sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Por que o peixe é a imagem do cristão?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)



‘Durante os três primeiros séculos do cristianismo, as perseguições contra os cristãos eram frequentes e brutais. A fé em Cristo constituía uma religião clandestina e, por isso, os cristãos não podiam se revelar abertamente. Nesse contexto, como um cristão poderia saber se outra pessoa também era cristã? Além de tomar as precauções mais evidentes, como informar-se sobre a outra pessoa previamente sempre que possível, considera-se a hipótese de que os primeiros cristãos utilizassem alguns ‘códigos secretos’ para confirmar se estavam diante de um irmão da mesma crença.

Um desses códigos era o ‘Ichthys’ ou ‘Ichthus’, palavra que, em grego antigo (χθύς), significava ‘peixe’. Segundo essa hipótese, quando um cristão supunha estar diante de outro cristão clandestino, desenhava uma curva ou meia-lua no chão. Se a outra pessoa desenhasse outra meia-lua sobreposta à dele, completando a figura de um peixe, seria muito maior a probabilidade de que se tratasse mesmo de um seguidor de Jesus que conhecia o ‘código secreto’ cristão.


E por que a imagem de um peixe?

Porque as letras que formam a palavra ‘peixe’ em grego (ichthys), quando escritas em maiúsculas (ΙΧΘΥΣ), formam um acrônimo com as iniciais da expressão ‘Iēsous Christos Theou Yios Sōtēr’, que significa ‘Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador’ (em grego antigo : ησος Χριστός, Θεο ͑Υιός, Σωτήρ). O peixe se tornou, assim, um dos primeiros símbolos cristãos, juntamente com a imagem do Bom Pastor e, posteriormente, do crucifixo. O Ichthys também era usado para indicar as catacumbas cristãs durante as perseguições contra a comunidade, de modo que apenas os próprios cristãos soubessem quais eram os túmulos dos seus companheiros de fé.


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/por-que-o-peixe-e-a-imagem-do-cristao
  

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Fazei o nosso coração semelhante ao Vosso

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Dom Alberto Taveira Corrêa,
Arcebispo Metropolitano de Belém, PA

‘Abre-se a porta da misericórdia! O Pai das Misericórdias enviou seu Filho amado ao mundo e derramou sobre a humanidade a unção do Espírito Santo, para a festa do perdão, arte das artes, que tem na Trindade Santa sua fonte e realização, em benefício da humanidade. Abre-se a porta da Quaresma... Graças ao amor misericordioso de Deus não há pecado, por maior que seja, que não possa ser perdoado, nem pecador que seja posto de lado. Todas as pessoas que se arrependerem serão recebidas por Jesus Cristo, com perdão e imenso amor.  Diante de tamanha bondade, cabe-nos responder com a sinceridade da vivência quaresmal. O pregão bíblico da penitência, com o gesto da imposição das Cinzas, vivido pela Igreja, quer ser o convite a que todos estejam dispostos a morrer para o homem velho.

A Igreja aprendeu e ensinou no correr dos séculos a importância do tempo, como oportunidade da graça de Deus, através do que chamamos Ano Litúrgico, com o qual percorremos o ciclo dos mistérios de Cristo, colhendo todos os presentes que são oferecidos. O tempo da Quaresma é o convite a voltar os olhos para a Páscoa, dedicando as próximas semanas à revisão de vida, prática da Penitência, Sacramento da Reconciliação, Leitura Orante da Palavra de Deus, Participação na Eucaristia e Exercício da Caridade.

Cada ano a Igreja oferece temas e propostas de vida nova a todos os cristãos. O Papa Francisco desejou, neste ano de 2015, convidar-nos a refletir e mudar de atitude, na superação de um dos desafios mais urgentes, a globalização da indiferença. Diz o Papa : ‘Dado que a indiferença para com o próximo e para com Deus é uma tentação real também para nós, cristãos, temos necessidade de ouvir, em cada Quaresma, o brado dos profetas que levantam a voz para nos despertar’. Depois de indicar passos a serem dados pela Igreja, pelas Paróquias, Comunidades e por todos os cristãos, considerados pessoalmente, assim convidou : ‘Para superar a indiferença e as nossas pretensões de onipotência, gostaria de pedir a todos para viverem este tempo de Quaresma como um percurso de formação do coração, a que nos convidava Bento XVI (Carta encíclica Deus caritas est, 31). Ter um coração misericordioso não significa ter um coração débil. Quem quer ser misericordioso precisa de um coração forte, firme, fechado ao tentador, mas aberto a Deus; um coração que se deixe impregnar pelo Espírito e levar pelos caminhos do amor que conduzem aos irmãos e irmãs; no fundo, um coração pobre, isto é, que conhece as suas limitações e se gasta pelo outro. Por isso, amados irmãos e irmãs, nesta Quaresma desejo rezar convosco a Cristo : ‘Fazei o nosso coração semelhante ao vosso’ (Súplica das Ladainhas ao Sagrado Coração de Jesus). Teremos assim um coração forte e misericordioso, vigilante e generoso, que não se deixa fechar em si mesmo nem cai na vertigem da globalização da indiferença’.

Também no Brasil acontece um intenso esforço de mudança de vida, com a Campanha da Fraternidade, realizada anualmente na Quaresma, desde 1964, com a qual deseja oferecer nossa contribuição à sociedade, para a construção de um mundo melhor. Em 2015, nossa Campanha é sobre ‘Fraternidade : Igreja e Sociedade’, com o lema ‘Eu vim para servir’ (Cf. Mc 10, 45). O bonito cartaz da Campanha retrata o Papa Francisco lavando os pés de um fiel na Quinta-feira Santa de 2014. A Igreja atualiza o gesto de Jesus Cristo ao lavar os pés de seus discípulos. O lava-pés é expressão de amor capaz de levar a pessoa a entregar sua vida pelo outro.

