quarta-feira, 30 de junho de 2021

Mulheres cristãs no Paquistão enfrentam discriminação e pobreza

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo da Fundação AIS


‘A vida dos cristãos no Paquistão não é fácil. Como membros de uma minoria religiosa, frequentemente são vítimas de discriminação e exclusão social. A maioria dos cristãos pertence às classes mais pobres da sociedade. Muitos deles não possuem apoio jurídico e são ignorados pelas forças da lei e da ordem quando tentam defender seus direitos humanos. Para as mulheres cristãs então, essa vulnerabilidade é ainda maior e mais perigosa. Os relatos públicos de abuso sexual e casamentos forçados são cada vez mais numerosos, e o número real de casos é provavelmente ainda maior.

A fundação pontifícia ACN – Ajuda à Igreja que Sofre está apoiando um programa que visa capacitar jovens mulheres cristãs que vivem nessas circunstâncias extremamente difíceis. Muitas das jovens envolvidas no programa são estudantes ou domésticas nas áreas suburbanas de uma grande cidade paquistanesa.  Por preocupação com a segurança das jovens ou mesmo dos parceiros locais da ACN, a fundação de caridade não está revelando os nomes verdadeiros ou localidades, mas, no entanto, irá compartilhar algumas histórias dessas mulheres cristãs do Paquistão.

Uma das jovens, ‘Samia’, vive no norte do Paquistão com seus pais e quatro irmãos. O pai dela é operário e a mãe dela é dona de casa. ‘Como pertenço a uma família cristã, meus pais sempre me alertaram para nunca falar sobre diferenças religiosas com outras pessoas. Eles nos ensinaram a simplesmente suportar qualquer tipo de discriminação, uma vez que não temos influência, dado que estamos vivendo em um país muçulmano. Tenho medo de ser discriminada pelas leis; somos uma minoria e não temos apoio no Paquistão. Vivemos com ansiedade e pressão constante. Acreditamos que se tentarmos defender nossos direitos, seremos acusados de blasfêmia como já ocorreu no passado’, explica.

Graças ao meu envolvimento no programa de avanço das mulheres promovido pela ACN, estou mais fortalecida em minha fé. O programa nos ajuda a estar mais conscientes de nossas responsabilidades e nossos direitos. Eles estão nos encorajando a nos mantermos fortes e a lutar contra a discriminação e a conversão forçada, assédio e violência e a defender nossos direitos’, diz Samia, que tem 20 anos. O programa me encorajou a ‘trabalhar duro, para que nossa comunidade possa ter um futuro melhor’.

Outra jovem envolvida no programa, ‘Ashia’, é filha de um varredor de rua e ganha apenas 10.000 rúpias (cerca de 310 Reais) por mês. ‘Quando fui para a universidade, sofri muitos atos de discriminação por parte dos meus professores e colegas, e não conseguia me concentrar nos estudos’, explica Ashia, de 17 anos. Ela compartilhou suas dificuldades com uma amiga, que a encorajou a se envolver no programa da ACN. ‘Eu ouvi as sessões de aconselhamento e eles me deram uma nova esperança de poder lidar com minhas circunstâncias. Prometi a mim mesma que não lhes daria outra oportunidade de destruir meu futuro. Vou estudar muito e mostrar às pessoas que o Senhor está sempre conosco, que Ele nos dá força, nos guia e nos protege’, conclui.

Outro caso típico é o de ‘Shazia’. Como muitas jovens cristãs, esta jovem de 19 anos tinha grandes sonhos. O pai dela, um motorista de riquixá (meio de transporte em que uma pessoa puxa uma carroça de duas rodas com um ou dois passageiros), era a única pessoa que sustentava a família. Com muito esforço por parte de sua família, ela conseguiu estudar engenharia de software na universidade. Mas devido à crise financeira ela teve que abandonar seus estudos em seu segundo ano. ‘Comecei a trabalhar em uma fábrica para ajudar meu pai a sustentar a família. Eu ganhava entre oito e dez mil rúpias paquistanesas por mês (cerca de 300 Reais). Achei que esse era o meu destino e esse seria o meu futuro’, lembra. Até ser apresentada ao programa de apoio e avaliação profissional apoiado pela ACN. ‘Isso acendeu a centelha de esperança de que era possível fazer algo diferente em nossas vidas e conseguir trazer mudanças positivas, para tantos jovens desesperados como eu. A palestra motivacional me inspirou muito, e percebi que a educação é a única ferramenta e a chave para o sucesso. Tudo é possível se nos comprometermos de todo coração e enfrentarmos as dificuldades da vida com coragem’, diz Shazia agora.

Uma das participantes mais jovens do programa é ‘Nasreen’, com apenas 15 anos. Ela estava no nono ano de um curso de escola estadual quando a pandemia destruiu sua vida. Seu pai trabalha como diarista e o confinamento trouxe problemas financeiros, incluindo as taxas escolares ou o custo das aulas online na internet. O resultado de tudo isso foi que Nasreen não podia mais pagar seus estudos. Ela era a única mulher cristã na classe e teve de deixar as aulas online. ‘Fiquei muito magoada e chateada, mas não pude falar sobre isso com meus pais porque eles já estavam sofrendo muito por conta da situação financeira difícil da família’, lembra. ‘Não foi a primeira vez. Meus colegas me submetiam a constante discriminação e preconceito por causa de nossa religião. Eu estava completamente perdida e desesperada por causa do que estava acontecendo comigo’, explica Nasreen. ‘Então eu conheci a equipe que estava executando o programa da ACN e que estava oferecendo uma sessão para um grupo de meninas como eu. Eles nos explicaram que a formação era vital para poder crescer pessoal e espiritualmente’, diz.

O apoio moral e o incentivo que os cursos proporcionam são absolutamente essenciais para ajudar essas jovens mulheres cristãs, que muitas vezes se sentem sobrecarregadas e abandonadas diante de seu destino aparente.  ‘Sou muito grata à ACN por ter sido a fonte de uma mudança tão grande na minha vida. Por enquanto, a chama de fé e esperança está iluminando meu caminho e não vou deixá-la ser extinta por qualquer tipo de discriminação’, diz Nasreen.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/06/28/mulheres-cristas-no-paquistao-enfrentam-discriminacao-e-pobreza/

segunda-feira, 28 de junho de 2021

Etiópia: padre alerta para perseguição aos cristãos pelo extremismo islâmico

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo da Fundação AIS


‘É mais um relato da violência e crise humanitária na Etiópia. O padre Abiyot Desalegn afirma que há ‘centenas de mortos’ na região de Tigray, por causa do conflito entre forças governamentais e rebeldes nesta zona, situada a norte do país, mas afirma que ‘a crise já se estendeu a toda a Etiópia’. 

