataram
Aqueles que não acreditavam nele.
Quem pode confiar em gente assim?

O homem branco é como grande serpente,
Que a todos engana
E a tudo devora.
O seu modo de vida
É a maneira da morte,
Eu estive na grande cidade:

                                            O ruído

                       desagrega

       o espírito.

As coisas

soterram

até mesmo

o brilho

das estrelas.

De sorte

que deve haver guerra!”
 
 
Ele pressente no sinal
Riscado à Facalonga,
O guerreiro que sangra até que o sol se ponha...
Por entre as folhas de plátano,
Descansa o Grande Espírito.


(Poema escrito na primavera de 2002)
 

terça-feira, 16 de abril de 2013

Mulheres que seguiram a Jesus Cristo (Capítulo 2 de 2)

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


Maria, a Egípcia
Muitos monges e monjas egípcios começaram sua vida monástica a partir de experiências de conversão. A decisão de viver somente para receber a misericórdia de Deus foi para eles o início de uma vida nova, cujo objetivo principal era tornar real e presente esta misericórdia divina em suas existências. Esta nova vida se realizaria então no deserto, sob uma disciplina e ascese rigorosas, e ao mesmo tempo, sob a confiança total na graça de Deus. Como para os Pais e Mães do Deserto, o monge e a monja são entre os cristãos aqueles que mais se sentem necessitados da misericórdia de Deus, usualmente, há nestas narrativas o relato de pecados extremos e de arrependimentos extremos... Benedicta Ward, em seu livro Maria Magdalena e outros relatos, explica que ‘o momento da conversão, assim com os detalhes da vida precedente e sucessiva são enfatizados na obra narrativa para sublinhar a necessidade de redenção em todo ser humano e o poder redentor da misericórdia de Cristo para com todos’. Escrita por São Sofrônio, ‘A Vida de Maria Egipcíaca’ pertence à tradição monástica por ser um dos textos chaves do que se pode chamar de ‘literatura de conversão’, cujo tema principal é a consciência da necessidade da misericórdia de Deus.
A vida de Maria Egipcíaca’ é composta de duas partes. A primeira trata da vida e conduta de Abba Zózima, monge sacerdote da Palestina, e a segunda da vida de Santa Maria Egipcíaca contada por ela mesma ao Abba Zózima, quando os dois se encontram no deserto. O relato da história de sua vida é, em si mesmo, o maior ensinamento de Maria Egipcíaca. A sua história combina elementos de várias fontes, por trás das quais há prostitutas e penitentes, que existiram de fato. Segundo Benedicta Ward, ‘por trás do gênero literário estão presentes numerosos detalhes históricos : a existência em Alexandria e em Jerusalém, como na maior parte das grandes cidades, de mulheres que se prostituíam e, também o dado de que o impacto do cristianismo no Egito e na Palestina assumiu frequentemente a forma de fuga para o deserto’.
Na história de Maria Egipcíaca, há um interessante contraste entre Abba Zózima, um monge sábio e piedoso e a pecadora Maria, que recebe de Cristo o dom da salvação sem nenhuma boa obra, simplesmente pela grande consciência que tinha da sua necessidade de salvação. Aqui volta a pergunta fundamental dos Pais e Mães do deserto : ‘O que devo fazer para ser salvo?’ Maria foi para o deserto para ser salva, e sabia disso. Graças ao seu arrependimento, à contrição de seu coração e à sua total confiança na misericórdia de Deus, ela se transformou naquilo que Abba Zózima desejava ser e não conseguia, pois, no seu íntimo, ele acreditava que alcançaria a salvação com suas próprias obras. Por isso, caía no orgulho, pois pensava consigo :
Haverá sobre a terra algum monge que possa ensinar-me algo de novo, alguém que possa me ajudar a conhecer algo que ainda não conheço ou que tenha feito alguma obra na vida monástica que eu não tenha feito?
Como Deus não quer que o monge seja somente como um servo zeloso, mas que seja um amigo com quem possa falar ao coração, Abba Zózima foi conduzido pelo Espírito Santo ao deserto, onde, a partir de seu encontro com Maria Egipcíaca, adquiriu um olhar novo sobre Deus, e esta abertura dos olhos espirituais lhe permitiu contemplar e compreender os caminhos de Deus.
Maria Egipcíaca começa o relato de sua história dizendo :
Minha pátria é o Egito. Enquanto ainda viviam meus pais, aos doze anos de idade, desprezando o afeto deles, fui para Alexandria, e me envergonho somente em pensar como permaneci subjugada pelo vício da luxúria.
Para Hierome Nicolas, ‘esta idade indica a mudança de um status social. A criança não é mais considerada como tal embora não tenha ainda totalmente as prerrogativas de uma pessoa adulta. Como em todas as mudanças, as passagens da vida social e a aquisição de uma liberdade nova, embora limitada, é ocasião de uma crise que afeta não somente a adolescente, mas também o seu meio’. Por isso, ele conclui, a raiz do pecado de Maria Egipcíaca é uma revolta profunda em relação a seus pais, todavia não conscientizada. Ao negar o afeto paterno, ela nega a paternidade de Deus. O pecado de Maria Egipcíaca, mais do que uma violação de uma ordem moral ou social, é uma ruptura da comunhão com Deus que a deixou seguir livre seu caminho, confiada às suas próprias forças.
