sábado, 31 de outubro de 2015

A celebração da festa de Todos os Santos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Felipe Aquino

  
‘No dia 1º de novembro, a Igreja celebra a festa de Todos os Santos. Segundo a tradição, ela foi colocada neste dia, logo após 31 de outubro, porque que os celtas ingleses – pagãos -, celebravam as bruxas e os espíritos que vinham se alimentar e assustar as pessoas nesta noite (Halloween).

Nesse dia, a Igreja militante (que luta na Terra) honra a Igreja triunfante do Céu celebrando, numa única solenidade, todos os Santos como diz o sacerdote na oração da Missa para render homenagem àquela multidão de Santos que povoam o Reino dos Céus, que São João viu no Apocalipse : ‘Ouvi, então, o número dos assinalados : cento e quarenta e quatro mil assinalados, de toda tribo dos filhos de Israel. Depois disso, vi uma grande multidão que ninguém podia contar, de toda nação, tribo, povo e língua : conservavam-se em pé diante do trono e diante do Cordeiro, de vestes brancas e palmas na mão. Esses são os sobreviventes da grande tribulação; lavaram as suas vestes e as alvejaram no sangue do Cordeiro’ (Ap 7,4-14).

Esta imensa multidão de 144 mil, que está diante do Cordeiro, compreende todos os servos de Deus, aos quais a Igreja canonizou através da decisão infalível de algum Papa, e todos aqueles, incontáveis, que conseguiram a salvação, e que desfrutam da visão beatífica de Deus. Lá eles intercedem por nós sem cessar, diz uma de nossas Orações Eucarísticas. Por isso, a Igreja recomenda que os pais ponham nomes de Santos em seus filhos.

Esses 144 mil significam uma grande multidão (12 x 12 x 1000). O número doze e o número mil significavam para os judeus antigos plenitude, perfeição e abundância; não é um valor meramente aritmético, mas simbólico. A Igreja já canonizou mais de 20 mil santos, mas há muito mais que isto no Céu... 

A ‘Lumen Gentium’ do Vaticano II lembra que : ‘Pelo fato de os habitantes do Céu estarem unidos mais intimamente com Cristo, consolidam com mais firmeza na santidade toda a Igreja. Eles não deixam de interceder por nós junto ao Pai, apresentando os méritos que alcançaram na terra pelo único mediador de Deus e dos homens, Cristo Jesus. Por seguinte, pela fraterna solicitude deles, a nossa fraqueza recebe o mais valioso auxílio’ (LG 49) (§956).

Na hora da morte, São Domingos de Gusmão dizia a seus frades : ‘Não choreis! Ser-vos-ei mais útil após a minha morte e ajudar-vos-ei mais eficazmente do que durante a minha vida’. E Santa Teresinha confirmava este ensino dizendo : ‘Passarei meu céu fazendo bem na terra’.

O nosso Catecismo diz que : ‘Na oração, a Igreja peregrina é associada à dos santos, cuja intercessão solicita’ (§2692).

A marca dos santos são as bem aventuranças que Jesus proclamou no Sermão da Montanha; por isso, este trecho do Evangelho de São Mateus (5,1ss) é lido nesta Missa. Os santos viveram todas as virtudes e, por isso, são exemplos de como seguir Jesus Cristo. Deus prometeu dar a eterna bem-aventurança aos pobres no espírito, aos mansos, aos que sofrem e aos que têm fome e sede de justiça, aos misericordiosos, aos puros de coração, aos pacíficos, aos perseguidos por causa da justiça e a todos os que recebem o ultraje da calúnia, da maledicência, da ofensa pública e da humilhação.

Esta ‘Solenidade de Todos os Santos’ vem do século IV. Em Antioquia, celebrava-se uma festa por todos os mártires no primeiro domingo depois de Pentecostes. A celebração foi introduzida em Roma, na mesma data, no século VI, e cem anos após era fixada no dia 13 de maio pelo papa Bonifácio IV, em concomitância com o dia da dedicação do Panteon dos deuses romanos a Nossa Senhora e a todos os mártires. No ano de 835, esta celebração foi transferida pelo papa Gregório IV para 1º de novembro.

