domingo, 23 de maio de 2021

Fui expulso do seminário por ser muito negro. Mas Deus não me deixou ir!

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do padre Bruce Wilkinson, ordenado na arquidiocese de Atlanta, é sacerdote católico há 40 anos. Depois de servir como pároco por 33 anos, agora se aposentou para seguir suas outras paixões de toda a vida : ser um astrônomo amador e viajar de trem. @padreInAtlanta


‘Eu não cresci em um lar religioso e meus pais não fizeram parte do meu processo de discernimento. Frequentei o Morehouse College e descobri a fé católica por meio de amigos e de uma inspiradora comunidade paroquial. Decidi ser batizado católico e, eventualmente, ser padre.

Você não sabe no que está se metendo’, advertiu meu pai. ‘Você não está entendendo como a Igreja Católica é realmente’. Eu não sabia na época, mas meu pai teve algumas experiências com vários católicos que nutriam o racismo. Ele me disse que se eu realmente quisesse entrar no ministério sacerdotal, devia tentar como pastor batista.

Mas eu segui meu chamado para o seminário. Quando cheguei para minha orientação vocacional, uma coisa ficou imediatamente clara : entre centenas de vocacionados, eu era a única pessoa negra.

Tive colegas de classe maravilhosos no seminário, mas também havia vários seminaristas que eram abertamente hostis comigo. Quando voltei das férias de Natal, entrei no meu quarto e havia uma cruz queimando na minha mesa. Desnecessário dizer que foi muito perturbador.

Fui falar com um padre da administração do seminário sobre o que havia acontecido, e a primeira coisa que me disse foi : ‘O que você fez?’. Ele insistiu que ninguém teria queimado uma cruz em meu quarto sem motivo, então eu devia ser culpado, pelo menos de alguma forma.

Talvez seja porque não gostarem de negros’, sugeri. O padre desconsiderou o que eu disse e continuou cavando para descobrir o que devia ter feito para merecer tal perturbação.

No começo, estava convencido de que acabei falando com o padre errado. Alguém na administração seria mais compreensivo, eu tinha certeza. Mas todos com quem conversei tinham a mesma preocupação : não podemos fazer disso um grande problema porque não parece bom.

Não parecia bom, porque não era bom.

Passe despercebido! Fique quieto! Não diga nada! Isso foi o que me disseram. As pessoas me diziam que estava criando uma má reputação para mim mesmo, porque estava falando sobre coisas que outras pessoas do seminário não queriam discutir.

Como a hostilidade e a omissão continuaram, não recebi nenhum apoio. Tentei perseverar, mas meus dias ficaram marcados pela humilhação e pela dor.

Fui para minha casa em Chicago para trabalhar naquele verão. Quando o intervalo de férias chegou ao fim, recebi uma ligação preocupante de meu diretor vocacional perguntando por que não tinha voltado para o seminário.

Eu me sentia perturbado. Disse a ele que, é claro, planejava voltar e perguntei o que o motivou a fazer tal pergunta. Segundo o padre, o seminário havia dito que meu nome não constava da lista. Sabendo que algo estava muito errado, mas incapaz de descobrir o que era, liguei diretamente para o seminário. Quando falei com o vice-reitor, que era um homem gentil e solidário, inicialmente pareceu tão surpreso quanto eu. Garantindo que devia haver algum engano, pediu-me para esperar enquanto esclarecia a situação.

Quando voltou ao telefone alguns minutos depois, seu tom mudou. Ele me disse com urgência que eu precisava ir ao seminário pessoalmente o mais rápido possível. Pressionei para obter detalhes, mas foi tudo o que ele me disse.

Como eu não tinha carro próprio, precisava envolver meus pais se quisesse fazer a viagem de oito horas até o seminário e descobrir o que estava errado. Sabia que eles não ficariam entusiasmados com a longa viagem, especialmente porque, de qualquer maneira, nunca gostaram da ideia de eu frequentar o seminário. Disse a eles que precisava ir, mas não expliquei completamente por quê. Eles ficaram confusos, mas para minha surpresa, concordaram sem muito barulho.

Depois de várias horas no carro, chegamos ao seminário e me sentei com o reitor. Eu disse ao padre quão confuso foi meu telefonema com meu diretor vocacional e depois com o vice-reitor. Eu disse a ele que havia feito todos os arranjos adequados. Disse ao padre que havia dirigido todo aquele caminho só porque queria descobrir o que estava acontecendo.