Maria Egipcíaca seguiu sua experiência de ateísmo vivendo uma vida irresponsável, sem ter o domínio de seus sentidos e paixões. Até que um dia, por pura curiosidade, se uniu aos peregrinos, ‘uma multidão de líbios e egípcios’, que iam de Alexandria para Jerusalém. Ela perguntou a um dos peregrinos : ‘Para onde vão correndo estes homens tão rapidamente?’ E este respondeu que todos subiam ‘para Jerusalém, para a Exaltação da Santa Cruz’. Ela se uniu à tripulação do barco, pagou a passagem com o próprio corpo, e atravessou Mar Mediterrâneo em direção à Terra Santa. Chegando o dia da Exaltação da Santa Cruz, Maria foi com os peregrinos à Igreja do Santo Sepulcro onde estava exposta a relíquia da verdadeira Cruz, mas foi impedida de entrar na igreja, como que por uma força invisível, ‘como se um exército de soldados tivesse sido pago para impedir meu acesso’, ela explica. Foi então que Maria percebeu sua excomunhão :
Finalmente, diz ela, ficou claro para mim o motivo pelo qual me era proibido ver o madeiro vivificante. Com efeito, o conhecimento da salvação havia tocado minha mente e os olhos do meu coração, ao me dar conta de que eram as miseráveis desordens de minhas ações que me impediam de entrar. Comecei então a sentir-me fortemente perturbada e golpeando o peito, suspirava desde o profundo do meu coração, gemendo e lamentando.
Vendo a imagem de Nossa Senhora, orou para a Mãe de Deus para que a ajudasse e rompeu em lágrimas. Na manhã seguinte pôde entrar na igreja e venerar a Santa Cruz. Depois deixou Jerusalém, atravessou o Jordão e seguiu para o deserto, onde viveu por dezessete anos, em contraposição aos dezessete anos que viveu na luxúria.
No átrio da Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém, Jesus Cristo veio ao encontro de Maria e, mostrando-lhe a luz verdadeira, libertou-a. No momento de sua conversão, as lágrimas derramadas foram sinal de que a invasão do Espírito Santo provocou a abertura de seu coração. Ela aceitou seu coração como o lugar onde o Espírito Santo pôde fazer sua obra. A partir de sua conversão, Maria convergiu todo o seu ser de pecadora para o amor de Deus que a salvou. O sacrifício de Maria Egipcíaca foi aceito por Deus, e uma vez reconciliada, se reintegrou na comunidade. Paradoxalmente, ela saiu vitoriosa por causa de sua fraqueza, pois sustentada pela rocha que é o Cristo, e com a intercessão de Nossa Senhora, ela restaurou a sua virgindade espiritual e voltou a ser ela mesma, tal como Deus a desejou dede a criação do mundo.
É rica a simbologia que expressa a nova vida de Maria no deserto. Ela fez a experiência da fé e pela fé foi introduzida no mistério de uma existência eucarística, por isso quando foi para o deserto, Maria levou consigo três pães, que como os pães do profeta Elias, nunca acabaram. Com a travessia do rio Jordão, símbolo do Batismo, ela se expôs à ação salvadora de Jesus Cristo. No deserto ela foi Teodidata, isto é, ensinada por Deus, e introduzida no conhecimento das Escrituras sem saber ler. A ascese do deserto e a graça divina deram a seu corpo tal leveza espiritual, que ela pôde atravessar o Jordão caminhando sobre as águas.
Antes de Maria Egipcíaca falecer, Abba Zózima levou para ela a eucaristia e ela comungou, terminando sua vida em total comunhão com o Senhor. Era época da Páscoa quando Zózima encontrou o corpo da santa com as mãos voltadas em oração para o Oriente. Como o verdadeiro eremita está em comunhão com a Igreja, a inscrição na areia encontrada ao lado do corpo da santa revela a união entre a vida eucarística e pascal de Maria no deserto e a Igreja :
Enterra, Abba Zózima, o pequeno corpo da miserável Maria. Restitui à terra o que é seu e junta o pó ao pó. Somente ora por mim, em nome do Senhor, que faleceu neste primeiro dia do mês de Pharmuti, segundo os egípcios, e que segundo os romanos é o nono dia, quer dizer, o quinto dos idos de abril, o dia da Paixão salvífica, depois da Comunhão da divina e sagrada Ceia.
Zózima lavou os pés da santa com suas próprias lágrimas, como a pecadora do Evangelho lavara os pés de Jesus, pois seu coração fora tocado pela compunção. Como já era avançado em idade, - ele morreria logo depois de Maria - Zózima não tinha forças para cavar a sepultura. Mas eis que no meio do deserto apareceu um leão manso, que fez este trabalho para Zózima. Um leão pacificado, assim como as paixões de Maria e o coração de Zózima. Em presença do leão, Zózima cobriu o corpo da santa com terra e fez as orações. Em seguida cada um tomou seu rumo : o leão adentrou no deserto, e Zózima voltou ao seu mosteiro ‘bendizendo e louvando a Deus, e cantando um hino em louvor a nosso Senhor Jesus Cristo’, pois viu ainda uma vez mais a evidência da ação do Espírito Santo na vida daquela serva que tanto agradou a Deus, Maria Egipcíaca.
Uma vez que um olhar sobre as Mães do Deserto pode apresentar a realidade do arrependimento e da salvação, com profundidade e clareza, a história de Maria Egicíaca, por sua vez, consegue transmitir a verdade teológica da salvação com um rosto humano para os leitores e ouvintes de todos os tempos. Além disso, estas mulheres tinham consciência do poder da ação de Deus na vida do cristão por meio da sua Palavra, por isso Maria Egipcíaca diz que ‘a Palavra de Deus, viva e eficaz (Hb 4,12), instrui a inteligência humana desde o seu interior’. Uma leitura orante da vida de Maria Edipcíaca com certeza pode trazer muitos bons frutos para nossas jovens de hoje, especialmente por conduzí-las a uma experiência da misericórdia de Deus, que converte e purifica os corações. Por este motivo, a Igreja do Oriente celebra Maria Egipcíaca no V Domingo da Quaresma como modelo de contrição. Em seu Cânon ela reza : ‘A força de tua cruz, ó Cristo, operou maravilhas, por até esta mulher, que outrora foi prostituta, escolheu seguir o caminho ascético. Abandonada à própria debilidade, se opôs fortemente ao demônio, e obtendo o prêmio da vitória, intercede por nossas almas’. Amém.