Em entrevista ao semanário católico da Diocese de Macau, o padre Desalegn [ele é pároco em Itang, junto à fronteira com o Sudão do Sul] denuncia também a existência de perseguição aos católicos por parte do Governo e pela Igreja Ortodoxa Etíope, e por grupos extremistas islâmicos. 

Uma vez que o Governo mantém uma relação especial com a Igreja Ortodoxa Etíope, outras denominações – em particular os católicos, os evangélicos e os protestantes pentecostais – são perseguidas tanto pelo Estado, como pela Igreja Ortodoxa’, diz o padre em entrevista ao semanário ‘O Clarim’, esclarecendo que ‘as pessoas que abandonam a Igreja Ortodoxa são alvo de pressões por parte da própria família e da comunidade, e enfrentam maus-tratos significativos’. ‘Se isto não bastasse, as igrejas podem ser impedidas de conduzir celebrações religiosas’, diz ainda. 

Outro grande fator de perseguição na Etiópia – acrescenta o sacerdote – é o extremismo islâmico, em particular na parte oriental e na parte meridional do País. ‘Os fiéis que se convertem ao Catolicismo, provenientes do Islã, correm o risco de serem assediados e oprimidos pela família e pelos vizinhos. Em algumas regiões, os cristãos vêm-lhes ser recusado o acesso a recursos comunitários e são alvo de ostracismo e discriminação. Por outro lado, alguns cristãos estão vulneráveis à violência quando extremistas islâmicos atacam igrejas e habitações.’

O padre Abiyot Desalegn descreve uma situação particularmente difícil para as mulheres cristãs que, diz, ‘correm o risco de serem forçadas a casar com não-cristãos e o que se espera é que assumam a religião do marido’. ‘Se uma mulher se converte ao Catolicismo numa área não-cristã, o mais provável é que seja forçada a divorciar-se pelo marido e, muito possivelmente, perde a custódia dos próprios filhos’, acrescenta.

A situação das mulheres nesta região da Etiópia merece uma particular preocupação por parte deste sacerdote. ‘É doloroso ver mulheres trabalhar dezesseis horas por dia, todos os dias, sem a possibilidade de partilhar a responsabilidade de tomar conta da sua família’, diz, traçando um retrato duro do dia-a-dia das populações locais, a quem falta quase tudo para uma vida digna. ‘Trabalho no total com nove capelas e nove comunidades, sendo que estas não têm água potável, não têm escola, não têm moagens, não têm eletricidade, não têm clínicas itinerantes. As pessoas adoecem com malária, não têm alimentos e as crianças não frequentam a escola. A vida é difícil tanto para os locais como para os refugiados. As pessoas pedem-me sempre que lhes ofereça alimentos e bebidas.’

Apesar de tudo, o padre Desalegn afirma que a Igreja está a crescer na região e que ‘há muita margem de manobra para a evangelização’, pois há muitos lugares ‘onde a Palavra de Deus ainda não chegou’. Uma situação que implica mais apoio ao esforço da Igreja. ‘Há muitas pessoas que necessitam da nossa presença, mas sem apoio financeiro é impossível. Pediram-me que abrisse novas capelas católicas em cinco lugares, mas sem apoio é difícil.

A Fundação AIS tem vindo a acompanhar com preocupação a situação que se vive na Etiópia, especialmente na região de Tigray, a norte do país, onde tem vindo a ocorrer uma intervenção militar particularmente agressiva por parte do exército federal e de forças aliadas da Eritreia. Em maio, a AIS dava eco da denúncia de um sacerdote, que por razões de segurança não podia ser identificado mas que falava em ‘fome e medo’ entre as populações, descrevendo um cenário de profunda crise humanitária.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/06/28/etiopia-padre-alerta-para-perseguicao-aos-cristaos-pelo-extremismo-islamico/

sexta-feira, 25 de junho de 2021

Há mais de 15 milhões de deslocados e a maioria é perseguida pela fé, diz ACN

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo da Redação Central da Aleteia


‘Há mais de 15 milhões de pessoas deslocadas no mundo, segundo a Pontifícia Fundação Ajuda à Igreja que sofre (ACN, na sigla em inglês). A maioria vive na África e sofre uma crescente perseguição religiosa pelos radicais muçulmanos e provém de ‘12 países africanos’, identificados como ‘objeto de uma perseguição religiosa de grave a extrema’.

Em declarações à ACN, Mark von Riedemann, presidente do comitê editorial do Relatório de Liberdade Religiosa, publicado pela fundação em abril deste ano, disse que ‘grupos religiosos de 26 países do mundo sofrem níveis de perseguição entre sérios e extremos, e quase 50% deles, 12 países, estão na África’.

As consequências sociais, econômicas, políticas e religiosas desse deslocamento para a África e para a comunidade internacional são consideráveis e, se medidas não forem tomadas, o pior está por vir’, enfatizou.

Ele frisou que, embora as deslocações sejam devidas a muitos fatores, é muito preocupante o grande ‘crescimento dos grupos jihadistas locais e transnacionais, que perseguem sistematicamente todos aqueles que não aceitam sua ideologia islamista extrema’.

Ainda que muçulmanos e cristãos sejam igualmente vítimas da violência extremista, com a crescente radicalização islamista, os cristãos tendem a converter-se cada vez mais em um objetivo específico dos terroristas’, disse von Riedemann.

Segundo ele, os jihadistas são, em muitos casos, ‘mercenários’ ou combatentes da região que perseguem interesses locais e que, sendo ‘incitados por pregadores extremistas e armados por grupos terroristas transnacionais, começam a atacar’ a população.

Eles atacam ‘as autoridades estatais, o exército e a polícia, bem como os civis, incluindo os líderes das aldeias, os professores, que são ameaçados pelo currículo laico, e os muçulmanos moderados e cristãos’, disse.

Von Riedemann afirmou que a violência é ‘inimaginável’. Cada vez é mais ‘preocupante’ a ferocidade dos constantes ataques e o aumento em ‘escala, alcance e complexidade’ da insegurança no continente, que obriga populações inteiras a fugir e a tornarem-se deslocados internos ou refugiados em países vizinhos.

Em abril de 2020, ‘52 homens [morreram] após se recusarem a engrossar as fileiras dos jihadistas’ na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, e no início de novembro, 15 meninos e cinco adultos ‘foram decapitados com facões por militantes islamistas durante um rito de iniciação para adolescentes’ exemplificou von Riedemann.

Segundo um relatório do Centro de Estudos Estratégicos da África (ACSS) de janeiro deste ano, em 2020 a violência de grupos islâmicos aumentou 43% na África.

Só em Cabo Delgado, os casos de violência por radicais muçulmanos ‘aumentaram 129%’ no ano passado, ‘e mais de dois terços dos ataques foram dirigidos contra civis’, disse von Riedemann. ‘Segundo a Organização Internacional para as Migrações, há mais de 730 mil deslocados internos nas províncias de Cabo Delgado, Niassa, Nampula, Zambezia e Sofala’, acrescentou.

