sexta-feira, 30 de junho de 2017

O Imaculado Coração de Maria é um só com o Sagrado Coração de Jesus

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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‘Devemos entender como ‘Coração de Maria’ tanto o coração material do seu corpo quanto o coração espiritual da sua alma, bem como o que poderíamos chamar de seu ‘Coração Divino’, ou seja, o Amor eterno e substancial, o Espírito Santo, do qual a bem-aventurada Virgem Maria esteve total e divinamente repleta.

Desta tríplice perspectiva, o Coração Imaculado de Maria é todo de Jesus e tem vínculo tão indissolúvel com o Coração do Filho de Deus que essa união consuma os dois numa espécie de unidade; consummati in unum.

O Coração material de Jesus veio todo inteiro do coração virginal de Sua Mãe, que proporcionou ao Verbo encarnado a substância da Sua humanidade e, por conseguinte, a substância do mais nobre e principal órgão desta humanidade adorável, que é o Seu Coração.

A fé nos ensina que o Pai celestial gerou no tempo, no seio da Virgem, Aquele a Quem gera eternamente nos céus, e que o Espírito Santo, Espírito de amor e de união, operou o inefável mistério da Encarnação do Verbo tomando a mais pura flor do sangue imaculado de Maria para formar dela o corpo adorável de Jesus.

Todos sabemos que o sangue e o coração formam uma unidade no corpo humano : o coração difunde o sangue por todos os membros para vivificá-los e o sangue volta a ele fielmente, como a seu primeiro princípio, para ser novamente difundido pelo corpo. O Coração Divino do Menino Jesus foi todo formado da substância mesma e da mesma substância da Virgem, Sua Mãe : se é obra do Espírito Santo, é igualmente obra de Maria, e pertence todo à Sua Mãe como ao Seu Divino Pai.

Se Santo Agostinho disse e pode dizer que ‘A carne de Cristo é a carne de Maria; caro Christi, caro Mariae’, com não menos verdade pode-se dizer também que não por efeito de uma confusão, mas em virtude de uma íntima união, o Coração de Jesus é o Coração de Maria e o Coração de Maria é o Coração de Jesus.

O Coração espiritual de Maria e o Sagrado Coração de Jesus, igualmente, fazem um só coração como consequência de uma indissolúvel união de espírito, de vontade, de sentimentos e de afetos. Diz-se que os primeiros cristãos tinham ‘um só coração e uma só alma; cor unum et anima una’ (At 4, 32); com quanto mais razão se pode e deve dizer o mesmo do Filho único de Maria e desta Sua Santíssima Mãe?

São Bernardo declarou, de si mesmo, que, sendo Jesus sua cabeça, então o Coração de Jesus é seu coração, e, portanto, ele ‘tem verdadeiramente um só coração com Jesus; ego vere cum Jesu cor unum habeo’. Com quanto mais verdade não pode dizer a Imaculada Virgem Maria : ‘O Coração de minha Cabeça e de meu Filho é meu coração, e não tenho com Ele mais do que um mesmo coração’!

Por isto ela disse um dia à sua querida filha e serva Santa Brígida :

‘Saibas que amei o meu Filho tão ardentemente, e que Ele me amou tão certamente, que Ele e eu éramos um só coração; quasi cor unum ambo fuimus. Meu Filho era verdadeiramente para mim como o meu coração; quando Ele sofria, era como se o meu Coração sofresse suas penas e tormentos. Sua dor era a minha dor e Seu Coração era o meu Coração’.

Isto mesmo ensinou por sua vez Nosso Senhor à mesma Santa Brígida quando, aparecendo-lhe um dia e conversando familiarmente com ela, assim lhe disse :

‘Eu, que sou Deus e Filho de Deus desde toda a eternidade, fiz-me homem no seio da Virgem, cujo Coração era como o meu Coração : e, por isto, pode-se dizer que minha Mãe e Eu operamos a salvação do homem com um mesmo Coração’.

Assim, pois, o Coração da Santíssima Virgem e a sua alma imaculada, impecável, perfeitamente santa, humilde, doce e obediente, formava uma só coisa com o Coração e a alma do seu adorável Filho.

 

Finalmente, deve dizer-se com precisão ainda mais absoluta que o Coração divino e eterno de Jesus, que é o Espírito de Amor e o próprio Amor, era verdadeiramente o Coração divino de Maria e o princípio único de sua vida, de seus pensamentos, de seus afetos e de todos os seus movimentos.

O Espírito Santo, que em nós é o Espírito de Jesus Cristo, Spiritus Christi (Rm 8, 9), sendo-o em plenitude na alma da Santíssima Virgem, a unia de maneira tão perfeita e divina a Jesus, e por Jesus ao Pai Celestial, que esta união, que é a graça, a alegria e a coroa da Mãe de Deus, constitui um mistério insondável em cujas santas profundezas somente Deus pode penetrar, e no qual São Boaventura via ‘algo infinito’. Assim, pois, o Coração de Maria e o Coração de Jesus são um só no Espírito Santo. Oh, sejam também um só em nosso amor e em nossas homenagens!

Sim, Jesus é o coração e a vida de Sua bem-aventurada Mãe; e lhe comunica a Sua vida divina com tal superabundância que é até impossível comparar esta vida de Jesus em Maria à vida de Jesus em Seus maiores Santos e em Seus mais exaltados Anjos. ‘Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim’ (Gl 2, 20). ‘Eu vivo, diz-nos do alto do céu a Rainha dos Anjos e dos Santos, a Mãe da vida, a celestial Mãe de Deus; eu vivo, mas já não sou eu, é meu Filho, meu Senhor e meu Salvador quem vive em mim. Vive em minha alma, em meu corpo, em todas as potências da minha alma e em todos os sentidos de meu corpo’.

Jesus está inteiramente vivo em Maria; tudo o que é comunicável em Jesus vive em Maria : o Seu Coração vive em seu Coração, a Sua alma em sua alma, o Seu espírito em seu espírito.