 

sábado, 13 de abril de 2013

Mulheres que seguiram a Jesus Cristo (Capítulo 1 de 2)

 
Sinclética
 * Artigo de Ir. Roberta Peluso, OSB
 
Entre os Pais e Mães do deserto costuma-se dizer que uma pessoa pode vir a escolher o caminho ascético ‘por fortaleza’ ou ‘por fraqueza’. No primeiro caso, escolhe quando encontra neste estilo de vida uma maneira de continuar sua caminhada de perfeição cristã. No segundo, quando encontra um caminho que lhe permite uma ruptura com a vida antiga e oferece a oportunidade de uma vida nova, usualmente após uma experiência de conversão. Como exemplo do primeiro caso temos Santa Sinclética e do segundo, Santa Maria, a Egípcia (ou Egipcíaca). Estas mulheres que deixaram o mundo por amor a Cristo e que no deserto combateram contra os vícios do corpo e do pensamento, são conhecidas como Ammas do Deserto, ou seja, Mães do Deserto.
Os relatos das vidas destas santas ilustram a caminhada da vida espiritual cristã. Tanto o relato da ‘Vida e ensinamentos de Sinclética’, de autor anônimo do século V, quanto da ‘Vida de Maria Egipcíaca’, escrita por São Sofrônio, bispo de Jerusalém (séc. VI), têm como pano de fundo a ‘Vida e Conduta de Santo Antão’, escrita por Santo Atanásio de Alexandria no séc. IV. Conta Santo Atanásio que Santo Antão era egípcio de nascimento. Seus pais eram bem posicionados, e como eram cristãos, Santo Antão teve uma sólida formação cristã desde o berço. Depois da morte de seus pais, Santo Antão ficou sozinho com sua irmã mais jovem. Certo dia, quando tinha cerca de dezoito anos, como era seu costume, estava se dirigindo para a igreja, e caminhava pensando sobre a fé e o despojamento dos primeiros cristãos descritos nos Atos dos Apóstolos. Estava tão absorto em seus pensamentos, que chegou atrasado na missa, na hora da leitura do Evangelho. Estavam lendo justamente a passagem em que Jesus diz ao jovem rico : ‘Se queres ser perfeito, vende o que tens e dá aos pobres, depois vem e segue-me e terás um tesouro nos céus’ (Mt 19,21). A escuta desta Palavra tocou tão profundamente o coração de Santo Antão,...que ao sair da igreja, distribuiu sua herança com as pessoas da aldeia e com os pobres. Deixou sua irmã aos cuidados de umas virgens conhecidas e fiéis. Em seguida, se dedicou à vida ascética, mas perto de sua própria casa, pois segundo Santo Atanásio, ‘não havia ainda no Egito mosteiros tão numerosos, e o monge não sabia absolutamente nada do grande deserto. Quem queria aplicar-se a si mesmo, exercitava-se não longe de sua aldeia’. Sob uma ferrenha disciplina, orientado por outro asceta mais experiente, Santo Antão progrediu na vida espiritual, orando e trabalhando, se instruindo nas virtudes e na ascese e se adestrando no combate contra o demônio. Mais tarde, triunfando nos combates, se dirigiu para os sepulcros e entrando num túmulo, símbolo da gestação para uma vida nova, permaneceu lá sozinho. Depois desta etapa, Santo Antão foi para o deserto, onde morou numa fortificação abandonada definitivamente. Escreve Santo Atanásio que, visitado por monges seculares, ‘em frequentes colóquios, Antão encorajava os monges e determinou vários visitantes a se tornarem monges. Era como que o pai de todos esses mosteiros’.  