A consequência mais grave e imediata dessa violência e dos deslocamentos é a fome. Von Riedemann afirmou que, ‘segundo a ONU, 30,5% da economia da África Ocidental é agrícola, e constitui a maior fonte de renda e meios de sustento para 70-80% da população’. A maioria dos deslocados internos são agricultores de comunidades rurais que foram ‘expulsos de suas terras pelos ataques de militantes islâmicos e grupos terroristas’.

O impacto da violência não se limita à destruição de infraestruturas, à perda de gado e ao deslocamento dos agricultores de suas terras’, disse Von Riedemann. A insegurança impede que os agricultores voltem para suas terras para fazer a colheita e com o aumento dos preços dos alimentos por causa da pandemia do coronavírus, a ACN pressagia uma futura fome na região.

Segundo o Centro de Estudos Estratégicos da África, só no Mali e no Burkina Faso a violência extremista já provocou uma insegurança alimentar que afeta mais de três milhões de pessoas’, disse Von Riedemann.

O Gabinete de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU considera a República Democrática do Congo o pior caso. Há 22 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar aguda, o número mais alto do mundo.

Burkina Faso sofre ‘a crise dos deslocados de mais rápido crescimento do mundo’. Em apenas dois anos, mais de um milhão de pessoas tiveram que abandonar seus lares. Entre janeiro de 2020 e janeiro de 2021, as pessoas que precisam de ajuda humanitária aumentaram para 3,5 milhões, o que representa um aumento de 60% em um ano.

Von Riedemann advertiu que, se o problema não for controlado, ‘o ciclo de violência, deslocamento e fome continuará se degradando’, e provocará ‘consequências a longo prazo, como o declínio econômico, a instabilidade política e as profundas fissuras entre as comunidades étnicas’.

Ele frisou que, no final, ocorrerá a ‘destruição do pluralismo religioso tradicional’, algo que é ‘especialmente grave em áreas onde muçulmanos e cristãos conviveram em paz até agora’.

Além disso, disse que a crise se prolongará, pois os jovens, ‘frustrados pela pobreza absoluta’ e ‘vulneráveis ao recrutamento extremista, continuarão sendo atraídos pelo atrativo da riqueza e do poder’.

Por fim, disse que ‘a combinação destes fatores forçará a comunidade internacional a reagir, sobretudo por interesse próprio’ diante da crescente migração interna e externa dos africanos. Quando isso aconteça, disse Von Riedemann, ‘esperamos que não seja tarde demais para recuperar a paz duradoura nas populações locais’.

ACN ao serviço dos migrantes e refugiados

A Pontifícia Fundação Ajuda à Igreja que sofre (ACN) informou que mais de 25 projetos foram financiados em 2020 para atender às necessidades materiais e espirituais básicas dos refugiados e deslocados internos do mundo, ‘principalmente da África e do Oriente Médio’.

A África subsaariana acolhe mais de 26% da população refugiada do mundo’, acrescentou. Os projetos centraram-se sobretudo no Burkina Faso e em Moçambique.

A fundação informou também que em ‘Burkina Faso a maioria dos ataques ocorrem no norte e na área do Sahel’ e que muitas igrejas, como a paróquia de Linonghin, da diocese de Ouagadougou, ajudam os refugiados. Graças à ACN, ‘a paróquia conta com alimentos e instalações sanitárias’ para as ‘famílias desalojadas que buscam refúgio’ ali.

A região ‘mais afetada’ do país está na diocese de Dori, no norte de Burkina Fasso, onde a violência terrorista forçou o encerramento de várias paróquias. Nesse lugar, a ACN apoia constantemente ‘as famílias dos catequistas que tiveram que fugir, com o pagamento de seus estudos escolares e cuidados de saúde’.

Em Moçambique, a ACN forneceu ‘materiais para a construção de 60 casas para as famílias refugiadas e dois centros comunitários’, na ‘diocese de Pemba, que oferece atendimento pastoral e apoio psicossocial aos refugiados de Cabo Delgado’. Além disso, doou ‘vários carros para os missionários que assistem aos refugiados’ e apoiará o ‘acompanhamento psicossocial do crescente número de deslocados que encontram refúgio’ nas dioceses vizinhas.

Na Tanzânia, a fundação também ajudou a diocese de Kigoma na compra de um veículo para o trabalho pastoral nos campos de refugiados de Nduta e Mtendeli; na Uganda, a ACN apoia um programa de refugiados do sul do Sudão, no campo de Bidibidi, em Katikamu; e na África do Sul, a fundação apoia o Centro Pastoral de Refugiados da Congregação do Espírito Santo, na diocese de Durban, que ‘fornece alojamento, comida e assistência pastoral’ aos refugiados.

No Oriente Médio, a fundação informou que ajuda a Síria, onde a maioria são deslocados internos ou refugiados por causa da guerra. Em Aleppo e Damasco ajudam as famílias cristãs locais e refugiados com o pagamento de aluguéis e assistência médica, etc.

ACN disse que também apoia o Líbano, que nos últimos anos tem refugiado 1,5 milhão de sírios, mas que agora o governo ‘já não é capaz de sustentá-los’ devido à crise política e econômica.

A fundação apoia projetos educativos e de assistência humanitária da diocese de Zahle, em benefício dos sírios refugiados, e oferece ‘bônus e ajudas de subsistência’ aos libaneses, que ‘se veem igualmente afetados pela pobreza e pelas dificuldades econômicas’, pois ‘a pandemia e a explosão destrutiva do porto de Beirute’ agravaram a crise econômica.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://www.acidigital.com/noticias/ha-mais-de-15-milhoes-de-deslocados-e-a-maioria-e-perseguida-pela-fe-diz-acn-73826

quinta-feira, 24 de junho de 2021

Ensinamentos de uma mística medieval sobre depressão pós-parto

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Padre Michael Rennier, sacerdote católico ordenado através da Provisão Pastoral para ex-clérigos episcopais que foi criado pelo Papa São João Paulo II


‘Conheci mães que tiveram depressão pós-parto. Elas ficaram tão deprimidas que, fisicamente, pareciam incapazes de cuidar dos filhos recém-nascidos.

Isso criava nelas um sentimento esmagador de fracasso. Além de sofrer de intensa depressão pós-parto, o que já é ruim, elas sofriam de uma sensação aguda de que não conseguiriam nunca cuidar dos filhos. Imagino que o fardo psicológico seja enorme.

Obviamente, não sou mãe, mas já estive deprimido antes. E houve dias em que mal conseguia cuidar de mim mesmo. Eu não conseguia nem imaginar ter que cuidar de outra pessoa durante aqueles momentos sombrios. É difícil explicar como é, mas é verdadeiramente debilitante. Mesmo que a depressão não seja uma lesão que possa ser vista de fora, é muito real. Ao mesmo tempo, uma pessoa que sofre de depressão não pode deixar de sentir que está decepcionando a si mesma e aos outros, o que aumenta a angústia.