Cada um de nós é chamado a ser santo. Disse o Concilio Vaticano II que : ‘Todos os fiéis cristãos, de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade’ (Lg 40). Todos são chamados à santidade : ‘Deveis ser perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito’ (Mt 5,48) : ‘Com o fim de conseguir esta perfeição, façam os fiéis uso das forças recebidas cumprindo em tudo a vontade do Pai, se dediquem inteiramente à glória de Deus e ao serviço do próximo. Assim, a santidade do povo de Deus se expandirá em abundantes frutos, como se demonstra luminosamente na história da Igreja pela vida de tantos santos’ (LG 40).

O caminho da perfeição passa pela cruz. Não existe santidade sem renúncia e sem combate espiritual (cf. 2Tm 4). O progresso espiritual da oração, mortificação, vida sacramental, meditação, luta contra si mesmo; é isto que nos leva gradualmente a viver na paz e na alegria das bem-aventuranças. Disse São Gregório de Nissa (340) que : ‘Aquele que vai subindo jamais cessa de ir progredindo de começo em começo por começos que não têm fim. Aquele que sobe jamais cessa de desejar aquilo que já conhece’ (Hom. in Cant. 8).’  


Fonte :

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Síria : delegação russa encontra representantes religiosos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Mosteiro de São Sérgio em Maaloula, Síria: sob o risco do terrorismo

Patriarcado greco-ortodoxo de Antioquia expressa gratidão à Rússia ‘para apoiar o povo sírio’


‘Uma delegação russa composta por parlamentares, políticos e representantes militares visitou recentemente a Síria em um programa de reuniões que também inclui o contato com representantes de igrejas e comunidades religiosas locais. A informação vem do departamento de Relações Externas do Patriarcado de Moscou, em nota enviada para a Agência Fides.

Participaram da delegação o parlamentar comunista Sergei Gavrilov, coordenador do grupo para a defesa dos valores cristãos, e Dmitry Sablin, membro do Conselho da Federação e vice-presidente da Associação dos Veteranos Militares.

Em 24 de outubro, a delegação russa se reuniu com o bispo Lukas de Sednaya, do Patriarcado greco-ortodoxo de Antioquia, e participou de um encontro de oração na Catedral da Dormição da Santíssima Mãe de Deus. Dom Lukas de Sednaya agradeceu ao governo e ao povo da Rússia ‘pelo seu apoio ao povo sírio’.

A delegação entregou ao Patriarcado greco-ortodoxo de Antioquia, cuja sede fica em Damasco, uma ajuda humanitária (especialmente em alimentos, incluindo comida para bebês) enviada pelos paroquianos da igreja da Santa Ressurreição de Uspensky Vrazhek, em Moscou. Parte da ajuda humanitária foi entregue a um orfanato de filhos de militares sírios mortos em combate. Durante a visita, os membros da delegação russa também foram recebidos pelo presidente Bashar al-Assad e pelo Grande Mufti da Síria, Ahmad Badreddin Hassoun.’  


Fonte :


terça-feira, 27 de outubro de 2015

Nossa Senhora da Penha

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Cardeal Dom Orani João Tempesta, O. Cist.,
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ


‘Domingo passado encerramos a 380ª Festa da Penha. Uma antiga e sempre nova tradição dessa maravilhosa cidade. Como tempo de reavivamento, o Santuário da Penha desempenhou sua missão importante neste Ano da Esperança, que tem como gesto concreto a missão nas paróquias, bem condizente com o mês que vivemos, e indicou os caminhos para iniciarmos o Ano do Jubileu da Misericórdia.

Ao concluir uma atividade intensa como esta, o olhar se volta para as consequências : supõe-se que as pessoas ainda mais motivadas retomem com renovado ardor suas vidas, com participação ainda melhor em suas comunidades paroquias e movimentos. É como se saíssemos de um grande retiro espiritual e nos relançássemos no caminho da missão de discípulos de Jesus Cristo, que O querem anunciar cada vez mais na grande cidade.