Sinclética
O autor – ou autora, não se sabe – da ‘Vida e Ensinamentos de Sinclética’, conta que este nome significa ‘assembléia’, em grego, por isso ela é aquela que congrega em torno de si muitas discípulas. Sinclética nasceu na Macedônia, uma região da Grécia. Seus pais ao terem conhecimento de que as pessoas que viviam em Alexandria, uma cidade do Egito, amavam a Deus e a Cristo, decidiram sair da Macedônia e partir para Alexandria. Atravessaram o Mar Mediterrâneo e foram muito bem acolhidos no novo país. Mas o que lhes agradou não foram os monumentos ou o grande número de habitantes de Alexandria, e sim a fé simples e o amor sincero dos cristãos daquela cidade, por isso o Egito se tornou para eles uma segunda pátria. Como Sinclética era muito bonita, e sua família era bem posicionada, havia muitos jovens que a queriam em casamento, e seus pais esperavam dela o mesmo destino. Mas os planos da jovem eram outros e pouco se interessava pelos seus pretendentes, uma vez que o único esposo que ela desejava era Jesus Cristo. Começa, então, a cena vocacional clássica que bem conhecemos; seus pais, parentes e amigos tentam mudar sua decisão, para que escolha o matrimônio, mas Sinclética permanece ‘sólida como um diamante e não muda seus sentimentos’, descreve o autor. E acrescenta que ela fecha as portas de seus sentidos e conversa somente com Cristo, seu esposo, repetindo as palavras do Cântico dos Cânticos : ‘O meu amado é meu, e eu sou dele’ (Ct 2,16). Quando seus pais morreram, ela e sua irmã cega deixaram a família, e como Santo Antão, venderam seus bens e distribuíram a herança de sua família aos pobres. Em seguida, as duas cortaram os cabelos diante de um sacerdote, e com o coração simples e puro, receberam o nome de virgem. Para os antigos uma virgem era uma mulher inteiramente consagrada a Deus, e que por isso não se casava. Assim como o Pai dos Monges, no começo de sua vida ascética, vão morar nos arredores de Alexandria onde passam o resto de suas vidas.
Se Sinclética não morou no deserto, mas levou uma vida escondida nos arredores da grande cidade de Alexandria, por que ela é considerada uma Mãe do Deserto? Porque conheceu todos os combates do deserto, e não agindo conforme suas capacidades intelectuais, mas conforme a inspiração do Espírito Santo, vivenciou tudo o que ensinou, servindo assim de modelo para aquelas que quisessem seguir o mesmo caminho. Em sua caminhada espiritual, Sinclética progrediu na prática das virtudes, e com a ajuda de Deus, venceu os combates contra os maus pensamentos e os vícios. Seu biógrafo relata que ‘com o passar do tempo, suas virtudes de desenvolveram e o bom odor de seus esforços e de suas vitórias se tornou conhecido... Assim, como os que estão atentos à Palavra de Deus se corrigem e dão fruto, algumas jovens que desejavam avançar na sua vida para Deus começaram a vir até Sinclética para receber seus ensinamentos’.
As jovens discípulas vinham frequentemente para ser orientadas e conhecer o estilo de vida que Sinclética levava. Perguntavam segundo o costume : ‘O que devo fazer para ser salva?’ Eis aí a pergunta chave para entender o monaquismo do deserto : as jovens não perguntavam o que devo fazer para ser feliz? Ou com serei bem-sucedida na vida? Mas o que devo fazer para ser salva? É a mesma pergunta que os discípulos faziam aos Pais do Deserto, em especial a Santo Antão. Isso remete a uma ‘praxis’, - o que fazer – e a um objetivo : a salvação. Por isso os ensinamentos de Sinclética começam com esta máxima : ‘Ser salvo é amar a Deus e a seu próximo’. Sinclética é uma guerreira e seu inimigo principal, como personificavam os antigos, era o demônio com pensamentos maus e grandes tentações. Ela enfrentava corajosamente o adversário e vencia, pois anulava os maus pensamentos com bons pensamentos e as más ações com boas ações. Por isso ela usa muitas imagens fortes para aconselhar suas jovens discípulas :
