segunda-feira, 30 de abril de 2018

Em busca da alegria


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Para conquistar a felicidade duradoura não é suficiente a cada pessoa voltar-se apenas para si, desconsiderando o outro e a realidade.
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘A busca da alegria é a meta essencial que rege o mais recôndito do coração humano. Essa essencialidade se configura como o maior e mais exigente desafio da existência. Requer sabedoria própria para não resvalar o caminho em direções equivocadas, produzindo um tecido sociocultural descartável e ancorado em experiências efêmeras, que aprofundam o vazio existencial. Empurram o ser humano rumo a desejos desarvorados, a práticas de despersonalização, ao gosto pelo exótico e ao distanciamento da vida vivida com simplicidade.

Ninguém consegue viver sem experimentar a alegria. Mas a felicidade autêntica só pode ser alcançada quando a vida se desabrocha como dom de Deus. Isso significa que cada pessoa precisa encontrar o sentido de viver, fazendo da própria existência oportunidade para servir, ajudar, contribuir. Nessa perspectiva, há uma tarefa inadiável, que é de todos : compor - social e culturalmente – tudo que fortaleça as diferentes formas de solidariedade. São urgentes os programas e projetos capazes de dar novas feições aos degradantes cenários sociais e políticos, que desfiguram o rosto da humanidade neste terceiro milênio, mas a efetivação da solidariedade como fundamento social depende da articulação de elementos variados.

Basta pensar que a busca da alegria, vetor que determina condutas individuais, envolve interesses diversos, múltiplos sentimentos, visões de mundo, práticas e posturas. Por isso, é muito necessária uma sabedoria experiencial que se fundamente na espiritualidade e no gosto por uma vida simples. Sem essas referências, mesmo que a pessoa alcance conquistas profissionais e acadêmicas, ou lugares de destaque na sociedade, não consegue experimentar felicidade duradoura, pois a verdadeira alegria é substituída por fugacidades, interesses mesquinhos, idolatria do dinheiro, satisfações passageiras. As instituições empobrecem e tornam-se mais fracas. E a mediocridade, que anda de braços dados com a busca de uma alegria superficial, toma conta de tudo. 

Todos precisam reconhecer, e com clareza : para conquistar a felicidade duradoura não é suficiente a cada pessoa voltar-se apenas para si, desconsiderando o outro e a realidade. Viver a vida como dom, buscando sempre servir, é o único modo de contribuir para que a humanidade não se aprisione, cada vez mais, nas escolhas suicidas. Nesse sentido, há de ser ouvida a inspiradora palavra do Papa Francisco, na sua Exortação Apostólica intitulada ‘Alegrai-vos e Exultai’, referência bíblica ao Sermão da Montanha, no Evangelho de Mateus. O Papa destaca o que deve ser meta de cada pessoa : viver a santidade no mundo atual - caminho para encontrar a verdadeira alegria.

Sabe-se que a alegria duradoura não está nas coisas materiais. O Papa Francisco, no capítulo 4 da Exortação Apostólica, aponta características da santidade no mundo atual, que são verdadeiros itinerários para se conquistar a alegria. Afinal, felicidade autêntica e santidade – o que se relaciona a uma vida honesta, fraterna, solidária - têm tudo a ver. A Exortação Apostólica, então, detalha grandes manifestações do amor a Deus e ao próximo, fonte de alegria, remédios para curar enfermidades próprias da cultura contemporânea – negativismos, tristezas, acomodação, ansiedade agressiva, egoísmo, consumismo, individualismo, formas falsas de espiritualidade e tantas outras moléstias.

Nesse itinerário para se conquistar a felicidade, delineado pelo Papa Francisco, está o desenvolvimento da capacidade de suportar situações, de ter paciência e de praticar a mansidão, remédios contra as exacerbações e os radicalismos. Além disso, essas atitudes produzem sabedoria e, consequentemente, a alegria que dá sentido à vida. A partir do caminho indicado pelo Papa, fomentam-se o ardor e a ousadia que curam o ser humano das mediocridades. A alma revigora-se para lutar pelo bem e pela justiça. E cada oferta pessoal que se faz, na busca por um mundo melhor, passa a ser reconhecida como um grande ganho de cada dia.

 Que todos possam compreender : a busca por felicidade exige fazer da vida um verdadeiro dom, que pressupõe a dedicação aos outros, irmãos em Cristo. Trata-se de um exercício existencial e humano de relevância inquestionável, particularmente na atualidade, quando há urgente necessidade de se construir um tempo diferente, com relações mais equilibradas, livres da mesquinhez, sem os abismos entre os ricos e os que sobrevivem na miséria.  Viver a santidade é o único itinerário para quem está em busca da alegria.’


Fonte :

sexta-feira, 27 de abril de 2018

O Pequeno Príncipe em Santana de Parnaíba



Primeira vez que sai da cidade de São Paulo, a coleção das edições de O Pequeno Príncipe da biblioteca do Mosteiro de São Bento, escolheu a histórica cidade de Santana de Parnaíba para iniciar uma fantástica viagem numa exposição especial.

