*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte
‘É
tempo da Quaresma, quando os discípulos e discípulas de Jesus são chamados
a escutar a Palavra de Deus com redobrada atenção amorosa para alcançar uma
qualificação humana e espiritual. Esse percurso educativo é indispensável para
a conquista de uma vida mais saudável, construída na justiça como projeto de
paz. Trata-se de um aperfeiçoamento que ocorre na interioridade de cada pessoa.
Promove a superação de desgastes, sofrimentos e disputas que abatem a condição
humana. Perdida a unidade interior, inevitáveis são os comprometimentos na vida
cidadã, no testemunho da fé e na conduta individual e comunitária. Crescem os
desvarios que ocorrem na sociedade contemporânea, marcada pela iluminação
instrumental da razão e pelas possibilidades dos grandes avanços tecnológicos.
De
um lado, o espetacular das conquistas e da modernização. Do outro, o cenário
injusto da miséria e exclusão de tantos pobres, a vergonha da corrupção, o
horror da violência e a superficialidade que a sociedade do descartável
alimenta nos corações. É preciso silenciar, escutar com maior acuidade,
recuperar o sentido determinante do outro na própria vida, o lugar inigualável
de Deus na existência de cada um e no coração da história. Fundamental também é
a disposição para remodelar-se, não exteriormente, nas aparências, mas no fundo
do coração. A interioridade é o núcleo central de comando ético e moral que
sustenta condutas balizadas pela justiça, pelo amor e pela coragem da
solidariedade.
Por
isso mesmo, a Igreja celebra o tempo quaresmal convidando todas as pessoas a
percorrerem esse caminho de quarenta dias para vivenciar, de modo adequado, a
Páscoa de Jesus Cristo, o único projeto de verdadeiro resgate e salvação da
humanidade. Um tempo para a checagem da qualidade humana e espiritual, na
certeza de que é possível encontrar as indicações das mudanças necessárias,
capazes de fazer da própria vida uma base fundamental que sustenta a construção
de uma sociedade mais justa.
Como
ocorre há mais de cinquenta anos, a Igreja no Brasil vivencia o tempo da
Quaresma promovendo a Campanha da Fraternidade. O tema e o
lema da Campanha em 2015 - ‘Fraternidade : Igreja e Sociedade’ e ‘Eu vim para
servir’ (cf. Mc 10,45) -
constituem, neste ano, o horizonte inspirador e de confronto. A indicação da
condição de servidor vem do próprio Jesus, o que Ele diz de si mesmo, na
obediência amorosa a seu Pai. Trata-se, portanto, de característica inegociável
e insubstituível de quem é discípulo de Cristo. Esse serviço é à vida, aos
pobres, a cada pessoa, à cultura da paz. Busca a justiça e a superação das
exclusões, que perpetuam a violência.
O
despertar da consciência de estar a serviço, em nome do Mestre Jesus, em tudo o
que se faz - no âmbito profissional, familiar, até naquele da vivência da fé e
da disposição ao voluntariado para recuperar e promover a dignidade sagrada de
toda pessoa - é o caminho revolucionário que a Igreja sabe que precisa trilhar.
Nessa trajetória, a Igreja reconfigurará o seu verdadeiro rosto, superando suas
incoerências, considerados os seus funcionamentos e a sua organização interna,
particularmente a conduta de seus pastores, ministros e servidores. Essa é a
coragem que a própria Igreja precisa revigorar, no mais íntimo de si, conforme
indica o Papa Francisco ao dizer : ‘Prefiro
uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma
Igreja enferma pelo fechamento e comodidade de se agarrar às próprias
seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, que acaba presa
num emaranhado de obsessões e procedimentos’.
A
Igreja Católica assume esse desafio em busca de conversão, de respostas novas e
adequadas, de olhar para si no contexto da sociedade contemporânea para servir
ainda mais, anunciando o Evangelho. Um compromisso com a vida de todos,
sobretudo dos pobres e sofredores, que é iluminado pela convicção e pelo
anúncio do Reino de Deus a caminho do qual estamos. Partilhamos a certeza de
que há uma vida definitiva a desabrochar plenamente para além deste tempo,
garantia incontestável da Páscoa do Senhor Jesus. Em espírito de escuta, de
profunda humildade, a Igreja, congregação dos discípulos de Jesus, deixa-se
interpelar pela indispensável revisão. Assim, busca avançar ainda mais na
vivência e no testemunho da caridade, que transforma e efetiva a missão de
servidora que tem a Igreja na sociedade.’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/igreja-na-sociedade
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