A Igreja católica participa das alegrias e tristezas do povo brasileiro, e quer dar a sua contribuição, para que nosso povo seja mais disponível ao serviço das pessoas umas às outras. Queremos manter uma atitude de serviço, diálogo e cooperação. Queremos atuar em favor de tudo o que eleva a dignidade humana. Nossa colaboração quer ser ainda uma resposta ao convite do Papa para maior atenção aos pobres e sofredores, indo às periferias geográficas e existenciais, uma Igreja em saída, como diz o Papa Francisco.

Alguns temas serão tratados com intensidade e transformar-se em prática dos cristãos, como fruto da Campanha da Fraternidade : a proteção dos direitos fundamentais das pessoas, o bem comum, a justiça social e o serviço da Igreja à sociedade. Desejamos procurar continuamente o que Deus quer de nós, discernindo nossas ações a partir do que existe em nossas comunidades, atuando através das pastorais sociais, dialogar com todas as forças da sociedade em vista do bem comum, introduzir cada vez mais o tema da paz e da superação da violência em nossas orações e nosso comportamento, acompanhar pessoas e famílias em situação de conflito, participar de forma consciente e construtiva no caminho do país para a reforma política.

Os cristãos não desejam privilégios, mas têm o direito de participar da vida da sociedade. Sabemos que existem posições contrárias à religião, numa sociedade que pretende cancelar as referências à transcendência e o reforço do individualismo. Há assuntos graves que pedem a participação de todas as forças da sociedade, como a educação, a saúde e a paz social. A Igreja tem uma palavra a dizer sobre estes temas e propõe modos de vida que não excluam pessoas e grupos da sociedade. Acolhendo o convite do Papa Francisco, em sua mensagem quaresmal, os católicos não se deixarão tomar pela globalização da indiferença. Saberão chorar com os que choram e rir com aqueles que riem (Cf. Texto-base da Campanha da Fraternidade 2015).

Começa uma ‘Campanha’, esforço intenso, durante a Quaresma, unindo forças humanas e corações iluminados pela fé. Uma Campanha ‘da Fraternidade’, sonhando alto e fazendo a nossa parte para que homens e mulheres de nosso tempo sejam mais fraternos. É uma Campanha da Igreja, que pretende ser ‘Campanha de Opinião Publica’, contribuindo para a elevação do nível de vida do povo brasileiro. O caminho está em Cristo, que veio ‘para servir’.


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.arquidiocesedebelem.org.br/index2.html

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Acre volta a enviar haitianos para São Paulo sem avisar

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  
Após polêmica do ano passado, eles ainda são mandados para a capital sem saber para onde ir e o que fazer

‘Ao menos duas vezes por semana, ônibus vindos do Acre têm despachado estrangeiros, sem qualquer aviso, em São Paulo. Os veículos chegam de madrugada e deixam os imigrantes, a grande maioria haitianos, na Barra Funda, sem qualquer informação ou assistência.

Em janeiro, 600 imigrantes chegaram à cidade e foram acolhidos na pastoral Missão Paz e em abrigos municipais.

O Acre recebeu R$ 3,385 milhões do governo federal para o custeio da viagem dos estrangeiros a São Paulo.

Em contrapartida, o Acre deve garantir que os haitianos só sejam enviados após a emissão de documentos (CPF, carteira de trabalho e o protocolo de entrada no Brasil). O Acre deve, ainda, garantir condições dignas de viagem (alimentação e higiene).

Outra obrigação é avisar os assistentes sociais da prefeitura sobre o envio dos estrangeiros, o que passou a ser feito no ano passado após o problema ser divulgado pela imprensa.

Agora, porém, o próprio secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre, Nilson Mourão, admite não mais avisar Estado ou prefeitura ‘São Paulo já sabe disso há muito tempo, não precisa ficar avisando toda vez. Ninguém nos avisa quando chegam aqui ao Acre. Porque temos que avisar?

Para o padre Paolo Parise, responsável pela Missão Paz, é ‘preocupante’ a forma como os estrangeiros são ‘jogados’ em São Paulo. Segundo ele, os imigrantes não têm grana para comer na viagem de quatro dias e não são informados onde podem buscar ajuda na capital.


Visto humanitário

Segundo a Polícia Federal, 17 mil dos 28,9 mil estrangeiros que entraram no país em 2014 vieram pelo Acre. A maioria são haitianos, que têm direito ao visto humanitário para ficar no Brasil, por causa do terremoto que devastou o país em 2010.

Para Camila Assano, coordenadora da Conectas, ONG de proteção aos direitos humanos, a política do governo federal é ‘um desastre’, pois não dá a integração adequada e estimula o preconceito.

Sem ajuda governamental, a Missão Paz gasta R$ 2 milhões por ano para abrigar imigrantes. ‘Estamos no limite. Temos vaga para 110 pessoas, mas sempre acabamos abrigando mais’, afirmou Parise.



Fonte :
* Artigo na íntegra de http://media.wix.com/ugd/f12d03_1ea5899443054c01a6b36e66bad7b7c9.pdf
  

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Terrorismo e Análise Social

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Ivanaldo Santos,
filósofo e doutor em estudos da linguagem pela UFRN


‘Diante da brutal sequência de atentados terroristas ocorridos na França, que ficou conhecido como Atentado de Charlie Hebdo, que chocou o mundo, e da atual onda de terrorismo que ameaça se espalhar pelo mundo, realizam-se cinco análises.

