*Artigo de Padre Efrem
Tresoldi,
Missionário Comboniano
A sua
infância foi marcada por uma crueldade indescritível. As antigas
meninas-soldados descobrem a hospitalidade da escola Santa Monica onde aprendem
um ofício e a ser amadas. A obra é dirigida pela Irmã Rosemary Nyirumbe, que
foi considerada umas das 100 pessoas mais influentes de 2014 pela revista Time.
‘Restituir a dignidade e a confiança a antigas crianças-soldados é uma tarefa difícil, mas a irmã Rosemary
Nyirumbe não tem a menor dúvida : é um desafio que vale a pena. Estas meninas-soldados são vítimas inocentes de
Joseph Kony e do seu Exército de Resistência do Senhor (LRA).
Há 25 anos que este grupo rebelde aterroriza aldeias do Norte do Uganda.
Saqueia, chacina e faz prisioneiros. Cerca de 30 000 rapazes e raparigas foram
já raptados pelo LRA. Depois, os homens de Kony submetem as crianças raptadas a
treino militar e obrigam-nas a usar armas e a praticar atrocidades mesmo contra
as próprias famílias. As raparigas são muitas vezes usadas como escravas
sexuais e forçadas a serem «esposas»
de Kony e dos seus homens.
A guerra terminou em 2007, mas, para as antigas meninas-soldados, é como se
não tivesse acabado. Sofreram traumas que continuam a afetar-lhes a vida e
necessitam de apoio na longa caminhada da cura e da reconciliação. A Irmã
Rosemary tem consciência desta realidade e por isso está decidida a desenvolver
na sua escola programas de formação humana e profissional, que incluem também
cursos de fornecimento de refeições e de cozinha étnica.
A
escola em Santa Monica
A Irmã Rosemary recorda : «Em 2001,
desloquei-me a Gulu para reativar a escola feminina de costura. A Escola de
Santa Monica encontrava-se num estado de abandono terrível, o edifício tinha
capacidade para alojar trezentas alunas, mas na altura apenas lá se encontravam
trinta. Soube mais tarde que muitas raparigas tinham sido raptadas pelos
rebeldes de Kony. As antigas meninas-soldados precisam de exteriorizar o seu
sofrimento com pessoas em quem confiem, mas têm medo de o fazer.»
«Um dia – prosseguiu a Irmã Rosemary
– perguntei a uma das raparigas, Jewel, por que motivo nunca olhava as outras
pessoas nos olhos. “Porque sinto os olhos a arder”, foi a resposta, nada
convincente. Por fim, decidiu-se a falar. Foi raptada ainda em criança e ficou
nove anos com os rebeldes do LRA. Foi explorada, treinada no manejo de armas e,
quando se tornou comandante, liderou ataques às aldeias e roubou os seus
habitantes. Tinha medo de que alguém a reconhecesse e por isso olhava sempre
para o chão e não para o rosto das outras pessoas. Um dia, depois de ganhar a
sua confiança, levei-a ao mercado e, pouco a pouco, Jewel começou a libertar-se
dos seus medos e a exprimir os seus sentimentos.»
Jewel e as outras antigas raparigas-soldados acham os cursos difíceis :
falta-lhes os conhecimentos básicos de matemática e de ciências porque não
puderam frequentar a escola primária durante a guerra. Por isso, a Irmã
Rosemary adaptou as aulas de maneira a ir ao encontro das necessidades das suas
alunas. Pôs de parte as aulas teóricas e introduziu aulas práticas, como as de
corte e costura. O novo método resultou bem e Jewel tornou-se a melhor
costureira da aula, ao mesmo tempo que, num breve período, dezenas de outras
raparigas se candidatavam para frequentar os cursos da escola. E muitas mais
apareceram depois de a Irmã Rosemary, numa mensagem por rádio, se ter dirigido
a todas as raparigas que tinham conseguido fugir dos rebeldes, incentivando-as
a inscreverem-se nos cursos, a aprenderem uma profissão e a tornarem-se
financeiramente independentes. Encorajou também as mães solteiras e as
raparigas grávidas a frequentarem as aulas. O seu convite foi aceite com
entusiasmo. A Irmã Rosemary incumbiu um grupo de mulheres de cuidarem dos
filhos das mães solteiras enquanto estas estão nas aulas, pois elas tinham medo
de deixar as crianças sozinhas em casa e que alguém pudesse fazer-lhes mal ou
mesmo matá-las para vingar as atrocidades cometidas pelas mães, as antigas
meninas-soldados.
Amar
sem julgar
A eficiência e o profissionalismo não são, no entanto, tudo. A formação
humana e espiritual são igualmente importantes. As antigas meninas-soldados não
gostam de falar do seu passado. A Irmã Rosemary está convicta de que estas
raparigas têm de ser amadas incondicionalmente, sem as julgarmos. Temos de as
ouvir e ganhar a sua confiança, sem falar do seu passado. Elas falarão sobre
aquilo que viveram quando se sentirem preparadas para isso. Transportam dentro
de si memórias horríveis, uma carga demasiado pesada até para um adulto.
Algumas foram violadas na presença dos pais, antes de serem raptadas e levadas
para a floresta. Outras, depois de raptadas, foram mandadas de volta para as
famílias e obrigadas a matar os pais, os irmãos, as irmãs e outros familiares.
«É fundamental dar-lhes um amor
incondicional – prosseguiu a Irmã Rosemary. – Ao sentirem-se amadas, estas
jovens acabam lentamente por aceitar até os seus filhos, que são fruto da
violência, e libertam-se dos sentimentos de ódio». À medida que vão
ganhando confiança, as raparigas começam pouco a pouco a contar algumas coisas,
até ao momento em que revelam de um jorro as suas histórias atormentadas e as
suas emoções, como rios que transbordam dos leitos.
Perdoarem
a si próprias
«Muitas das raparigas que conheci
aprenderam a perdoar aos seus raptores, mas não a si próprias» – conta a
Irmã Rosemary. «Sentem-se ainda dominadas
por um sentimento de culpa pelos atos brutais que foram obrigadas a praticar
para que não as matassem». Lembro-lhes sempre que não há pecado nenhum que
Deus não possa perdoar e acrescento que Deus já lhes perdoou. O Pai enviou
Jesus, que deu a vida para nos libertar. O perdão é um caminho longo. As
antigas meninas-soldados necessitam de muito tempo para recuperar das
atrocidades a que foram sujeitas e para lidar com as recordações dolorosas.
«Cabe-nos a nós acompanhá-las no
longo caminho da recuperação e apoiá-las quando o desânimo toma conta das suas
almas. Mostrar-lhes o nosso apoio incondicional ajuda-as a recuperar a
dignidade e a restituir a paz às suas mentes e corações. Tenho a esperança de
que, quando deixarem a escola, já sejam capazes de perdoar às outras assim como
Deus lhes perdoou, e aceitar as demais da mesma maneira que elas próprias foram
aceites», disse a Irmã Rosemary. Muitas raparigas, depois de frequentarem
as aulas da escola da Irmã Rosemary, têm conseguido encontrar emprego. Algumas
trabalham em cozinhas de hotéis ou noutros serviços. Estão reintegradas na
sociedade.’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EuuEElAulVhXnOcFoy
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