Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Susana Vilas
Boas, LMC
(Laïcs missionnaires Comboniens)
‘Quando tentamos fazer uma retrospecção sobre a nossa vida, umas
vezes, deparamos com um passado triste e cheio de frustrações; outras vezes,
parece que as coisas não são assim tão assombrosas e até conseguimos recordar
pessoas e acontecimentos que nos fizeram felizes, sonhar e ter uma esperança
maior em relação ao futuro. No fundo, o nosso modo de olhar o passado vai
variando de acordo com o que estamos a viver no presente. De qualquer modo, uns
mais, outros menos, todos já experimentámos, ora recordar palavras ou ações que
nos derrubaram, ora recordar outras que nos deram conforto e alento. Até chega
a acontecer, em sentido inverso, que por vezes, alguém, recordando o passado,
nos diz : «Aquilo que me disseste naquela altura mudou tudo.» Nesses
momentos, vemos bem do modo como o que dizemos ou fazemos pode alterar e
interferir na vida dos que nos rodeiam, por mais banais que possam parecer, à
primeira vista, os nossos gestos e/ou palavras.
Faço lembrar estas situações para que possamos ir mais longe na
nossa reflexão sobre o discernimento e vivência vocacional. Neste
caminho – como em qualquer outro que trilhemos (mesmo que seja o caminho da
fuga do discernimento da vocação!) – as nossas pequenas e grandes decisões são
importantes e determinantes, tanto para nós (em relação ao futuro que estamos a
construir e ao presente que estamos a viver), como para os outros (que lêem no
que fazemos/dizemos/escolhemos uma mensagem que pode, ora destruir, ora
edificar, as suas próprias vidas). Digo isto porque, muitas vezes, estamos tão
absorvidos pelas nossas preocupações e indecisões que somos incapazes de ver
para lá do próprio umbigo : «não faço isto, porque é difícil para mim»,
«não posso ir por ali senão já estou a ver a minha vida a andar
para trás», ... e assim sucessivamente, num emaranhado de eus que
por vezes nos fazem esquecer que não somos o centro do mundo. Não obstante
estas dificuldades, acontece também que comecemos a «mentir» para nós
mesmos : «eu até fazia isto, mas os meus amigos não iam entender», «eu
até fazia aquilo, mas a minha família ia sofrer muito.». Enfim, um
emaranhado de desculpas que usamos para nós próprios, procurando fugir de nós
mesmos e das exigências da vocação (aquela que, dentro de nós, sabemos que é a
única que nos fará felizes e onde nos sentiremos plenamente realizados).
As exigências da vocação
Não há caminhos fáceis nem decisões 100 por cento simples : ao
escolhermos, estamos sempre a optar por não seguir outras estradas. Isso não é
mau! Antes nos permite escolher o melhor! As exigências do Amor são muitas.
Quantas vezes uma mãe não estará completamente estourada e, ainda assim, fiel à
sua vocação, chega a casa e prepara a festa de aniversário do seu filho, ou
fica acordada toda a noite junto à cama do filho doente? Ninguém lhe diga que
deve sentar-se ou deitar-se e cuidar de si! As exigências do Amor são maiores e
as únicas que dão plenitude à sua existência.
O mesmo acontece com a vocação (seja ela qual for). As exigências
estão sempre lá, desde o primeiro questionamento vocacional, durante todo o
processo de discernimento e ao longo de toda a vida. Não sendo um caminho fácil
de percorrer, este é um percurso que não pode ser vivido individualmente;
antes, exige um acompanhamento que nos permita, tanto descobrir o que somos e
queremos ser, como fazer face a todas as dificuldades (e até às nossas próprias
desculpas e desejos de fuga para o caminho mais fácil!). A verdade da vocação
não se esconde unicamente dentro de nós. Como alerta o Papa Francisco, «o
ideal não é só passar da exterioridade à interioridade para descobrir a ação
de Deus na alma, mas também chegar a encontrá-Lo em todas as coisas» (cf.
encíclica Laudato Si’, n.º 233).
O desejo de uma vida plena, para tornar-se realidade, tem de ousar
vencer os medos e as inseguranças, assim como tem de, com humildade, aceitar
que o «nós» é mais forte que o «eu». Como diz o ditado: «Quem
quer chegar depressa vai sozinho, mas quem quer chegar mais longe vai
acompanhado!» A vocação impele-nos sempre a chegar mais longe, a chegar
onde não ousaríamos pensar ou sequer imaginar (cf. Ef 3,17-21). A vocação, não
apenas amplia os horizontes e sentido da existência humana, como também implica
e nos dá ferramentas (acompanhamento humano) para não desvanecer face às
dificuldades ou acabar por fazer um caminho (de destruição) inverso àquele que
sonhávamos.
A ação que conta!
Sabemos que, na nossa vida, todas as nossas ações contam : tanto
para nós como para os outros. Mas, será que contam todas por igual? Diz-nos o papa
que são as nossas ações que «manifestam quanto é nobre a vocação do homem
para participar de modo responsável na ação criadora de Deus» (Laudato
Si’, n.º 131). Contudo, importará perceber que nem sempre se trata de uma
questão de adquirir determinados comportamentos. Existem, de fato, alguns
comportamentos que temos de aprender e adoptar, mas a nossa ação é algo bem
maior do que um conjunto de comportamentos aprendidos!
Por exemplo, se pensarmos na questão ecológica, podemos aprender
um bom comportamento e cumpri-lo (quase sempre) : separar o lixo para fazer
reciclagem. Contudo, enquanto esse comportamento não se tornar ação, isto é,
enquanto não se tornar uma parte integrante daquilo que somos, haverá sempre a
possibilidade de relaxarmos este comportamento e nem sempre o fazermos. Assim,
se surgisse um momento em que não seria, de todo, possível separar o lixo : se
tivermos um comportamento adquirido, iremos (quando muito!) lamentar por não o
podermos fazer; mas, se este comportamento se tiver tornado em ação, iremos
verdadeiramente sofrer (juntamente com o planeta) com esta situação, como se
uma parte de nós estivesse a ser agredida (partilhando da mesma agressão a que
a Natureza, neste caso, ficaria sujeita).
A plenitude da nossa vida reger-se-á sempre pelas nossas ações e
não pelos nossos comportamentos. Ora, se a nossa ação é pautada pelo vício e
pelo egoísmo, a que plenitude chegaremos, senão à da própria destruição? Se
pensarmos na vocação, poderemos, eventualmente, pensar : «que devo fazer para
começar um real acompanhamento vocacional?» e, à luz deste pensamento, adotar
um comportamento concreto (mesmo que não estejamos totalmente convencidos de
que é necessário fazê-lo!) : falar com alguém que, talvez, possa vir a
acompanhar-nos no processo de discernimento. Ora, nada disto está errado e,
muito provavelmente, até será assim que as coisas poderão iniciar-se. No
entanto, se vivermos o acompanhamento vocacional unicamente numa linha
comportamental – porque dizem que tem de ser – facilmente iremos desistir,
zangar-nos e considerar que tudo não passa de uma grande perda de tempo. Ao
contrário, se nos permitirmos, pouco a pouco, assimilar este comportamento, não
como algo que «devemos fazer» ou como algo que nos é, de alguma maneira,
imposto, passaremos a viver essa dimensão vocacional como uma realidade que
também integra aquilo que somos. Aí, já não se tratará de um comportamento, mas
de uma ação que realizamos. É todo o nosso ser que vive o acompanhamento
vocacional e não apenas o nosso intelecto e/ou as nossas emoções.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://www.combonianos.pt/alem-mar/artigos/8/519/vocacao-exigencia-e-accao/
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