*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte
‘O
crescente processo de desumanização que atinge a sociedade contemporânea é
assustador. Tem origem diversa - da violência à indiferença, da corrupção ao
conformismo com situações aviltantes da dignidade humana. Debelar o avanço
desta desumanização deve ser preocupação cidadã. O Papa Francisco, na Exortação
Apostólica Alegria do Evangelho, adverte sobre o risco de atingirmos níveis
irreversíveis deste processo. Por isso mesmo, não se pode simplesmente
constatar, lamentar ou defender-se de maneira egoísta e mesquinha de suas
consequências. Ora, se o medo e o desespero tomam conta do coração das pessoas,
compromete-se, gravemente, a vivência da fraternidade. Com isso, a humanidade
se distancia do compromisso com a solidariedade, eficaz remédio para redesenhar
os cenários de injustiça que escravizam tantas pessoas.
Para
mudar essa realidade, são importantes as complexas estratégias no âmbito da
segurança pública, dos reajustes de funcionamentos e em outros tipos variados
de dinâmicas, pois o descontrole, gradativamente, toma conta de tudo. No
entanto, embora fundamentais, essas estratégias não são suficientes.
Estatísticas diversas comprovam que a sociedade convive com um excesso de
incivilidades, consequência do processo de desumanização. Processo alimentado
pelo desejo sem limites de apossar-se das coisas e pela busca irracional do
prazer. São impulsos que viciam e impedem as grandes conquistas. As maiores
vitórias, para serem alcançadas, requerem sacrifício ou esforço maior. Muitas
vezes, exigem que se reparta e se ofereça o tempo e as próprias posses para
quem não os têm.
As
instituições religiosas, educacionais, particularmente a família, os ambientes
variados de trabalho, também os de entretenimento e lazer, precisam readotar
princípios simples, com força educativa e incidente na vida de cada pessoa.
Somente assim é possível estabelecer um contraponto à desumanização que faz
multiplicar a violência. Entre esses princípios está um de grande alcance e
significativa força educativa : ‘Não te deixes vencer pelo mal, vence antes o
mal com o bem’, exortação de São Paulo na Carta aos
Romanos. A
adoção séria deste princípio, incidindo nos contextos comuns da vida, poderá
transformar as relações entre as pessoas. Só o bem derrota o mal, em uma longa
batalha que inclui o apreço pela fraternidade, em lugar das guerras; adoção de
atitudes simples e generosas, em vez de mesquinharias e fofocas.
O
bem como princípio é vetor determinante na promoção da paz. Nesse horizonte, é
necessário redobrar a atenção e analisar as tragédias provocadas pelo mal, que
se alastra com muita facilidade. Suas raízes precisam ser conhecidas e
extirpadas. Nesta tarefa, fundamental é refletir sobre a liberdade humana, que
é um bem, mas, não raramente, torna-se porta de entrada para o mal que dizima
vidas, destrói projetos e prejudica as relações. A experiência maravilhosa da
liberdade não pode ser pautada apenas pelos critérios e interesses políticos ou
sociais. É preciso incluir aportes de caráter espiritual para não assorear a
fonte indispensável da ética, que inspira condutas orientadas pelo bem.
Há
uma gramática da lei moral que encanta o coração para viver de modo amoroso e,
consequentemente, convencer-se de que é necessário vencer o mal pelo bem. Essa
gramática da lei moral é o amor único, capaz de iluminar para além da
inteligência, de encontrar motivos maiores que os oferecidos pela razão e de
conseguir ver além dos limites e estreitezas do humano. Capacita todos para
enxergar a dignidade fascinante de cada pessoa, merecedora de todo respeito,
deferência e cuidado.
Investir
mais na aprendizagem da gramática da lei moral é urgente. Trata-se de
experimentar o amor fraterno e solidário, edificando em cada pessoa uma
interioridade que a torne sensível aos mais pobres, comprometida com o bem dos
sofredores e a promoção da justiça. Não basta, pois, a sofisticação de aparatos
externos que, por si só, são insuficientes para mudar quadros trágicos mundo
afora, incluindo aqueles aos quais estamos inseridos. Os cenários que afligem
serão redesenhados com a gramática da lei moral, com a força do amor, na medida
em que for aprendido e vivenciado o princípio de que se deve sempre vencer o
mal pelo bem.’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http
://www.cnbb.org.br/outros/dom-walmor-oliveira-de-azevedo/15779-vencer-o-mal-pelo-bem
Nenhum comentário:
Postar um comentário