Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
‘Conheci mães que tiveram depressão pós-parto. Elas ficaram tão
deprimidas que, fisicamente, pareciam incapazes de cuidar dos filhos
recém-nascidos.
Isso criava nelas um sentimento esmagador de fracasso. Além de
sofrer de intensa depressão pós-parto, o que já é ruim, elas sofriam de uma
sensação aguda de que não conseguiriam nunca cuidar dos filhos. Imagino que o
fardo psicológico seja enorme.
Obviamente, não sou mãe, mas já estive deprimido antes. E houve
dias em que mal conseguia cuidar de mim mesmo. Eu não conseguia nem imaginar
ter que cuidar de outra pessoa durante aqueles momentos sombrios. É difícil
explicar como é, mas é verdadeiramente debilitante. Mesmo que a depressão não
seja uma lesão que possa ser vista de fora, é muito real. Ao mesmo tempo, uma pessoa
que sofre de depressão não pode deixar de sentir que está decepcionando a si
mesma e aos outros, o que aumenta a angústia.
Depressão pós-parto : uma doença antiga
A depressão pós-parto é grave e afeta cerca de 15% das mulheres em
todo o mundo. A doença existe desde o início dos tempos.
Um amigo me contou recentemente sobre Margery Kempe, uma mulher
inglesa que viveu na virada do século 15 e, aparentemente, teve depressão após
o nascimento de seu primeiro filho.
Claro que um diagnóstico de depressão não existia na época. Mas
temos pistas sobre a vida dela que nos levam a crer nisso.
Margery, mais tarde, se tornou conhecida por suas visões
espirituais. Ela descreveu suas visões de Cristo no livro The Book of
Margery Kempe. Nele, relata que, quando jovem, viveu uma vida bastante normal. Ela
era de classe média, interessada em moda e se casou com John Kempe, um homem
que a tratava com gentileza.
Entretanto, tudo mudou com o nascimento de seu primeiro filho. Ela
se lembra que, durante a gravidez, experimentou ‘uma grande doença corporal,
pela qual perdeu a razão por muito tempo…’ Ela continua dizendo que ‘teve
ataques graves da doença até o nascimento da criança’. O parto a deixou tão
fraca que ela pensou que não conseguiria sobreviver. Mas ela acabou se
recuperando muito bem e parecia estar bem fisicamente. Entretanto, é aí que sua
história fica fora de controle.
Pensamentos depressivos
Margery sempre teve uma definição depressiva de si mesma. Pensava
que merecia morrer e ir para o inferno por causa de pecados secretos não
confessados. Após o nascimento de seu filho, seu estado mental deteriorou-se
rapidamente. Ela diz sobre si mesma : ‘esta criatura enlouqueceu e ficou
surpreendentemente perturbada e atormentada por espíritos por meio ano, oito
semanas e dias estranhos’.
Ela teve uma visão do diabo, que lhe disse para abandonar sua fé,
família, amigos, esperança no céu e autoestima. Embora nunca tenha tentado o
suicídio, ou pelo menos nunca tenha dito isso, ela começou a mutilar o corpo,
rasgando a pele perto do coração com as unhas.
Olhando para a descrição de sua experiência, é difícil dizer se
ela sofreu de depressão pós-parto clínica ou, talvez, a ainda mais rara e pior
psicose pós-parto. É claro, porém, que a gravidez desencadeou algo nela.
Como superar a depressão pós-parto
A depressão, em minha experiência, deve ser tratada de duas maneiras
simultâneas. A primeira é com a ajuda de profissionais médicos, que podem
dispensar medicamentos adequados e aconselhar sobre nutrição e terapia
profissional. Margery não tinha nenhum desses recursos. Então, ela ficou com
apenas o segundo caminho, que é mais pessoal.
Este caminho trata de como a pessoa reage ao viver com depressão.
Para alguns, há períodos em que a vida inevitavelmente para. Mas, na maioria
das vezes, é possível viver funcionalmente com a depressão – e há maneiras de
controlá-la e até mesmo de se mover lentamente em direção à recuperação.
Após o início de sua depressão, Margery nunca recuperou sua saúde
mental anterior. Ela tinha um relacionamento físico estranho com o marido,
chorava com muita frequência e continuava a ter visões místicas. Mas ela teve
mais filhos e uma vida familiar feliz. Como conseguiu? Assumindo algumas
atitudes e valorizando valores e virtudes, como :
1. Autoconhecimento
Margery fez um exame de toda a sua vida e foi ao padre da sua
paróquia para se confessar. Ela havia evitado a confissão, pensando que, ‘enquanto
ela estava com boa saúde, ela não precisava confessar.’
É útil desenvolver um autoconhecimento preciso. Principalmente
porque a depressão conta mentiras. A honestidade é o primeiro passo para a
cura.
2. Honestidade emocional
A honestidade se estende a reconhecer e aceitar a maneira como
você se sente. Margery estava mais do que disposta a expressar suas emoções.
Nem todos a apoiava, mas ela não se desculpava. Quando ela estava lutando, não
escondia.
3. Amor de Deus
Os vizinhos de Margery gostavam de fofocar sobre ela.
Frequentemente, as pessoas não entendem a depressão e consideram pessoas como
ela preguiçosas ou irracionais. Nessas horas, ela sempre se lembrava do amor de
Deus, que nunca vacila.
4. Amizade
Em vez de absorver a negatividade daqueles que fofocavam sobre
ela, a mística buscava o consolo e os conselhos dos amigos sábios e pacientes.
Ela, ‘falava com muitos anacoretas’. Anacoretas, como sua amiga Julian
de Norwich, eram mulheres que dedicaram suas vidas à sabedoria espiritual e à
oração.
Esses são exatamente o tipo de amigos de que uma pessoa deprimida
precisa. É uma doença que isola, mas estar constantemente sozinho torna tudo
ainda pior.
5. Caridade
Margery ditou um livro para compartilhar sua experiência. Ao longo
dos séculos, este livro foi muito útil para outras pessoas que se encontravam
em situações semelhantes. O apoio mútuo e a empatia são fundamentais.
Portanto, se você sofre de depressão pós-parto, é importante
deixar claro : você não é um fracasso. Você é e será uma mãe maravilhosa.
Margery é um belo exemplo de mãe que, embora sua vida não tenha sido fácil,
proporcionou uma enorme alegria, sabedoria e amor para sua família e para o
mundo.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/06/24/ensinamentos-de-uma-mistica-medieval-sobre-depressao-pos-parto/
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