O que Deus uniu, o homem não separe’, disse Nosso Senhor (Quod Deus conjunxit, homo non separet; Mt 19, 6). Havendo Deus, em Seu plano divino, unido intimamente Jesus e Maria, o Coração do Filho e o Coração da Mãe, não os separe ninguém em seu próprio coração. Ao adorar o Coração de Jesus, veneremos e bendigamos o Coração de Maria; e ao tributar esse culto de hiperdulia ao Imaculado Coração da Mãe de Deus, tributemos ao Sacratíssimo Coração de seu Filho o culto de latria, ou seja, de adoração propriamente dita, que lhe devem o céu e a terra. No céu continuaremos eternamente este duplo culto em união dos anjos e bem-aventurados. Que alegria será bendizer ali a Jesus e Maria, contemplá-los face a face, sentir o nosso coração junto ao Seu Coração e inebriar-nos de Seu santo Amor!

Ó Coração Sacratíssimo de Jesus, tende piedade de nós! Cor Jesu Sacratissimum, miserere nobis! Ó Coração Imaculado de Maria, rogai por nós! Cor Mariae Immaculatum, ora pro nobis!’

           
Fonte :

Traduzido da obra de Monsenhor De Ségur, ‘El Sagrado Corazón de Jesús’, págs. 169-174. Casa Editorial de Manuel Galindo y Bezares, 1888.

terça-feira, 27 de junho de 2017

Clausura cartuxa : uma vocação que estarrece e choca o mundo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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‘Não é possível, sem a ajuda de uma graça especial, procurar definir o espírito de uma das grandes Ordens da Igreja, cujos interesses são os interesses de Deus. Nenhum homem está à altura de falar sobre eles – e a tarefa se torna ainda mais difícil quando essa Ordem é contemplativa, fiel há nove séculos à sua clausura rigorosa. A sua vida secreta, para se revelar, precisa de uma resposta interior. Para falar da vocação cartuxa, seria preciso, acima de tudo, tê-la seguido até à perfeição : e é com vergonha de ter feito tão pouco que escrevemos estas linhas.

Por mais que se pretenda exprimir a intenção que anima a vida dos cartuxos e das suas religiosas, devemos fazê-lo nos termos mais simples. As nossas almas são esposas de Jesus Cristo se respondemos ao seu chamado : o nosso ideal é fazê-lo e viver unicamente em união com Ele. Esforçamo-nos por atingir este fim pela vida sacramental e litúrgica, pela oração, pela obediência, pela mortificação e pelo esquecimento de nós próprios, na solidão e segundo os costumes da Ordem cartuxa. Sabemos e sentimos, na medida em que Deus o quer, que Ele está desejoso de completar sem demora esta união dos espíritos e dos corações, desde que afastemos os obstáculos. Estes obstáculos reduzem-se a um : o apego a nós próprios, de que só o amor divino pode libertar-nos.

Esta definição é certamente elementar : muitos estranharão encontrar nela tão pouca doutrina e tão poucas características específicas. Contudo, esta simplicidade é necessária : é a primeira característica da espiritualidade cartuxa, e lamentamos ter de explicar estas palavras, pois não acrescentaremos nada à sua substância e receamos até enfraquecê-las com o comentário.

Os monges e as religiosas cartuxas, ocupados em servir a Deus nos seus eremitérios, nunca formaram uma escola nem se agruparam à volta do nome de um mestre : não têm nenhum autor célebre cuja obra fixe as linhas do seu desenvolvimento espiritual e lhe dê a forma que há de ser depois imitada. Mas não é só pela sobriedade das formulações teóricas que parece ter ficado reservado um lugar para um impulso silencioso do espírito; a virgindade é uma característica essencial da espiritualidade cartuxa : tudo, nesta Ordem, protege a vida espontânea da alma e a reserva para Deus.

É este o sentido da solidão, a que nós observamos, e que tanto impressiona os estranhos. Abandonamo-nos a Deus e é unicamente d’Ele que nos esforçamos por viver. Esta solidão, no seu aspecto social, é de resto suavizada pela regra :   entre nós relações de família; estamos unidos uns aos outros por uma profunda amizade, como irmãos e irmãs da mesma ordem. No entanto, estas relações e esta amizade só têm sentido na medida em que nos podem ajudar na fidelidade à solidão, medindo-a pelas nossas forças e pondo-a à prova para que ela não perca o seu caráter sobrenatural. Estar só, em certo sentido, é morrer para o homem : é por isso que, muitas vezes, depois de o terem tentado, alguns o consideram um empreendimento desumano. Contudo, a alma foi feita para Deus, e qualquer outro objeto fecha o coração e o espírito dentro de limites que o asfixiam. Privá-la da solidão, como o mundo parece atualmente determinado a fazer, é fazer-lhe uma violência que, com mais propriedade, se pode chamar desumana. A solidão com Deus é um ideal a que todas as almas devem tender : o claustro apenas o atinge num movimento mais decidido e mais direto. Na verdade, não há outra companhia além de Deus : o coração que não a descobriu passará ainda por muitas provas e só no caso de se conservar leal é que atingirá essa evidência, não com tristeza resignada, mas com profundo júbilo.

A vida cartuxa também se define pela sua atividade interior : esta Ordem é, dentro da Igreja, a que mais totalmente se dedica à contemplação. Esta palavra parece ter uma singular virtude, que fascina uns e inquieta outros. Criticou-se já o seu emprego, de resto antiquíssimo : não é verdade que há homens incapazes de ‘ver’, de ‘contemplar’ interiormente seja o que for, por mais zelosos e religiosos que possam ser? Devemos responder, em nossa opinião, que esta palavra foi escolhida providencialmente para designar a atitude de uma alma-esposa, ainda que ela esteja longe de estar inundada de luz. Os espíritos que amam a verdade divina a contemplam, e esse ato deve ser o único que a alma bem-aventurada fará no céu. Mas esse aprendizado, aqui na terra, se faz no meio do sofrimento e das trevas da fé : é por isso mesmo que ela é sacrifício, purificação eficaz e testemunho insigne de caridade. Pode-se contemplar nas tribulações e na aridez, no trabalho e nos cuidados com o próximo, e até mesmo nas tentações e nas distrações involuntárias; a única coisa que importa é que a alma se mantenha voltada para o Senhor invisível e opere de acordo com esse olhar. A experiência do amor deve levá-la a entender o valor que ela dá à contemplação do seu objeto, tanto nas trevas como na luz, e o puro pressentimento da visão que anima a sua fidelidade : na verdade, é-se contemplativo na medida em que se ama.