Depressão pós-parto : uma doença antiga

A depressão pós-parto é grave e afeta cerca de 15% das mulheres em todo o mundo. A doença existe desde o início dos tempos.

Um amigo me contou recentemente sobre Margery Kempe, uma mulher inglesa que viveu na virada do século 15 e, aparentemente, teve depressão após o nascimento de seu primeiro filho.

Claro que um diagnóstico de depressão não existia na época. Mas temos pistas sobre a vida dela que nos levam a crer nisso.

Margery, mais tarde, se tornou conhecida por suas visões espirituais. Ela descreveu suas visões de Cristo no livro The Book of Margery Kempe. Nele, relata que, quando jovem, viveu uma vida bastante normal. Ela era de classe média, interessada em moda e se casou com John Kempe, um homem que a tratava com gentileza.

Entretanto, tudo mudou com o nascimento de seu primeiro filho. Ela se lembra que, durante a gravidez, experimentou ‘uma grande doença corporal, pela qual perdeu a razão por muito tempo…’ Ela continua dizendo que ‘teve ataques graves da doença até o nascimento da criança’. O parto a deixou tão fraca que ela pensou que não conseguiria sobreviver. Mas ela acabou se recuperando muito bem e parecia estar bem fisicamente. Entretanto, é aí que sua história fica fora de controle.

Pensamentos depressivos

Margery sempre teve uma definição depressiva de si mesma. Pensava que merecia morrer e ir para o inferno por causa de pecados secretos não confessados. Após o nascimento de seu filho, seu estado mental deteriorou-se rapidamente. Ela diz sobre si mesma : ‘esta criatura enlouqueceu e ficou surpreendentemente perturbada e atormentada por espíritos por meio ano, oito semanas e dias estranhos’.

Ela teve uma visão do diabo, que lhe disse para abandonar sua fé, família, amigos, esperança no céu e autoestima. Embora nunca tenha tentado o suicídio, ou pelo menos nunca tenha dito isso, ela começou a mutilar o corpo, rasgando a pele perto do coração com as unhas.

Olhando para a descrição de sua experiência, é difícil dizer se ela sofreu de depressão pós-parto clínica ou, talvez, a ainda mais rara e pior psicose pós-parto. É claro, porém, que a gravidez desencadeou algo nela.

Como superar a depressão pós-parto

A depressão, em minha experiência, deve ser tratada de duas maneiras simultâneas. A primeira é com a ajuda de profissionais médicos, que podem dispensar medicamentos adequados e aconselhar sobre nutrição e terapia profissional. Margery não tinha nenhum desses recursos. Então, ela ficou com apenas o segundo caminho, que é mais pessoal.

Este caminho trata de como a pessoa reage ao viver com depressão. Para alguns, há períodos em que a vida inevitavelmente para. Mas, na maioria das vezes, é possível viver funcionalmente com a depressão – e há maneiras de controlá-la e até mesmo de se mover lentamente em direção à recuperação.

Após o início de sua depressão, Margery nunca recuperou sua saúde mental anterior. Ela tinha um relacionamento físico estranho com o marido, chorava com muita frequência e continuava a ter visões místicas. Mas ela teve mais filhos e uma vida familiar feliz. Como conseguiu? Assumindo algumas atitudes e valorizando valores e virtudes, como :

1. Autoconhecimento

Margery fez um exame de toda a sua vida e foi ao padre da sua paróquia para se confessar. Ela havia evitado a confissão, pensando que, ‘enquanto ela estava com boa saúde, ela não precisava confessar.’

É útil desenvolver um autoconhecimento preciso. Principalmente porque a depressão conta mentiras. A honestidade é o primeiro passo para a cura.

2. Honestidade emocional

A honestidade se estende a reconhecer e aceitar a maneira como você se sente. Margery estava mais do que disposta a expressar suas emoções. Nem todos a apoiava, mas ela não se desculpava. Quando ela estava lutando, não escondia.

3. Amor de Deus

Os vizinhos de Margery gostavam de fofocar sobre ela. Frequentemente, as pessoas não entendem a depressão e consideram pessoas como ela preguiçosas ou irracionais. Nessas horas, ela sempre se lembrava do amor de Deus, que nunca vacila.

4. Amizade

Em vez de absorver a negatividade daqueles que fofocavam sobre ela, a mística buscava o consolo e os conselhos dos amigos sábios e pacientes. Ela, ‘falava com muitos anacoretas’. Anacoretas, como sua amiga Julian de Norwich, eram mulheres que dedicaram suas vidas à sabedoria espiritual e à oração.

Esses são exatamente o tipo de amigos de que uma pessoa deprimida precisa. É uma doença que isola, mas estar constantemente sozinho torna tudo ainda pior.

5. Caridade

Margery ditou um livro para compartilhar sua experiência. Ao longo dos séculos, este livro foi muito útil para outras pessoas que se encontravam em situações semelhantes. O apoio mútuo e a empatia são fundamentais.

Portanto, se você sofre de depressão pós-parto, é importante deixar claro : você não é um fracasso. Você é e será uma mãe maravilhosa. Margery é um belo exemplo de mãe que, embora sua vida não tenha sido fácil, proporcionou uma enorme alegria, sabedoria e amor para sua família e para o mundo.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/06/24/ensinamentos-de-uma-mistica-medieval-sobre-depressao-pos-parto/

terça-feira, 22 de junho de 2021

Mobilidade humana e concentração de riqueza: migrantes em meio a um vaivém permanente

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Padre Alfredo J. Gonçalves, CS,

vice-presidente do Serviço de Proteção ao Migrante (SPM)

 

‘Dois livros recentes, embora trilhando caminhos aparentemente paralelos, se entrelaçam nas encruzilhadas da mobilidade humana. O primeiro é da filósofa italiana Donatella Di Cesare : Stranieri residenti, una filosofia della migrazione, lançado em outubro de 2017, pela Editora Bollati Boringhieri. O segundo é do economista francês Thomas Piketty : Capital e Ideologia, lançado no Brasil em 2020, pela Editora Intrínseca. Percorrendo historicamente as cidades clássicas de Atenas, Roma e Jerusalém, como vasto pano de fundo, Donatella propõe uma espécie de política da hospitalidade que não seja tão rígida quanto às fronteiras. Política que, independentemente do lugar de nascimento e residência, oportunize a cada ser humano uma verdadeira cidadania. Nisso, a autora encontra-se em sintonia com o Papa Francisco, quando este último insiste na substituição da ‘globalização da indiferença’ pela ‘cultura da acolhida, do encontro, do diálogo e da solidariedade’.

