*Artigo de Dom Alberto Taveira
Corrêa,
Arcebispo Metropolitano de
Belém, PA
‘O pobrezinho de Assis, Francisco, livre e franco pelo nome e pela transparência de vida, há séculos ilumina
com o fulgor de seu exemplo a humanidade. Uma das muitas tradições relativas ao
Cântico
das Criaturas dá conta de que o santo estivesse cego quando, em 1224,
redigiu a maior parte do magnífico texto posto à luz pelo Papa Francisco, em
sua recente e magistral Encíclica, chamada justamente ‘Laudato si’, pelas palavras iniciais do poema de São Francisco, da
qual desejo trazer alguns ensinamentos. É que o olhar interior de São Francisco
ou do Papa Francisco, quiçá de todos nós, consegue enxergar a obra de Deus em
ato. A proximidade da Festa de São Francisco nos conduza a rezar e cantar com
alegria.
‘Louvado
sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas. Só a ti é devido o louvor, ó
Altíssimo Deus Criador. Altíssimo, onipotente, bom Senhor, são teus o louvor, a
glória, a honra e toda a bênção. Só a ti, Altíssimo, são devidos, e homem algum
é digno de pronunciar teu nome. Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas
criaturas, especialmente o senhor, irmão sol que clareia o dia e com sua luz
nos alumia. E ele é belo e radiante com grande esplendor : de ti, Altíssimo, é
a imagem. Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã lua e as estrelas que no céu
formaste claras e preciosas e belas. Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão
vento, pelo ar nublado ou sereno e por todo o tempo, pelo qual, às tuas
criaturas, dás alimento. Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão fogo, pelo qual
iluminas a noite. Ele é belo e alegre é vigoroso e forte. Louvado sejas, meu
Senhor, por nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz frutos
diversos e coloridas flores e ervas. Louvado sejas, meu Senhor, pelos que
perdoam por teu amor e suportam enfermidades e tribulações. Felizes os que
sustentam as provações em paz : por ti, altíssimo, serão coroados. Louvado
sejas, meu Senhor, por nossa irmã, a morte corporal, da qual homem algum pode
escapar. Ai dos que morrerem separados de ti. Felizes os que a morte encontrar
realizando a tua santíssima vontade! Criaturas todas, louvai e bendizei ao meu
Senhor! Dai-lhe graças servindo a Deus com grande humildade!’
O Papa Francisco, no decorrer da Encíclica
na qual quis falar à Igreja e ao mundo sobre o cuidado com a ‘casa comum’, oferece a contribuição da
Escritura e da Igreja para suscitar
diálogo e empenho conjunto, no qual todas as forças atuantes na sociedade podem
colaborar (Cf. ‘Laudato si’, capítulo
II). É bom, para a humanidade e para o mundo, que conheçamos melhor os
compromissos ecológicos que brotam das nossas convicções. Chama de ‘Evangelho da criação’ e afirma que a Igreja Católica está aberta ao
diálogo com o pensamento contemporâneo, permitindo várias sínteses entre fé e
razão e motivações altas para cuidar da natureza e dos irmãos e irmãs mais
frágeis.
Na primeira narração da obra criadora, no livro do Gênesis, o plano de Deus
inclui a criação da humanidade. Depois da criação do homem e da mulher, diz-se
que ‘Deus, vendo a sua obra, considerou-a
muito boa’ (Gn 1, 31). Cada ser humano é criado por amor, feito à imagem e
semelhança de Deus (Cf. Gn 1, 26). Como é maravilhosa, afirma extasiado o Papa,
a certeza de que a vida de cada pessoa não se perde num caos, num mundo regido
pelo puro acaso ou por ciclos que se repetem sem sentido! O Criador pode dizer :
‘Antes de te haver formado no ventre
materno, eu já te conhecia’ (Jr 1, 5).
Para a Encíclica, a existência humana se baseia sobre três relações
fundamentais intimamente ligadas : com Deus, com o próximo e com a terra. Estas
três relações vitais romperam-se não só exteriormente, mas também dentro de
nós. É o pecado. A harmonia entre o Criador, a humanidade e toda a criação foi
destruída por termos pretendido ocupar o lugar de Deus, recusando
reconhecer-nos como criaturas limitadas. Este fato distorceu também a natureza
do mandato de ‘dominar’ a terra (Cf.
Gn 1, 28) e de a ‘cultivar e guardar’
(Cf. Gn 2, 15). É significativo que a harmonia vivida por São Francisco com
todas as criaturas tenha sido interpretada como uma cura daquela ruptura.
Não somos Deus. A terra existe antes de nós e nos foi dada. Os textos
bíblicos nos convidam a ‘cultivar e
guardar’ o jardim do mundo (Cf. Gn 2, 15). Enquanto ‘cultivar’ quer dizer lavrar ou trabalhar um terreno, ‘guardar’ significa proteger, cuidar,
preservar, velar o que implica uma relação de reciprocidade responsável entre o
ser humano e a natureza. Cada comunidade pode tomar da bondade da terra aquilo de
que necessita para a sua sobrevivência, mas tem o dever de a proteger e
garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras. Em última
análise, ‘ao Senhor pertence a terra’
(Sl 24/23, 1), a ele pertence ‘a terra e
tudo o que nela existe’ (Dt 10, 14). Por isso, Deus proíbe toda a pretensão
de posse absoluta : ‘Nenhuma terra será
vendida definitivamente, porque a terra me pertence, e vós sois apenas
estrangeiros e meus hóspedes’ (Lv 25, 23). Isso implica que o ser humano
respeite as leis da natureza e os delicados equilíbrios entre os seres deste
mundo.
Jesus retoma a fé bíblica no Deus criador e destaca um dado fundamental :
Deus é Pai (Cf. Mt 11, 25). Jesus convidava os discípulos a reconhecer a
relação paterna que Deus tem com todas as criaturas e recordava-lhes, com
comovente ternura, como cada uma delas era importante aos olhos dele : ‘Não se vendem cinco pássaros por duas
pequeninas moedas? Contudo, nenhum deles passa despercebido diante de Deus’
(Lc 12, 6). ‘Olhai as aves do céu : não
semeiam nem ceifam nem recolhem em celeiros; e o vosso Pai celeste as alimenta’
(Mt 6, 26).
E o Novo Testamento não nos fala só de Jesus terreno e da sua relação tão
concreta e amorosa com o mundo; mostra-o também como ressuscitado e glorioso,
presente em toda a criação com o seu domínio universal. ‘Foi nele que aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude e, por Ele e
para Ele, reconciliar todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que
estão no céu’ (Cl 1, 19-20). Isto nos lança para o fim dos tempos, quando o
Filho entregar ao Pai todas as coisas ‘a
fim de que Deus seja tudo em todos’ (1 Cor 15, 28). Assim, as criaturas
deste mundo já não nos aparecem como uma realidade meramente natural, porque o
Ressuscitado as envolve misteriosamente e guia para um destino de plenitude.
Fique apenas o convite, vindo do exemplo de São Francisco e da Encíclica do
Papa, à glorificação da obra de Deus e a uma nova e fecunda responsabilidade
diante da criação!’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/louvado-sejas-meu-senhor
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