Todo Santuário Arquidiocesano é aberto a todos para ali fazerem uma experiência de Fé. Nestes tempos tão difíceis, necessitamos de lugares de oração e peregrinação que nos coloquem – no silêncio do coração – bem mais perto de Deus. Maria tem essa missão : além de rezar por nós e estar próxima de nós, nos ajuda a ouvir a voz do Senhor, como também ela o fez quando o anjo lhe anunciou que seria a mãe do Salvador.

Por isso a importância dos Santuários, e em especial desse nosso, que é histórico e de antiga tradição.

O Santuário da Penha é um símbolo que marca a nossa cidade maravilhosa, pois lá inúmeras pessoas vão para pedir e agradecer a tão Querida Mãe de Deus e Nossa. Posso dizer que ao me fazer presente por várias vezes ao Santuário, pude perceber como o povo bem participa das orações e das Santas Missas. Além de fazer parte do patrimônio religioso, o Santuário da Penha também faz parte do patrimônio cultural do Rio de Janeiro, pois, quem ao passar próximo, já logo avista aquela bela Igreja construída no topo de uma pedra. Anualmente, o Santuário realiza os festejos da padroeira no mês de outubro, como agora estamos encerrando, promovendo a celebração de missas de hora em hora aos domingos, shows religiosos, procissões luminosas, missas campais, apresentação de grupos folclóricos, apresentação de corais e a festa na ladeira de subida ao Santuário, com as tradicionais barracas de comidas típicas, doces diversos e música ambiente.

Temos várias versões da origem da devoção. Além da explicação local do milagre ocorrido no alto do Penhasco do Rio de Janeiro, uma versão (que não é a única) vem de Portuga l: ali o culto de Nossa Senhora da Penha teria se iniciado após a batalha na qual o rei Dom Sebastião morreu (na época os portugueses não acreditavam que o rei havia morrido). Entre os portugueses que conseguiram escapar da escravidão muçulmana, encontrava-se um escultor chamado Antônio Simões, o qual prometeu à Virgem Santíssima fazer sete imagens se ela o conduzisse novamente à sua pátria. Alcançando a graça solicitada, iniciou o trabalho esculpindo as imagens e dando-lhes títulos por ele conhecidos de Nossa Senhora. Ao chegar à sétima imagem e não sabendo que invocação dar-lhe, foi aconselhado por um padre jesuíta a fazer a imagem de Nossa Senhora da Penha, cujos milagres estavam sendo muito comentados. Executada a obra, colocou-a ermida de Vitória, mas, algum tempo depois, edificou uma igreja próxima a Lisboa, que se tornou conhecida como ‘Penha de França’. Esta é uma das versões da devoção. Existem muitas outras, que se perdem nos tempos da história.

No Brasil, a devoção a Nossa Senhora da Penha veio com os portugueses, e, entres as várias ermidas, é conhecida como a primeira igreja em sua honra. Foi erguida em Vila Velha, Espírito Santo, por volta de 1570. A segunda foi edificada no Rio de Janeiro, após a fundação da Fazenda Grande ou Fazenda de Nossa Senhora da Ajuda, na freguesia de Irajá. Tudo começou no início do século XVII, por volta de 1635, quando o Capitão Baltazar de Abreu Cardoso subindo o penhasco (a grande pedra) para ver as suas plantações, uma vez que era proprietário de toda a área ao redor do atual Santuário, foi atacado por uma venenosa serpente. Ele, que era devoto da Virgem Maria, quando se viu incapaz de se defender, pediu socorro à Mãe de Deus, gritando : ‘Minha Nossa Senhora, valei-me!’. Nesse preciso momento surgiu um lagarto, que é inimigo das serpentes, e aconteceu uma luta mortífera entre os dois animais. Baltazar não perdeu tempo e fugiu.