O Pequeno Príncipe é uma das obras literárias mais conhecidas, traduzidas e publicadas do mundo. Já foi traduzida para mais de 250 idiomas e dialetos diferentes.
A mostra é organizada pela famosa biblioteca monástica em parceria com a secretaria de cultura e turismo de Santana de Parnaíba. Com a entrada de todas as obras do francês Saint-Exupéry em domínio público (quando não existe a obrigatoriedade de pagar direitos autorais) em 2015, o livro acabou movimentando todo o mercado editorial brasileiro com novas traduções e edições.

Personagens como o menino com cabelos dourados, a raposa e a rosa, assim como as famosas frases como “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” e “o essencial é invisível aos olhos” ganharam o mundo dos livros em 1943 em Nova York com edições em Inglês e Francês. Apenas três anos mais tarde se publicava a obra na França. A Editora Agir publicou a primeira edição brasileira em 1952 com tradução do monge beneditino e imortal da Academia Brasileira de Letras, Dom Marcos Barbosa.

Apesar de ser considerada infanto-juvenil, a história do piloto que é surpreendido por um menino de outro planeta, fascinou leitores de todas as idades, transmitindo uma singela mensagem de valores tão profundos como o doar-se ao outro, a partir de seus ensinamentos como amizade, responsabilidade, amor, vaidade, ilusão e a morte.

A biblioteca do Mosteiro de São Bento é a mais antiga de São Paulo. Este templo da sabedoria de propriedade dos monges beneditinos, conta com um acervo de mais de 115.000 obras. As diversas áreas do conhecimento humano podem ser apreciadas, desde filosofia, teologia, sociologia, artes e literatura. Todas as obras do escritor e aviador francês, Antoine de Saint-Exupéry também podem ser aí encontradas. Sua maior criação, O PEQUENO PRÍNCIPE é frequentemente consultada pelos apaixonados leitores.

Na mostra mais de 50 edições em diferentes formatos e línguas podem ser apreciadas.

“O Pequeno Príncipe em Santana de Parnaíba”

De 05 de maio a 03 de junho de 2018

CEMIC – Centro de memória e integração cultural

Santana de Parnaíba - SP

Entrada Gratuita

quarta-feira, 25 de abril de 2018

8 grandes santos que tiveram depressão, mas nunca se renderam a ela

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 LONELY MAN,BEACH

‘Até mesmo santos da estatura moral da Madre Teresa de Calcutá, admirada por crentes e descrentes, dão testemunho de ter sofrido algo que soa surpreendente e talvez chocante para quem acha que os santos viveram numa bolha de perfeição à parte das cotidianidades que afetam os seres humanos ‘comuns’ : o conceito da ‘noite escura da alma’.

A mais famosa abordagem do tema e do termo é, provavelmente, a do místico espanhol São João da Cruz, reconhecido como nada menos que Doutor da Igreja. Ele descreve essa profunda espécie de crise espiritual na jornada rumo à união com Deus em seu célebre poema intitulado, precisamente, ‘La noche oscura del alma’ (século XVI).

É fato que Deus permite, e com frequência, a drástica provação da aridez espiritual, da completa falta de fervor sensível, da dúvida espessa a respeito da Sua existência, da revolta perante os injustíssimos reveses da vida, do desespero diante da tragédia ou mesmo da rotina que, dias depois de dias, meses depois de meses, se reveste daquela insuportável e amorfa ausência de sentido.

Se o próprio Cristo experimentou o drama do silêncio do Pai na mais negra de todas as noites, a ponto de Lhe suplicar que afastasse d’Ele esse cálice durante a Sua oração no Jardim das Oliveiras, à espera da Paixão, por que presumir que Deus fosse poupar-nos de experimentar a dúvida radical? Por que imaginar que Ele nos privasse da oportunidade de escolher, livre e voluntariamente, abraçar a fé ou rejeitá-la, confiar n’Ele ou refutá-Lo, purificar o amor ou mantê-lo morno, frágil, apoiado em incentivos cômodos e débeis?

Nem a vocação à vida religiosa isenta um cristão da provação espiritual.

É claro que nem sempre essa provação é propriamente a doença física e psíquica que hoje conhecemos como depressão. No entanto, há santos que, pelos sintomas descritos por eles próprios ou por outros biógrafos, muito provavelmente enfrentaram esse quadro que atualmente é visto como ‘o mal do século’.

Alguns dos santos que possivelmente enfrentaram a depressão :

1 – Santo Agostinho - Século IV


Pois é! Uma das mais icônicas e sublimes figuras representativas da intensidade da conversão cristã e do poder extraordinário da graça santificante; uma das personalidades mais admiradas da história da civilização ocidental, inclusive por não católicos e até por não cristãos : até ele enfrentou, muito provavelmente, os altos e baixos dos neurotransmissores e a instabilidade psíquica e física que hoje a medicina denomina depressão.