O diretor sugeriu que eu não tinha preenchido a papelada necessária. Claro, eu sabia que sim. Eu até tinha sido designado para um quarto específico e coloquei todos os meus pertences lá. ‘Há algo que você não está me dizendo’, disse, procurando por alguma pista sobre a verdade.

Finalmente, o padre me disse que o seminário não queria que eu voltasse. Quando o ouvi dizer isso, fiquei chocado. Ele passou a me acusar de sempre trazer à tona coisas que lembram as pessoas que eu sou negro.

Você olha para mim e sabe que sou negro. Não há necessidade de lembrar a ninguém’, respondi.

O reitor manteve a calma e disse que a situação era simplesmente algo que o seminário não queria resolver e que a decisão já havia sido tomada.

Deixe-me ter certeza de que entendi isso’, gaguejei lentamente. ‘Você está me dizendo que não posso vir aqui, e o único motivo é que eu sou negro. Não porque eu quebrei alguma regra. Não porque eu tenha violado qualquer doutrina da Igreja. Não porque eu não tenho uma diocese que paga pelos meus gastos. Só porque eu sou negro’.

Estou lhe dizendo que você não se encaixa aqui’, respondeu imediatamente. ‘Você deixa as pessoas desconfortáveis porque você é negro’.

Eu odiava o que estava ouvindo, mas me contive. Nós dois nos levantamos. Ele se afastou de mim, não apertou minha mão.

Completamente abatido e em estado de choque, fui até a recepção e pedi para entrar em meu quarto para poder pegar minhas coisas. Coloquei tudo em um carrinho e saí pela porta.

Quando meus pais me viram empurrando um carrinho em direção ao carro, seus rostos continham muitos sentimentos : confusão, frustração, preocupação e raiva. Quando eles começaram a me perguntar o que estava acontecendo, implorei que esperassem até que eu pudesse colocar minhas coisas no carro. Eu só queria ir embora, para ficar bem longe dali. Finalmente, eles disseram que não sairíamos daquele local até que eu me explicasse.

Fui expulso’. Disse a eles, isso foi o que aconteceu.

Meu pai ficou louco. ‘Isso é o que eu disse sobre se envolver com a Igreja Católica. Olhe para você. Você arruinou sua vida. Você poderia ter uma carreira promissora. Agora olhe para você, levando seus pertences para fora do seminário, forçado a ir para casa’.

Foi um dos momentos mais dolorosos que já experimentei. A viagem de oito horas que se seguiu foi um sofrimento. Minha mãe não falava muito, mas meu pai continuou falando. Fiquei pensando que ele estava certo. Ele tinha me avisado antes, e agora eu sabia que estava certo.

Quando finalmente chegamos em casa em Chicago, eu não conseguia mais ouvi-lo. Eu fui caminhar rapidamente e apenas andei indo a lugar nenhum em particular e tentando desesperadamente limpar minha cabeça.

Parei de ir à missa diária. Perguntei para mim mesmo se ainda poderia ser católico, e ainda continuar no caminho do sacerdócio em outro lugar. Senti-me magoado e sozinho.

Depois de superar um pouco da minha raiva e tristeza na reflexão e na oração, porém, percebi algo importante : eu não ia permitir que o ódio das outras pessoas controlasse minha vida.

É claro que, quando expressei isso a meu pai, ele não ficou nada satisfeito. ‘Não entendo o que há de errado com você’, disse. ‘Você deveria parar agora, saia enquanto pode’.

Eu realmente acredito que o Espírito Santo estava me movendo quando eu disse : ‘Pai, não posso. Eu simplesmente não posso parar’.

Eu sei que, eventualmente, meu pai foi capaz de ver isso também. Anos mais tarde, depois que fui ordenado, ele viu o trabalho que estava fazendo e meu compromisso com a vocação. ‘Eu era contra você fazer isso’, falou um dia. ‘Mas vejo agora que isso te deixa feliz. E o que você está fazendo é deixar outras pessoas felizes. Portanto, saiba que estou orgulhoso de você’.

Meu pai se esforçou para entender as escolhas que minha fé me levou a fazer, mas com o tempo, nós dois sabíamos a verdade : eu não podia deixar de estar apaixonado por Deus, e Deus não me largaria nunca.

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1517350/2021/05/fui-expulso-do-seminario-por-ser-muito-negro-mas-deus-nao-me-deixou-ir/

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