Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo do Padre Francisco Tallys Rodrigues
‘Na dinâmica da boa-nova do Reino de Deus anunciado por Jesus,
aqueles que acolheram sua proposta deverão se distinguir pela capacidade de
amar, de renunciar aos próprios interesses e viver a fraternidade numa
comunidade de irmãos e irmãs. Por conseguinte, a simplicidade emerge como
característica inerente àquele que tornou o bem-amado Jesus, o centro e sentido
de sua vida. Nesta esteira, Charles de Foucauld apresenta-se como testemunho da
radicalidade e acolhida evangélica expressos na simplicidade e cuidado com o
próximo.
Charles de Foucauld era originário de uma família abastada da
França, tendo acesso às melhores possibilidades oferecidas pelos bens
materiais. Faltava-lhe, entretanto, uma razão/sentido pela qual gastar a vida,
engajar as suas melhores energias. Seguindo o caminho de seu avô, ele entra no
exército e destaca-se, desde o início, por sua enorme capacidade intelectual.
A experiência da expedição francesa no norte da África, no contato com os
mulçumanos, aprofunda o seu desejo por buscar o sentido para a sua vida. De
volta a França, a confissão diante do padre Huvelin marca um momento de virada
em sua vida. Descobre a existência de um Deus que o ama e pelo qual deveria
viver. Diante disso, torna-se necessário abandonar qualquer conforto, luxo ou
riqueza para dedicar-se a Jesus.
Tem início um longo itinerário de busca por um seguimento mais
radical do evangelho. A austeridade vivida no exército abre caminhos para a
busca de uma vida mais simples, despojada, mas ainda pequena, insuficiente
diante do evangelho. Peregrina até a Terra Santa, passando por mosteiros e
congregações no desejo de viver mais semelhante a Jesus, por ele chamado de
Bem-amado. A experiência em Nazaré o marca profundamente. Ele se impressiona
com a pobreza e simplicidade do local onde morava Jesus. Como o Bem-amado
poderia ter vivido tanto tempo num lugar tão simples?
A experiência em Nazaré o faz compreender que é preciso tornar a
vida mais simples, mais despojada e aberta ao próximo. É necessário, como
Jesus, ocupar o último lugar, aquele espaço que ninguém deseja, que ninguém
quer. Passa-se da riqueza e do acesso aos bens para a pobreza e a simplicidade
evangélica. Não é preciso estar em Nazaré para viver como Jesus. Cada espaço
pode tornar-se uma nova Nazaré : espaço de oração, acolhida, simplicidade e
fraternidade.
Charles torna-se padre a fim de anunciar o Evangelho a todos os
povos. Procura os locais mais escondidos e necessitados. Encontra Tamanrasset,
um vilarejo de mulçumanos, esquecido em meio ao deserto do Saara. Torna aquele
espaço a sua morada. A casa de Charles é local de acolhida e descanso de
viajantes, peregrinos e pessoas necessitadas. Todos podem entrar e sair,
encontrando acolhida na casinha de Nazaré.
A simplicidade de vida experimentada em Tamanrasset permite que
Charles estabeleça um diálogo fecundo com o Islã. Diálogo que não se prende a
questões teóricas, mas que se experimenta na concretude da vida, nos gestos,
palavras e partilhas vividos. Procura ajudar a todos em suas necessidades,
fazendo-se presente na vida do povo, dividindo seu tempo entre orações,
trabalhos, acolhida e vivência com os moradores. Entretanto, durante um longo
período de seca, será a vez de Charles receber ajuda ao invés de oferecê-la.
Doente e à beira da morte, os seus amigos mulçumanos andam mais de quarenta
quilômetros para encontrar leite suficiente a fim de que Charles possa ter suas
forças reestabelecidas. Ele se estabeleceu em Tamanrasset com a finalidade de
salvar aquele povo por meio do anúncio do Evangelho, agora eram eles que o
salvavam da morte. Enfim, a simplicidade permite ultrapassar barreiras
religiosas, étnicas e culturais a fim de garantir a vida.
A vida do irmão de Nazaré ensina que cada um deverá fazer o melhor
que pode em cada ação que realiza por menor que seja. As pequenas atitudes
vividas com sabedoria e simplicidade podem transformar pessoas, famílias e comunidades.
Mais do que nunca se torna necessário insistir na vivência da fraternidade que
se expressa na escuta atenta a cada pessoa. Viver uma vida simples numa
fraternidade procurando acolher o outro que necessita de escuta e atenção,
estando atento às suas necessidades. Charles tinha o sonho de que todos
pudessem entender-se como responsáveis pelo anúncio do evangelho por meio do
testemunho de vida. Para ele, o ponto de convergência era o batismo. Todos são
convidados a responder este chamado onde quer que se encontrem : padres,
irmãs/irmãos, leigos, animadores.
Charles morreu em 1916, vítima de um conflito entre grupos rivais
no entorno de Tamanrasset. Morreu inocente e vítima como tantos e tantas outras
num século marcado por guerras e agitações. Porém, mesmo antes de sua
canonização, o seu testemunho tem alimentado e animado batizados e batizadas na
vivência do Evangelho. As fraternidades, congregações e institutos nele
inspirados, procuram tornar cada lugar um espaço de acolhida e fraternidade,
assumindo a vida oculta de Nazaré, isto é, dando testemunho da boa-nova do
Reino Deus numa vida simples e austera juntos aos sofredores e esquecidos.
Oxalá possamos assumir a mesma paixão que animou a vida do irmãozinho de Nazaré
e repetir, como ele, na oração do abandono : ‘Meu Pai a vós me abandono :
fazei de mim o que quiserdes! ... Estou pronto para tudo, aceito tudo, contanto
que vossa vontade se faça em mim e em todas as vossas criaturas...’’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1518294/2021/05/charles-de-foucauld-o-irmao-universal/
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