1) Em linhas gerais a atual onda de atentados terroristas vividos pela França, de um lado, trata-se de uma das mais brutais e desumanas sequências de atos terroristas que ocorreram na história contemporânea da humanidade. Do outro lado, é preciso ver que esses ataques não foram atos isolados. Existe um grande número de grupos terroristas atuando em escala quase planetária, entre os quais cita-se, por exemplo, Al-Quaeda, Boko Haram, Estado Islâmico e a Frente al-Nusra. O problema é que esses grupos são bem treinados, tem muitas e diversificadas fontes de financiamentos e ao longo dos últimos 30 anos vem promovendo atentados em vários países do mundo. É preciso ter consciência do que ocorreu na França não foi apenas um ato terrorista, mas uma grande falha nos sistemas nacionais (no caso da França) e internacionais de segurança.

2) Alguns intelectuais viram os atentados na França como um ato da direita. Essa é uma posição que deve ser respeitada. No entanto, essa posição segue um esquema político binário tradicional, oriundo do século XVIII, que divide a política e as ações sociais em esquerda e direita. Essa é uma reflexão muito ingênua, pois não leva em conta as profundas mudanças ocorridas no mundo contemporâneo. Sem contar que o terrorismo islâmico não se enquadra em direita ou esquerda. Em muitos aspectos, o Islã não viveu, até os dias de hoje, um aprofundamento no campo das ideias, da literatura, da teoria política e dos direitos humanos. Por exemplo, o Islã ainda precisa incorporar a sua estrutura de pensamento os valores da democracia e da liberdade oriundos dos gregos antigos. Em grande medida, o terror islâmico pretende implantar um modelo de sociedade fechado, muito semelhante a sociedade tribal do século VII d.C.

3) Alguns críticos sociais veem o terrorismo como uma forma de protesto social, de movimento social. É preciso rejeitar toda forma de terrorismo, trata-se de um ato covarde de ataque e destruição, quem mais sofre com um ataque terrorista é a população civil, especialmente mulheres, crianças e idosos. No entanto, é preciso ver que no mundo contemporâneo existe uma tendência de uma minoria (ou minorias) de dominar o cenário cultural em escala quase planetária. É comum vermos nos filmes, na TV, na mídia e em outros ambientes uma propaganda e a defesa de ideias que podem ser atribuídas a algum tipo de minoria. Entre essas ideias é possível citar, por exemplo, o casamento homossexual, o aborto e a legalização de drogas ilegais. O problema é que a maioria da população não compartilha com essas ideias. O fato é que o homem comum não está se sentindo representado pelas ideias que dominam o cenário cultural contemporâneo. Por causa disso, a população questiona esse tipo de transmissão de ideias. O homem comum pergunta-se : se vivemos em uma democracia, então porque as minhas ideias não aparecem? Porque apenas valores contrários ao que penso, aparecem? Esse tipo de situação, quase que uma ditadura de uma minoria esclarecida, está conduzindo setores dentro da sociedade a apoiarem atos desesperados, como é o caso dos ataques terroristas. A sociedade e a democracia contemporâneas precisam repensar as suas relações com o homem comum, o homem comum precisa se sentir mais representado, seus valores precisam aparecer mais na sociedade.

4) Fala-se muito que os atentados foram contra posições antirreligiosas do jornal Charlie Hebdo. No século XXI fala-se muito em diálogo e liberdade, mas lamentavelmente os grupos religiosos, que representam a maioria da população, estão marginalizados desse diálogo. Quase ninguém quer ouvir o que esses grupos dizem e o que pensam, são logo rotulados de conservadores, de retrógrados, autoritários, fundamentalistas e coisas semelhantes. O jornal francês Charlie Hebdo, que foi vítima de um brutal ataque terrorista, é um bom exemplo disso. Esse jornal gostava de publicar sátiras contra religiões (cristã, islâmica, etc), mas não parou para ouvir a voz que vem das religiões, o que as pessoas religiões tem a dizer e a fazer pelo mundo. Atualmente fala-se muito em inclusão e diversidade, mas o grande grupo humano que parece ser excluído são as religiões. Enquanto a modernidade não conseguir incorporar as grandes tradições religiosas (cristianismo, islamismo, judaísmo, etc) dentro dos grandes projetos de crescimento e aperfeiçoamento social, dificilmente haverá paz no mundo.

5) O que se pode esperar, para o mundo contemporâneo, após os ataques na França? Inicialmente é preciso ter esperança, pois a esperança é o sentimento que ajuda a vencer o medo. Além disso, daqui por diante é preciso repensar a cultura do diálogo reinante no mundo contemporâneo, uma cultura centrada nos grupos pós-modernos (homossexuais, aborto, drogas, etc). Os ataques na França demonstraram que existe uma maioria que não é pós-moderna e que não se sente representa pela atual cultura dominante. É preciso ter coragem de dialogar com essa maioria, do contrário, sem diálogo, poderemos esperar manifestações e até revoltas populares nos próximos anos. Temos que ouvir as maiorias, pois democracia se faz é com a maioria. Essa lei básica da democracia precisa ser retomada no mundo atual. É preciso ver que quase todos os dias acontecem atos terroristas e atos bem piores do que foram praticados na França. No entanto, os atos terroristas pouco ou não são divulgados pela grande mídia, pela intelectualidade e pela classe dos artistas. Existe quase um silêncio absoluto sobre os atos terroristas que se multiplicam no cotidiano de muitas regiões do mundo. Esse silêncio precisa ser quebrado, não podemos ficar horrorizados com um ato terrorista contra um jornal francês e silenciar diante de ataques muito piores ao redor do mundo.


