*Artigo de Ivanaldo Santos,
filósofo e doutor em estudos da linguagem pela UFRN
‘Diante
da brutal sequência de atentados terroristas ocorridos na França, que ficou
conhecido como Atentado de Charlie Hebdo, que chocou o mundo, e da atual onda
de terrorismo que ameaça se espalhar pelo mundo, realizam-se cinco análises.
1) Em linhas gerais a atual onda de
atentados terroristas vividos pela França, de um lado, trata-se de uma das mais
brutais e desumanas sequências de atos terroristas que ocorreram na história
contemporânea da humanidade. Do outro lado, é preciso ver que esses ataques não
foram atos isolados. Existe um grande número de grupos terroristas atuando em
escala quase planetária, entre os quais cita-se, por exemplo, Al-Quaeda, Boko
Haram, Estado Islâmico e a Frente al-Nusra. O problema é que esses grupos são
bem treinados, tem muitas e diversificadas fontes de financiamentos e ao longo
dos últimos 30 anos vem promovendo atentados em vários países do mundo. É
preciso ter consciência do que ocorreu na França não foi apenas um ato
terrorista, mas uma grande falha nos sistemas nacionais (no caso da França) e
internacionais de segurança.
2) Alguns intelectuais viram os atentados
na França como um ato da direita. Essa é uma posição que deve ser respeitada. No
entanto, essa posição segue um esquema político binário tradicional, oriundo do
século XVIII, que divide a política e as ações sociais em esquerda e direita.
Essa é uma reflexão muito ingênua, pois não leva em conta as profundas mudanças
ocorridas no mundo contemporâneo. Sem contar que o terrorismo islâmico não se
enquadra em direita ou esquerda. Em muitos aspectos, o Islã não viveu, até os
dias de hoje, um aprofundamento no campo das ideias, da literatura, da teoria
política e dos direitos humanos. Por exemplo, o Islã ainda precisa incorporar a
sua estrutura de pensamento os valores da democracia e da liberdade oriundos
dos gregos antigos. Em grande medida, o terror islâmico pretende implantar um
modelo de sociedade fechado, muito semelhante a sociedade tribal do século VII
d.C.
3) Alguns críticos sociais veem o
terrorismo como uma forma de protesto social, de movimento social. É preciso
rejeitar toda forma de terrorismo, trata-se de um ato covarde de ataque e
destruição, quem mais sofre com um ataque terrorista é a população civil,
especialmente mulheres, crianças e idosos. No entanto, é preciso ver que no
mundo contemporâneo existe uma tendência de uma minoria (ou minorias) de
dominar o cenário cultural em escala quase planetária. É comum vermos nos filmes,
na TV, na mídia e em outros ambientes uma propaganda e a defesa de ideias que
podem ser atribuídas a algum tipo de minoria. Entre essas ideias é possível
citar, por exemplo, o casamento homossexual, o aborto e a legalização de drogas
ilegais. O problema é que a maioria da população não compartilha com essas
ideias. O fato é que o homem comum não está se sentindo representado pelas
ideias que dominam o cenário cultural contemporâneo. Por causa disso, a
população questiona esse tipo de transmissão de ideias. O homem comum
pergunta-se : se vivemos em uma democracia, então porque as minhas ideias não
aparecem? Porque apenas valores contrários ao que penso, aparecem? Esse tipo de
situação, quase que uma ditadura de uma minoria esclarecida, está conduzindo
setores dentro da sociedade a apoiarem atos desesperados, como é o caso dos
ataques terroristas. A sociedade e a democracia contemporâneas precisam
repensar as suas relações com o homem comum, o homem comum precisa se sentir
mais representado, seus valores precisam aparecer mais na sociedade.
4) Fala-se muito que os atentados foram
contra posições antirreligiosas do jornal Charlie Hebdo. No século XXI fala-se
muito em diálogo e liberdade, mas lamentavelmente os grupos religiosos, que
representam a maioria da população, estão marginalizados desse diálogo. Quase
ninguém quer ouvir o que esses grupos dizem e o que pensam, são logo rotulados
de conservadores, de retrógrados, autoritários, fundamentalistas e coisas
semelhantes. O jornal francês Charlie Hebdo, que foi vítima de um brutal ataque
terrorista, é um bom exemplo disso. Esse jornal gostava de publicar sátiras
contra religiões (cristã, islâmica, etc), mas não parou para ouvir a voz que vem
das religiões, o que as pessoas religiões tem a dizer e a fazer pelo mundo.
Atualmente fala-se muito em inclusão e diversidade, mas o grande grupo humano
que parece ser excluído são as religiões. Enquanto a modernidade não conseguir
incorporar as grandes tradições religiosas (cristianismo, islamismo, judaísmo,
etc) dentro dos grandes projetos de crescimento e aperfeiçoamento social,
dificilmente haverá paz no mundo.
5) O que se pode esperar, para o mundo
contemporâneo, após os ataques na França? Inicialmente é preciso ter esperança,
pois a esperança é o sentimento que ajuda a vencer o medo. Além disso, daqui
por diante é preciso repensar a cultura do diálogo reinante no mundo
contemporâneo, uma cultura centrada nos grupos pós-modernos (homossexuais,
aborto, drogas, etc). Os ataques na França demonstraram que existe uma maioria
que não é pós-moderna e que não se sente representa pela atual cultura
dominante. É preciso ter coragem de dialogar com essa maioria, do contrário,
sem diálogo, poderemos esperar manifestações e até revoltas populares nos
próximos anos. Temos que ouvir as maiorias, pois democracia se faz é com a
maioria. Essa lei básica da democracia precisa ser retomada no mundo atual. É
preciso ver que quase todos os dias acontecem atos terroristas e atos bem
piores do que foram praticados na França. No entanto, os atos terroristas pouco
ou não são divulgados pela grande mídia, pela intelectualidade e pela classe
dos artistas. Existe
quase um silêncio absoluto sobre os atos terroristas que se multiplicam no
cotidiano de muitas regiões do mundo. Esse silêncio precisa ser quebrado, não
podemos ficar horrorizados com um ato terrorista contra um jornal francês e
silenciar diante de ataques muito piores ao redor do mundo.’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/terrorismo-e-analise-social
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