Para
dar passos avante no âmbito ecumênico, às vezes vale mais um abraço, como o do
Papa Francisco e o Patriarca Bartolomeu, do que muitas discussões doutrinais.
Foi
o que disse o pregador da Casa Pontifícia, Frei Raniero Cantalamessa, em entrevista ao jornal vaticano ‘L’Osservatore Romano’, em vista das
pregações para a Quaresma, que terão início na sexta-feira, 27 de fevereiro, na
capela Redemptoris Mater do Palácio
Apostólico, na presença do Papa.
O
religioso capuchinho desenvolverá o tema ‘Dois
pulmões, um só respiro. Oriente e Ocidente unidos na profissão da mesma fé’.
‘OR : Por que a escolha deste tema?
Frei Raniero Cantalamessa : - ‘O apelo a partilhar plenamente a fé que une Oriente e Ocidente, lançado
por Francisco por ocasião do recente encontro com Bartolomeu, fez nascer em mim
o desejo de dar uma pequena contribuição para a realização deste desejo que não
é somente do Papa, mas de toda a cristandade. Como o corpo humano, também o
corpo de Cristo, a Igreja, segundo uma imagem querida para João Paulo II, tem
dois pulmões e, como no corpo humano, eles devem respirar uníssonos. Daí, o
título das pregações.’
OR :
O senhor faz votos de uma mudança de
linha em âmbito ecumênico. Pode explicar-nos a que se refere?
Frei Raniero Cantalamessa : - ‘Até então, no esforço de promover a unidade entre os cristãos
prevaleceu a linha de resolver primeiro as diferenças, para depois partilhar
aquilo que temos em comum; ora, a linha que tem tomado pé em âmbitos ecumênicos
é partilhar aquilo que temos em comum, para depois, num clima de fraterno
respeito, resolver as diferenças. O resultado mais surpreendente desta mudança
de perspectiva é que as mesmas reais diferenças doutrinais, ao invés de
aparecer como um ‘erro’, ou uma ‘heresia’ do outro, muitas vezes nos parecem um
necessário corretivo e um enriquecimento da própria posição. Teve-se um exemplo
disso, em outra situação, com o Acordo de 1999 entre a Igreja católica e a
Federação mundial das Igrejas luteranas, a propósito da justificação mediante a
fé.’
OR :
Quais são os pontos de contato e os que
mais se distancianciam entre Tradição ocidental e Tradição oriental?
Frei Raneiro Catalamessa : - ‘Os grandes mistérios da fé, nos quais buscarei verificar os pontos em
comum, embora na diversidade das duas tradições, são o mistério da Trindade, a
pessoa de Cristo, a pessoa do Espírito Santo e a doutrina da salvação. Dois
pulmões, um único respiro : essa será a convicção pela qual pretendo me deixar
guiar em tal caminho de revisitação. Francisco fala de ‘diferenças
reconciliadas’ : não silenciadas ou banalizadas, mas reconciliadas. Um sábio
pensador pagão do Séc. IV, Quinto Aurélio Símaco, recordava uma verdade que
adquire todo o seu valor se aplicada às relações entre as várias teologias do
Oriente e do Ocidente : Uno itinere non potest perveniri ad tam grande secretum
(Não se pode chegar a um mistério tão grande percorrendo um único caminho).
Tratando-se de simples pregações quaresmais, é evidente que abordarei problemas
tão complexos sem nenhuma pretensão de inteireza, com uma intenção prática e
orientadora, mais que especulativa.’
OR : Em quais aspectos os esforços ecumênicos
podem se concentrar?
Frei Raniero Cantalamessa : - ‘No âmbito do diálogo ecumênico oficial, sei que o epicentro do
interesse, neste momento, é o tema da Igreja. A Comissão Fé e Constituição, da
qual também a Igreja católica faz parte, tem concentrado seus esforços sobre
este epicentro, e elaborou um documento intitulado ‘A Igreja : rumo a uma visão
comum’ que marca um notável passo adiante na identificação daquilo que deve ser
o dado fundamental comum a todos, e daquelas que, por sua vez, são as
características próprias e compartilháveis de cada tradição cristã.’
OR :
Até que ponto gestos como a recente
visita do Papa Francisco ao Patriarca Bartolomeu pode influenciar no caminho
ecumênico?
Frei Raniero Cantalamessa : - ‘A experiência demonstrou que os verdadeiros ‘saltos de qualidade’ nas
relações entre Igreja católica e Ortodoxia não foram tanto os diálogos
bilaterais, mas dois abraços : o abraço entre Paulo VI e Atenágoras, e,
ultimamente, o abraço entre Francisco e Bartolomeu. Mas isso já se tornou uma
convicção comum : o ecumenismo doutrinal deve ser acompanhado, e, aliás,
precedido, de um ecumenismo do ágape, ou seja, da caridade e da amizade. É
inacreditável quantos muros pareciam indestrutíveis, e caíram, como o muro de
Berlim, de um dia para o outro, unicamente com um abraço ou um gesto de
reconciliação. Nos últimos tempos como presidente do Pontifício Conselho para a
Promoção da Unidade dos Cristãos, o Cardeal Walter Kasper insistia muito sobre
a necessidade de um ‘ecumenismo espiritual’ que aplaine o terreno para o
ecumenismo doutrinal.’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/em-coloquio-com-frei-cantalamessa-um-abraco-em-fav
Nenhum comentário:
Postar um comentário