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/terrorismo-e-analise-social

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Um monge da Armênia, novo doutor da Igreja

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
  

‘O Papa Francisco aprovou a proposta da Congregação para as Causas dos Santos de declarar doutor da Igreja universal, o sacerdote e monge São Gregório de Narek, ilustre pela sua doutrina, seus escritos e a sua sabedoria mística.

...O novo doutor da Igreja universal nasceu em Andzevatsik (então Armênia, agora Turquia) por volta do ano 950 e morreu em Narek pelo ano 1005.

Desde cedo seu tio materno o tomou sob a sua proteção, Ananias o Filósofo, que era abade de Narek. Lá, foi instruído no conhecimento das Escrituras, se distinguiu pelo seu rigor ascético e pelo seu espírito de oração. Gregório passou toda a sua vida dentro dos muros do mosteiro.

Depois de ser ordenado sacerdote virou o formador dos noviços que desejavam entrar na vida monástica. Sua fama de santidade e sabedoria transcendeu as paredes de Narek, passou aos mosteiros vizinhos e se tornou, sem buscar isso, um reformador de monges.

Eram tempos de relativa calma, tempos de criatividade, antes de que as invasões mongóis e turcas mudassem a Armênia para sempre. Estas terras experimentaram nessa época um renascimento da sua literatura, pintura, arquitetura e teologia, dos quais Gregório foi uma figura central. A sua obra poética-literária de peso foi o ‘Livro de Orações’. Os seus mais de vinte mil versos foram compostos em pouco mais de três anos. Ele mesmo pensou neste texto como o seu testamento.

O mosteiro de Narek foi destruído durante a Primeira Guerra Mundial, por causa do chamado holocausto armênio realizado pelas tropas otomanas. Esta fato especialmente trágido consistiu na deportação forçada e extermínio de um número desconhecido de civis, calculado aproximadamente entre um milhão e meio e dois milhões de pessoas por parte do governo dos Jovens Turcos no Império Otomano de 1915 até 1923.

O genocídio armênio foi caracterizado por sua brutalidade e uso de marchas forçadas sob condições extremas, o que geralmente levaram à morte muitos dos deportados.

No ano passado, o primeiro-ministro, Erdogan, expressou suas condolências aos descendentes das vítimas deste massacre, um gesto apreciado pelo papa Francisco durante sua viagem à Turquia.

Na coletiva de imprensa, durante o voo de regresso a Roma, o Santo Padre disse : ‘Nesta viagem tive contatos com os armênios. No ano passado o governo turco teve um gesto : o então primeiro ministro, Erdogan, escreveu uma carta sobre a lembrança deste episódio; uma carta que alguns consideraram muito fraca, mas que era – a meu ver – um gesto, não sei se grande ou pequeno, de estender a mão. E isso é sempre positivo. E posso estender uma mão, estendendo-a mais ou menos, esperando para ver o que me diz o outro para não colocar-me em apuros. Isso foi o que fez, então, o primeiro ministro’. ‘No próximo ano haverá muitos atos comemorativos deste centenário, mas esperamos que se chegue por um caminho de pequenos gestos, de pequenos passos de aproximação’, acrescentou.

Para recordar o aniversário do genocídio dos armênios, o Papa argentino vai presidir uma celebração no próximo dia 12 de abril, na Basílica de São Pedro.


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/um-monge-da-armenia-novo-doutor-da-igreja
  

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Origem, história e espiritualidade da Quaresma

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Padre Gian Luigi Morgano

‘Pode-se entender melhor o significado da Quaresma, decidida pelo Vaticano II, conhecendo a história deste tempo litúrgico. A celebração da Páscoa, nos três primeiros séculos da Igreja, não tinha um período de preparação. Limitava-se a um jejum realizado nos dois dias anteriores. A comunidade cristã vivia tão intensamente o empenho cristão, até o testemunho do martírio, que não sentia a necessidade de um período de tempo para renovar a conversão já acontecida com o batismo.

Ela prolongava, porém, a alegria da celebração pascal por cinqüenta dias (Pentecostes). Após a Paz de Constantino, quando a tensão diminuiu no empenho da vida cristã, começou-se a perceber a necessidade de um período de tempo para admoestar os fiéis sobre uma maior coerência com o batismo. Nascem assim as prescrições sobre um período de preparação à Páscoa.

No Oriente, encontramos os primeiros sinais de um período pré-pascal, como preparação espiritual à celebração do grande mistério, no princípio do século IV. Santo Atanásio nas ‘Cartas pascais’ (entre os anos 330 e 347), São Cirilo de Jerusalém nas Protocatequeses e nas Catequeses mistagógicas (347), fala desse período como realidade conhecida. Eusébio (+340) em De solemnitate paschali fala do ‘quadragesimo exercitium...santos Moyses e Eliam imitantes’ (Cf. PG 24,697).

No Ocidente, temos testemunhos diretos somente no fim do século IV. Falam desse período Etéria (385) em seu Itinerarium (27,1) pela Espanha e Aquitânia; Santo Agostinho para a África; Santo Ambrósio (+ 396) para Milão. Não sabemos com certeza onde, por meio de quem e como surgiu a Quaresma, sobretudo em Roma; apenas sabemos que ela foi se formando progressivamente. Ela tem uma pré-história, ligada a uma praxe penitencial preparatória à Páscoa, que começou a firmar-se desde a metade do século II. Até o século IV, a única semana de jejum era aquela que precedia a Páscoa. Na metade do século IV, já vemos acrescentadas a esta semana outras três, compreendendo assim quatro semanas. A partir do fim do século IV, a estrutura da Quaresma é aquela dos ‘quarentas dias’, considerados à luz do simbolismo bíblico, que dá a este tempo um valor salvífico-redentor, cujo sinal é a denominação ‘sacramentum’.