Lutem contra as armadilhas do inimigo com toda a inteligência’, e acrescentava que ‘os medicamentos comuns que devemos usar contra os pensamentos maus são a ascese e a oração pura’, e ‘antes de mais nada, sejam mestras de seus estômagos, pois isto permite dominar todos os desejos maus’.
Sinclética exercia com suas discípulas aquilo que chamamos hoje de uma ‘autoridade dialogada’. Seus ensinamentos brotaram do diálogo com as jovens, a partir de suas necessidades concretas e não de um ideal que elas deveriam alcançar. Como viviam em Alexandria, que é perto do mar, Sinclética ensina sobre a humildade :
Assim como é impossível construir um barco sem pregos, é impossível ser salva se não se é humilde.
Perguntam as jovens se a pobreza é um grande bem, e Sinclética mostra, com outro exemplo marítimo, que a verdadeira riqueza é o progresso espiritual :
Os caçadores de tesouros suportam as tempestades que fazem cambalear os barcos e combatem contra os outros caçadores que os atacam em alto-mar. Mas quando chegam à terra, caem nas mãos dos bandidos. Nós ao contrário, não precisamos enfrentar tão grandes perigos por causa de nossa verdadeira riqueza!’.
E sobre a vigilância dos pensamentos adverte :
Devemos ficar atentas aos pensamentos maus que nos atacam a partir de dentro e a partir de fora. Quando há uma tempestade, os marinheiros começam a gritar, e os barcos que estão próximos se aproximam para salvá-los. Mas se eles dormem porque o mar está calmo, a água pode entrar por um furo no fundo do barco, e não se dando conta, sucumbem e morrem’. Assim, ‘podemos nos perder tanto pelas faltas exteriores, quanto pelos pensamentos interiores’.
E ainda dá um conselho vocacional : Tudo não convém a todos. Cada qual deve se conhecer bem para escolher bem. Para umas a vida em uma comunidade é boa, para outras é melhor viver só. Há plantas que se dão bem numa terra úmida. Há outras que se dão bem numa terra seca. Acontece o mesmo com os seres humanos’.
            Sinclética viveu até os 80 anos enfrentando até o fim os ataques do inimigo. E ainda encontrava forças para encorajar suas companheiras dizendo-lhes : ‘Sejam fortes e tenham coragem nos momentos difíceis’. No momento de alcançar a vitória e receber a coroa, Sinclética viu coisas extraordinárias : viu o paraíso e uma luz tão brilhante que não conseguiu descrever com suas palavras. Quando chegou o dia e a hora em que aconteceria seu trânsito, acontecimento que ela já havia previsto, Sinclética partiu para o encontro de seu Senhor, e recebeu o Reino dos Céus como recompensa de suas lutas. Pelas virtudes e ensinamentos de Sinclética, o convite que Santo Atanásio faz para ler a ‘Vida e Conduta de Santo Antão’, pode também ser feito por nós às jovens que se aproximam de nossos mosteiros para que conheçam a vida desta santa : ‘Lede essas coisas aos outros irmãos para lhes ensinardes como deve ser a vida dos monges e persuadi-los de que Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo glorifica aqueles que o glorificam, e não só conduz ao reino aqueles que o servem até o fim, mas também, por causa de sua virtude e utilidade dos outros, manifesta e torna célebres em toda parte aqueles que se ocultam e procuram retirar-se’.
 

