Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Mirticeli Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa
da Santa Sé
‘Um seguidor, nas redes sociais, ao saber da criação de uma
comissão vaticana para estudar a possibilidade de excomungar os mafiosos, disse
: ‘O papa Francisco, agora, deve ficar muito atento àquilo que ele bebe e
que come’. Seria hilário se, de fato, atentados contra os sumos pontífices
não fossem recorrentes na história da Igreja. Vamos à suspeita mais recente : a
morte misteriosa de Albino Luciani, o papa João Paulo I.
Embora o Vaticano já tenha esclarecido que o pontífice italiano,
cujo papado foi um dos 9 mais breves da história (33 dias), tenha sofrido uma
parada cardíaca enquanto dormia, o desencontro de informações dá margem, até
hoje, para uma série de questionamentos. Jornalistas investigativos e até
teólogos de renome, nas últimas décadas, buscam respostas para o ocorrido na
noite de 28 de setembro de 1978, quando o sucessor de Paulo VI,
recém-empossado, foi encontrado morto em seu apartamento, no palácio apostólico.
O debate em torno da morte de João Paulo I foi reaceso em 2019. O
gângster Anthony Luciano Raimondi, membro da família ítalo-americana Colombo,
que até o início da década de 1990 dominava parte do crime organizado em Nova
Iorque (EUA), assumiu a autoria do suposto crime. Segundo ele, o santo padre
foi envenenado com cianeto, substância que, entre vários efeitos, pode provocar
um infarto. A motivação para o assassinato, de acordo com Raimondi, teria sido
a agenda reformista do novo papa, que acabara de desvendar um esquema de
corrupção dentro do banco do Vaticano, encabeçado por membros do alto escalão
da cúria romana, entre eles alguns bispos americanos.
A Santa Sé contesta a versão do mafioso. E a jornalista Stefania
Falasca, que publicou recentemente um livro-reportagem sobre a causa
mortis de João Paulo I, chamado Papa Luciani : cronaca di una
morte, também considera o relato do gângster sem fundamento. Segundo
ela, que ouviu médicos e colaboradores próximos ao pontífice, ele teria se
queixado de um desconforto no peito horas antes da morte, mas foi dormir sem
pedir assistência médica por considerar que não era nada grave. Ela concorda
com o laudo oficial da Santa Sé, que também divulgou o histórico clínico de
problemas no coração do então cardeal Albino Luciani. Por outro lado, Falasca
admite que a falta de clareza por parte da instituição, na época, impulsionou o
surgimento das várias teorias da conspiração que seriam elaboradas nos anos
seguintes.
Tomando como gancho esse fato, há quem diga, inclusive, que
Francisco tenha escolhido viver na Casa Santa Marta, onde renunciou ao cardápio
exclusivo, e optou por comer o que todos os funcionários e moradores do prédio
comem, para não facilitar muito aos ‘infiltrados’ que, porventura,
viessem a arquitetar esse tipo de ação. Se é verdade ou uma mera hipótese, não
é novidade para ninguém que o pontífice atual é consciente de que seu perfil
reformador não agrada todo mundo – dentro e fora da Igreja. Sem contar que a
resistência a reformas, por parte da cúria romana, é histórica.
Para quem acompanha o pontificado de Francisco, sabe que não foram
poucas as vezes em que ele ‘cutucou a onça com vara curta’. Isso porque,
já nos primeiros anos de pontificado, ele cogitava a excomunhão dos mafiosos. E
sinalizou isso pela primeira vez em 2014, em visita à Calábria, no sul da
Itália. A região, juntamente com a Sicília e tantas outras, tem parte de seus
territórios dominados pelo crime organizado.
‘A 'ndrangheta [uma facção da máfia calabresa] é isto :
adoração do mal e desprezo do bem comum. Este mal deve ser combatido, afastado!
É necessário dizer-lhe não! [...] Aqueles que na sua vida percorrem este
caminho do mal, como são os mafiosos, não estão em comunhão com Deus : estão
excomungados!’, reiterou.
A partir de então, em vários eventos públicos, Francisco voltou a
condenar os mafiosos, e fez isso sem muitos rodeios. No Angelus de 21 de março
de 2021, ele disse que ‘as máfias estão presentes em várias partes do mundo
e, aproveitando-se da pandemia, estão enriquecendo com a corrupção’.
A comissão criada pelo Vaticano para estudar a formalização da
excomunhão dos mafiosos, uma medida que impede a pessoa que recebe a pena de
participar dos sacramentos, é coordenada pelo Dicastério para o Desenvolvimento
Humano Integral. Ao contrário do que se pensa, a medida não é direcionada
somente aos ‘bosses’ do crime organizado italiano, mas às milícias
e carteles, já que, no caso, a linha de ação desses criminosos é a
mesma, só muda o território de atuação. É tanto que, quando o papa se refere às
máfias, fala de maneira abrangente. A própria nota do Vaticano, que institui o
grupo de estudos em questão, deixa claro isso :
‘O objetivo é aprofundar o tema, colaborar com os bispos do
mundo todo, além de promover e apoiar iniciativas’, ressalta o texto.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1516049/2021/05/francisco-declara-guerra-a-mafia-qual-delas/
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