Celebrar a Quaresma é portanto, reconhecer a presença de Deus na caminhada, no trabalho, na luta, no sofrimento e na dor da vida do povo. Como o povo de Israel, que andou 40 anos no deserto antes de chegar à terra prometida, terra da promessa onde corre leite e mel. Como Jesus, que passou quarenta dias de retiro no deserto antes de anunciar a vinda do Reino. Que subiu a Jerusalém para cumprir a missão que o Pai lhe confiou : dar a sua vida e ser glorificado. A Quaresma, e isso é bem evidenciado na sua história, é um tempo forte de conversão e de mudança interior, tempo de deixar tudo o que é velho em nós, tempo de assumir tudo o que traz vida para a gente. Tempo de graça e salvação, em que nos preparamos para viver, de maneira intensa, livre e amorosa, o momento mais importante do ano litúrgico, da história da salvação, a Páscoa, aliança definitiva, vitória sobre o pecado, a escravidão e a morte. A espiritualidade da quaresma é caracterizada também por uma atenta, profunda e prolongada escuta da Palavra de Deus. É esta Palavra que ilumina a vida e chama à conversão, infundindo confiança na misericórdia de Deus. O confronto com o Evangelho ajuda a perceber o mal, o pecado, na perspectiva da Aliança, isto é, a misteriosa relação nupcial de amor entre deus e o seu povo. Motiva para atitudes de partilha do amor misericordioso e da alegria do Pai com os irmãos que voltam convertidos. Fazer da Quaresma um tempo favorável de avaliação de nossas opções de vida e linha de trabalho, para corrigir os erros e aprofundar a vivencia da fé, abrindo-nos a Deus, aos outros e realizando ações concretas de fraternidade, de solidariedade.


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.catequisar.com.br/texto/materia/celebracoes/quaresma/16.htm
  

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Igreja na Sociedade

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  *Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte
  
‘É tempo da Quaresma, quando os discípulos e discípulas de Jesus são chamados a escutar a Palavra de Deus com redobrada atenção amorosa para alcançar uma qualificação humana e espiritual. Esse percurso educativo é indispensável para a conquista de uma vida mais saudável, construída na justiça como projeto de paz. Trata-se de um aperfeiçoamento que ocorre na interioridade de cada pessoa. Promove a superação de desgastes, sofrimentos e disputas que abatem a condição humana. Perdida a unidade interior, inevitáveis são os comprometimentos na vida cidadã, no testemunho da fé e na conduta individual e comunitária. Crescem os desvarios que ocorrem na sociedade contemporânea, marcada pela iluminação instrumental da razão e pelas possibilidades dos grandes avanços tecnológicos.

De um lado, o espetacular das conquistas e da modernização. Do outro, o cenário injusto da miséria e exclusão de tantos pobres, a vergonha da corrupção, o horror da violência e a superficialidade que a sociedade do descartável alimenta nos corações. É preciso silenciar, escutar com maior acuidade, recuperar o sentido determinante do outro na própria vida, o lugar inigualável de Deus na existência de cada um e no coração da história. Fundamental também é a disposição para remodelar-se, não exteriormente, nas aparências, mas no fundo do coração. A interioridade é o núcleo central de comando ético e moral que sustenta condutas balizadas pela justiça, pelo amor e pela coragem da solidariedade.

Por isso mesmo, a Igreja celebra o tempo quaresmal convidando todas as pessoas a percorrerem esse caminho de quarenta dias para vivenciar, de modo adequado, a Páscoa de Jesus Cristo, o único projeto de verdadeiro resgate e salvação da humanidade. Um tempo para a checagem da qualidade humana e espiritual, na certeza de que é possível encontrar as indicações das mudanças necessárias, capazes de fazer da própria vida uma base fundamental que sustenta a construção de uma sociedade mais justa.

Como ocorre há mais de cinquenta anos, a Igreja no Brasil vivencia o tempo da Quaresma promovendo a Campanha da Fraternidade. O tema e o lema da Campanha em 2015 - Fraternidade : Igreja e SociedadeeEu vim para servir’ (cf. Mc 10,45) - constituem, neste ano, o horizonte inspirador e de confronto. A indicação da condição de servidor vem do próprio Jesus, o que Ele diz de si mesmo, na obediência amorosa a seu Pai. Trata-se, portanto, de característica inegociável e insubstituível de quem é discípulo de Cristo. Esse serviço é à vida, aos pobres, a cada pessoa, à cultura da paz. Busca a justiça e a superação das exclusões, que perpetuam a violência.

O despertar da consciência de estar a serviço, em nome do Mestre Jesus, em tudo o que se faz - no âmbito profissional, familiar, até naquele da vivência da fé e da disposição ao voluntariado para recuperar e promover a dignidade sagrada de toda pessoa - é o caminho revolucionário que a Igreja sabe que precisa trilhar. Nessa trajetória, a Igreja reconfigurará o seu verdadeiro rosto, superando suas incoerências, considerados os seus funcionamentos e a sua organização interna, particularmente a conduta de seus pastores, ministros e servidores. Essa é a coragem que a própria Igreja precisa revigorar, no mais íntimo de si, conforme indica o Papa Francisco ao dizer : ‘Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos’.

A Igreja Católica assume esse desafio em busca de conversão, de respostas novas e adequadas, de olhar para si no contexto da sociedade contemporânea para servir ainda mais, anunciando o Evangelho. Um compromisso com a vida de todos, sobretudo dos pobres e sofredores, que é iluminado pela convicção e pelo anúncio do Reino de Deus a caminho do qual estamos. Partilhamos a certeza de que há uma vida definitiva a desabrochar plenamente para além deste tempo, garantia incontestável da Páscoa do Senhor Jesus. Em espírito de escuta, de profunda humildade, a Igreja, congregação dos discípulos de Jesus, deixa-se interpelar pela indispensável revisão. Assim, busca avançar ainda mais na vivência e no testemunho da caridade, que transforma e efetiva a missão de servidora que tem a Igreja na sociedade.