Thomas Piketty, por sua vez, numa abordagem histórica de largo percurso e de longo respiro, procura demonstrar como a concentração de capital e renda por um lado, de fortuna e herança por outro, coincide em determinadas com deslocamentos humanos de massa. De acordo com o economista, autor também de outras duas obras sobre o tema – A economia da desigualdade (2013) e O capital no século XXI (2017) – a desigualdade social e econômica representa, entre outros, um fator proeminente para a difícil decisão de deixar o país de origem e aventurar-se por novas terras em busca de um futuro de menor carência. Tomando a trajetória de vários países como referência, ele disseca, confronta e estuda, no decorrer dos séculos, o acesso à riqueza e renda, bem como às respectivas oportunidades, entre o décimo (10%) e do centésimo (1%) mais ricos, de um lado, e os 50% mais pobres, de outro. Analisa dados fartos e robustos relativos a impostos e taxas fiscais, chegando à conclusão que, na modernidade, a economia globalizada, se e quando desregulada e abandonada à ‘mão invisível’ de Smith, concentra ao mesmo tempo riqueza e exclusão social. Daí a multidão dos ‘sem raiz e sem rumo’, à qual resta correr atrás dos ventos do capital e das migalhas que caem das mesas opulentas.

Em termos mais concretos, Thomas Piketty traça um paralelo entre as décadas que precederam a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a chamada ‘belle époque’, e as décadas que vão de 1980 a 2020, em plena crise da economia globalizada. Ambos os períodos, separados mais ou menos por um século, serão marcados por uma intensa e progressiva concentração de riqueza e renda no topo da pirâmide socioeconômica, em detrimento dos extratos populacionais que habitam os andares inferiores da mesma. A numerosos destes últimos, resta não raro a porta da migração. Na virada do século XIX para o século XX, até o início do conflito mundial, enormes fluxos de irlandeses, italianos, poloneses, portugueses, espanhóis, alemães, japoneses… deixam o velho continente e cruzam os oceanos em busca de novas terras nas Américas, na Austrália e na Nova Zelândia, sem falar dos que migram no interior do continente europeu. Fluxos que, de resto, em alguns casos já vinham tomando corpo desde as primeiras décadas do século XIX.

De forma mais intensa, diversificada e complexa, os deslocamentos humanos irão se repetir nos últimos 40 anos, passagem do século XX para o século XXI. Há uma diferença, porém, que não pode ser desconsiderada. As chamadas migrações históricas de cem anos atrás tinham, em geral, uma origem e um destino mais ou menos pré-estabelecidos. Ao desenraizamento num dos lados do oceano, seguia-se a criação de novas raízes num lugar determinado. Já nos tempos atuais, a grande maioria dos migrantes vê-se condenada a um vaivém permanente e desordenado, errando de fronteira em fronteira, na vã tentativa de encontrar uma oportunidade de trabalho e um solo pátrio onde seja possível fixar-se e reerguer um novo alicerce. Em outras palavras, a mobilidade humana que acompanhou a vida e a obra do bispo J. B. Scalabrini – denominado ‘o apóstolo dos migrantes’ – em muitos casos vem acompanhada de uma mobilidade social ascendente. Hoje, ao contrário, é bem mais notória uma mobilidade social descendente.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://migramundo.com/mobilidade-humana-e-concentracao-de-riqueza-migrantes-em-meio-a-um-vaivem-permanente/

domingo, 20 de junho de 2021

Duas místicas cistercienses e o Sagrado Coração de Jesus

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Vanderlei de Lima, 

eremita na Diocese de Amparo, BA


‘Nas místicas medievais, em especial nas de tradição cisterciense – Ordem monástica fundada em 1098, em Cister, na França –, aparece a devoção à humanidade de Cristo centrada, sobretudo, no Coração de Jesus.

Vemos que ‘já na vida de Santa Lutgarda, nos é narrada a primeira aparição do Coração de Jesus traspassado, mas é com Santa Gertrudes que a devoção ao Coração de Jesus se sobressairá. De fato, para Gertrudes, o Coração de Jesus é o próprio Jesus revelando ao ser humano ‘o mais oculto dos segredos’; isto é, uma inteligência maior e mais profunda de sua intimidade mais íntima, que não é senão a superabundância e a maravilha de seu amor-ternura (Pietas). O coração como símbolo do amor de Cristo é um lugar soteriológico, onde a mística possui plena experiência de Deus e de sua infinita ternura encarnada. Espaço onde as místicas querem perder-se e ser encontradas’ (VV. AA. A mulher, a monja e a mística cisterciense. São Paulo : Cultor de Livros, 2019, p. 78-79). Eis algo sobre duas dessas místicas : Santa Lutgarda e Santa Matilde de Hackeborn

Lutgarda de Aywières, ao contrário de Matilde, nada escreveu, mas deixou-nos o relato de uma marcante experiência mística. Sim, essa monja trazia em si – por devoção a Santa Inês – forte desejo de morrer mártir, ou seja, de derramar o seu sangue por Cristo. ‘Ora, uma noite, estava no dormitório e rezava junto ao leito antes de repousar, quando a ideia do martírio se lhe apresentou ao espírito. Lembrou-se de Santa Inês. Foi tomada por um desejo tão veemente e inflamado de morrer por Cristo, como a virgem mártir de Roma, e o ímpeto de seu amor tornou-se de tal maneira forte, que a poderia ter matado naquela hora. Uma veia rompeu-se perto do coração e por uma larga ferida aberta no lado, o sangue começou a jorrar, inundando-lhe a túnica e a cogula. Lutgarda caiu sem sentido ao solo e Cristo, em toda a sua glória, com a face reluzente de júbilo, apareceu-lhe’ (Thomas Merton. O que são essas chagas? Campinas : Ecclesiae, 2017, p. 159).

De Matilde citaremos, aqui, a título de ilustração, algumas passagens. Desde a infância, esta santa recebeu revelações dos segredos divinos e um deles diz respeito ao Sagrado Coração de Jesus, que Nosso Senhor não só lhe apresentou, mas também colocou no peito de sua santa esposa. Eis uma descrição : ‘Na quarta-feira da Semana de Páscoa, ouvindo na Missa as palavras Venite benedicit Patris mei, sentiu-se possuída por deliciosa e extraordinária alegria e disse a Nosso Senhor : ‘Oxalá seja eu uma das benditas almas a ouvirem essas doces palavras de Vossos lábios!’ Nosso Senhor respondeu : ‘Podes ficar bem certa de que o serás, e como prova dou-te o Meu Coração para guardá-lo e só me restituíres quando Eu houver realizado o teu desejo. Dou-te o Meu Coração como lugar de refúgio; à hora da morte será impossível te desviares para outro caminho; terás somente o Meu Coração onde repousar eternamente’ (Padre Granger. O amor do Sagrado Coração explicados segundo os escritos de Santa Mechtilde. Renânia : Typ. Butzon & Bercher, 1928, p. 15-16).