Que este esforço pode ser coroado já nesta vida por uma perfeita união com o Esposo, acreditamos firmemente, pois, na verdade, nada se interpõe entre Deus e a alma. Mas essa união é, por sua natureza, secreta : ela implica o respeito do silêncio em que o Espírito a prepara e mantém.

O segredo é, de resto, uma das características de toda a vida cartuxa : monges e freiras encontram nele o fresco refúgio em que germinam as flores eternas. Como passamos na igreja uma parte das horas noturnas, esforçamo-nos por santificar por meio da oração o coração da noite; assim, a nossa existência, longe dos olhares do mundo, imita a vida oculta do Senhor, a que Ele viveu no seio de Maria e durante os trinta anos que prepararam a salvação do mundo. Abandonando uma sociedade em que cada um, como é natural, procura aparecer, os cartuxos e as religiosas cartuxas esforçam-se por desaparecer, esperando que a verdade aceite esta prova. Um dos patronos da nossa Ordem, cujo nome vem incluído na nossa fórmula de profissão, é João, o Precursor, o profeta solitário que procura apagar-se para que brilhe aos olhos de todos a luz do Verbo.

O papel da mulher, em particular o da virgem, como já foi observado mais de uma vez, compreende de século para século uma viva afirmação de pudor : ela sente a si própria como um véu que protege essas reservas sagradas que se devem conservar puras, para que nunca sequem na terra as fontes da vida e da beleza; isto é verdadeiro num sentido muito especial para as virgens enclausuradas e consagradas, que se cobrem com um véu à imitação de Maria, para guardar e alimentar dentro de si a vida divina. É por isso que as nossas monjas não parecem ter-se ligado à nossa Ordem por mero acaso, mas sim por uma disposição providencial, para que o espírito desta mesma Ordem fosse claramente manifestado nas suas características essenciais e para que a nossa resposta à mesma vocação fosse para nós um mútuo encorajamento, uma confirmação recíproca da graça comum pela qual nos sentimos gratos para sempre.

Não se poderá esconder, num esboço do ideal cartuxo, a presença constante da cruz : abandonar o mundo é doloroso para o coração; a solidão, por mais preciosa que seja por si, é um sacrifício quotidiano para a nossa natureza pecadora; a obediência, a pobreza, por mais sabiamente proporcionadas que estejam com as forças humanas, não podem ser aceitas e vividas sem uma agonia da vontade própria. Se o entusiasmo do amor não acende na alma uma fagulha de heroísmo, não se aceitarão por muito tempo estes deveres de padre cartuxo ou de irmão converso, nem os de esposa ou de mãe espiritual. Eles pressupõem que foi ouvido o chamamento de Cristo : ‘Se alguém me ama, tome a sua cruz e siga-me’. Não há verdadeira vida interior sem uma paciência infinita, e, se a vida do convento não é uma vida interior, é um cativeiro singularmente infeliz. A graça não há de faltar a quem quiser ouvir esse chamamento, mas, se não houver uma fidelidade quotidiana, toda a graça será estéril e perdida.

As dádivas mais puras do Espírito, os dons da fé, da intuição e da união, que são alegria, têm, contudo, necessidade da solidão, do silêncio e da cruz : a sua realidade se desvanece numa vida demasiado cômoda, assim como numa expressão demasiado fácil. A reclusão austera e os sofrimentos que comporta são bem-vindos para o contemplativo : quando lhe faltam, a alma tem a consciência de que perde um amparo precioso e que lhe seria prejudicial ver-se privada dela durante muito tempo.

Não insistiremos mais sobre este aspecto da nossa vida : a vida cartuxa é uma escola de paciência. Exercida em união com Cristo, na submissão à regra e na fidelidade à solidão, a paciência purifica a alma, vai gastando lentamente o amor-próprio e nos obriga a entregarmo-nos a Deus. O nosso Ministro Geral, D. Inocêncio Le Masson († 1703), diz que a cartuxa é ainda uma escola de caridade (no estilo do seu século, ‘uma academia de caridade’) : este ponto é, de fato, o centro da nossa comunidade religiosa, o seu princípio e o seu fim. Os sacrifícios de que acabamos de falar, o abandono e a renúncia, têm como única razão de ser a caridade que manifestam, como vem declarado nos nossos Estatutos.

A única coisa que se faz nos nossos conventos é amar a Cristo com todas as nossas forças: sabemos que a abundância deste divino amor nos será dada se formos fiéis e se derramará sobre todas as almas que dele necessitarem. Não há um único cartuxo que não se considere, neste sentido, missionário; não há nenhuma virgem cartuxa que não tenha o sentimento da sua maternidade espiritual e não possa dizer com Cristo : ‘O Espírito do Senhor repousou sobre mim; pelo que me ungiu para evangelizar os pobres, me enviou a sarar os contritos de coração, a anunciar aos cativos a redenção e aos cegos a vista, a pôr em liberdade os oprimidos, a pregar o ano favorável do Senhor e o dia da retribuição’ (Lc 4, 18-19).

O ofício divino e o canto coral são a expressão do amor que a própria Igreja, Esposa de Cristo, nos põe na boca, encarregando-nos oficialmente das suas declarações, dos seus juramentos e dos seus louvores. A caridade que deve ser a vida do claustro se manifesta, por outro lado, entre os membros do mesmo mosteiro tanto por um esforço contínuo de delicadeza e de compreensão quanto pela comunhão dos corações saciados na mesma fonte. Este ideal nem sempre é atingido na sua perfeição : no entanto, é realizado de modo mais constante do que o mundo julga, e a fraternidade monástica, sóbria de expressão, alimentada de silêncio, é um amparo precioso para a alma na sua peregrinação interior.

Parece-nos, muitas vezes, que as pessoas do século, entre as quais se fala de amor e de amizade, poderiam tirar proveito da experiência das nossas comunidades : na verdade, nenhuma afeição pode perdurar se não for garantida por uma vontade quotidiana e pela prática da renúncia, que lhe permite encarar de boa vontade todas as dificuldades; nenhum amor poderá viver se não estiver pronto a sacrificar até as suas próprias alegrias. Quem não reconhece estas verdades não sabe amar como se ama na cartuxa – e não acreditamos que saiba amar em qualquer outro lugar.

