*Artigo de Dom Alberto Taveira Corrêa,
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
‘O
Livro de Jó é uma preciosa meditação a respeito da condição humana nesta terra,
permeada pela pergunta provocante a respeito do mistério do sofrimento. Uma das
constatações feitas pelo personagem, em cujo lugar poderíamos estar todos nós,
é a rapidez com que corre o tempo e a fragilidade do dia a dia. ‘Se me deito, penso : Quando poderei
levantar-me? E, ao amanhecer, espero novamente a tarde e me encho de
sofrimentos até o anoitecer. Meus dias correm mais rápido do que a lançadeira
do tear e se consomem sem esperança’ (Jó 7, 4-6). O tempo nos escapa
velozmente pelos dedos, pelo que deve ser valorizado e aproveitado
adequadamente. Que remédio temos para a correria interna e externa na qual
fomos mergulhados? Como dar valor permanente aos frágeis gestos e atitudes que
preenchem nosso dia a dia? Como dar sentido novo às agendas de todo tipo que se
multiplicam, com os alertas cotidianos para o compromisso que se segue?
Nosso
Salvador, Jesus Cristo, entrou nas estruturas humanas e no ritmo de vida da
Palestina de seu tempo. Percorreu estradas, lagos e montanhas, encontrou
pessoas e se deparou com uma imensa diversidade de situações. Todos foram
tocados pela sua presença e ninguém passou em vão ao seu lado. Seu amor
redentor consola, reanima, impulsiona. Morto e Ressuscitado, continua presente
na Igreja! Basta experimentar o silêncio eloquente do Sacrário. Quantas
lágrimas, exclamações, sorrisos e gratidão são desfiados diante de nossos
Tabernáculos! Mas vale abrir o Evangelho e verificar como, de forma muito
prática, Jesus conseguia trabalhar tanto e estar sempre ‘inteiro’ diante das pessoas, fossem estas as mais pecadoras ou as
mais simples, como fez com as crianças.
O Evangelista
São Marcos descreve a jornada de Jesus (Cf. Mc 1, 29-39). Deixemos que seja
nosso guia, ao acompanharmos o percurso feito pelo Senhor. Pela manhã, vai à
Sinagoga, onde liberta um homem do demônio. Traz um ‘ensinamento novo, e com autoridade’. Em seguida, junto com Tiago e
João, é hóspede na casa de Simão e André, onde se achava de cama, com febre, a
sogra de Simão. Jesus não perde tempo! Aproxima-se, tomando-a pela mão,
levantou-a, a febre a deixou, e ela se pôs a servi-los. Certamente a convivência
em torno da mesa terá sido recheada de alegria e gratidão, tempo gasto com os
outros! Ao anoitecer, depois do pôr do sol, levavam a Jesus todos os doentes e
os que tinham demônios e a cidade inteira se ajuntou à porta da casa. Curava as
pessoas e expulsava os demônios. De madrugada, ainda estava bem escuro, Jesus
vai a um lugar deserto para rezar. Quando os discípulos o encontram, abre-lhes
novos horizontes de missão, noutros lugares, pelas aldeias da redondeza, para
proclamar a Boa Nova. Qualquer pessoa pode confrontar o programa de atividades
de Jesus com a própria rotina de trabalho. Para reencontrar o equilíbrio
necessário, superando a tentação de superficialidade oferecida pela correria,
saibamos acolher as propostas do Senhor.
Faz
bem estar radicalmente rompido com a maldade e com o pecado. Nenhuma concessão
à corrupção à mentira e a iniquidade. Tal objetivo limpa a nossa vista ao
começar cada dia, desintoxicando o relacionamento com o próximo. Mesmo quando
não temos a missão de expulsar demônios formalmente, exorcizar é enfrentar
corajosamente nossas conversões adiadas. Mas também prodigalizar ânimo e
consolação, perdão, denúncia do mal. Nasce a alegria em quem se libertou do
demônio! E o melhor exorcismo está na boca de quem sabe bendizer!
Na
companhia de Jesus e sustentados pela sua graça, o dia não passe sem alguma
iniciativa gratuita do bem, de forma especial pelos mais sofredores e
marginalizados, como o Senhor fez com a Sogra de Simão. Viver para si envenena
nosso coração e nosso tempo! Além disso, nossa conversão a Cristo exige
disposição para gastar tempo com os outros. Talvez nossas refeições venham a
demorar mais e ser mais humanas, para a elas acrescentar um pouco de conversa e
convivência! Basta verificar o quanto nos sentimos bem nos encontros familiares
mais longos, ou a refeição com amigos queridos. Não é desperdício de tempo!
O
cair da tarde de Jesus foi magnífico, com uma fila de gente machucada pela vida
e pelas enfermidades. Todos eram levados a ele e em todos ficava a marca de seu
amor. Nossa vida tem também grandes chances de maior equilíbrio e sentido, se
crescer nossa sensibilidade pelas necessidades alheias. Ampliar o horizonte
para a sociedade e para as possibilidades que nos foram concedidas para fazer o
bem! Aqui entram em cena os dons e carismas concedidos a cada cristão. Viver
apenas para se enriquecer, ou a busca desenfreada do prazer e dos destaques na
sociedade esvazia a alma. O Evangelho suscite em todos nós uma revisão do
projeto de vida que orienta nossas opções!
De madrugada,
podemos encontrar Jesus em oração! Sem o tempo para Deus, a escuta da Palavra
do Senhor, o fecundo silencia, a abertura da alma para as alturas, não é
possível ter uma vida equilibrada. Quem vive apenas da herança da formação
cristã recebida em tenra idade, ou das orações feitas no passado, gasta
depressa os presentes recebidos e se esvazia logo.
Enfim,
Jesus nos faz olhar para as aldeias, cidades, metrópoles ou multidões que
aguardam nosso zelo missionário. Cristão que se faz discípulo verdadeiro se
transforma imediatamente em missionário! Abram-se os horizontes e cada pessoa
descubra seu modo de servir no anúncio corajoso do Evangelho. Há muitos
tesouros escondidos no coração das pessoas e que podem transformar-se em
serviço ao Reino de Deus. Que ninguém se exclua do apelo que vem de Deus!
As
respostas para os dilemas da correria ou do sofrimento humano não estão
escritas num código de conduta, mas se encontram em alguém, Jesus Cristo! Quem
se dispuser a segui-lo, encontrará o sadio equilíbrio para a vida e arregaçará
as mangas para servir a Deus e ao próximo. Esta é a chave da realização. Mãos à
obra!’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http ://www.zenit.org/pt/articles/confrontar-o-programa-de-atividades-de-jesus-com-a-propria-rotina-de-trabalho
Nenhum comentário:
Postar um comentário