Ainda, o Sagrado Coração de Jesus revela a sua infinita misericórdia para com o pecador que se arrepende : ‘Quando o pobre coração humano, contrito e partido pela dor, exclama : ‘Eu me levantarei e irei a meu Pai’, o Sagrado Coração estremece de alegria. Digo-te, por maiores que houverem sido os seus pecados, nesse mesmo instante, se o arrependimento for sincero Eu os perdoo todos e o Meu Coração inclina-se com tanta misericórdia e doçura como se nunca tivesse pecado’. Ouvindo isso, Santa Matilde exclamou : ‘Ó profundeza verdadeira insondável! Ó profundeza de vossa sabedoria e misericórdia!’ (Idem, p. 87).

Também os sofrimentos são acompanhados de perto por Nosso Senhor em seu Sagrado Coração. Com efeito, diz Cristo a Santa Matilde : ‘Quando estás doente, Eu te seguro com o Meu braço esquerdo e quando estás bem com o direito; mas lembra-te que ao segurar-te o braço esquerdo ficas muito mais perto de Meu Coração’ (Ibidem, p. 127).

Eis alguns aspectos do amor ao Sagrado Coração de Jesus a inflamar as místicas cistercienses do século XIII.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/06/20/duas-misticas-cistercienses-e-o-sagrado-coracao-de-jesus/

sexta-feira, 18 de junho de 2021

A pedagogia do Coração de Jesus

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Cartaz representando o Sagrado Coração de Jesus, por volta de 1880 (Coleção de Auguste Martin, Bibliotecas da Universidade de Dayt) 

*Artigo do Padre Francisco Thallys Rodrigues 


‘Em nossa cultura atual, a imagem do coração é comumente evocada, em nossos espaços e reflexões, para expressar sentimentos de afeto e enamoramento ou para ilustrar o fechamento egoísta diante da necessidade do próximo. Por sua vez, na perspectiva da fé bíblica, o coração é usado enquanto símbolo/imagem que remete ao centro existencial de todo ser humano com a sua afetividade, suas decisões mais íntimas e sua capacidade de discernimento. Neste sentido, o coração de Jesus, por um lado, abarca a íntima relação de fidelidade e amor com o Pai, e, por outro lado possibilita que, pedagogicamente, mergulhemos no mistério do amor de Deus pela humanidade, expressos no cuidado de Jesus com os pequenos e pobres.

Na antropologia bíblica, o coração é a sede da vontade, dos afetos, do discernimento e da decisão. Dele emanam os projetos, sonhos e desejos. Por conseguinte, contemplar o coração de Jesus é descobrir, passo a passo, a fonte da qual emanava a sua ação profético-salvífica. Profética enquanto denúncia à infidelidade, diante da aliança, que gerava injustiça e se expressava como opressão exercida pelo poder político e religioso. Ação salvífica na medida em que Jesus recuperava a dignidade de cada pessoa que era curada ou que Nele encontrava o perdão de seus pecados. Na base destas ações estavam a profunda relação com o Pai, por meio da oração, a experiência apreendida na sabedoria do povo e o encontro com o próximo. Mas era no coração ou melhor a partir do coração que Jesus tomava as suas decisões.

No centro do Coração de Jesus estava o anúncio da boa nova do Reino de Deus. Todas as suas palavras e ações podem ser compreendidas a partir desta centralidade. Tornar-se seu seguidor implica uma constante saída de si mesmo para o encontro com o próximo, na busca por viver o mandamento fundamental por Ele ensinado : amar o próximo como a si mesmo. O Coração de Jesus atua, pedagogicamente, a fim de destacar aquilo que foi o essencial na vida do Mestre e que deve se tornar o fio condutor na vida de cada cristão, isto é, o amor pelos pequenos e pobres expressos na luta pela justiça do Reino de Deus.

Nós, seres humanos, somos muito visuais, necessitados de símbolos e imagens que nos ajudam a compreender e acolher o mistério que nos circunda. Por isso, a imagem do Coração de Jesus, tão difundida pelo Apostolado da Oração, é como um instrumento pedagógico que nos conduz para a vida de Jesus, assumindo as mesmas causas que animaram a sua missão. A partir de nosso coração humano nós decidimos pela acolhida ou rejeição ao Reino de Deus.

A imagem do Coração de Jesus transpassado recorda a humanidade de Jesus para que não caiamos num devocionismo desencarnado. O divino quis se encarnar no humano assumindo todas as consequências, inserindo-se a partir de uma família pobre e esquecida na periferia de Nazaré. A devoção ao Sagrado Coração de Jesus deve nos levar a perceber no mundo quais são as forças que promovem o Reino, a fraternidade e a justiça, bem como aquelas forças que se apresentam como o anti-reino : egoísmo, injustiça, lucro desmedido. Por conseguinte, não há sentido sermos devotos do Coração de Jesus se não assumirmos as mesmas causas que moveram o Coração de Jesus, o fizeram pulsar.

Além disso, o Coração de Jesus pode ensinar, aos homens e mulheres de nosso tempo, a discernir diante das situações de nosso dia a dia. O homem de Nazaré tomou decisões muito claras e de consequências exigentes que o conduziram à morte. Optou pela vida em primeiro lugar, expressão de fidelidade ao Reinado de Deus. Isto só foi possível na medida em que Ele discerniu, à luz da fé e das experiências de seu tempo, qual o caminho tomar. Caberia nos perguntar : o que ocupa o centro do meu coração? Para onde tem se inclinado minhas decisões? Como faço o meu discernimento?

Urge recuperar o valor e sentido da imagem simbólica do coração, em nossa sociedade, como o centro existencial de nosso ser. Em nossas palavras e ações manifestam-se as opções fundamentais que tomamos desde o nosso coração, pois ‘a boca fala daquilo de que está cheio o coração’ (Lc 6,45). Por isso, é preciso, a partir do seguimento a Jesus, discernimos que tipo de fé cristã desejamos viver. O Coração de Jesus nos coloca nos conduz, como um pedagogo, a conhecer e entender o amor superabundante do homem de Nazaré, derramado na cruz, mas a adesão ou não a este estilo de vida está em nossas mãos.  