Fonte :
* Ir. Roberta Peluso, OSB, monja do Mosteiro da Santíssima Trindade – Santa Cruz do Sul – RS
Revista Beneditina nrº 36, Novembro/Dezembro de 2009, editado pelas monjas beneditinas do Mosteiro da Santa Cruz – Juiz de Fora/Minas Gerais. 

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Dia Internacional dos Ciganos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Refugiados : Crianças ciganas  

Instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), depois de uma extensa campanha chefiada pelo ator americano cigano Yull Briner, o Dia Internacional dos Ciganos (International Roma Day) é celebrado no dia 08 de abril desde 1971.

A origem deles é enigmática pela inexistência de registros escritos confiáveis e pelo fato de perpetuar suas tradições oralmente, de geração a geração.

Uma corrente de especialistas acredita que sejam procedentes da Índia, em função do idioma falado portar similaridades com várias línguas do subcontinente indiano. Porém, há vestígios que apontam em outro sentido. De acordo com a geógrafa Solange Lima Guimarães, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), autora de uma tese de doutorado sobre os ciganos : ‘nas antigas lendas, constatamos referências bíblicas que podem nos direcionar a uma origem na Caldéia (região que hoje pertence ao Iraque) e não na Índia. Outro ponto significativo é a crença em um único Deus criador, Devel, o que os aproxima da história de povos semitas, ao contrário do que seria esperado de uma origem indiana, com suas várias divindades’.

Deslocaram-se do Oriente para a Europa no século XIV. Relacionando-se ao mesmo tempo com mouros e cristãos, alternando paganismo e cristianismo, deram ensejo às acusações de heresia. Infelizmente, o preconceito ao estilo nômade, à cultura e à religiosidade não ficaram limitados ao período medieval. Durante séculos foram submetidos ao trabalho escravo e na Segunda Grande Guerra (de 1939 à 1945), em prol da eugenia nazista, os alemães exterminaram quase 400 mil ciganos selvagemente.

Por isto, a Igreja está apreensiva com a precariedade em que vivem, ainda hoje, mundo afora.

Em junho de 2011, num encontro organizado pelo dicastério vaticano para os Migrantes e Itinerantes, dentre outros, o então papa Bento XVI acolheu mais de 2 mil ciganos para celebrar o 75º aniversário de martírio de Zeferino Giménez Malla, Beato dos gitanos. Enalteceu o ‘mártir do terço, que não deixou que o arrancassem de suas mãos, nem sequer estando a ponto de morrer fuzilado durante a perseguição religiosa de 1936, na Espanha’. E convidou-os a seguir seu exemplo : ‘a dedicação à oração, em particular ao terço, o amor pela Eucaristia e pelos demais sacramentos, a observância dos Mandamentos, a honestidade, a caridade e a generosidade para com o próximo, especialmente com os pobres. Isso vos tornará fortes diante do risco de que as seitas ou outros grupos coloquem em perigo vossa relação com a Igreja’.

A busca de alojamento, de um trabalho digno e de educação para os filhos são a base sobre a qual construir a integração que trará benefícios para vós e para toda a sociedade’, prosseguiu ele, exortando-os a participar da missão evangelizadora da Igreja, promovendo a atividade pastoral em suas comunidades : ‘a presença entre vós de sacerdotes, diáconos e pessoas consagradas pertencentes às vossas etnias é um dom de Deus e um sinal positivo do diálogo das Igrejas locais com o vosso povo, que precisa sustentar e desenvolver’, concluiu.

No fim de 2012, os bispos das províncias de Clermont, Marselha, Montpellier, Toulouse, Lyon e Mônaco estiveram em visita ad limina. O cardeal Barbarin, arcebispo de Lyon, intercedeu em auxílio destes indivíduos, requisitando ao mesmo Bento XVI, sensível aos migrantes e refugiados, que estimulasse uma política comum entre os governos europeus, almejando um desfecho íntegro e perene.

 Na França, as condições de vida dos ciganos, da etnia rom - proveniente da região dos Balcãs (Romênia e Bulgária) - mobilizou protestos das autoridades de diversos países, devido ao péssimo tratamento recebido por eles durante a presidência de François Sarkozy, notório pelo governo anti-imigração e por defenestrá-los com truculência.