Sua mãe, Santa Mônica, suportou com paciência quase inacreditável a imprevisibilidade do filho brilhante, mas de temperamento terrível. Agostinho procurava com intensa sinceridade a verdade e o sentido da existência, mas, em suas andanças desnorteadas e segundo os seus próprios termos, ele a buscava na aparência das coisas criadas, nas volúpias e prazeres dos sentidos, longe de Deus e cada vez mais longe de si mesmo. ‘Eis que estavas dentro de mim, mas eu estava fora, e fora Te buscava, e nas coisas formosas que criaste, deforme eu me lançava’, declarará ele nas ‘Confissões’, obra-prima da espiritualidade não apenas cristã, mas universal.

A teimosia da graça, porém, foi mais irredutível ainda que a dele mesmo, e, encontrando canal nas ‘indesanimáveis’ orações de sua mãe e na admirável influência do grande bispo Santo Ambrósio, levou o rebelde e angustiado Agostinho a finalmente se render a Deus e acolher o batismo. Mais ainda : ele se consagrou a Deus e chegou também ele a ser bispo.

Depois que a mãe morreu, no entanto, e durante os mais de quarenta anos que a isto se seguiram, a sua personalidade poderosa ainda se manifestaria com frequência na propensão à raiva implacável e à depressão severa. Santo Agostinho se levantava desses abismos por meio da oração, do sacrifício e do trabalho. Ocupar-se foi um grande remédio, tanto nas muitas responsabilidades de bispo quanto nas muitas horas de reflexão, estudo e oração que o transformaram em grande defensor da doutrina da Igreja.

2 – Santa Flora de Beaulieu - Século XIV

Sta Flora de Beaulieu

Ela teve uma infância normal, mas, quando seus pais começaram a buscar marido para ela, se recusou e anunciou que ia dedicar a vida a Deus entrando num convento. No entanto, essa decisão, tomada num contexto turbulento, desencadeou uma fase intensa e prolongada de depressão que afetava de tal modo o seu comportamento que mesmo para as outras irmãs era uma provação conviver com ela. Com a graça de Deus, o tempo e a ajuda de um confessor compreensivo, Flora fez grande progresso espiritual precisamente por causa do desafio da depressão, que ela enfrentou com empenho.

3 – Santo Inácio de Loyola - Século XVI


A personalidade poderosa do grande santo fundador dos padres jesuítas também era dada a sentimentos de profunda inquietação e sofrimento. O senso de certeza e convicção que ele demonstra em sua autobiografia (escrita em terceira pessoa) não vieram com facilidade. Depois de se converter, Inácio teve de lutar contra um feroz período de escrupulosidade, termo que, na ascese cristã, se refere à tentação de sentir-se sempre em grave pecado por cada mínima falha pessoal no cumprimento de deveres e na vivência das virtudes. Essa provação veio seguida de uma depressão tão séria que ele chegou a pensar em suicídio. Deus o retirou do abismo de trevas e sofrimento interior inspirando-lhe grandes coisas a realizar na vida em nome de Cristo e da Sua Igreja.

O próprio Inácio define como ‘desolação’ a experiência que enfrentou em seus exercícios espirituais : um estado de grande inquietação, irritabilidade, desconforto, insegurança quanto a si mesmo e às próprias decisões, dúvidas assustadoras, grande dificuldade de perseverar nas boas intenções. De acordo com Inácio, Deus não causa a desolação, mas a permite para nos ‘abalar’ como pecadores e nos chamar à conversão.

A partir da sua experiência, Santo Inácio dá três conselhos para reagir à desolação : não desistir nem alterar uma boa resolução anterior; intensificar a conversa com Deus, a meditação e as boas ações; e perseverar com paciência, pois a provação é estritamente limitada por Deus, que dará o alívio no momento oportuno. Ele descobriu, em suma, que a depressão pode ser um grande desafio espiritual e uma ótima oportunidade de crescimento.

Estes conselhos continuam perfeitamente válidos, mas, hoje, é de importância crucial acrescentar um quarto conselho : procurar a ajuda médica adequada. Os avanços da medicina deixam claro que, na maioria dos quadros verdadeiramente depressivos, a medicação psiquiátrica é indispensável para reequilibrar os neurotransmissores, pois se trata de uma doença propriamente dita e não apenas de uma ‘fase de tristeza’. O tratamento da depressão clínica tem duas vertentes interdependentes : o trabalho interior pessoal, que pode ser acompanhado por um bom psicólogo ou orientador qualificado, e o trabalho da medicina, acompanhado por um psiquiatra sério e bem atualizado.

4 – Santa Joana Francisca de Chantal - Século XVI


Durante oito anos, ela viveu feliz o seu casamento com o Barão de Chantal. Mas, quando o marido morreu, seu sogro, vaidoso e teimoso, forçou Joana e seus três filhos a irem morar com ele, provocando uma rotina de contínuos dissabores, duras provas de paciência e depressão. Em vez de se escorar na vitimização, como infelizmente é comum desde sempre e até hoje, Santa Joana fez a escolha de manter a alegria e de responder às crueldades do sogro com caridade e compreensão.

Mesmo depois de estabelecer uma cordial e santa amizade com o grande bispo São Francisco de Sales e de trabalhar com ele na criação de uma ordem religiosa para mulheres de mais idade, Joana continuava experimentando momentos de grande sofrimento e injusto julgamento – e continuava, também, a responder com alegria, trabalho esforçado e espírito voltado a Deus.