Por fim, trago uma experiência vivida por um padre que assumiu a radicalidade do evangelho, ocupando o último lugar, este relato expressa o que procuramos acenar nesta reflexão. Padre Júlio Lancellotti, seguidor de Jesus no cuidado com os abandonados e esquecidos nas ruas de São Paulo, conta que certa vez um garotinho, portador do vírus HIV, olhando para a imagem do Coração de Jesus, o perguntou : ‘Por que o coração dele é para fora?’, ao que o padre respondeu : ‘Por que amou muito’, o menino continuou sua indagação : ‘E dói?’, Padre Júlio respondeu : ‘Sim. Aprendi : não há amor sem dor’. Com esta breve resposta, padre Júlio expressa o amor vivido por Jesus em sua radicalidade, ao mesmo tempo em que chama nossa a atenção para compreendermos que todo autêntico amor implica certo padecimento, dor e sofrimento, porque exige descentramento, cuidado e desgaste de si mesmo em vista do outro.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1522464/2021/06/a-pedagogia-do-coracao-de-jesus/

quarta-feira, 16 de junho de 2021

Profecia não é adivinhação de futuro autorizada por Deus

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Quadro 'Pregação de São João Batista', de Mattia Preti, retratando o último profeta anterior a Jesus

*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante

 

‘A profecia desempenhou um papel muito importante no texto bíblico, principalmente no Antigo Testamento. Se olhamos para o período da monarquia do povo de Israel, vemos que o profeta era aquele que trazia a mensagem de Deus para a sociedade em todos os seus níveis. O profeta, porta-voz de Javé, era o responsável por anunciar aquilo que Deus demandava de seu povo e de seus governantes, bem como chamá-los ao arrependimento, de maneira que o mal de suas ações cessasse e o castigo divino não lhes sobreviessem.

Neste ponto, algo se torna muito importante de ser esclarecido. A profecia bíblica nunca teve a ver com a adivinhação do futuro, como muitas vezes diversas pessoas tendem a pensar. Os profetas não eram uma espécie de Nostradamus autorizados por Deus para revelar aquilo que aconteceria em tempos muito distantes. O leitor atento ao texto bíblico pode perceber que a prática divinatória era condenada na sociedade de Israel, visto que enganavam o povo de Deus. Para se ter uma ideia do quão grave eram tais práticas, os adivinhos e adivinhas eram condenados à pena capital da sociedade judaica, que era o apedrejamento.

Assim, ao se ler uma profecia é preciso ter em mente que não se trata de uma adivinhação sobre o futuro; antes, toda palavra e atos proféticos tinham o intuito de, sendo palavra instruída por Deus, levar o povo e os governantes ao arrependimento de maneira que o mal anunciado por Deus não acontecesse.

Em outras palavras, quando um profeta anunciava a determinado governante que o mal haveria de vir sobre seu reino se ele continuasse a praticar as ações que iam contra a vontade de Javé, não estava adivinhando o futuro, mas alertando àquele governante de que caso permanecesse no erro, as consequências de seus atos trariam ao seu povo a ruína que estava sendo anunciada. A palavra profética, nesse sentido, sempre visava o arrependimento, de maneira que o bem, a justiça e a paz de Javé pudessem se fazer presente na sociedade.

Isso nos remete a algo muito importante. Toda profecia diz respeito ao seu tempo e para ser compreendida deve ser lida em seu contexto social, político, econômico e cultural. Sem isso, o risco de não se compreender determinada profecia se torna enorme, transformando-a em adivinhação. Por esse motivo que, por exemplo, não se deve ler o texto de Isaías 9:6, que diz : ‘Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu, e o principado está sobre os seus ombros, e se chamará o seu nome : Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz’, como sendo Isaías anunciando o nascimento de Jesus vários séculos depois de si. A compreensão do contexto da profecia deixa muito claro que Isaías anuncia o nascimento do rei Ezequias, que nasceria e seria um governante justo para o povo.

Só posteriormente que tal texto será lido sob uma ótica messiânica cristã, projetando-o para o messias definitivo, que cremos ser Jesus de Nazaré. No entanto, em seu contexto, Isaías não fala de Jesus, e nem poderia, visto que não tinha acesso a coisas futuras.

Compreender essa característica da profecia bíblica se torna importantíssimo para que o texto bíblico possa ser compreendido de uma maneira acertada. A não compreensão do texto bíblico e as diversas interpretações errôneas que se fazem de textos retirados de seus contextos continuam a fazer muito mal ao povo de Deus.

 Nesse sentido, é tarefa teológica insistir no bom conhecimento bíblico, de maneira a se compreender a riqueza e profundidade que tais textos trazem nos contextos em que foram escritos e que, com certeza, podem ainda ser compreendidos e atualizados para nossos dias.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1521807/2021/06/profecia-nao-e-adivinhacao-de-futuro-autorizada-por-deus/

domingo, 13 de junho de 2021

O Sagrado Coração de Jesus entre os místicos cistercienses

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Vanderlei de Lima, 

eremita na Diocese de Amparo, BA


‘O século XII é, sem dúvida, na vida da Igreja, o tempo áureo dos grandes místicos cistercienses, ou seja, dos membros da Ordem monástica homônima fundada em 1098, em Cister, na França.

Sobre tais místicos escreve Dom Luís Alberto Ruas Santos, O. Cist. : ‘Os mosteiros cistercienses produziram grandes místicos. […] Talvez não tenha havido na Igreja uma escola de espiritualidade tão uniforme na temática e com tantos autores como a cisterciense’ (Os cistercienses : uma espiritualidade abrangente e criativa. Itatinga : Abadia cisterciense de Nossa Senhora da Assunção de Hardehausen-Itatinga, 1998, p. 17).

Daí a questão : quem são eles? – Todos foram Abades. Deixaram-nos uma rica espiritualidade marcada por três pontos : pastoral, visava, em forma de Sermões, a santificação dos monges, seus primeiros destinatários; patrístico, pois continuava a teologia bíblico-simbólica dos Padres da Igreja (escritores cristãos – não necessariamente sacerdotes – dos primeiros sete séculos que muito ajudaram na formulação da reta fé) e também místico, ou seja, a vivência da verdadeira e estável união com Deus a fim de se tornarem um só com Ele. São grandes expoentes dessa corrente mística Bernardo de Claraval (o pai ou iniciador), Guilherme de Saint-Thierry, Elredo de Rievaulx, Guerrico de Igny, Balduíno de Ford etc. (cf. Dom Bernardo Bonowitz. Os místicos cistercienses do século XII. Juiz de Fora : Subiaco, 2005, p. 7-11). Alguns destes homens tratarão do Sagrado Coração de Jesus em seus escritos. Ei-los :

São Bernardo de Claraval escreve : ‘O ferro da lança transpassou sua alma e aproximou-se de Seu coração para que ele pudesse sentir conosco, com a nossa fraqueza. O segredo do Coração tornar-se-á visível através da abertura do corpo. Abre-se aquele grande mistério de sua clemência, abre-se o íntimo trancado da misericórdia de Deus’ (PL CLXXXIII. 1072 in Dom Veremundo A. Toth, OSB. Por sinais ao invisível, Juiz de Fora : Subiaco, 2003, p. 144). 

Guilherme de Saint-Thierry registra : ‘Assim como Tomé, o cético, expressando seu desejo, também eu desejo vê-lo por inteiro e tocá-lo; mas não apenas isso, e sim chegar junto da sagrada chaga de seu lado; até a fenda da arca da aliança que se abriu no seu lado, para que eu pudesse introduzir não apenas meus dedos e minha inteira mão, mas todo eu pudesse achegar-me ao próprio Coração de Jesus, ao Santo dos Santos à arca da aliança’ (PL CLXXXIV. 368, idem, p. 144). 

