Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
do Padre Alfredo J. Gonçalves, CS,
vice-presidente do Serviço de Proteção ao Migrante (SPM)
‘Dois livros recentes, embora trilhando caminhos aparentemente
paralelos, se entrelaçam nas encruzilhadas da mobilidade humana. O primeiro é
da filósofa italiana Donatella Di Cesare : Stranieri residenti, una
filosofia della migrazione, lançado em outubro de 2017, pela Editora
Bollati Boringhieri. O segundo é do economista francês Thomas Piketty : Capital
e Ideologia, lançado no Brasil em 2020, pela Editora Intrínseca.
Percorrendo historicamente as cidades clássicas de Atenas, Roma e Jerusalém,
como vasto pano de fundo, Donatella propõe uma espécie de política da
hospitalidade que não seja tão rígida quanto às fronteiras. Política que,
independentemente do lugar de nascimento e residência, oportunize a cada ser
humano uma verdadeira cidadania. Nisso, a autora encontra-se em sintonia com o
Papa Francisco, quando este último insiste na substituição da ‘globalização
da indiferença’ pela ‘cultura da acolhida, do encontro, do diálogo e da
solidariedade’.
Thomas Piketty, por sua vez, numa abordagem histórica de largo percurso
e de longo respiro, procura demonstrar como a concentração de capital e renda
por um lado, de fortuna e herança por outro, coincide em determinadas com
deslocamentos humanos de massa. De acordo com o economista, autor também de
outras duas obras sobre o tema – A economia da desigualdade (2013)
e O capital no século XXI (2017) – a desigualdade social e
econômica representa, entre outros, um fator proeminente para a difícil decisão
de deixar o país de origem e aventurar-se por novas terras em busca de um
futuro de menor carência. Tomando a trajetória de vários países como
referência, ele disseca, confronta e estuda, no decorrer dos séculos, o acesso
à riqueza e renda, bem como às respectivas oportunidades, entre o décimo (10%)
e do centésimo (1%) mais ricos, de um lado, e os 50% mais pobres, de outro.
Analisa dados fartos e robustos relativos a impostos e taxas fiscais, chegando
à conclusão que, na modernidade, a economia globalizada, se e quando
desregulada e abandonada à ‘mão invisível’ de Smith, concentra ao mesmo
tempo riqueza e exclusão social. Daí a multidão dos ‘sem raiz e sem rumo’,
à qual resta correr atrás dos ventos do capital e das migalhas que caem das
mesas opulentas.
Em termos mais concretos, Thomas Piketty traça um paralelo entre
as décadas que precederam a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a chamada ‘belle
époque’, e as décadas que vão de 1980 a 2020, em plena crise da economia
globalizada. Ambos os períodos, separados mais ou menos por um século, serão
marcados por uma intensa e progressiva concentração de riqueza e renda no topo
da pirâmide socioeconômica, em detrimento dos extratos populacionais que
habitam os andares inferiores da mesma. A numerosos destes últimos, resta não
raro a porta da migração. Na virada do século XIX para o século XX, até o
início do conflito mundial, enormes fluxos de irlandeses, italianos, poloneses,
portugueses, espanhóis, alemães, japoneses… deixam o velho continente e cruzam
os oceanos em busca de novas terras nas Américas, na Austrália e na Nova Zelândia,
sem falar dos que migram no interior do continente europeu. Fluxos que, de
resto, em alguns casos já vinham tomando corpo desde as primeiras décadas do
século XIX.
De forma mais intensa, diversificada e complexa, os deslocamentos
humanos irão se repetir nos últimos 40 anos, passagem do século XX para o
século XXI. Há uma diferença, porém, que não pode ser desconsiderada. As
chamadas migrações históricas de cem anos atrás tinham, em geral, uma origem e
um destino mais ou menos pré-estabelecidos. Ao desenraizamento num dos lados do
oceano, seguia-se a criação de novas raízes num lugar determinado. Já nos
tempos atuais, a grande maioria dos migrantes vê-se condenada a um vaivém
permanente e desordenado, errando de fronteira em fronteira, na vã tentativa de
encontrar uma oportunidade de trabalho e um solo pátrio onde seja possível
fixar-se e reerguer um novo alicerce. Em outras palavras, a mobilidade humana
que acompanhou a vida e a obra do bispo J. B. Scalabrini – denominado ‘o
apóstolo dos migrantes’ – em muitos casos vem acompanhada de uma mobilidade
social ascendente. Hoje, ao contrário, é bem mais notória uma mobilidade
social descendente.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://migramundo.com/mobilidade-humana-e-concentracao-de-riqueza-migrantes-em-meio-a-um-vaivem-permanente/
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