Inocêncio Le Masson, que faz da cartuxa ‘uma academia de caridade’, vê também nela o que parecerá talvez ainda mais estranho : ‘uma academia de liberdade’. Basta, no entanto, ter a experiência de um noviciado cartuxo para saber que a primeira impressão é a que está reduzida no salmo 123 : ‘O laço foi quebrado e nós ficamos livres’. O espaço interior, na verdade, é infinitamente mais vasto que aquele que nos rodeia : o que mantém o homem cativo é o amor ansioso pelos bens transitórios, a ambição estreita, a preocupação paralisante com o que os homens podem dizer ou pensar de nós; numa palavra, o amor-próprio em todos os seus aspectos. A resolução sincera de acabarmos com as suas exigências, de passarmos a tratar-nos com sábio desprezo, com justa ironia, é comparável ao levantar de um peso sob o qual mal podia bater o coração. Os votos não fazem mais do que romper as amarras. O caminho da liberdade não é o dos êxitos exteriores : pelo contrário, desce até ao mais secreto da alma, até ao fundo divino em que o espírito está atento à verdade que nos liberta (Jo 8, 32). Esta liberdade se desenvolve; é como uma descoberta sempre nova, à medida que cresce a intimidade com Deus, à medida que ela reconhece a sua presença imediata e lhe permite viver nela.

Deus é mais amável do que se pensa e mais fácil de conhecer do que se julga. Amá-lo e conhecê-lo são duas graças intimamente ligadas : não se faz nenhum progresso no amor que não torne mais firme a certeza em que se baseia o equilíbrio e o voo do espírito. Amar e contemplar na solidão cartuxa leva a alma a esquecer-se cada vez mais de si própria, até que a transparência do espelho interior permita que Deus se reproduza e repouse nela completamente. Terá sido então cumprido o grande mandamento : ‘Dai a Deus o que é de Deus’; isto é tudo. As perguntas e as respostas se baseiam num cântico único de louvor, a união é consumada em silêncio para além das nossas medidas; a esposa pertence ao esposo : a liberdade foi conquistada.

Possa o Espírito ser ouvido melhor! Que os corações generosos sigam Jesus sem medo do deserto! E que os que ousaram fazer este esboço do ideal cartuxo, ajudados pelas orações dos seus leitores, possam vivê-lo mais fielmente, para a sua própria salvação e de todas as almas. ‘Venite et bibite, amici : inebriamini, carissimi!’ – ‘Vinde, amigos, e bebei na fonte, embriagai-vos, caríssimos!’ (Ct 5, 1).’

           
Fonte :

Extraído de ‘Intimidade com Deus’, por um cartuxo anônimo, via blog A Grande Guerra

segunda-feira, 26 de junho de 2017

No areal... o céu brilha com estrelas

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo do Padre Daniel R. Nardin,
Missionário Comboniano


‘Escrevo de Trujillo, no Peru. Não tenho ouro nem prata, apenas o choro de uma criança recém-nascida, ou o olhar sereno de quem acredita na vida, ou o entusiasmo da jovem que é confirmada e quer ser catequista, porque ama a Deus no seu próximo, ou a misericórdia infinita de D. Elena, que, apesar de ter uma família numerosa, arranja sempre espaço para acomodar quem chega cheio de problemas e tristezas.


O deserto florescerá

Encontrar vida nos recantos mais impensáveis do bairro El Porvenir em Trujillo, onde reina o mercado da vida e da morte, é apenas uma questão de estatísticas, em que o crime e a violência parecem ser os únicos protagonistas, uma vez que o que fascina é somente o território dominado, o dinheiro movimentado, o poder que um tem sobre a vida e a morte, e onde quem não tem nada para fazer e está num canto sem dinheiro acaba alistado e treinado num ou noutro bando de criminosos.

Encontrar perspectivas nesta terra é sempre um esforço enorme. Mas mesmo o deserto floresce, e eu sou testemunha. Basta o orvalho, uma chuva passageira, e também o deserto de El Porvenir fica verde, brota.

Sim, também estes areais, onde as balas atravessam entre o ombro e pescoço e o ferido não grita : abre desmedidamente os olhos, agarra-se à garganta e expira... onde há iniciação na atividade do homicídio, do ataque com arma branca, depois de ter vitoriosamente adestrado nas etapas básicas do armazenamento das armas da organização, do agir como observador, do espiar as vítimas e praticar pequenos furtos e assaltos. O móbil é sempre o dinheiro. O que interessa é exibir riqueza.

Mas também El Porvenir refloresce continuamente. Existem rasgos de vida, tais como a escrita trêmula da criança que começa a aprender a lidar com o lápis e tenta desenhar redondamente as suas letras imitando os adultos; os sussurros das senhoras que aprendem a cozinhar, para ultrapassar a pobreza, dar vigor à vida diária da família, procurar alternativas para os seus filhos; os doentes na solidão e no desespero que aprendem a sorrir e te abraçam e dizem obrigado…

A estrela polar que me guia neste momento é Maria Estela, com os seus olhos apagados pela cegueira no final da sua vida, com tanto sofrimento e tanta fadiga quanto experiência, mas também com tanta vitalidade e serenidade nesta hora suprema.


Companheiros de viagem

Nestes 32 anos que levo no Peru, descortinei as experiências de vida mais belas e as mais absurdas, as mais complicadas e as mais doces, em que a beleza, a fantasia e o amor se misturam com a violência, o desprezo e o delírio. E tudo nos apanha sem que o procuremos, sem programação e com todo o seu realismo. Retira-nos o tapete, inquieta-nos e provoca em nós algum tipo de reação.

Vejo-me no meio de lutas em que as facas passam de mão para mão com a velocidade de um raio; sou testemunha de homicídios quando vou em transportes públicos para chegar à paróquia; carrego nos sapatos a areia que piso e encontro-a também no cálice da Eucaristia nos dias em que há vento; recebo o abraço de uma avozinha que, com 96 anos, enfrenta toda a sua família que aderiu a um grupo religioso e lhes exige que chamem o padre católico, porque quer confessar-se e receber os santos óleos. Recordo os seus olhinhos quase cegos, a sua voz sumida, a força com que me agarrou a estola, as suas palavras de despedida para agradecer-me e, por fim, o seu encontrar-se no abraço de Deus. Tudo isso me confunde e complica a vida, me entusiasma e me obriga a estar com eles.