Guilbert de Hoyland diz : ‘A chaga do coração assinala o ardor do amor. Em verdade, é um doce Coração que induz nossos sentimentos à reciprocidade afetuosa. Por mais que ame, não ama, mas apenas retribui o amor… Esposa, não consegues corresponder totalmente ao teu Amado. Mesmo assim Ele não cessa de se dar inteiramente. O que ele te oferece ainda não é completo, mas se compromete. Todo o amor que Lhe retribuis, Ele o recebe não como uma dívida, mas sim como uma oferenda espontânea. Ele sente uma espécie de desafio ao amor, enquanto apresenta seu Coração ferido’ (PL CLXXXIV. 155, ibidem, 2003, p. 144-145).

Guerrico d’Igny chega, por sua vez, ao símbolo preciso do Coração, ao escrever : ‘Para que eu pudesse construir meu ninho na fenda de um rochedo, bendito seja quem suportou que traspassassem seus pés, sua mão e o lado e se abriu totalmente para mim para que eu pudesse adentrar na maravilhosa tenda e encontrasse proteção no refúgio do seu interior… Por isso, Ele abriu misericordiosamente seu lado, para que o sangue de sua chaga me vivificasse, o calor de seu corpo me alentasse, o sopro libertador do hálito puro de seu Coração me reanimasse’ (PL CLXXXV. 140, ibidem, p. 146).

Que tão preciosos ensinamentos dos grandes místicos cistercienses do século XII sobre o Sagrado Coração de Jesus fale alto no nosso coração neste conturbado século XXI.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/06/13/o-sagrado-coracao-de-jesus-entre-os-misticos-cistercienses/

sexta-feira, 11 de junho de 2021

Liturgia: sopro do Espírito

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Daniel Reis


 ‘A liturgia é obra da Trindade (opus Trinitatis). Nela, a Igreja, pela ação do Espírito Santo, é congregada e constituída no corpo de Cristo, que, exercendo seu sacerdócio, presta a Deus Pai o culto que lhe é devido, para o louvor de sua glória e para a nossa santificação (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 7). Cada pessoa divina age na liturgia de acordo com seus atributos e características próprias, mas sempre em unidade e em plena comunhão.

No que pese a ação litúrgica ser essencialmente trinitária, costuma-se destacar as figuras do Pai, como fonte e fim da liturgia, e do Filho como mediador. Por um certo esquecimento histórico que a Igreja no Ocidente carrega em relação ao Espírito Santo, sua presença e atividade nas celebrações são percebidas com maior dificuldade. Isso se deve ao fato de que são tímidas, de modo expresso, as referências à terceira Pessoa da Trindade nos formulários e textos eucológicos (oracionais) da liturgia romana. No missal, por exemplo, a maioria das Orações coleta só mencionam o Espírito Santo como arremate (‘...na unidade do Espírito Santo.’), e a maioria esmagadora das Orações sobre as oferendasOrações depois da comunhão e mesmo os Prefácios não citam o Espírito, dirigindo-se a Deus (Pai), ‘por Cristo, nosso Senhor’.

O catecismo da Igreja Católica (CIC 1091-1112) nos apresenta uma belíssima pneumatologia litúrgica, ajudando-nos a reconhecer a atuação do Espírito Santo nas celebrações da Igreja em quatro frentes : preparação da assembleia, recordação de Cristo, atualização de seu mistério e realização da comunhão (cf. CIC 1092). Vejamos cada uma delas, tomando como base a celebração da eucaristia.

O Espírito Santo nos prepara para nos aproximarmos da fonte da liturgia, da qual ele mesmo é a água pura, inspirando-nos o desejo e a disposição para nela nos dessedentarmos. Nos Ritos Iniciais, somos reunidos em assembleia por sua ação unitiva, pois sendo o Amor do Amante (o Pai) e do Amado (o Filho), nos enlaça na caridade divina e nos abre para acolhermos a graça salvífica dispensada e celebrada na liturgia.

Na Liturgia da Palavra, ‘o Espírito Santo recorda primeiro à assembleia litúrgica o sentido do evento da salvação, dando vida à palavra de Deus, que é anunciada para ser recebida e vivida’ (CIC 1100). A ruah divina é o fôlego de Cristo - que se dirige à assembleia (cf. SC 7) através dos ministros leitores, salmistas e do homiliasta -, inspirando a encarnação do Verbo em seus corações e expirando esta mesma palavra da salvação nos ouvidos da assembleia. Esta, por sua vez, também com o auxílio do Espírito, inspira a palavra proclamada, acolhendo-a pela escuta atenta, devendo expirá-la através de seus gestos e ações na vida.

Pelo Espírito Santo, ‘memória viva da Igreja’ (cf. Jo 14,26 e CIC 1099), somos recordados das maravilhas realizadas por Deus ao povo de Israel e das obras de Cristo às pessoas de seu tempo, e somos inseridos nessa história da salvação pela atualização que o Espírito Santo realiza no ‘hoje’ de cada celebração litúrgica. Como ensina magistralmente o catecismo :

A liturgia cristã não somente recorda os acontecimentos que nos salvaram, como também os atualiza, torna-os presentes. O mistério pascal de Cristo é celebrado, não é repetido; o que se repete são as celebrações; em cada uma delas sobrevém a efusão do Espírito Santo que atualiza o único mistério’ (CIC 1104).

É a força do Espírito que rompe as malhas do tempo (chronos) e do espaço, fazendo de cada liturgia o momento histórico da salvação (kairós). Pelo impulso do Sopro Santo, a assembleia celebrante é introduzida no evento pascal, colocada aos pés da cruz no calvário e à porta do túmulo vazio da ressurreição, haurindo os frutos da redenção na atualidade salvífica que o Espírito realiza na liturgia.

O ‘fim da missão do Espírito Santo em toda ação litúrgica’ (CIC 1108) é realizar a comunhão da Igreja. De modo especial, na Oração Eucarística o invocamos (epiclese) uma primeira vez sobre os dons do pão e do vinho para que sejam transformados no corpo e no sangue de Cristo, e uma segunda vez sobre nós, comungantes, para que ‘quando recebermos pão e vinho, o corpo e sangue dele oferecidos, o Espírito nos una num só corpo, para sermos um só povo em seu amor’ (Oração Eucarística V).

Nos Ritos finais, uma vez alimentados e transformados no corpo de Cristo, somos impelidos por seu Espírito a agir como ele, em favor de nossos irmãos e irmãs, estendendo ao mundo a comunhão que experimentamos na celebração. Através da liturgia, o Espírito Santo sopra sobre nós as virtudes do Filho e os desígnios do Pai, a fim de que ‘todos se tornem um só corpo bem unido, no qual todas as divisões sejam superadas’ (Oração Eucarística VII).’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1520624/2021/06/liturgia-sopro-do-espirito/