Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Fabrício Veliq,
teólogo protestante
‘A imagem do jardim aparece em diversas passagens bíblicas. Muitas
vezes em seu sentido literal, outras em seu sentindo simbólico. Talvez, a
passagem mais conhecida seja a de Gênesis, em seus primeiros capítulos quando
no mito da criação Deus cria o ser humano e o coloca no jardim do Éden, para
que dele possa cuidar e tirar seu sustento.
Deveria ser claro para todos e todas que esse lindo símbolo, de um
ser humano que é criado como jardineiro, leva-nos a pensar, quando bem
compreendido, o cuidado que se deve ter para com toda a natureza . No entanto,
diversas leituras posteriores desse texto viram, na ordem de Javé, a incitação
ao domínio e não à mordomia e à jardinagem, o que fez com que o ser humano
fosse entendido como quem teria salvo-conduto para retirar da natureza tudo que
ela tinha a oferecer.
A partir da Modernidade, essa perspectiva se torna ainda mais
forte e as revoluções industriais, bem como posteriormente o desenvolvimento do
capitalismo, fez com que a natureza fosse vista somente como fonte inesgotável
de recursos, que poderia ser minada sem dó nem piedade para satisfazer os
desejos de produção que não podiam parar.
As consequências dessas interpretações errôneas do texto bíblico
podem ser sentidas por todas as pessoas hoje. O famoso relógio do fim do mundo,
relógio simbólico que é mantido pela Universidade de Chicago, já aponta que há
somente 100 segundos para o fim da humanidade causado por uma guerra nuclear,
que é uma das diversas consequências desse tipo de visão distorcia da natureza.
Em síntese, já há muito tempo temos a condição de nos autodestruir.
No entanto, outras leituras a respeito do jardim são possíveis. O
próprio Moltmann, em sua última obra dedicada a uma teologia da vida, em
continuidade com sua pneumatologia integral, ressalta o fato de que de acordo
com o mito da criação de Gênesis, o ser humano é o último a ser criado
justamente por ser o mais dependente de todos. Em outras palavras, a natureza sobrevive
sem nós; nós, do contrário, não sobrevivemos sem ela. Dessa forma, longe
de sermos os todo-poderosos da criação, somos, dentro da dinâmica de toda a
vida, os seres mais frágeis de toda essa cadeia. Essa condição deve
fazer com que voltemos nosso olhar para a natureza e reconhecermos o motivo
pelo qual fomos postos nesse jardim, a saber, para cuidar e zelar por ele, já
que se trata da criação de Deus, nosso lar e do qual nossa sobrevivência como
humanidade depende.
Quando trazemos o símbolo do jardim para o âmbito pessoal e
relacional também é possível fazer alguns apontamentos. Toda pessoa que já
cuidou de um jardim sabe o quão trabalhoso é. Afinal, é necessário regar as
plantas todo dia, verificar se a terra está em boa condição, retirar possíveis
ervas daninhas que podem surgir e que atrapalham o crescimento das flores. Da
mesma forma, cercar para que animais não destruam aquilo que está nascendo,
visto que toda planta tem sua fragilidade, dentre tantos outros cuidados que
poderiam ser listados.
Em outras palavras, o que faz um jardim permanecer bonito, bem
nutrido e florescendo é o tempo que se gasta cuidando dele, buscando os
melhores produtos e as melhores formas de cultivar aquilo que foi colocado em
nossa mão. Dessa forma, qualquer relacionamento, seja com Deus, seja
consigo mesmo, seja com outras pessoas, só floresce e se torna belo quando os
cuidados necessários para tal são tomados de maneira rotineira e constante.
Ou seja, é necessário fazer do cuidado do jardim um modo de vida.
Com tudo isso em mente, é possível perceber quão rico o símbolo do
jardim se mostra. Seja no cuidado da natureza, seja no cuidado consigo, nas
relações interpessoais e com Deus, ter em mente que se está em um jardim pode
nos ajudar a nos tornarmos aquilo para o qual fomos criados : sermos
jardineiros.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1519124/2021/06/e-necessario-lembrar-se-do-jardim/
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