O cardeal expôs a situação angustiante dos ciganos em meio à crise econômica e ao desemprego. Continuamente humilhados, rejeitados, desprezados e excluídos. Os bispos também lançaram um alerta, ‘porque os mais pobres sofrem violências que não são reconhecidas como tais’.
 

Ciganos deportados

Fonte :

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Comentário à Carta 70 (Capítulo 4 de 5)

 Maria Vanda (Ir. Maria Silvia –Oblata OSB/SP) .

                                                     A  Oração do Senhor
                                                           Pai Nosso!
                                                         

                     CAPÍTULO IV - SOBRE A CARTA 70 AOS BISPOS

                      Caros leitores, retomando a nossa apreciação sobre a CARTA 70, agora nesse IV Capítulo, trataremos da oração do Pai Nosso, (essa oração universal, assim podemos dizer). Ela fora proferida pelo próprio Jesus, ensinando os seus irmãos, (senão ao seu rebanho), a se dirigirem ao Pai, através de uma imprescindível oração, que já inseria o cristão na revelação do mistério trinitário. O Pai envia o seu Filho, (Jesus), que se encarna para possibilitar a reconciliação humana com o Pai; ao tempo que o Filho vive e sofre entre nós e por nós, (cumprindo, em tudo a vontade do Pai), para Ele depois regressa, (após todo o sofrimento na sua paixão), pela ressurreição. Todo esse movimento se dá por ação do Espírito Santo, que unido ao Pai e ao Filho, mergulha o cristão nesses santíssimos mistérios da encarnação, da salvação e da SS. Trindade.

                     Como diz o Catecismo da Igreja Católica é o Pai Nosso a oração dominical. E por isso a oração da Igreja, por excelência  e resumo de todo o Evangelho e é pois o centro das Escrituras.

                      Santo Agostinho diz: Percorrei todas as orações que se encontram nas Escrituras, e eu não creio que possais encontrar nelas algo que não esteja incluída na oração do Senhor. (In CIC n.2762).  

                     A Oração do Pai Nosso, no Evangelho de Matheus, ( 6, 9), segue-se ao célebre Sermão da Montanha ou das Bem Aventuranças que se encontra no Título III, Capítulo 5. Isto tem muita importância, (do ponto de vista exegético), pois a oração do Pai Nosso se encontra nesse mesmo Título III, onde se encontram as Bem Aventuranças, sendo possível dizer que o espírito da proclamação feita por Jesus era o mesmo: afirmar aos homens que suas palavras eram a Verdade, (porque provinham de quem lhe enviou). E com isso, desejava ensinar aos seus irmãos, o que já sabia, por revelação do Pai. O homem deve orar e como lhe é propício fazê-lo (MT 6, 5-8).

                     E então, Jesus ensina-nos a orar dizendo: PAI NOSSO...

                    (Diz-o o Abba Isaac, relatada Por João Cassiano – In Instituições, IX, pg. 59 e seguintes), que para rezar a oração do Pai Nosso, a alma deve estar num estado ainda mais sublime e de transcendência mais elevada, estado este consistente na contemplação única de Deus. E, que orando no ardor da caridade, a alma se funde, dilatada pelo amor divino, e em estado de grande piedade, entra em colóquio com familiar com o Pai. E diz ainda que, a fórmula desta oração não nos deixa dúvidas de que para nós, constitui-se um dever buscar com empenho esse estado de oração.

                     E Jesus não profere Pai Meu. Indicando-nos que a oração é universal e que o Pai, o enviou para todos. E com isso passamos da condição de servos de Deus para a condição de filhos.

                     QUE ESTAIS NOS CÉUS...

                     Reconhecemos que habitamos em terra que ainda não é a do Pai. Somos filhos adotivos desejando a pátria celeste.

                      SANTIFICADO SEJA O VOSSO NOME...

                      Testemunhamos que há Glória no Pai, pois confiamos nas palavras do Filho, que por primeiro o glorificou em tudo.

                     VENHA A NÓS O VOSSO REINO...

                     Rogamos, piedosos, que já remidos do pecado original, seja-nos possível almejar com mais ardor, (pela entrega de cruz, pelo Filho, que inaugura o reino prometido: vinde benditos do meu Pai, recebei a herança do reino preparada para vós, desde a criação do mundo – MT 25,34) que se instale o reino eterno, onde as nossas almas possam fixar suas moradas

                   SEJA FEITA A VOSSA VONTADE ASSIM NA TERRRA COMO NO CÉU

                   Reconhecemos que a vontade de Deus é suprema. E que a nossa vontade está submetida à vontade do Dele, quer na terra, quer no céu. Mas nosso Salvador, (como diz S. Paulo, em 1Tm, 24), quer que todos nós sejamos salvos e cheguemos ao conhecimento da Verdade. Devemos em oração desejar a salvação eterna e com esse intuito rogar.