A propósito, São Francisco de Sales tem um relevante conselho para quem sofre dessa provação :

‘Refresque-se com músicas espirituais, que muitas vezes provocaram o demônio a cessar as suas artimanhas, como no caso de Saul, cujo espírito maligno se afastou dele quando Davi tocou sua harpa perante o rei. Também é útil trabalhar ativamente, e com toda a variedade possível, de modo a desviar a mente da causa de sua tristeza’.

5 – São Noel Chabanel - Século XVII

 São Noel Chabanel

Padre jesuíta, mártir norte-americano, trabalhou entre os índios huron com São Charles Garnier. Os missionários, no geral, desenvolvem grande empatia por aqueles a quem evangelizam; no entanto, não foi o caso do pe. Noel : ele sentia repugnância pelos índios e pelos seus costumes, além de imensa dificuldade para aprender a sua língua, completamente diferente de qualquer idioma europeu, sem falar nos brutais desafios que a vida em ambiente quase selvagem envolvia. Todo esse conjunto de provações gerou nele um sentimento duradouro de sufocamento espiritual. Como ele respondeu? Fazendo um voto solene de jamais desistir nem abandonar a sua missão. E esse voto ele manteve até o dia do seu martírio.

6 – Santa Elizabeth Ann Seton - Século XVIII

ELIZABETH

A primeira santa nascida em solo estadunidense sofria com a contínua sensação de solidão e melancolia, tão profunda que ela pensou várias vezes em se matar. Ela teve muitos problemas em sua vida, especialmente relacionados à sua família. Leituras, música e o mar a ajudaram a ser mais alegre. Quando se converteu, a Eucaristia e a caridade passaram a ser sua grande força diária!

7 – São João Maria Vianney - Século XIX

Cura d'Ars

Conhecido como o Cura D’Ars, ele é um dos sacerdotes mais queridos da história da Igreja, modelo de pároco zeloso e de pastor que superou as muitas e graves limitações intelectuais próprias para guiar as almas com maestria pelo caminho da vida de graça. Apesar de todo o bem que fazia, ele não conseguia enxergar a própria relevância diante de Deus e convivia persistentemente com um forte complexo de inutilidade pessoal, sintoma da depressão que o acompanhou durante toda a vida.

Nos momentos mais difíceis, ele recorria ao Senhor e, apesar do sofrimento, renovava a determinação de perseverar no seu trabalho com confiança, fé e amor a Deus e ao próximo.

8 – Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein) - Século XX

 

A santa carmelita descalça que havia nascido judia e crescido ateia sofreu com a depressão durante longo período. Chegou a escrever :

‘Encontrei-me gradualmente em profundo desespero. Eu não podia atravessar a rua sem querer que um carro me atropelasse e eu não saísse viva dali’.

Desde antes de se converter, principalmente nas muitas ocasiões em que foi desprezada e humilhada por ser mulher e de origem judia, Edith sofreu intensamente a depressão. Intelectual, filósofa, discípula e até assistente de Edmund Husserl, o fundador da fenomenologia, ela finalmente encontrou em Deus a Verdade que tanto buscava, a partir da leitura da obra de Santa Teresa de Jesus. Abraçou então a graça com tamanha sede que dela arrancava as forças para lidar não apenas com os seus dolorosos sofrimentos interiores, mas também com as trevas mortíferas do nazismo.

Edith Stein, que adotou no convento carmelita o nome religioso de Teresa Benedita da Cruz após se converter e se consagrar a Deus radicalmente, foi capaz de perseverar até o martírio, mantendo a lucidez, a fé, a esperança e o amor inclusive na prisão e na execução a que foi submetida covardemente no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau. Esse final de vida terrena parece particularmente deprimente? Pois ele é, mesmo. No entanto, como tudo nesta vida tem mais do que apenas um lado, ela enfrentou esse cenário extremo com a serenidade e a paz de espírito de quem aprendeu a lidar com os altos e baixos da depressão, enxergando além do imediato e abraçando uma vida que não acaba porque é eterna – e que é capaz de brilhar até mesmo nas trevas mais densas da morte num campo de concentração.’


Fonte :



segunda-feira, 23 de abril de 2018

Do mosteiro para a sua mesa


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 CINNAMON

 ‘Na longa tradição da Igreja, muitos monges moldaram a humanidade em diversas áreas do conhecimento humano. Seja na agricultura, ciência, cultura, educação, música, artes, no campo teológico e filosófico, a vida monástica deixou marcas na evolução da civilização.

Também os hábitos alimentares foram grandemente influenciados pelos monges. Na vivência da oração e do trabalho diário, muitas cozinhas monásticas criaram receitas e bebidas. Um bom exemplo é do monge beneditino, Dom Pérignon que contribuiu para o desenvolvimento de uma bebida que rompeu séculos e agrada a muitos : a champanhe.

O monge beneditino do Mosteiro de São Bento de São Paulo, Dom João Baptista Barbosa Neto, em parceria com Sandra Marina Witkowski, oblata secular, acabam de lançar um livro com receitas do Mosteiro de São Bento. A publicação traz receitas tradicionais dos monges.

