terça-feira, 6 de outubro de 2015

Mártir da superstição

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Padre José Rebelo,
Missionário Comboniano


 A beatificação de Benedict Daswa será eficaz se gerar um debate mais aberto e alargado sobre a questão da cura/medicina tradicional e transmitir claramente a mensagem libertadora do Evangelho.


‘A África do Sul acaba de beatificar o seu primeiro filho, Benedict Daswa. A cerimonia ocorreu no dia 13 de Setembro em Tshitanine, uma aldeia na província de Limpopo já próxima da fronteira com o Zimbabué e pertencente à diocese de Tzaneen, cujo bispo é João Rodrigues, um sul-africano de origem portuguesa.

Tshimangadzo Samuel Benedict Daswa era professor primário e pai de oito filhos, que viveu santamente : era um trabalhador diligente, um bom pai de família, um educador dinâmico, um leigo ativo, um catequista comprometido, um líder comunitário, um desportista, um homem atento aos pobres e de profunda espiritualidade e oração. Morreu como um mártir porque foi brutalmente assassinado pela sua oposição à prática da feitiçaria. Tinha 43 anos.

O seu martírio ocorreu da seguinte maneira : em Novembro de 1989, houve uma série de tempestades severas naquela região, fenomenos que não eram considerados naturais. A sua aldeia foi afetada em Janeiro de 1990. Os anciãos decidiram recorrer à magia de um feiticeiro. Cada residente teria de pagar cinco rands para que os ritos de «proteção» da aldeia fossem efetuados. Benedict recusou-se a pagar a taxa exigida, explicando que não lhe era permitido pela sua fé. No dia 2 de Fevereiro, foi emboscado pelos jovens e homens da aldeia, que primeiro o tentaram lapidar, e depois lhe fraturaram o crânio e lhe queimaram a cabeça com água a ferver. As suas últimas palavras foram : «Senhor, nas tuas mãos entrego o meu espírito

Daswa, que se tinha convertido ao Cristianismo em 1963, com 17 anos, por meio de um amigo que encontrara em Joanesburgo, revela ainda uma atitude de grande liberdade em relação a outros costumes tradicionais, como a sua igualmente malvista colaboração nos trabalhos domésticos, geralmente reservados às mulheres, como lavar as fraldas das crianças no riacho mais próximo ou ir buscar água para a família. Porém, o que está na origem do seu martírio é claramente a sua oposição à feitiçaria. E é nesta prática que o Cristianismo encontra, porventura, o maior obstáculo ao grande desafio que representa a inculturação em África.

A superstição não é de maneira nenhuma exclusiva da África. Aliás, mesmo na Europa, é mais prevalente do que sabemos e do que estaremos preparados para admitir. Mas parece que a crença em bruxas e no seu poder está mais profundamente arreigado na alma africana. Os feiticeiros são consultados não só para a cura de doenças, mas também para a remoção de maldições ou para ter sorte nos amores, nos negócios e noutros empreendimentos. O grande problema é quando a sua consulta tem por finalidade causar mal a alguém e, deste modo, violar os seus direitos, a mais elementar justiça e sobretudo a dignidade humana. Segundo as notícias, não é raro matar crianças indefesas, como os albinos, para extrair partes e órgãos depois usados na preparação de pós (muti) com «propriedades curativas e/ou protetoras».

O Cristianismo, apesar do seu crescimento exponencial no continente, com a sua mensagem de um Deus-amor que é pai/mãe parece ainda não ter contribuído significativamente para debelar o medo causado pela crença no mundo sobrenatural dos espíritos. A beatificação de Benedict Daswa será eficaz se gerar um debate mais aberto e alargado sobre a questão da cura/medicina tradicional, transmitir claramente a mensagem libertadora do Evangelho e contribuir para dissipar o temor instintivo associado à relação com os espíritos.’


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