                  O PÃO NOSSO DE CADA DIA NOS DAÍ HOJE...

                  Elevamos a mão do coração para pedir e estendemos a mão da alma para receber o alimento mais substancioso, aquele que se eleva acima de qualquer outra substância para sustentar o corpo e o espírito. Mas também nessa súplica outro elemento se avulta, a necessidade perene, quotidiana, de nos alimentarmos com o pão de Deus, pois sem ele perecemos também no espírito. Disse Jesus no Jardim das Oliveiras (getsêmani): o espírito está pronto, mas a carne é fraca (Mc 14,38). Então o espírito precisa estar vigilante e alimentado para esperar o que há de vir.

PERDOAI-NOS AS NOSSAS OFENSAS ASSIM COMO NÓS PERDOAMOS  A QUEM NOS TEM OFENDIDO
                  Segundo o Abba Isaac, Jesus não apenas nos oferece um modelo de oração, mas nos indica uma regra pela qual podemos ser agradáveis ao Pai. Ressalta que a oração constante (de que já falamos antes), tem o poder de nos arrancar das garras da irascibilidade e da tristeza. E, para além disso, a oração do Pai Nosso, nesse tópico, nos propicia um caminho que deságüe numa indulgência e compassividade Divinas que nos possibilita a atribuição, a nós mesmos, de uma sentença mais suave e justa; pois segundo esse mesmo juízo devemos perdoar a quem nos ofendera. Ou seja, para que sejamos perdoados pelas nossas ofensas, o parâmetro que estabelecemos para sermos perdoados é aquele que utilizamos mesmo para perdoar os nossos ofensores. Está aí o poder que nos é dado de suavizarmos a própria sentença. Eis a regra.

                    NÃO NOS DEIXEIS CAIR EM TENTAÇÃO

                  A súplica, aí, leva-nos mais a rogar que não permita Deus que sejamos vencidos pela tentação. Porque tentados somos nós, a todo momento, assim como o foram Jó, Abraão, o próprio José. Mas não foram vencidos pela tentação, (não cederam ao tentador). E, por isso foram justificados aos olhos de Deus.

                  MAS LIVRAI-NOS DO MAL, AMÉM

                  A expressão: mas livrai-nos do mal equivale a dizer não seja permitido sejamos tentados além das nossas forças. E quando tentados, sejamos capazes de repeli-lo (o mal) com eficiência e suficiência.

                  Seguindo a linha de pensamento do Abba Isaac, e mesmo as suas palavras, (obra já citada), temos ainda a frisar que: A oração do Pai Nosso traz o parâmetro (medida), que o seu Formulador indica para que nos sejam abrandadas e perdoadas nossas faltas. Não se percebe nela nenhum pedido de bem que seja perecível, efêmero ou torpe. Tratam-se de bens eternos, e que por isso mesmo, seria injurioso ao Senhor, (ante a sua magnificência e munificência), nos quedarmos em pedidos de bens contingentes e transitórios. Diz o Abba, que se assim for, ao invés de colher o beneplácito divino, colheríamos a sua cólera.

                   Então o que percebemos é que a oração do Pai Nosso, não é apenas uma simples oração, mas  é um legado dos nosso Senhor Jesus Cristo aos seus irmãos. E, por isso a oração mais sublime, mais plena, mais perfeita, (no dizer do Abba Isaac, aqui sintetizada a idéia), capaz de elevar às maiores alturas aqueles que se habituarem e se aplicarem em rezá-la. Ela transcende todo o sentimento humano e não se distingue por nenhum som da voz, movimento da língua ou pela articulação de palavras ou gestos. A alma, iluminada pela infusão da luz divina, não se expressa mais pela linguagem humana (que é imperfeita), derrama sua inefável oração, elevando-a até Deus, experimentando um estado de compunção inexprimível, que saído dele o orante não o pode expressar e nem renová-lo segundo sua vontade.

                 Assim, caro leitor, para não sairmos do tema do texto que é a Oração do Pai Nosso e nem do contexto do que trata a Carta 70, encerramos aqui esse capítulo, prometendo voltar brevemente, com o mais um capítulo do comentário ao Documento da Igreja - Carta 70 aos Bispos da Igreja Católica Apostólica Romana.

                Até breve.
                Maria Vanda (Ir. Maria Silvia –Oblata OSB/SP) .