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/igreja-na-sociedade

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Em colóquio com Frei Cantalamessa : Um abraço em favor do ecumenismo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
  

Para dar passos avante no âmbito ecumênico, às vezes vale mais um abraço, como o do Papa Francisco e o Patriarca Bartolomeu, do que muitas discussões doutrinais.

Foi o que disse o pregador da Casa Pontifícia, Frei Raniero Cantalamessa, em entrevista ao jornal vaticano ‘L’Osservatore Romano’, em vista das pregações para a Quaresma, que terão início na sexta-feira, 27 de fevereiro, na capela  Redemptoris Mater do Palácio Apostólico, na presença do Papa.

O religioso capuchinho desenvolverá o tema ‘Dois pulmões, um só respiro. Oriente e Ocidente unidos na profissão da mesma fé’.


OR : Por que a escolha deste tema?

Frei Raniero Cantalamessa : - ‘O apelo a partilhar plenamente a fé que une Oriente e Ocidente, lançado por Francisco por ocasião do recente encontro com Bartolomeu, fez nascer em mim o desejo de dar uma pequena contribuição para a realização deste desejo que não é somente do Papa, mas de toda a cristandade. Como o corpo humano, também o corpo de Cristo, a Igreja, segundo uma imagem querida para João Paulo II, tem dois pulmões e, como no corpo humano, eles devem respirar uníssonos. Daí, o título das pregações.


OR : O senhor faz votos de uma mudança de linha em âmbito ecumênico. Pode explicar-nos a que se refere?

Frei Raniero Cantalamessa : - ‘Até então, no esforço de promover a unidade entre os cristãos prevaleceu a linha de resolver primeiro as diferenças, para depois partilhar aquilo que temos em comum; ora, a linha que tem tomado pé em âmbitos ecumênicos é partilhar aquilo que temos em comum, para depois, num clima de fraterno respeito, resolver as diferenças. O resultado mais surpreendente desta mudança de perspectiva é que as mesmas reais diferenças doutrinais, ao invés de aparecer como um ‘erro’, ou uma ‘heresia’ do outro, muitas vezes nos parecem um necessário corretivo e um enriquecimento da própria posição. Teve-se um exemplo disso, em outra situação, com o Acordo de 1999 entre a Igreja católica e a Federação mundial das Igrejas luteranas, a propósito da justificação mediante a fé.’


OR : Quais são os pontos de contato e os que mais se distancianciam entre Tradição ocidental e Tradição oriental?

Frei Raneiro Catalamessa : - ‘Os grandes mistérios da fé, nos quais buscarei verificar os pontos em comum, embora na diversidade das duas tradições, são o mistério da Trindade, a pessoa de Cristo, a pessoa do Espírito Santo e a doutrina da salvação. Dois pulmões, um único respiro : essa será a convicção pela qual pretendo me deixar guiar em tal caminho de revisitação. Francisco fala de ‘diferenças reconciliadas’ : não silenciadas ou banalizadas, mas reconciliadas. Um sábio pensador pagão do Séc. IV, Quinto Aurélio Símaco, recordava uma verdade que adquire todo o seu valor se aplicada às relações entre as várias teologias do Oriente e do Ocidente : Uno itinere non potest perveniri ad tam grande secretum (Não se pode chegar a um mistério tão grande percorrendo um único caminho). Tratando-se de simples pregações quaresmais, é evidente que abordarei problemas tão complexos sem nenhuma pretensão de inteireza, com uma intenção prática e orientadora, mais que especulativa.


OR : Em quais aspectos os esforços ecumênicos podem se concentrar?

Frei Raniero Cantalamessa : - ‘No âmbito do diálogo ecumênico oficial, sei que o epicentro do interesse, neste momento, é o tema da Igreja. A Comissão Fé e Constituição, da qual também a Igreja católica faz parte, tem concentrado seus esforços sobre este epicentro, e elaborou um documento intitulado ‘A Igreja : rumo a uma visão comum’ que marca um notável passo adiante na identificação daquilo que deve ser o dado fundamental comum a todos, e daquelas que, por sua vez, são as características próprias e compartilháveis de cada tradição cristã.


OR : Até que ponto gestos como a recente visita do Papa Francisco ao Patriarca Bartolomeu pode influenciar no caminho ecumênico?

Frei Raniero Cantalamessa : - ‘A experiência demonstrou que os verdadeiros ‘saltos de qualidade’ nas relações entre Igreja católica e Ortodoxia não foram tanto os diálogos bilaterais, mas dois abraços : o abraço entre Paulo VI e Atenágoras, e, ultimamente, o abraço entre Francisco e Bartolomeu. Mas isso já se tornou uma convicção comum : o ecumenismo doutrinal deve ser acompanhado, e, aliás, precedido, de um ecumenismo do ágape, ou seja, da caridade e da amizade. É inacreditável quantos muros pareciam indestrutíveis, e caíram, como o muro de Berlim, de um dia para o outro, unicamente com um abraço ou um gesto de reconciliação. Nos últimos tempos como presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, o Cardeal Walter Kasper insistia muito sobre a necessidade de um ‘ecumenismo espiritual’ que aplaine o terreno para o ecumenismo doutrinal.