Simples e práticas, as receitas podem ser feitas por qualquer pessoa.

O mosteiro São Bento mantém ainda a Padaria do Mosteiro que já tem mais de 20 anos de história e vende bolos, pães, biscoitos, doces, chocolates e dois rótulos de cerveja.

A12 entrevistou Dom João Baptista que além de contar alguns detalhes da publicação, divulga uma das receitas do livro de forma exclusiva! Confira! 

A12 – A oração na vida de um monge é constante. Na hora de cozinhar ela também entra?

Dom João Baptista – Sim! A vida do monge deve ser entendida como uma constante oração. Embora seu dia a dia seja dividido entre momentos de oração e trabalho (ora et labora), ele pode exercer suas atividades também rezando. Aliás, nosso trabalho deve ser entendido também como um momento de louvor a Deus. Portanto, oração de ação de Graças.

A12 – Na longa tradição dos mosteiros, muitos monges criaram receitas e bebidas que mudaram a humanidade. Algum fato dessa trajetória te inspira?

Dom João Baptista – Na verdade, os monges tiveram um desempenho magistral nas várias áreas do conhecimento humano. O trabalho na cozinha é algo mais prático, que visa alimentar ao outro. Quem cozinha geralmente não cozinha apenas para si, mas para o outro também. No mosteiro, onde vive um grupo de pessoas, todos os trabalhos são exercidos em vista do bem da comunidade. Preocupar-se com o irmão é extremamente importante. Saber o que ele gosta, no caso da comida, também deve ser entendido como uma acolhida, desejar o seu bem. Também na recepção dos hóspedes que vêm ao mosteiro há o preceito da caridade cristã. O próprio São Bento escreve na regra que todo aquele que chega ao mosteiro seja acolhido como se fosse o próprio Cristo. Tudo isto, com toda a certeza, transformou a humanidade. Comer bem é acolhida.

A12 – No livro que recentemente lançou com receitas do Mosteiro de São Bento, elas marcam também os hábitos dos próprios monges?

Dom João Baptista – É verdade. O livro não contém apenas receitas. É também um livro de história da comida. Tentamos elaborar um fio condutor histórico da comida monástica. Assim, o leitor poderá entender a causa do sucesso monástico ao longo de mais de 1500 anos, através das refeições dos monges. Começamos dos mosteiros em geral, dando grande ênfase na Idade Média e nos preceitos beneditinos, desde a Regra de São Bento, assim como a outros documentos; afunilamos o assunto abordando especificamente na história da comida no Brasil e, por fim, aprofundamos a história da comida em São Paulo, uma vez que o objetivo é informar o leitor sobre os costumes monásticos e alimentares do Mosteiro de São Bento de São Paulo. O livro traz ainda orações para antes e após as refeições do almoço e jantar para toda uma semana, podendo as pessoas utilizá-las para agradecer a Deus pelo alimento diário. Entre estas orações há sugestões de cardápio para quem desejar fazer em casa.

A12 – Cozinhar é uma forma de amar os outros? Você pode dar uma dica ou curiosidade que você traz no livro?

Dom João Baptista – Sim, cozinhar e desejar que o outro viva. Alimentar não é apenas para sustentar o corpo. Não é comer por comer. Aqui também entra o prazer. Alimentar-se bem, buscando uma alimentação saudável e de qualidade é importante. Mas a comida tem que ter sabor. Abordamos tudo isto no livro. Queremos lembrar que Deus é doce e que a vida, muitas vezes repleta de amarguras, pode ser transformada por esta doçura. Há quase que uma idolatria da sofisticação do alimento, dando grande importância a pratos extremamente técnicos e chefes de cozinhas renomados. Há até programas de televisão com competições sobre o tema. Muitas vezes, no entanto, tais pratos são frios, sem emoção, sem o tempero principal, que é o amor. Devemos lembrar que um prato simples, mas com o tempero do amor, pode ser mais saboroso que alguns em restaurantes caros e grã-finos. Devemos deixar que Deus transite entre nossas panelas. Devemos deixar que ele tempere nossa comida. Tenho certeza que tudo será mais gostoso.

Também falamos sobre os exageros alimentares, a gula. Este é um assunto complexo. O comer em excesso, pode até não ser gula, mas estar ligado a ansiedade e outros desvios psicológicos como uma forma de compensação. Lembramos também que de vez em quando, comer uma fatia daquela iguaria maravilhosa, desde que seja apenas mais um pedaço, não é pecado. Pois se desejamos comer apenas mais um pouco, é porque aquele primeiro pedaço estava mesmo divino.

O livro traz muitas curiosidades, como a importância de alimentar-se em silêncio, como fazemos no mosteiro. Toda a comunidade monástica já acomodada à mesa, alimentam-se não apenas dos pratos ali servidos. Está presente no ambiente um monge que faz uma leitura edificante, afim de que os monges possam alimentar também a sua alma.

