‘Um cordeiro no meio de lobos. Assim pode ser definida a situação de Douglas
Joseph Shimshon Al-Bazi, um padre católico iraquiano. O sacerdote
nasceu há 43 anos em Bagdá, capital do país que se tornou berço do grupo
extremista Estado Islâmico e onde cristãos vêm sendo dizimados. Em meio à
jihad, a chamada guerra santa, Douglas já escapou de dois atentados a bomba,
levou um tiro de fuzil e foi sequestrado e torturado por nove dias. No cativeiro, o religioso usou as dez
argolas que uniam suas algemas para rezar o rosário. Douglas está no Brasil, a convite da Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre,
para contar o drama de seu povo e participar de uma missa.
Como é ser um padre católico no Iraque?
Antes de 2003, éramos mais de dois milhões de cristãos no Iraque. Hoje,
somos menos de 200 mil. Dá para imaginar o que vem acontecendo. No ano passado,
o Estado Islâmico fez mais de um milhão de pessoas fugirem do país. Recebemos
milhares de refugiados em nossos acampamentos. Não é um conflito, é um
genocídio.
Que memórias o senhor tem do sequestro que
sofreu?
Um ano antes de ser sequestrado, minha igreja foi destruída, em Bagdá, após
dois atentados a bomba. Fui atingido de raspão na perna por um tiro de AK-47
num dos ataques. Em 2006, quando saí de casa para visitar parentes, homens
pularam de dentro de um carro, me renderam e me jogaram no porta-malas. Quando
chegamos ao destino, tive o nariz quebrado ao levar uma joelhada na cara. Fui
torturado durante nove terríveis dias.
O que aconteceu nesses dias?
Meus olhos foram vendados e minhas mãos, acorrentadas. Passei os primeiros
quatro dias praticamente sem água, e, por isso, ainda hoje, não durmo se não
tiver uma garrafa ao lado da cama. Ficava trancado no banheiro, para ninguém
ouvir meus gritos de socorro. Durante o dia, os sequestradores faziam muitas
perguntas. À noite, me batiam. Chegaram a me golpear na boca com um martelo.
Senti um dente solto, e um deles me disse : ‘Não se preocupe, você tem vários dentes e nós ainda temos vários dias’.
Que perguntas eles faziam?
Faziam muitas perguntas sobre a igreja, queriam entender o funcionamento da
comunidade. Mas também falavam sobre outros assuntos, até mesmo questões
pessoais. Um deles chegou a me questionar, como um líder religioso, sobre a
conduta que deveria ter com sua mulher. Eu disse que deveria amá-la e tratá-la
bem. Era
o mesmo que me açoitava à noite.
Sua fé foi abalada?
As algemas que prendiam minhas mãos eram ligadas por uma corrente com dez
argolas, e um cadeado na ponta. As algemas eram meu rosário. Eu usava os
anéis para rezar as Ave-Marias e o cadeado para os Pai-Nossos. Foram os
rosários mais belos e profundos que já rezei.
Como terminou o sequestro?
No sexto dia, negociaram minha liberdade com a igreja, pedindo dinheiro.
Colocaram o meu superior no telefone, em viva voz, mas eu me comuniquei com ele
em aramaico e disse que achava que iam me matar de qualquer jeito. Então, o meu
superior disse que podiam ficar comigo. Eles ficaram irritados naquele dia. Me
levaram para um quarto, ligaram a TV bem alto e me torturaram ainda mais. No
fim, a igreja acabou negociando minha libertação com o grupo extremista.
Como é viver, hoje, num campo de refugiados?
Não gosto de chamar de campo de refugiados (na cidade de Erbil, ao Norte do
Iraque). A igreja se tornou um escudo para aqueles que querem se proteger. As
famílias vivem em contêineres, organizados por caravanas. Temos escolas e
saúde, na medida do possível. A cada dia chegam mais pessoas, sem esperanças de
voltar para casa. Antes eu costumava dizer que 50% das pessoas que chegavam
aqui acabavam emigrando para o exterior. Hoje, prefiro dizer que 50%
permanecem. Mais cedo ou mais tarde, as pessoas inevitavelmente tomam essa
decisão.
O senhor também já pensou em deixar o Iraque?
Nasci lá, amo meu país e tenho orgulho dele, embora meu país não se orgulhe
de parte do seu povo. Alguns podem perguntar : qual é o sentido de deixar
ovelhas no meio de lobos? Mas quem sou eu para questionar Deus? Um padre no
Oriente Médio precisa abraçar sua missão. Quando saímos, não sabemos se vamos
voltar vivos. Acho que podem me matar um dia, mas eu me importo com nossas
crianças, tenho um sentimento de responsabilidade com meu povo. Eu sou meu
povo. O sofrimento que eu passei é o sofrimento que o cristianismo passa, hoje,
no Oriente Médio.
Na semana que vem, a Ajuda à Igreja que Sofre
vai apresentar um relatório sobre sequestro e execução de cristãos, entre 2013
e 2015, em países do Oriente Médio, Ásia e África. Qual sua expectativa sobre o
documento?
Dizem que em cinco anos não haverá mais cristãos no Iraque, mas eu acho que
talvez aconteça antes disso. Quando uma minoria muçulmana vive junto a outras
religiões, que são maioria, é uma coisa. Mas quando o islamismo é maioria num
território, as minorias são insustentáveis.
Que mensagem o senhor traz ao Brasil?
Vim pedir ajuda. Pedir que o Brasil ouça o grito do meu povo e dissemine
essa mensagem. Falem alto, acordem o mundo, além de rezar por nós.
Acolher refugiados é uma forma de ajudar?
É como diz meu bispo : se não podem nos ajudar a ficar no Iraque, então
ajudem-nos a sair de lá.
Qual foi sua primeira impressão sobre o Brasil?
É bastante verde. Tenho saudade do verde na minha terra, que hoje está
cinzenta..’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://redegni.com/padre-torturado-por-extremistas-islamicos-relata-a-dificil-resistencia-crista-no-iraque/
Nenhum comentário:
Postar um comentário