Edificado à entrada da cidade, com o sorriso de Nossa Mãe Santíssima aos que chegam quer pela Avenida Brasil ou Linha Vermelha, quer pela ponte Rio-Niterói ou mesmo pelo Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Santuário de Nossa Senhora da Penha é, por excelência, o trono que Maria, Mãe de Deus, escolheu no Rio de Janeiro para ser o centro de sua devoção entre nós. A este Santuário acorrem milhares de peregrinos vindos de todo o Brasil e do exterior, para lhe agradecer as preciosas graças alcançadas ou pedir a sua poderosa intercessão junto ao Senhor. À medida que subimos a colina sagrada, sentimos que o ambiente se torna mais místico, com as inúmeras e variadas demonstrações de fé e amor, de uma profunda confiança na Virgem e em nosso Deus. São incontáveis as pessoas que sobem a escadaria rezando, algumas ajoelhadas, e, sobretudo, murmurando as orações do Rosário.

O Santuário da Penha é um espaço de amor, devoção e fé que está presente na vida dos cariocas há 380 anos (numa cidade que completa neste ano 450).  No ano de 1819, o Santuário da Penha ganhou sua famosa escadaria, com 365 degraus – um para cada dia do ano. Um tempo depois, vieram mais dezessete degraus, totalizando 382. Ao longo desse tempo, milhares e milhares de fiéis sobem a escadaria para pagar promessas, agradecer as graças recebidas por nossa Senhora da Penha e fazer novos pedidos. Atualmente, também é possível subir o Santuário usando um plano inclinado em 3 estágios desde o Largo da Penha.

Queremos neste título de Maria, Nossa Senhora da Penha, pedir a Virgem que sempre nos ilumine e nunca nos faça perder a esperança. Esperança de uma cidade, país e mundo melhor e, sobretudo, uma vida melhor e com mais alegria. Maria é a mãe da esperança, o ícone mais expressivo da esperança cristã. Toda a sua vida é um conjunto de atitudes de esperança, a partir do ‘sim’ proferido no momento da Anunciação. Maria não sabia como poderia tornar-Se Mãe, mas confiou-Se totalmente ao mistério que estava para se cumprir, e tornou-Se a Mulher da esperança.

Depois desses momentos de reavivamento, o nosso desejo é que todos retomemos com maior ardor nossa vida na caminhada cristã como presença transformadora nessa cidade. Ao concluir o mês de Nossa Senhora da Penha dentro do mês Missionário e do Rosário, confio a Maria toda a nossa busca de semearmos esperança e misericórdia. E agradeço a Deus por este sinal colocado no alto do monte como indicador que aponta para cima para todos os que passam por nossa região.

Nossa Senhora da Penha, rogai por nós!’  


Fonte :


segunda-feira, 26 de outubro de 2015

À esquerda e à direita

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘Dois discípulos de Jesus pediram ao Mestre que os deixassem posicionados à sua esquerda e à sua direita, mostrando assim como eram dominados pela lógica do poder. Buscaram estar em posição de destaque, em lugar conquistado com facilidade solicitada ao Mestre. Os outros dez discípulos ficaram indignados com os filhos de Zebedeu, o que revela a mesma mentalidade comprometida, pois reagiram cultivando sentimentos que apequenam a estatura espiritual e humana. Dessa narrativa bíblica, é possível perceber o desejo de galgar lugares pelo caminho considerado mais fácil e, também, a indignação que comprova o clima de disputa presidindo corações e relacionamentos humanos.  Atualmente, a cultura fomenta o entendimento de que tudo pode ser conseguido com facilidade. Por isso mesmo, há o vício das facilitações, que produzem comprometimentos muito sérios e perpetuam prejuízos.

Eis a fonte da corrupção, seja em maior ou menor escala, com perdas incalculáveis. A ‘cultura da facilidade’, fortalecida pela ‘cultura do descartável’, amparada por práticas mesquinhas, envenena o ritmo da vida, cada vez mais presidida pela perversidade. Roubar o erário, ‘passar o outro para trás’, dizer mentiras e cultivar olhar indiferente ante a realidade dos que sofrem é ser perverso. Trata-se de patologia e de desvio grave no exercício da cidadania. Uma doença que precisa de remédio. Muitos indicarão saídas que não produzem transformações profundas. ‘Soluções’ que apenas mascaram o problema e, assim, impedem o desabrochar humano, criação de Deus, expressão maior do amor recíproco.