Receita de pão de batata-doce ou mandioquinha 

INGREDIENTES

2 tabletes (30g) de fermento biológico fresco
1 colher (sopa) de açúcar
1 1/2 xícara de água morna
2 colheres (sopa) de óleo
1 colher (sopa) de sal
2 xícaras de batata-doce ou mandioquinha cozida e amassada
4 xícaras de farinha de trigo
Gema para pincelar

PREPARO

Em uma tigela grande, coloque o fermento e o açúcar e mexa até dissolver. Acrescente a água morna, o óleo, o sal e o purê de batata-doce ou mandioquinha e misture. Adicione metade da farinha e misture bem até incorporar tudo.

Transfira para uma superfície lisa e junte o restante da farinha. Misture bem e amasse por 10 minutos. Modele uma bola, coloque de volta na tigela e cubra com um pano. Deixe em local abrigado do vento (por exemplo, dentro do forno desligado) até a massa crescer e dobrar de volume.

Retire a massa da tigela e sove novamente por mais 5 minutos. Unte uma fôrma de pão (30 x 10 cm) com manteiga e polvilhe farinha de trigo. Coloque a massa, cubra com um pano e deixe crescer por 1 hora.

Pré-aqueça o forno por 180 °C.

Leve ao forno e asse por cerca de 1 hora.’


Fonte :

sexta-feira, 20 de abril de 2018

As 13 diferenças entre os católicos e os orientais ortodoxos


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 POPE FRANCIS,UKRAINE,DOVES


 ‘Em síntese : são treze as principais diferenças doutrinárias e disciplinares que distanciam católicos e ortodoxos orientais uns dos outros. Os ortodoxos não aceitam o primado e a infalibilidade do Papa, a processão do Espírito Santo a partir do Filho, o purgatório póstumo, os dogmas da Imaculada Conceição e da Assunção de Maria Santíssima, o Batismo por infusão (e não por imersão), a falta da epiclese na Liturgia Eucarística, o pão ázimo (sem fermento) na celebração eucarística, a Comunhão eucarística sob a espécie do pão apenas, o sacramento da Unção dos Enfermos como é ministrado no Ocidente, a indissolubilidade do matrimônio, o celibato do clero. Como se pode ver, nem todos esses pontos diferenciais são da mesma importância. O mais ponderoso é o da fidelidade ao Papa como Pastor Supremo, assistido pelo Espírito Santo em matéria de fé e de moral.

Seja observado, logo de início, que, em geral, os orientais têm por ideal a volta da Igreja ao que ela era até o sétimo Concílio Geral (Niceia II em 787), pois só aceitam os Concílios de Niceia I (325), Constantinopla I (381), Éfeso (431), Calcedônia (451), Constantinopla II (553), Constantinopla III (681) e Niceia II (787). O Concílio de Constantinopla IV, que excomungou o Patriarca Fócio em 869/870, é rejeitado pelos orientais.

1.      Primado do Papa

Alega a teologia ortodoxa que a jurisdição universal e suprema do Papa implica que os outros bispos são subordinados a ele como seus representantes.
A esta concepção responde o Concílio do Vaticano II : ‘Aos Bispos é confiado plenamente o ofício pastoral ou o cuidado habitual e cotidiano das almas. E, porque gozam de um poder que lhes é próprio e com toda razão são antístites dos povos que eles governam, não devem ser considerados vigários (representantes) do Romano Pontífice’(Constituição Lumen Gentium 27).

O primado do Bispo de Roma ou do Papa garante a unidade e a coesão da Igreja, preservando-a de iniciativas meramente pessoais e subjetivas.

2.     Infalibilidade papal

Em 1870, fazendo eco a antiga crença dos cristãos, o Concílio do Vaticano I declarou o Papa infalível quando fala em termos definitivos para a Igreja inteira em matéria de fé de Moral. – A teologia ortodoxa oriental alega que esta definição extingue a autoridade dos Concílios.

Respondemos que os Concílios gerais ou universais têm plena razão de ser, desde que o Papa deles participe (por si ou por seus delegados) e aprove as suas conclusões. Em nossos dias mais e mais se tem insistido sobre a colegialidade dos Bispos.

3.     A processão do Espírito Santo a partir do Filho (‘Filioque’)

Esta concepção da Igreja Católica decorre do fato de que ‘em Deus não há distinções a não ser onde haja oposição relativa’. Se, portanto, entre o Filho e o Espírito Santo não há a distinção de Espirante e espirado, um não se distingue do outro ou o Filho e o Espírito Santo são uma só Pessoa em Deus. Verdade é que Jesus em Jo 15, 26 diz que o Espírito procede do Pai; o Senhor, porém, não tenciona propor aí uma teologia sistemática, mas põe em relevo um aspecto da verdade sujeito a ser completado pela reflexão.

Na verdade, a questão em foco é mais de linguagem do que de doutrina, como foi demonstrado em PR 442/1999, pp. 120ss. Os orientais preferem dizer que o Espírito Santo procede do Pai através do Filho – o que pode ser conciliado com a posição dos ocidentais.

NdR : ‘Filioque’ é o termo latino que quer dizer ‘e do Filho’, rezado no Credo quando fala do Espírito Santo : ‘Qui ex Patre Filioque procedit’, ou seja, ‘que procede do Pai e do Filho’.