O Papa Francisco ensina-nos que acompanhar significa estar com o próximo continuamente. Quem acompanha dá sempre o primeiro passo, toma a iniciativa sem medo, aproxima-se de todos, encontra, chega primeiro às encruzilhadas da vida, põe-se de joelhos, encurta distâncias, toca a carne dorida do povo, está permanentemente disponível para o outro e celebra cada pequena vitória, cada passo em frente, ainda que incerto.

Acompanhar é desejar um «bom-dia» a quem encontramos na rua; é oferecer um sorriso a quem vem ter conosco; é querer saber da saúde do amigo: «Como está? Melhor?», é dar um aperto de mão ou um afago; é fazer o impossível pelo outro e, quando não há mais nada a fazer porque a vida se escapa, faltam as forças, a respiração se torna pesada, os medicamentos já não ajudam... é estar ao lado sem desistir, acariciar, abraçar, beijar, dizer : «Amo-te, não tenhas medo. Eu estou aqui contigo. Sê forte, como foste para Isaías

Estou aqui, entre e com estas pessoas, com as crianças de 5 anos que aprendem a escrever e a sua ardósia é o asfalto da estrada, e o giz é um pequeno pedaço de gesso encontrado na escola. Estou próximo de Emiliano, que já sabe ler. E de Jhonel, o terrível, que aprendeu a escrever o seu nome e agora escreve quase todas as palavras, embora algumas com erros ou de pernas para o ar, e se ri às gargalhadas sempre que desenha um nome, uma palavra, unindo as letras e o seu coração na alegria.

Estou aqui com Maria Paola, enfermeira, acompanhando-a, já que, há dias, num acidente com um carro e um caminhão, os seus dois filhos, de 13 e 17 anos, morreram, enquanto a terceira, a mais nova dos três, está em coma. A única que se salvou foi ela… porque não estava no carro. «Será que Deus me castigou?», continua a perguntar-me.

E José, que vai casar ao fim de um longo caminho de fé, que, finalmente, se encheu de luz, depois de ele dizer o seu «sim» àquela jovem magra, que parece mais jovem do que é. Já se sabe, o amor cresce despercebido.


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Igreja em saída

Às vezes, a abundância de trabalho obriga-me a olhar a realidade que me rodeia com os olhos bem abertos. Então, vivo do que vejo, sinto-me, finalmente, «Igreja em saída» e, sobretudo, com «cheiro a ovelha», tratando, por um lado, de afugentar os lobos e procurando orientar este pequeno rebanho (as outras 99 ovelhas estão fora), e estar atento aos que vêm pedir ajuda e compaixão, por outro. É neste espírito que me envolvo nas situações mais bizarras e disparatadas, desejando abrir caminhos no deserto para Deus que se faz próximo do seu povo.

Guardo a história de um rapazinho da periferia mais extrema – dos últimos dos últimos –, onde a vida não vale nada, que me remexeu o coração. Há muito tempo, ele vinha à missa e à catequese com os outros. Até que deixou de comparecer. «Não o deixam vir», diziam-me os seus colegas. E ele é um rapaz inteligente, vivaço. Na sua ausência, por vezes, víamo-lo rondando o local da reunião com a desculpa de comprar algo. Um dia, voltou e participou na missa com o seu pequeno grupo. E contou-nos a novidade : tinha sido batizado numa lagoa das proximidades como membro de um pequeno grupo evangélico. Mas disse : «Aqui está-se melhor.» Senti compaixão... e vontade de me comprometer mais. Situações como esta são muito delicadas, e devem ser encaradas com sabedoria.

Para nós, comunidade de missionários combonianos, e para a comunidade cristã, estamos a entrar numa época de sacramentos. Haverá grandes celebrações, como as primeiras comunhões das crianças – não sabemos se bem maduras, mas, sem dúvida, ansiosas por encontrar-se com Jesus, pão de vida e caminho de esperança, ou o crisma de alguns jovens, que não são numerosos, mas que concordaram com ser confirmados na fé de Jesus.

E estamos a encerrar o ano letivo, mas a abrir os ATL de Verão para crianças, jovens e adultos, a fim de não os deixar nas garras dos lobos, ou polvos, porque, sempre que ficam nas ruas, entregando-se ao ócio ou aos vícios, acabam num gangue. E acompanhamos as crianças da escola especial e aos seus papás, que os querem protagonistas das suas vidas.

O meu coração ferve, queima. Mas não pode ser de outra maneira, com todo este mundo no areal à frente dos olhos.

E as estrelas? Elas sorriem no céu de Trujillo e piscam o olho à vida.’

           
Fonte :


sábado, 24 de junho de 2017

Aprendendo com as perdas

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

A prática da meditação, bem orientada, é a melhor substituta para os tranquilizantes.
*Artigo de Evaldo D´Assumpção,
médico e escritor


‘Em nossa sociedade essencialmente capitalista e desvairadamente consumista, muito bem definida pelo sociólogo Bauman como ‘Modernidade Líquida’ pela rápida fluidez com que as coisas acontecem, ocorrem muitas perdas, e a elas acompanham o sofrimento e o luto.

Dentre as causas mais frequentes, cito os veículos de transporte cada vez mais rápidos (mesmo com o limite legal sendo em torno de 110km/h, carros são fabricados com potência suficiente para impulsioná-los a mais de 200km/h), provocando acidentes cada vez mais catastróficos, ceifando vidas de crianças e adultos. Cito as numerosas e tentadoras ofertas de bens de consumo, cada vez mais sofisticados, mas também cada vez mais frágeis e voláteis; cito a alta rotatividade dos empregos, criando uma multidão de desempregados; cito as redes sociais e os meios de comunicação portáteis, onde amizades se formam com a mesma velocidade com que são desfeitas por um simples toque no botão ‘delete’; cito as uniões afetivas, antigamente sólidas pelo compromisso matrimonial, hoje fragilizadas pelas novas e variegadas formas, quase sempre já definidas, ‘ab initio’ como ligações não definitivas.

