Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
do Padre Francisco Thallys Rodrigues
‘Em nossa cultura atual, a imagem do coração é comumente evocada,
em nossos espaços e reflexões, para expressar sentimentos de afeto e
enamoramento ou para ilustrar o fechamento egoísta diante da necessidade do
próximo. Por sua vez, na perspectiva da fé bíblica, o coração é usado enquanto
símbolo/imagem que remete ao centro existencial de todo ser humano com a sua
afetividade, suas decisões mais íntimas e sua capacidade de discernimento.
Neste sentido, o coração de Jesus, por um lado, abarca a íntima relação de
fidelidade e amor com o Pai, e, por outro lado possibilita que,
pedagogicamente, mergulhemos no mistério do amor de Deus pela humanidade,
expressos no cuidado de Jesus com os pequenos e pobres.
Na antropologia bíblica, o coração é a sede da vontade, dos
afetos, do discernimento e da decisão. Dele emanam os projetos, sonhos e
desejos. Por conseguinte, contemplar o coração de Jesus é descobrir, passo a
passo, a fonte da qual emanava a sua ação profético-salvífica. Profética
enquanto denúncia à infidelidade, diante da aliança, que gerava injustiça e se expressava
como opressão exercida pelo poder político e religioso. Ação salvífica na
medida em que Jesus recuperava a dignidade de cada pessoa que era curada ou que
Nele encontrava o perdão de seus pecados. Na base destas ações estavam a
profunda relação com o Pai, por meio da oração, a experiência apreendida na
sabedoria do povo e o encontro com o próximo. Mas era no coração ou melhor a
partir do coração que Jesus tomava as suas decisões.
No centro do Coração de Jesus estava o anúncio da boa nova do
Reino de Deus. Todas as suas palavras e ações podem ser compreendidas a partir
desta centralidade. Tornar-se seu seguidor implica uma constante saída de si
mesmo para o encontro com o próximo, na busca por viver o mandamento
fundamental por Ele ensinado : amar o próximo como a si mesmo. O Coração de
Jesus atua, pedagogicamente, a fim de destacar aquilo que foi o essencial na
vida do Mestre e que deve se tornar o fio condutor na vida de cada cristão,
isto é, o amor pelos pequenos e pobres expressos na luta pela justiça do Reino
de Deus.
Nós, seres humanos, somos muito visuais, necessitados de símbolos
e imagens que nos ajudam a compreender e acolher o mistério que nos circunda.
Por isso, a imagem do Coração de Jesus, tão difundida pelo Apostolado da
Oração, é como um instrumento pedagógico que nos conduz para a vida de Jesus,
assumindo as mesmas causas que animaram a sua missão. A partir de nosso coração
humano nós decidimos pela acolhida ou rejeição ao Reino de Deus.
A imagem do Coração de Jesus transpassado recorda a humanidade de
Jesus para que não caiamos num devocionismo desencarnado. O divino quis se
encarnar no humano assumindo todas as consequências, inserindo-se a partir de
uma família pobre e esquecida na periferia de Nazaré. A devoção ao Sagrado
Coração de Jesus deve nos levar a perceber no mundo quais são as forças que
promovem o Reino, a fraternidade e a justiça, bem como aquelas forças que se
apresentam como o anti-reino : egoísmo, injustiça, lucro desmedido. Por
conseguinte, não há sentido sermos devotos do Coração de Jesus se não
assumirmos as mesmas causas que moveram o Coração de Jesus, o fizeram pulsar.
Além disso, o Coração de Jesus pode ensinar, aos homens e mulheres
de nosso tempo, a discernir diante das situações de nosso dia a dia. O homem de
Nazaré tomou decisões muito claras e de consequências exigentes que o
conduziram à morte. Optou pela vida em primeiro lugar, expressão de fidelidade
ao Reinado de Deus. Isto só foi possível na medida em que Ele discerniu, à luz
da fé e das experiências de seu tempo, qual o caminho tomar. Caberia nos
perguntar : o que ocupa o centro do meu coração? Para onde tem se inclinado
minhas decisões? Como faço o meu discernimento?
Urge recuperar o valor e sentido da imagem simbólica do coração,
em nossa sociedade, como o centro existencial de nosso ser. Em nossas palavras
e ações manifestam-se as opções fundamentais que tomamos desde o nosso coração,
pois ‘a boca fala daquilo de que está cheio o coração’ (Lc 6,45). Por
isso, é preciso, a partir do seguimento a Jesus, discernimos que tipo de fé
cristã desejamos viver. O Coração de Jesus nos coloca nos conduz, como um
pedagogo, a conhecer e entender o amor superabundante do homem de Nazaré,
derramado na cruz, mas a adesão ou não a este estilo de vida está em nossas
mãos.
Por fim, trago uma experiência vivida por um padre que assumiu a
radicalidade do evangelho, ocupando o último lugar, este relato expressa o que
procuramos acenar nesta reflexão. Padre Júlio Lancellotti, seguidor de Jesus no
cuidado com os abandonados e esquecidos nas ruas de São Paulo, conta que certa
vez um garotinho, portador do vírus HIV, olhando para a imagem do Coração de
Jesus, o perguntou : ‘Por que o coração dele é para fora?’, ao que o
padre respondeu : ‘Por que amou muito’, o menino continuou sua indagação : ‘E
dói?’, Padre Júlio respondeu : ‘Sim. Aprendi : não há amor sem dor’.
Com esta breve resposta, padre Júlio expressa o amor vivido por Jesus em sua
radicalidade, ao mesmo tempo em que chama nossa a atenção para compreendermos
que todo autêntico amor implica certo padecimento, dor e sofrimento, porque
exige descentramento, cuidado e desgaste de si mesmo em vista do outro.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1522464/2021/06/a-pedagogia-do-coracao-de-jesus/
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