Jesus aponta, pelo diálogo paciente e com força pedagógica, qual é o remédio que pode curar o mal que está na raiz dos descompassos da sociedade contemporânea. Trata-se de exigência que precisa se tornar prática cotidiana, na regência de gestos - grandes e pequenos -, escolhas e discernimentos. No diálogo com os filhos de Zebedeu, o Mestre lhes faz uma importante pergunta. Eles estariam dispostos a receber o mesmo batismo de Jesus e beber também do seu cálice? A resposta é intempestivamente positiva, pois não mediram o alcance do compromisso proposto. Ora, o batismo e o cálice de Jesus se referem à sua experiência radical e amorosa de se oferecer, incondicionalmente, para que prevaleça o bem. Isso inclui sofrimentos e dores, que encontram sentido e razão ao produzirem, pela dinâmica da oferta, a possibilidade de se fazer o bem, defender a justiça, promover a paz.

O desenvolvimento e a prática diária de compreender a própria vida como altar de oferta para o bem dos outros é o único lugar que se deve desejar ocupar. A busca desse ‘status’ tem como inspiração o exemplo de Cristo, que lembra : ‘O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos’. O lugar a ser, portanto, desejado e ocupado é um só : o de servidor. Aí, nesse lugar, se conquista despretensiosamente o poder, torna-se grande por se colocar a serviço de todos.

Esse remédio indicado por Cristo, quando ‘tomado’, produz grande efeito. Está na contramão das lógicas aprendidas e praticadas ‘das facilidades’, que impedem os gestos de oferta. Fortalecer o entendimento de que todos devem ser servidores é solução única para dar novo caminho à sociedade contemporânea, para que a Igreja exerça de modo mais fecundo a sua dimensão missionária e para devolver paz interior, serenidade e qualificada cidadania. O primeiro passo é admitir que o Mestre tem razão e nos ensina a lógica de Deus. Depois, é preciso esforço diário para combater os desajustes e desejos tortos que configuram o coração humano. Em vez de ‘à esquerda ou à direita’, cada pessoa deve aprender a querer ocupar o lugar de servidor.’  


Fonte :


domingo, 25 de outubro de 2015

Padre torturado por extremistas islâmicos relata a difícil resistência cristã no Iraque

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Resultado de imagem para father Douglas Joseph Shimshon Al-Bazi

‘Um cordeiro no meio de lobos. Assim pode ser definida a situação de Douglas Joseph Shimshon Al-Bazi, um padre católico iraquiano. O sacerdote nasceu há 43 anos em Bagdá, capital do país que se tornou berço do grupo extremista Estado Islâmico e onde cristãos vêm sendo dizimados. Em meio à jihad, a chamada guerra santa, Douglas já escapou de dois atentados a bomba, levou um tiro de fuzil e foi sequestrado e torturado por nove dias. No cativeiro, o religioso usou as dez argolas que uniam suas algemas para rezar o rosário. Douglas está no Brasil, a convite da Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre, para contar o drama de seu povo e participar de uma missa.


Como é ser um padre católico no Iraque?

Antes de 2003, éramos mais de dois milhões de cristãos no Iraque. Hoje, somos menos de 200 mil. Dá para imaginar o que vem acontecendo. No ano passado, o Estado Islâmico fez mais de um milhão de pessoas fugirem do país. Recebemos milhares de refugiados em nossos acampamentos. Não é um conflito, é um genocídio.


Que memórias o senhor tem do sequestro que sofreu?

Um ano antes de ser sequestrado, minha igreja foi destruída, em Bagdá, após dois atentados a bomba. Fui atingido de raspão na perna por um tiro de AK-47 num dos ataques. Em 2006, quando saí de casa para visitar parentes, homens pularam de dentro de um carro, me renderam e me jogaram no porta-malas. Quando chegamos ao destino, tive o nariz quebrado ao levar uma joelhada na cara. Fui torturado durante nove terríveis dias.


O que aconteceu nesses dias?