Delas, citadas somente como exemplos, pois existem muitíssimas outras, resultam as perdas pelas mortes acidentais ou pelas mutilações incapacitantes; resultam as decepções pela perda, seja por roubo, por processos jurídicos, ou pelas falências; resulta a perda da saúde, levada por doenças malignas; resultam as perdas de amigos, afinal nem tão amigos assim; resultam as perdas pelas separações oficiais ou oficiosas. Ou seja, quanto mais se acumulam bens, mais se tem o que perder, e mais perdas ocorrem ao longo do tempo, cada uma mais dolorosa que a outra. E a cada perda, dependendo do grau de apego que se tem à pessoa, cargo ou objeto perdido, maior será o sofrimento, mais doloroso será o processo do luto que sobrevém a todas elas. Por isso mesmo, afirmam os observadores e estudiosos do comportamento humano, vivemos numa sociedade doente, infeliz, repleta de trapos humanos travestidos de gente bonita, elegante, festiva em sua casca, mas mergulhada nos vícios, no álcool, nos psicotrópicos, nas drogas alucinógenas, e quase sempre dependentes de psicólogos e psicanalistas para, com frequência mascarar as suas dores e suas frustrações.

Tanto na cirurgia plástica, que exerci por mais de 30 anos, e especialmente na biotanatologia que paralelamente exerci acolhendo pessoas enlutadas, quase sempre pela morte de um ente querido, lidei com perdas, as mais diversas. E com essas atividades aprendi a lidar com o luto, expressão psicofísica das perdas acontecidas, e capaz de ser trabalhado para alcançar a sua assimilação, e quase sempre a sua superação, desde que adequadamente elaborado. Fruto desse trabalho, publiquei os livros ‘Sobre o Viver e o Morrer’ e ‘Dizendo Adeus’.

Nessa atividade aprendi que o processo do luto, numa evolução bem conduzida, dura em média dois anos. Basicamente refiro-me ao luto pela morte de uma pessoa querida, contudo todos os demais seguem caminhos semelhantes, com pequenas variações que, se bem elaboradas, permite a sua superação. Didaticamente pode-se dizer que o primeiro ano é bem mais intenso e doloroso, passando por quatro estágios. O primeiro, durando de 15 a 30 dias, é quando a endorfina liberada protetoramente pelo organismo deixa a pessoa um tanto adormecida, como se não entendesse o que ocorreu. O segundo, ocupa os dois ou três meses seguintes, quando os amigos que lhe deram apoio nos primeiros dias voltam, necessariamente, às suas atividades normais – pois a vida continua – e o enlutado passa a encarar, sozinho consigo mesmo, a perda acontecida. É certamente o período mais sofrido, pois o vazio com que irá se deparar é por demais doloroso, levando alguns a cometerem o erro de tentar preenche-lo logo, e de qualquer forma. Agravando o quadro, surgem sentimentos de culpa, com a terrível pergunta : ‘o que foi que fiz para que isso acontecesse?’ E ainda : ‘e se eu tivesse agido diferentemente?’ E outra ainda pior : ‘por que isso aconteceu logo comigo? E logo agora?’ Para enfrentar tais dilemas, é essencial encontrar uma pessoa, um profissional ou um conselheiro capaz de lidar com essas situações, para que o enlutado não se deixe dominar pelo papel de culpado, tampouco pelos sentimentos de autocomiseração. O momento é de lutar para assumir a condição de sobrevivente, coisa que sozinho dificilmente alcançará. Uma boa orientação é : ‘faça tudo aquilo que o seu coração mandar, desde que não seja nada imoral, ilegal ou danoso para si próprio ou para os outros’. Tampouco deve ser precipitado, querendo queimar etapas, tomando atitudes sem amadurece-las e certificar-se de que são realmente apropriadas. É bom lembrar-se de que ‘não se deve apressar o rio, pois ele corre sozinho.’ E ter muito cuidado com os maus conselheiros, os moralistas de plantão, os que cobram atitudes, mas pouco ou nada fazem para realmente ajudar o enlutado.

Passando essa fase, o enlutado começa a vislumbrar uma luz no fim do túnel e os próximos meses terão altos e baixos, momentos bons e recaídas. Mas tudo faz parte do processo. A persistência e a paciência são soberanas. Buscar apoio na espiritualidade é um dos caminhos mais sábios, desde que não se deixe levar por fanatismos e proselitistas. A prática da meditação, bem orientada, é a melhor substituta para os tranquilizantes. E entrando no segundo ano, cada um no seu próprio tempo irá descobrindo a importância e a alegria do viver, ocorrendo naturalmente a aceitação do que aconteceu. E o mais significativo : verificará que as perdas seguidas de um luto bem elaborado, tornam-se na melhor escola de vida, e de vida com qualidade. Aprenderá então a lição mais importante : não existem ganhos sem perdas, tampouco perdas sem ganhos.’

           
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sexta-feira, 23 de junho de 2017

João Batista, o glorioso

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo do Padre Geovane Saraiva,
Pároco de Santo Afonso de Fortaleza, CE,
e vice-presidente da Previdência Sacerdotal


‘Lembrado como uma pessoa que viveu com muita seriedade e com muito rigor, na austeridade e na penitência, João Batista é defensor da verdade e da justiça, prometendo tempos bons e o futuro tão esperado pela humanidade. Figura humana, ungida e santa, segundo o Livro Sagrado, é aquele que, ainda no seio materno, exultou com o Salvador da humanidade que estava para chegar. Seu nascimento trouxe grande alegria, não só pela esterilidade de seu pai, Zacarias, que se transformou em fecundidade, e o homem mudo passou a ser um profeta corajoso e exuberante (cf. Lc 1, 57s), mas como sinal e farol da realização das promessas redentoras, com tempos novos e messiânicos. O maior entre os nascidos de mulher ensine-nos, indignados, o valor do que é essencial à fé, diante do clamor por justiça e paz, dos empobrecidos de toda a terra.

João Batista preparou o povo para o início da missão pública de Jesus, dizendo, com todas as letras, que ele mesmo caminharia à frente do Cristo Jesus, anunciando que os sinais dos tempos chegariam e as promessas anunciadas por Zacarias estavam para se realizar. O seu vibrante convite foi o de acordar o povo do sono, muitas vezes profundo, para reconhecer o Salvador como o Sol que veio nos visitar; que temos que colocar na mente e no coração o nascimento do precursor, indicando-nos o caminho da solidariedade e da justiça, rumo à Cidade Santa, que é obra de Deus e das pessoas de boa vontade que aceitam o Seu projeto por João Batista anunciado.

