*Artigo
de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de
Belo Horizonte, MG
‘Dois discípulos de Jesus pediram ao Mestre que os deixassem posicionados à
sua esquerda e à sua direita, mostrando assim como eram dominados pela lógica
do poder. Buscaram estar em posição de destaque, em lugar conquistado com
facilidade solicitada ao Mestre. Os outros dez discípulos ficaram indignados
com os filhos de Zebedeu, o que revela a mesma mentalidade comprometida, pois
reagiram cultivando sentimentos que apequenam a estatura espiritual e humana.
Dessa narrativa bíblica, é possível perceber o desejo de galgar lugares pelo
caminho considerado mais fácil e, também, a indignação que comprova o clima de
disputa presidindo corações e relacionamentos humanos. Atualmente, a cultura fomenta o entendimento
de que tudo pode ser conseguido com facilidade. Por isso mesmo, há o vício das
facilitações, que produzem comprometimentos muito sérios e perpetuam prejuízos.
Eis a fonte da corrupção, seja em maior ou menor escala, com perdas
incalculáveis. A ‘cultura
da facilidade’, fortalecida pela ‘cultura
do descartável’, amparada por práticas mesquinhas, envenena o ritmo da
vida, cada vez mais presidida pela perversidade. Roubar o erário, ‘passar o outro para trás’, dizer
mentiras e cultivar olhar indiferente ante a realidade dos que sofrem é ser
perverso. Trata-se de patologia e de desvio grave no exercício da cidadania.
Uma doença que precisa de remédio. Muitos indicarão saídas que não produzem
transformações profundas. ‘Soluções’
que apenas mascaram o problema e, assim, impedem o desabrochar humano, criação
de Deus, expressão maior do amor recíproco.
Jesus aponta, pelo diálogo paciente e com força pedagógica, qual é o remédio
que pode curar o mal que está na raiz dos descompassos da sociedade
contemporânea. Trata-se de exigência que precisa se tornar prática cotidiana,
na regência de gestos - grandes e pequenos -, escolhas e discernimentos. No
diálogo com os filhos de Zebedeu, o Mestre lhes faz uma importante pergunta.
Eles estariam dispostos a receber o mesmo batismo de Jesus e beber também do
seu cálice? A resposta é intempestivamente positiva, pois não mediram o alcance
do compromisso proposto. Ora, o batismo e o cálice de Jesus se referem à sua
experiência radical e amorosa de se oferecer, incondicionalmente, para que
prevaleça o bem. Isso inclui sofrimentos e dores, que encontram sentido e razão
ao produzirem, pela dinâmica da oferta, a possibilidade de se fazer o bem,
defender a justiça, promover a paz.
O desenvolvimento e a prática diária de compreender a própria vida como
altar de oferta para o bem dos outros é o único lugar que se deve desejar
ocupar. A busca desse ‘status’ tem
como inspiração o exemplo de Cristo, que lembra : ‘O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua
vida em resgate por muitos’. O lugar a ser, portanto, desejado e ocupado
é um só : o de servidor. Aí, nesse lugar, se conquista
despretensiosamente o poder, torna-se grande por se colocar a serviço de todos.
Esse remédio indicado por Cristo, quando ‘tomado’, produz grande efeito. Está na contramão das lógicas
aprendidas e praticadas ‘das facilidades’,
que impedem os gestos de oferta. Fortalecer o entendimento de que todos devem
ser servidores é solução única para dar novo caminho à sociedade contemporânea,
para que a Igreja exerça de modo mais fecundo a sua dimensão missionária e para
devolver paz interior, serenidade e qualificada cidadania. O primeiro passo é
admitir que o Mestre tem razão e nos ensina a lógica de Deus. Depois, é preciso
esforço diário para combater os desajustes e desejos tortos que configuram o
coração humano. Em vez de ‘à esquerda ou
à direita’, cada pessoa deve aprender a querer ocupar o lugar de servidor.’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=5476
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