Meus olhos foram vendados e minhas mãos, acorrentadas. Passei os primeiros quatro dias praticamente sem água, e, por isso, ainda hoje, não durmo se não tiver uma garrafa ao lado da cama. Ficava trancado no banheiro, para ninguém ouvir meus gritos de socorro. Durante o dia, os sequestradores faziam muitas perguntas. À noite, me batiam. Chegaram a me golpear na boca com um martelo. Senti um dente solto, e um deles me disse : ‘Não se preocupe, você tem vários dentes e nós ainda temos vários dias’.


Que perguntas eles faziam?

Faziam muitas perguntas sobre a igreja, queriam entender o funcionamento da comunidade. Mas também falavam sobre outros assuntos, até mesmo questões pessoais. Um deles chegou a me questionar, como um líder religioso, sobre a conduta que deveria ter com sua mulher. Eu disse que deveria amá-la e tratá-la bem. Era o mesmo que me açoitava à noite.


Sua fé foi abalada?

As algemas que prendiam minhas mãos eram ligadas por uma corrente com dez argolas, e um cadeado na ponta. As algemas eram meu rosário. Eu usava os anéis para rezar as Ave-Marias e o cadeado para os Pai-Nossos. Foram os rosários mais belos e profundos que já rezei.


Como terminou o sequestro?

No sexto dia, negociaram minha liberdade com a igreja, pedindo dinheiro. Colocaram o meu superior no telefone, em viva voz, mas eu me comuniquei com ele em aramaico e disse que achava que iam me matar de qualquer jeito. Então, o meu superior disse que podiam ficar comigo. Eles ficaram irritados naquele dia. Me levaram para um quarto, ligaram a TV bem alto e me torturaram ainda mais. No fim, a igreja acabou negociando minha libertação com o grupo extremista.


 

Como é viver, hoje, num campo de refugiados?

Não gosto de chamar de campo de refugiados (na cidade de Erbil, ao Norte do Iraque). A igreja se tornou um escudo para aqueles que querem se proteger. As famílias vivem em contêineres, organizados por caravanas. Temos escolas e saúde, na medida do possível. A cada dia chegam mais pessoas, sem esperanças de voltar para casa. Antes eu costumava dizer que 50% das pessoas que chegavam aqui acabavam emigrando para o exterior. Hoje, prefiro dizer que 50% permanecem. Mais cedo ou mais tarde, as pessoas inevitavelmente tomam essa decisão.


O senhor também já pensou em deixar o Iraque?

Nasci lá, amo meu país e tenho orgulho dele, embora meu país não se orgulhe de parte do seu povo. Alguns podem perguntar : qual é o sentido de deixar ovelhas no meio de lobos? Mas quem sou eu para questionar Deus? Um padre no Oriente Médio precisa abraçar sua missão. Quando saímos, não sabemos se vamos voltar vivos. Acho que podem me matar um dia, mas eu me importo com nossas crianças, tenho um sentimento de responsabilidade com meu povo. Eu sou meu povo. O sofrimento que eu passei é o sofrimento que o cristianismo passa, hoje, no Oriente Médio.


Na semana que vem, a Ajuda à Igreja que Sofre vai apresentar um relatório sobre sequestro e execução de cristãos, entre 2013 e 2015, em países do Oriente Médio, Ásia e África. Qual sua expectativa sobre o documento?

Dizem que em cinco anos não haverá mais cristãos no Iraque, mas eu acho que talvez aconteça antes disso. Quando uma minoria muçulmana vive junto a outras religiões, que são maioria, é uma coisa. Mas quando o islamismo é maioria num território, as minorias são insustentáveis.


Que mensagem o senhor traz ao Brasil?

Vim pedir ajuda. Pedir que o Brasil ouça o grito do meu povo e dissemine essa mensagem. Falem alto, acordem o mundo, além de rezar por nós.


Resultado de imagem para father Douglas Joseph Shimshon Al-Bazi

Acolher refugiados é uma forma de ajudar?

É como diz meu bispo : se não podem nos ajudar a ficar no Iraque, então ajudem-nos a sair de lá.


Qual foi sua primeira impressão sobre o Brasil?

É bastante verde. Tenho saudade do verde na minha terra, que hoje está cinzenta..’  


Fonte :