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/em-coloquio-com-frei-cantalamessa-um-abraco-em-fav
  

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Fortalecei os vossos corações (Tg 5, 8)

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  

Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma de 2015

‘Amados irmãos e irmãs,

Tempo de renovação para a Igreja, para as comunidades e para cada um dos fiéis, a Quaresma é sobretudo um ‘tempo favorável’ de graça (cf. 2 Cor 6, 2). Deus nada nos pede, que antes não no-lo tenha dado : ‘Nós amamos, porque Ele nos amou primeiro’ (1 Jo 4, 19). Ele não nos olha com indiferença; pelo contrário, tem a peito cada um de nós, conhece-nos pelo nome, cuida de nós e vai à nossa procura, quando O deixamos. Interessa-Se por cada um de nós; o seu amor impede-Lhe de ficar indiferente perante aquilo que nos acontece. Coisa diversa se passa connosco! Quando estamos bem e comodamente instalados, esquecemo-nos certamente dos outros (isto, Deus Pai nunca o faz!), não nos interessam os seus problemas, nem as tribulações e injustiças que sofrem; e, assim, o nosso coração cai na indiferença : encontrando-me relativamente bem e confortável, esqueço-me dos que não estão bem! Hoje, esta atitude egoísta de indiferença atingiu uma dimensão mundial tal que podemos falar de uma globalização da indiferença. Trata-se de um mal-estar que temos obrigação, como cristãos, de enfrentar.

Quando o povo de Deus se converte ao seu amor, encontra resposta para as questões que a história continuamente nos coloca. E um dos desafios mais urgentes, sobre o qual me quero deter nesta Mensagem, é o da globalização da indiferença.

Dado que a indiferença para com o próximo e para com Deus é uma tentação real também para nós, cristãos, temos necessidade de ouvir, em cada Quaresma, o brado dos profetas que levantam a voz para nos despertar.

A Deus não Lhe é indiferente o mundo, mas ama-o até ao ponto de entregar o seu Filho pela salvação de todo o homem. Na encarnação, na vida terrena, na morte e ressurreição do Filho de Deus, abre-se definitivamente a porta entre Deus e o homem, entre o Céu e a terra. E a Igreja é como a mão que mantém aberta esta porta, por meio da proclamação da Palavra, da celebração dos Sacramentos, do testemunho da fé que se torna eficaz pelo amor (cf. Gl 5, 6). O mundo, porém, tende a fechar-se em si mesmo e a fechar a referida porta através da qual Deus entra no mundo e o mundo n'Ele. Sendo assim, a mão, que é a Igreja, não deve jamais surpreender-se, se se vir rejeitada, esmagada e ferida.

Por isso, o povo de Deus tem necessidade de renovação, para não cair na indiferença nem se fechar em si mesmo. Tendo em vista esta renovação, gostaria de vos propor três textos para a vossa meditação.


1. ‘Se um membro sofre, com ele sofrem todos os membros’ (1 Cor 12, 26) : A Igreja.

Com o seu ensinamento e sobretudo com o seu testemunho, a Igreja oferece-nos o amor de Deus, que rompe esta reclusão mortal em nós mesmos que é a indiferença. Mas, só se pode testemunhar algo que antes experimentámos. O cristão é aquele que permite a Deus revesti-lo da sua bondade e misericórdia, revesti-lo de Cristo para se tornar, como Ele, servo de Deus e dos homens. Bem no-lo recorda a liturgia de Quinta-feira Santa com o rito do lava-pés. Pedro não queria que Jesus lhe lavasse os pés, mas depois compreendeu que Jesus não pretendia apenas exemplificar como devemos lavar os pés uns aos outros; este serviço, só o pode fazer quem, primeiro, se deixou lavar os pés por Cristo. Só essa pessoa ‘tem a haver com Ele’ (cf. Jo 13, 8), podendo assim servir o homem.

A Quaresma é um tempo propício para nos deixarmos servir por Cristo e, deste modo, tornarmo-nos como Ele. Verifica-se isto quando ouvimos a Palavra de Deus e recebemos os sacramentos, nomeadamente a Eucaristia. Nesta, tornamo-nos naquilo que recebemos : o corpo de Cristo. Neste corpo, não encontra lugar a tal indiferença que, com tanta frequência, parece apoderar-se dos nossos corações; porque, quem é de Cristo, pertence a um único corpo e, n'Ele, um não olha com indiferença o outro. ‘Assim, se um membro sofre, com ele sofrem todos os membros; se um membro é honrado, todos os membros participam da sua alegria’ (1 Cor 12, 26).

A Igreja é communio sanctorum, não só porque, nela, tomam parte os Santos mas também porque é comunhão de coisas santas : o amor de Deus, que nos foi revelado em Cristo, e todos os seus dons; e, entre estes, há que incluir também a resposta de quantos se deixam alcançar por tal amor. Nesta comunhão dos Santos e nesta participação nas coisas santas, aquilo que cada um possui, não o reserva só para si, mas tudo é para todos. E, dado que estamos interligados em Deus, podemos fazer algo mesmo pelos que estão longe, por aqueles que não poderíamos jamais, com as nossas simples forças, alcançar : rezamos com eles e por eles a Deus, para que todos nos abramos à sua obra de salvação.


2. ‘Onde está o teu irmão?’ (Gn 4, 9) : As paróquias e as comunidades

Tudo o que se disse a propósito da Igreja universal é necessário agora traduzi-lo na vida das paróquias e comunidades. Nestas realidades eclesiais, consegue-se porventura experimentar que fazemos parte de um único corpo? Um corpo que, simultaneamente, recebe e partilha aquilo que Deus nos quer dar? Um corpo que conhece e cuida dos seus membros mais frágeis, pobres e pequeninos? Ou refugiamo-nos num amor universal pronto a comprometer-se lá longe no mundo, mas que esquece o Lázaro sentado à sua porta fechada (cf. Lc 16, 19-31)?