O nascimento do maior de todos os profetas quer mostrar ao nosso mundo que não podemos nos cansar de dizer que a salvação chegou para todos e que a proclamação da verdade e da justiça indica tempos novos para a humanidade e assegura-lhe aquele futuro tão esperado. O filho do sacerdote Zacarias e de Isabel é também conhecido como aquele que mostrou o Cristo, o Cordeiro de Deus que tira o pecado mundo. Ele, grandioso aos olhos de Deus, não exerceu função sacerdotal, a exemplo de seu pai Zacarias, mas se tornou conhecido de todos por suas pregações e por seu convite à penitência, no bom desempenho das funções que Deus lhe confiou, anunciando um batismo de penitência para o perdão dos pecados.

Inspirados na figura de São João Batista, que possamos olhar o mundo, conscientes das marcas de profundas desigualdades sociais e econômicas, sem esquecer a dor e o gemido da realidade ecológica. Seu grande trunfo consistiu no anúncio da vinda do Salvador da humanidade. Sua vocação profética, desde o ventre materno, reveste-se de algo extraordinário, repleta de júbilo messiânico, ao preparar um ambiente favorável ao nascimento do Salvador da humanidade. Vida misteriosa, de tão bela, excelsa e maravilhosa, não podemos jamais esquecer o precursor. Numa jubilosa gratidão ao nosso Deus infinitamente bom, estejamos alegremente pasmados, pelo nascimento do glorioso São João Batista.’

           
Fonte :

Qual a origem da devoção ao Sagrado Coração de Jesus?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo do Professor Felipe de Aquino


‘A devoção ao Sagrado Coração de Jesus é muito antiga; os Padres da Igreja já falavam dela; tudo brota daquele Coração ‘manso e humilde’ que por nós foi transpassado pela lança do soldado Longuinho, na Cruz do Calvário. Dele saiu sangue e água, símbolos do Batismo e da Eucaristia, e também da Igreja, Esposa de Cristo, que nasce do lado aberto do novo Adão, como Eva nasceu do lado aberto do primeiro.

Após uma fase de eclipse, esta devoção ganhou novo impulso após as visões de Santa Margarida Maria Alacoque (1647-1690), difundidas por seu confessor São Claude de la Colombière (1673-1675). Era uma época difícil, onde havia uma heresia chamada Jansenismo, de Jansen, que pregava um cristianismo triste, onde poucos se salvavam, onde se disseminava um medo de receber Jesus eucarístico, etc.

Para eliminar essa tristeza Jesus mostrou seu Coração humano e misericordioso a Santa Margarida, como tábua de salvação para todos os pecadores que nele confiassem.

Santa Margarida Maria Alacoque foi uma freira que nunca transpôs os muros do seu convento das visitandinas de Paray-le-Monial da Ordem da Visitação de Santa Maria, instituição religiosa fundada por São Francisco de Sales (1567-1622) e Santa Joana de Chantal (1572-1641), morrendo antes de completar 45 anos, em 17 de outubro de 1690, sendo canonizada em 1920, pelo papa Bento XV. Recolhida, em profunda oração, pela porta do tabernáculo saiu uma espécie de vapor que foi se transformando na figura de homem que se encaminhou até ela e ali na sua presença abriu a túnica que lhe cobria o peito, lhe mostrando o coração em chamas inextinguível e lhe disse :

Eis aqui o coração que tanto amou os homens e pelos quais e tão mal correspondido pelo menos tu, filha minha, chora pelos que me ofendem, geme pelos que não querem orar, imola-te pelos que renegam e blasfemam contra o meu santo nome. Prometo-te na grandeza do meu amor que abençoarei os lares que neles me hospedem, que os que comungarem durante nove primeiras sextas-feiras seguidas, não morrerão sem receber os sacramentos da penitência e da Eucaristia.’

Depois de 150 anos de enormes dificuldades impostas especialmente pelos jansenistas e o terror da Revolução Francesa, em 1856, Pio IX instituiu a festa litúrgica do Sagrado Coração de Jesus, propondo, segundo a recomendação dos santos, a consagração do mundo ao Coração de Jesus. Duzentos anos depois que Santa Margarida pediu ao Rei Luís XIV a consagração da França ao Coração de Jesus, o grande presidente do Equador, Gabriel Garcia Moreno, consagrou seu país em 1873, ao Coração de Jesus.

Vários Papas incentivarem esta devoção através de encíclicas. Atualmente a festa do Sagrado Coração na sexta-feira após a festa de Corpus Cristi. Leão XIII na ‘Annum Sacrum’ (1899), deixou-nos a Oração para consagração ao Sagrado Coração. Pio XI na ‘Miserentissimus Redemptor’ (1928); Pio XII na ‘Haurietis aquas’ (1956); João Paulo II na ‘Redemptor Hominis’ (1979) e Bento XVI em carta ao Pe. Kolvenbach Geral da Comapanhia de Jesus, falaram da importância dessa devoção. Em 1872, Pio IX concedeu indulgências especiais aos que portassem o escapulário com a imagem do Sagrado Coração.

A piedade ligada ao Coração de Jesus está em união com a devoção ao Imaculado Coração de Maria. Muitos santos recomendaram esta devoção : São João Eudes, Santa Margarida Maria Alacoque, São Luís Grignion de Montfort, Santa Catarina Labouré e São Maximiliano Kolbe.


Numerosas foram às promessas do Sagrado Coração de Jesus sendo as mais admiráveis as seguintes :

1. Eu lhes darei todas as graças necessárias ao seu estado de vida.

2. Eu farei reinar a paz em suas famílias.

3. Eu os consolarei em todas as suas aflições.

4. Serei seu refúgio seguro durante a vida e sobretudo na morte.

5. Derramarei muitíssimas bênçãos sobre todas as suas empresas.

6. Os pecadores encontrão em meu Coração a fonte e o mar infinito da misericórdia.

7. As almas tíbias se tornarão fervorosas.

8. As almas fervorosas elevar-se-ão rapidamente a grande perfeição.

9. Abençoarei Eu mesmo as casas onde a imagem do meu Coração estiver exposta e venerada.

10. Darei aos sacerdotes o dom de abrandar os corações mais endurecidos.

11. As pessoas que propagarem esta devoção terão os seus nomes escritos no meu Coração e dele nunca serão apagados.

12. No excesso da misericórdia do meu amor todo poderoso darei a graça da perseverança final aos que comungarem na primeira sexta feira de nove meses seguidos.’