4.    Purgatório

Os orientais não tiveram dificuldade para aceitá-lo até o século XIII. Em 1231 ou 1232, o metropolita Georges Bardanes, de Corfu, pôs-se a impugnar o presumido fogo do purgatório, pois na verdade não há fogo no purgatório. Os teólogos orientais subseqüentes apoiaram a contestação (muito justificada) de G. Bardanes. Mas nem por isto negaram um estado intermediário entre a vida terrestre e a bem-aventurança celeste para as almas daqueles que morrem com resquícios de pecado; estes seriam perdoados por Deus em vista da oração da Igreja; estariam assim fundamentados os sufrágios pelos defuntos.

A absoluta recusa do purgatório só ocorreu entre os orientais no século XVII sob a influência de autores protestantes. Daí por diante a teologia oriental está dividida; há muitos teólogos ortodoxos que admitem um estado intermediário entre a morte e a bem-aventurança celeste como também reconhecem o valor dos sufrágios pelos defuntos.

5.     A Imaculada Conceição de Maria

Esta é, por vezes, confundida com um pretenso nascimento virginal de Maria Santíssima (Santa Ana teria concebido sua filha sem a colaboração de São Joaquim). Já que tal concepção virginal carece de sólido fundamento, também a Imaculada Conceição é posta em dúvida pelos orientais. Ocorre, porém, que a literatura e a Liturgia dos ortodoxos enaltecem grandemente a total pureza de Maria, professando a mesma coisa que os ocidentais, ao menos de modo implícito, sem chegar a formular um dogma de fé a respeito.

6.    A Assunção de Maria Santíssima

Foi proclamada como dogma de fé em 1950 pelo Papa Pio XII, de acordo com a tradição teológica ocidental e oriental. Merece especial atenção a iconografia oriental, que representa de maneira muito expressiva a Virgem sendo assumida aos céus por seu Divino Filho. Na verdade, o que fere os orientais, não é a proclamação da Assunção; mas a promulgação do dogma (como no caso da Imaculada Conceição).

7.     Batismo por infusão ou aspersão da água

Dizem os teólogos ocidentais que o importante no Batismo é o contato da água com o corpo da pessoa, simbolizando purificação. Se o sacramento é um sinal que realiza o que significa, a água batismal significa e realiza a purificação da alma.

8.    Epiclese

Os orientais julgam essencial na Liturgia Eucarística a Invocação do Espírito Santo (epiclese) antes das palavras da consagração; ora estas faltam no Cânon Romano (Oração Eucarística nº 1), pois os latinos julgam que a consagração do pão e do vinho se faz pela repetição das palavras de Cristo : ‘Isto é o meu corpo… Isto é o meu sangue…’.

Acontece, porém, que as Orações Eucarísticas compostas depois do Concílio (1962-65) têm a epiclese não para corrigir uma pretensa falha anterior, mas para guardar uma antiga tradição.

9.    Pão ázimo

Jesus, em sua última ceia, observou o ritual da Páscoa judaica, que prescrevia (e prescreve) o uso do pão ázimo ou não fermentado. A Igreja Católica guardou o costume na celebração da Eucaristia. Está bem respaldada. O uso do pão fermentado não é excluído, pois, em última análise, se trata sempre de pão.

10.             A Comunhão Eucarística sob as espécies do pão apenas

Até o século XII a Comunhão era ministrada sob as duas espécies; o uso foi abolido por causa de inconvenientes que gerava (profanação, sacrilégios…).

Todavia, após o Concílio, já é permitido dar a Comunhão sob as duas espécies a grupos devidamente preparados.

11.  Unção dos Enfermos

Baseados em Tg 5, 14s, os orientais ortodoxos têm a Unção dos Enfermos como sacramento. Divergem, porém, dos ocidentais em dois pontos :

·         a Unção não é reservada aos gravemente enfermos nem tem a marca de preparação para a morte, mas, ao contrário, vem a ser um rito de cura para qualquer enfermo;

·         a Unção, no Oriente, tem forte caráter penitencial, a tal ponto que ela é conferida também aos pecadores, mesmo sadios, a título de satisfação pelos pecados.

Pode-se dizer, portanto, que a Unção ‘dos Enfermos’ nas comunidades orientais ortodoxas é dada a todos os fiéis que tenham algum problema de saúde corporal ou espiritual. Isto ocorre especialmente na Semana Santa entre os russos.

Essas diferenças, que não são das mais graves, foram muito exploradas nos debates entre latinos e gregos. Os ocidentais reservam a Unção para os casos de moléstias graves ou sério perigo de vida.

12. Divórcio

Baseados em Mt 5, 32 (= Mt 19, 9) e contrariamente ao que se lê em Mc 10, 11s; Lc 16, 18; 1Cor 7, 10s, os ortodoxos reconhecem o divórcio. A Igreja Católica não interpreta São Mateus em sentido contrário ao de Marcos, Lucas e Paulo; portanto não reconhece o divórcio de um matrimônio sacramental validamente contraído e consumado, mas julga que em Mt 5 e 19 se trata da dissolução de um casamento tido pela Lei de Moisés como ilícito. Ulteriores dados podem ser encontrados em PR 473/2001, pp. 453ss.

