quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Kyrie eleison

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
 Esta antiga oração da liturgia cristã não é apenas um pedido de perdão, mas também um pedido de amor


‘O Kyrie eleison é uma das orações mais antigas da liturgia cristã. Há expressões semelhantes em alguns salmos e nos Evangelhos. Os testemunhos de uso litúrgico remontam ao século IV, na igreja de Jerusalém, e ao século V na missa de rito romano. É usada como resposta a determinadas invocações. No rito tridentino, pronuncia-se após o ato penitencial e logo depois da antífona de entrada; no rito ambrosiano, é dita no ato penitencial e repetida três vezes no final da missa, antes da bênção final. O Kyrie, como é geralmente abreviado, também faz parte das missas cantadas, seguindo-se imediatamente ao introito. Depois da reforma litúrgica, foi traduzido no rito romano como ‘Senhor, tende piedade de nós’ e ‘Cristo, tende piedade de nós’.

A expressão grega Κύριε λέησον, da qual ‘Kyrie eleison’ é uma transliteração em latim, poderia ser traduzida como ‘Senhor, tende misericórdia’ ou ‘tende benevolência’. Alguns teólogos chegaram a propor ‘Senhor, amai-me com ternura’. Essa invocação tripla, ‘Kyrie eleison - Christe eleison - Kyrie eleison’, expressa um pedido claro de perdão, em resposta a uma fórmula da absolvição sacerdotal que normalmente encerra os atos penitenciais de rito romano. Também é verdade que esta fórmula, especialmente na tradução, tem um caráter penitencial que originalmente era secundário, como evidenciado pelo rico desenvolvimento musical do texto na tradição musical gregoriana.

Na missa tridentina, a invocação não se limita ao momento penitencial, assim como na liturgia bizantina. É difícil, por conseguinte, chegar a uma tradução totalmente satisfatória desta expressão, que deveria ser preservada tal como ainda é usada no rito ambrosiano. Quanto ao significado, é muito bonito entendê-la como uma invocação de bondade : ‘Senhor, mostrai-nos a vossa benevolência’.

A benevolência completa a misericórdia. É um termo menos usado, mas que poderia ser plenamente recuperado em todo o seu significado. A benevolência é o amor não focado no ‘eu’, mas no próximo, no outro. Um fruto do amor do Espírito, que infunde na alma serenidade, tranquilidade e paz, envolvendo quem nos rodeia. Este amor nos faz olhar para os outros com olhos limpos e descobrir neles muitas coisas belas. É a atitude que nos torna ‘longânimes’, que nos ajuda a ir além dos defeitos dos outros, confiantes de que o bem os supera se soubermos ser pacientes. ‘Benevolência’ significa ‘bem querer’ e é característica da pessoa amorosa, afável, gentil, generosa, que dá ao seu comportamento em relação aos outros um sentido de alegria, de suavidade e doçura que ganha o coração. A palavra ‘benevolência’ expressa relação. Não é bom saber que há Alguém que nos quer bem?

O Kyrie eleison se torna, assim, um pedido de perdão, mas também um pedido de amor. Jesus é gentil e paciente com todos. Mesmo numa dura controvérsia com seus inimigos, Ele diz : ‘Eu vos digo isso para que sejais salvos’ (Jo 5,34). São palavras de paciência e longanimidade para com todos. Assim como o Pai, Ele é também é benévolo : e a salvação é a maior revelação da ‘benevolência divina’.

A esta luz, podemos entender melhor quando Ele fala da ‘boa vontade’ do Pai: ‘Amai os vossos inimigos, fazei o bem sem esperar nada em troca e a vossa recompensa será grande e vos tornareis filhos do Altíssimo, porque Ele é benévolo até para com ingratos e maus. Sede, pois, misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso’ (Lc 6,35s). Viver esses imperativos é entrar em sintonia com a ação do Pai e de Jesus; é ser ‘benevolentes’ com todos, porque só assim podemos ‘provar e saborear o quanto é amável e gentil nosso Senhor’ (Salmo 33,9; 1 Pd 2,3). Pedro, citando este salmo, exprime a identidade do amor misericordioso de Deus agindo em Cristo ao referir a Cristo o nome de Deus (Senhor) que o salmo exalta como ‘benevolente’.’  


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