Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Tânia da Silva Mayer,
teóloga
‘Quando eu soltar a minha voz,
Por favor, entenda
é apenas o meu jeito de viver
O que é amar’.
‘O cantor e poeta Gonzaguinha eternizou em sua voz os versos, ‘cantar
e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz’. E o aprendizado tem
tudo a ver com a fé cristã, pois que já está muito claro em nosso tempo que
nenhuma pessoa nasce cristã ou se torna cristã por forças culturais ou
familiares. O tornar-se cristão, isto é, alguém que se encontrou com Jesus e se
reconheceu diante da face desse homem e decidiu em segui-lo, é um processo que
depende de um contínuo iniciar dos passos que nos levam em direção a ele que
vem, de braços abertos, até nós. Por isso, os cristãos, mesmo os que já
passaram pela iniciação à fé, são chamados a sempre retornarem ao primeiro
amor, fonte de beleza e que dá sentido à vida. E, como afirmou santo Agostinho,
‘cantar é próprio de quem ama’. Dessa maneira, os cristãos que se
deixaram inflamar pelo amor de Cristo e pelos irmãos estão sempre a cantar e
cantar a beleza de constantemente revisitarem esse amor fonte da vida.
Por isso, as liturgias cristãs sempre foram integradas pela dimensão
do canto e da música. Essa integração tem sua raiz mais profunda na experiência
do povo judeu. O livro dos salmos é uma excelente amostra de convite ao louvor
do Senhor por meio do próprio corpo ou de instrumentos musicais : ‘louvai-o
tocando trombetas, louvai-o com harpa e cítara; louvai-o com tímpanos e danças,
louvai-o nas cordas e nas flautas. Louvai-o com címbalos sonos, louvai-o com
címbalos retumbantes’ (Sl 150, 3-5b). E diante da bondade e da fidelidade
de Deus, o salmista entende sua vocação de reverenciar a Deus, e fala com muita
certeza : ‘louvarei o Senhor enquanto eu for vivo, enquanto viver cantarei
hinos a meu Deus’ (Sl 146,2). Também as comunidades cristãs reconhecem : ‘Alguém
está alegre? Entoe hinos’ (Tg 5,13).
Nessa perspectiva, a reforma da liturgia realizada no Concílio
Vaticano II reafirmou a participação plena e ativa da assembleia celebrante na
ação litúrgica. Essa participação se dá de muitos modos e maneiras : ‘Para
fomentar a participação ativa, promovam-se as aclamações dos fiéis, as
respostas, a salmodia, as antífonas, os cânticos, bem como as ações, gestos e
atitudes corporais. Não deve deixar de observar-se, a seu tempo, um silêncio
sagrado’ (SC, n. 30). Ademais, a Igreja conciliar considerou que ‘Efetivamente,
na Liturgia Deus fala ao Seu povo, e Cristo continua a anunciar o Evangelho.
Por seu lado, o povo responde a Deus com o canto e a oração’ (SC, n. 33a).
Desse modo, compreende-se o lugar fundamental e intrínseco que o canto ocupa na
liturgia como fonte para nutrir a própria fé : ‘Por isso, não é só quando se
faz a leitura ‘do que foi escrito para nossa instrução’ (Rm 15,4), ‘mas
também quando a Igreja reza, canta ou age, que a fé dos presentes é alimentada
e os espíritos se elevam a Deus, para se lhe submeterem de modo racional e
receberem com mais abundância a sua graça’ (SC 33c).
Mas essa perspectiva precisa vir vinculada à outra que alcança a
razão de ser da liturgia cristã. Precisamente, a liturgia é louvor a Deus e a
oferta de santificação que o próprio Deus faz ao seu povo reunido ‘por
Cristo, com Cristo e em Cristo’. Nesse aspecto, o Concílio ensinou que a
liturgia é ação primeira de Cristo e do seu corpo que é a comunidade cristã.
Assim, ‘Cristo está sempre presente na sua igreja, especialmente nas ações
litúrgicas’; e Está presente, enfim, quando a Igreja reza e canta, Ele que
prometeu : ‘Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no
meio deles’ (Mt 18,20) (SC, n. 7a). Nessa perspectiva, é imprescindível
compreender que pela gravidade da ação litúrgica no horizonte da salvação do
povo, não é qualquer música ou canto que torna a presença de Cristo efetiva na
liturgia. Precisamente, Cristo não é apenas o ‘Cantor’ que reúne as
vozes polifônicas da assembleia reunida, ele é também o conteúdo, isto é, a
razão e o motivo pelos quais a Igreja louva a Deus. Por isso se afirma que os
fiéis cantam (a) liturgia porquanto cantam a morte e a ressurreição de Jesus, o
Mistério Pascal que é fonte da alegria verdadeira que a faz louvar e cantar.
Nesse sentido, é importante considerar que a ação litúrgica, mesmo
sendo o cume e a fonte da ação da Igreja (Cf. SC, n.10), não esgota o trabalho
evangelizador que a comunidade cristã é chamada a realizar no mundo (Cf. SC,
n.9). Desse modo, a vida de cada cristão e cristã deve ser uma ação litúrgica,
isto é, um serviço por meio do qual a vida plena e abundante possa alcançar
todos os povos e pessoas. Nessa esteira, pode-se afirmar que é no chão da vida
de cada homem e mulher que Cristo é cantado, precisamente porque a existência
está sempre diante da cruz e do túmulo vazio, de modo que fazemos
cotidianamente a experiência de morrer e ressuscitar com Cristo. Por isso, ao
longo de um único dia podemos ser tomados por uma tristeza sem fim que acaba
sempre perdendo a força diante de uma tímida alegria por nos sabermos vivos.
Desse modo, da mesma maneira que cantamos Cristo na liturgia da comunidade
reunida na fé do Mistério Pascal, cantamos Cristo na liturgia da vida quando o
nosso canto é expressão genuína das nossas vivências, das pelejas que todos
enfrentamos entre risos e lágrimas, entre palavras e silêncios. Cantamos Cristo
na liturgia da vida quando ‘são as lutas dessa nossa vida, que eu estou
cantando’, na melodia, nem sempre harmônica, que nos embala e nos aproxima
daquele que é a fonte de amor, da alegria e do canto.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1513319/2021/04/cantar-cristo-na-liturgia-e-na-vida/
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