13. Celibato do Clero

Seria ‘uma restrição imposta nos séculos posteriores, contrária à decisão do primeiro Sínodo Ecumênico (325)’. Que há de verídico nisso?

O celibato do clero tem seu fundamento em 1Cor 7, 25-35, onde São Paulo recomenda a vida una ou indivisa. Esta foi sendo praticada espontaneamente pelo clero até que, em 306 aproximadamente, o Concílio regional de Elvira (Espanha) a sancionou para os eclesiásticos de grau superior. A legislação de Elvira foi-se propagando no Ocidente por obra de outros concílios regionais.

Ao contrário, os orientais estipularam que, após a ordenação, os clérigos de grau superior (ou do diaconato para cima não poderiam contrair matrimônio, mas eram autorizados a manter o uso do matrimônio os que tivessem casado antes da ordenação. O Concílio de Niceia I (325) rejeitou a proposta segundo a qual o celibato no Oriente seria observado sem exceções, como no Ocidente; isto, por protesto do Bispo egípcio Pafnúncio, o qual guardava pessoalmente o celibato. Os Bispos orientais são todos celibatários e, por isto, recrutados entre os monges.

Como se vê, algumas das diferenças apontadas são disciplinares e não impedem a volta à unidade de cristãos orientais e ocidentais. Podem-se admitir o pão fermentado na Eucaristia, a obrigatoriedade da epiclese, o clero casado… O maior obstáculo é o do primado do Papa. Paulo VI e João Paulo II demonstraram ter consciência do problema, que poderá ser resolvido satisfatoriamente. Eis o que escreve João Paulo II em sua encíclica Ut Unum Sit datada de 25/05/95 :

Entre todas as Igrejas e Comunidades Eclesiais, a Igreja Católica está consciente de ter conservado o ministério do sucessor do Apóstolo Pedro, o Bispo de Roma, que Deus constituiu como perpétuo e visível fundamento da unidade e que o Espírito ampara para que torne participantes deste bem essencial todos os outros. Segundo a feliz expressão do Papa Gregório Magno, o meu ministério é de servus servorum Dei… Por outra parte, como pude afirmar por ocasião do Encontro do Conselho Mundial das Igrejas em genebra aos 12 de junho de 1984, a convicção da Igreja Católica de, na fidelidade à Tradição apostólica e à fé dos Padres, ter conservado, no ministério do Bispo de Roma, o sinal visível e o garante da unidade, constitui uma dificuldade para a maior parte dos outros cristãos, cuja memória está marcada por certas recordações dolorosas. Por quanto sejamos disso responsáveis, como o meu Predecessor Paulo VI, imploro perdão’ (N] 88).

Com o poder e a autoridade sem os quais tal função seria ilusória, o Bispo de Roma deve assegurar a comunhão de todas as Igrejas. Por este título, ele é o primeiro entre os servidores da unidade. Tal primado é exercido em vários níveis, que concernem à vigilância sobre a transmissão da Palavra, a celebração sacramental e litúrgica, a missão, a disciplina e a vida cristã. Compete ao sucessor de Pedro recordar as exigências do bem comum da Igreja, se alguém for tentado a esquecê-lo em função dos interesses próprios. Tem o dever de advertir, admoestar e, por vezes, declarar inconciliável com a unidade da fé esta ou aquele opinião que se difunde. Quando as circunstâncias o exigirem, fala em nome de todos os Pastores em comunhão com ele. Pode ainda – em condições bem precisas, esclarecidas pelo Concílio do Vaticano I – declarar ex cathedra que uma doutrina pertence ao depósito da fé. Ao prestar este testemunho à verdade, ele serve à unidade’ (Nº 94).

Dirigindo-me ao Patriarca Ecumênico Sua Santidade Dimitrios I, disse estar consciente de que, ‘por razões muito diferentes, e contra a vontade de uns e outros, o que era um serviço pôde manifestar-se sob uma luz bastante diversa’. Mas … é com o desejo de obedecer verdadeiramente à vontade de Cristo que eu me reconheço chamado, como Bispo de Roma, a exercer este ministério… O Espírito Santo nos dê sua luz e ilumine todos os pastores e os teólogos das nossas Igrejas, para que possamos procurar, evidentemente juntos, as formas mediante as quais este ministério possa realizar um serviço de amor, reconhecido por uns e por outros’ (nº 95).

Como se vê, o Papa não abdica (nem pode abdicar) do seu ministério, que garante a unidade da Igreja, mas pede que os estudiosos proponham modalidades de exercício desse ministério que satisfaçam a todos os cristãos. – Queira o Espírito inspirar os responsáveis para que realmente colaborem para a solução das dificuldades que os cristãos não católicos enfrentam no tocante ao primado do Papa!

A propósito, muito se recomenda a leitura da encíclica Ut Unum Sint (Que todos sejam um), sobre o empenho de São João Paulo II em favor da união dos cristãos.’
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A partir de artigo de D. Estevão Bettencourt, OSB na revista Pergunte e Responderemos, nº 480, ano 2002, pág. 200.


Fonte :