           
Fonte :


terça-feira, 20 de junho de 2017

Arcebispo no Marrocos: os imigrantes não têm nada

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)



‘Ele é um dos bispos mais familiarizados com a imigração. Ele mora no norte da África. Apenas 14 quilômetros separam sua diocese, no continente africano, da Europa, esta um lugar de esperança. Nesta entrevista, o arcebispo Santiago Agrelo, OFM, fala sem reter nada. ‘O Cristo de nossas celebrações eucarísticas não faz barulho… A verdade é que ele se torna tão pequeno que não prestamos muita atenção n’Ele’, diz.


As pessoas temem os imigrantes, e assim fecham seus portos e fronteiras. Estamos nos tornando desumanizados?

Os imigrantes não têm nada a temer. Qualquer um pode provar isso ao conhecer um imigrante.

Já nós, o que tememos é o que é diferente, desconhecido e, acima de tudo, o que foi deformado e demonizado em nossas mentes pela política e pela mídia.

Se não fosse identificar os imigrantes pelas características raciais de seus rostos, pela cor de sua pele, ou, quando são pobres – que é um tipo diferente de migrante – pela pobreza de suas roupas, ninguém diria que tem medo de imigrantes. Mas nos concentramos no que os torna diferentes, e esse elemento, aos nossos olhos, os desumaniza e os priva da sua intrasferível dignidade humana. Nós os reduzimos à categoria desumanizada de serem ilegais, indocumentados ou invasores.

E, quando os desumanizamos, nos desumanizamos também.


Em algumas cidades, as igrejas ficam abertas 24 horas por dia para os pobres, para os refugiados… e muitas pessoas reclamam da falta de higiene, do barulho, da segurança… O que diria a elas?

Conheci os habitantes das florestas ao redor das cidades autônomas de Ceuta e Melilha. Conheço a miséria, as doenças, as mutilações e as infecções sofridas por aqueles que aguardam a oportunidade de entrar no território espanhol. Conheço sua fome e sede, sua lamentável higiene, seus pés descalços nos caminhos da floresta, seus trapos de roupa, seus sapatos velhos, sua exposição aos riscos…

Se alguém souber sobre tudo isso, entende que um campo de refugiados, mesmo que seja um pântano, mesmo que não haja nada debaixo das tendas, mas um pequeno abrigo, uma refeição e água para beber e banhar-se é como chegar a um hotel.

Então, imagine o que uma igreja deve ser para eles : um palácio!

Eu entendo : o Cristo de nossas celebrações eucarísticas não faz barulho, não suja as coisas, não tem cheiro… A verdade é que Ele se torna tão pequeno que não prestamos muita atenção n’Ele. E, assim, quando Ele se apresenta como barulhento, sujo e mal cheiroso, não estamos acostumados a vê-Lo dessa forma, e não o reconhecemos. E se não O reconhecemos, é natural que protestemos.

Mas alguém deve explicar aos discípulos de Jesus que, enquanto o Cristo Ressuscitado não tem cheiro, não sangra, não come, não bebe e não precisa de água para banhar-se, Cristo Crucificado – o mesmo Senhor – tem cheiro, sangra, come, bebe e precisa de água para higiene pessoal. E devemos enfatizar que, para viver, o ressuscitado fica bem sem nós; mas o crucificado, para viver, precisa de nós mais do que nunca.

Quarenta e quatro migrantes são encontrados mortos no deserto – alguns deles são crianças. E você diz, ‘E há cristãos que pensam que este não é o Senhor!’. É verdade. Há cristãos que não veem Jesus nessas mortes…

Se nós, que nos chamamos cristãos, tivéssemos uma compreensão simples da vida e da fé, se tivéssemos uma visão clara para ver Cristo nas pessoas necessitadas, se nos sentíssemos obrigados a cuidar de Cristo nos pobres como fazemos para venerar Cristo na Eucaristia, então os pobres sofreriam muito menos e a Eucaristia seria muito mais honrada, venerada e adorada.


O senhor é um homem de esperança, e isso é demonstrado pelo que senhor faz e prega. Como pode conservar sua alegria diante de tal desolação?

Não sei como será no céu, quando tudo for aperfeiçoado. Aqui, a felicidade é condicionada ao que é imperfeito, o que é escasso, o que é inesperado…

Secar uma lágrima, curar uma ferida, aliviar o sofrimento, suavizar a fome ou a sede, vestir os nus, secar uma gota de suor, dar um abraço, fazer medos e tristezas recuarem ou perderem terreno… Estas são alegrias que nascem de quase nada, e elas permanecem em sua alma sob a forma de luz, paz e esperança.


Há ataques cada vez mais indiscriminados pelo Estado Islâmico. Qual é a sua perspectiva diante do fenômeno do terrorismo?

Dentro dessa questão, existem vários conceitos que podem parecer bem definidos, mas que realmente não são : ‘ataque’, ‘indiscriminado’, ‘terrorismo’… Não existe uma definição aceita de ‘terrorismo’ porque não existe uma definição possível que também não se aplica aos chamados países civilizados – os Estados Unidos da América em primeiro lugar.

Se, por terrorismo, queremos dizer ‘perpetrar o terror contra a população civil’, é óbvio que o terror sofrido pelos cidadãos dos países europeus é insignificante em comparação com o terror sofrido há muitos anos por países inteiros, como a Síria ou Sudão do Sul, e por um número escandaloso de países africanos.

O terrorismo legal é uma fábrica natural de terroristas ilegais.

E, embora as nações e os indivíduos, para resolver suas diferenças e problemas, continuem a recorrer à violência, este útero continuará a dar à luz pessoas violentas.

É uma questão cultural, e a Igreja é chamada a desempenhar um papel na criação de uma cultura não-violenta. A Igreja deve se tornar a portadora de uma mensagem clara : a violência, nunca.


Finalmente, como franciscano, como bispo e como ser humano, o senhor acha que somos melhores como uma sociedade do que há 100 anos?

Não sei se estamos melhor. Mas eu sei que estamos mais conscientes dos males que afligem a humanidade. Eu acredito que lemos o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo com maior simplicidade, e que Sua mensagem ressoa mais clara e puramente em nosso interior.

Eu acredito que o mundo irá respirar melhor se nós, que somos crentes, levarmos o Evangelho a sério. Creio que a alegria será multiplicada na medida em que os que aceitam o novo mandamento do amor também se multiplicam. O dever de criar uma sociedade melhor está em nossas mãos. É uma questão de amor.’

           
Fonte :