Para receber e fazer frutificar plenamente aquilo que Deus nos dá, deve-se ultrapassar as fronteiras da Igreja visível em duas direcções.

Em primeiro lugar, unindo-nos à Igreja do Céu na oração. Quando a Igreja terrena reza, instaura-se reciprocamente uma comunhão de serviços e bens que chega até à presença de Deus. Juntamente com os Santos, que encontraram a sua plenitude em Deus, fazemos parte daquela comunhão onde a indiferença é vencida pelo amor. A Igreja do Céu não é triunfante, porque deixou para trás as tribulações do mundo e usufrui sozinha do gozo eterno; antes pelo contrário, pois aos Santos é concedido já contemplar e rejubilar com o facto de terem vencido definitivamente a indiferença, a dureza de coração e o ódio, graças à morte e ressurreição de Jesus. E, enquanto esta vitória do amor não impregnar todo o mundo, os Santos caminham connosco, que ainda somos peregrinos. Convicta de que a alegria no Céu pela vitória do amor crucificado não é plena enquanto houver, na terra, um só homem que sofra e gema, escrevia Santa Teresa de Lisieux, doutora da Igreja : ‘Muito espero não ficar inactiva no Céu; o meu desejo é continuar a trabalhar pela Igreja e pelas almas’ (Carta 254, de 14 de Julho de 1897).

Também nós participamos dos méritos e da alegria dos Santos e eles tomam parte na nossa luta e no nosso desejo de paz e reconciliação. Para nós, a sua alegria pela vitória de Cristo ressuscitado é origem de força para superar tantas formas de indiferença e dureza de coração.

Em segundo lugar, cada comunidade cristã é chamada a atravessar o limiar que a põe em relação com a sociedade circundante, com os pobres e com os incrédulos. A Igreja é, por sua natureza, missionária, não fechada em si mesma, mas enviada a todos os homens.

Esta missão é o paciente testemunho d'Aquele que quer conduzir ao Pai toda a realidade e todo o homem. A missão é aquilo que o amor não pode calar. A Igreja segue Jesus Cristo pela estrada que a conduz a cada homem, até aos confins da terra (cf. Act 1, 8). Assim podemos ver, no nosso próximo, o irmão e a irmã pelos quais Cristo morreu e ressuscitou. Tudo aquilo que recebemos, recebemo-lo também para eles. E, vice-versa, tudo o que estes irmãos possuem é um dom para a Igreja e para a humanidade inteira.

Amados irmãos e irmãs, como desejo que os lugares onde a Igreja se manifesta, particularmente as nossas paróquias e as nossas comunidades, se tornem ilhas de misericórdia no meio do mar da indiferença!


3. ‘Fortalecei os vossos corações’ (Tg 5, 8) : Cada um dos fiéis

Também como indivíduos temos a tentação da indiferença. Estamos saturados de notícias e imagens impressionantes que nos relatam o sofrimento humano, sentindo ao mesmo tempo toda a nossa incapacidade de intervir. Que fazer para não nos deixarmos absorver por esta espiral de terror e impotência?

Em primeiro lugar, podemos rezar na comunhão da Igreja terrena e celeste. Não subestimemos a força da oração de muitos! A iniciativa 24 horas para o Senhor, que espero se celebre em toda a Igreja – mesmo a nível diocesano – nos dias 13 e 14 de Março, pretende dar expressão a esta necessidade da oração.

Em segundo lugar, podemos levar ajuda, com gestos de caridade, tanto a quem vive próximo de nós como a quem está longe, graças aos inúmeros organismos caritativos da Igreja. A Quaresma é um tempo propício para mostrar este interesse pelo outro, através de um sinal – mesmo pequeno, mas concreto – da nossa participação na humanidade que temos em comum.

E, em terceiro lugar, o sofrimento do próximo constitui um apelo à conversão, porque a necessidade do irmão recorda-me a fragilidade da minha vida, a minha dependência de Deus e dos irmãos. Se humildemente pedirmos a graça de Deus e aceitarmos os limites das nossas possibilidades, então confiaremos nas possibilidades infinitas que tem de reserva o amor de Deus. E poderemos resistir à tentação diabólica que nos leva a crer que podemos salvar-nos e salvar o mundo sozinhos.

Para superar a indiferença e as nossas pretensões de omnipotência, gostaria de pedir a todos para viverem este tempo de Quaresma como um percurso de formação do coração, a que nos convidava Bento XVI (Carta enc. Deus caritas est, 31). Ter um coração misericordioso não significa ter um coração débil. Quem quer ser misericordioso precisa de um coração forte, firme, fechado ao tentador mas aberto a Deus; um coração que se deixe impregnar pelo Espírito e levar pelos caminhos do amor que conduzem aos irmãos e irmãs; no fundo, um coração pobre, isto é, que conhece as suas limitações e se gasta pelo outro.

Por isso, amados irmãos e irmãs, nesta Quaresma desejo rezar convosco a Cristo : ‘Fac cor nostrum secundum cor tuum – Fazei o nosso coração semelhante ao vosso’ (Súplica das Ladainhas ao Sagrado Coração de Jesus). Teremos assim um coração forte e misericordioso, vigilante e generoso, que não se deixa fechar em si mesmo nem cai na vertigem da globalização da indiferença.

Com estes votos, asseguro a minha oração por cada crente e cada comunidade eclesial para que percorram, frutuosamente, o itinerário quaresmal, enquanto, por minha vez, vos peço que rezeis por mim. Que o Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos guarde!


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/fortalecei-os-vossos-coracoes