segunda-feira, 31 de julho de 2023

«Amo a vida e gosto de repetir que a vida é bela!»

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

O padre Manuel João Pereira Correia no Togo, país da África Ocidental onde foi missionário de 1985 a 1993 e de 2002 a 2010

*Artigo de Tomek Basinski

Como nasceu a tua vocação missionária?

A minha vocação missionária... nasceu comigo! Desde a minha infância que sentia o desejo de ser padre, talvez por influência da minha mãe que, quando eu era muito pequeno, me perguntava durante a Santa Missa : «Manuelzinho, não gostavas de ser padre também?» Esse desejo cresceu comigo, de tal forma que quando me perguntavam o que queria ser quando fosse grande, respondia com convicção : «Quero ser padre!» Os meus colegas e alguns familiares riram-se de mim, mas o sonho manteve-se vivo.

Quando tinha 10 anos, durante a escola primária, veio um comboniano e falou-nos com entusiasmo da vocação missionária. Por fim, perguntou-nos quem gostaria de ir para África com ele. Mas ninguém levantou a mão. Nem mesmo eu, por timidez. O professor, que talvez tenha pressentido que eu poderia ser um «candidato», chamou-me durante o intervalo e apresentou-me àquele promotor vocacional. Alguns meses mais tarde, fui aceite no seminário. E assim nasceu a minha vocação de padre comboniano.

Devo salientar que a decisão de dar o meu «sim» definitivo ao Senhor não nasceu de um esclarecimento das minhas dúvidas, mas sim de uma convicção íntima de que, mesmo que o futuro revelasse que a minha decisão tinha sido arriscada ou mesmo errada, o Senhor daria sentido à minha história. Esta convicção tornou-se para mim como uma «promessa de sentido» : «Estarei sempre contigo para dar sentido à tua vida!» Esta promessa sempre me acompanhou e iluminou os momentos difíceis da minha vida.

Poucos dias antes da minha ordenação [15 de Agosto de 1978], o meu pai confidenciou-me que, no momento da minha concepção, os meus pais fizeram uma espécie de oração ou consagração : «Senhor, se o nosso primeiro filho for um rapaz, nós oferecemo-lo a ti para ser padre!» E contou-me que não me tinha dito isto antes para não me condicionar na minha escolha. Outra confidência, da minha mãe (que guardo só para mim!), comoveu-me profundamente. Vejo-me na vocação de Jeremias, com as suas dúvidas, medos e timidez, mas chamado por Deus desde o ventre da sua mãe!

Trabalhaste em diferentes comunidades e países até que, em 2010, aconteceu algo que te obrigou a regressar e a ficar na Europa. O que é que aconteceu?

Comecei a ter dificuldade em andar e perguntei-me o que seria. No início, pensei que era falta de exercício. À noite, depois de terminar as minhas atividades, comecei a andar de bicicleta. Quando se tornou claro que era outra coisa, fui a um neurologista, que me aconselhou a regressar imediatamente ao meu país, Portugal, para fazer exames e me deu uma carta num envelope fechado para apresentar a um especialista. Quando cheguei a casa, abri-a e li o veredicto. Diagnóstico provável : esclerose lateral amiotrófica (ELA). Em Lisboa, este diagnóstico foi-me confirmado. Quando perguntei ao médico qual seria a evolução da doença, ele respondeu-me : «Muito simples, primeiro vai andar com muletas, depois numa cadeira de rodas, depois...».

Agradeci-lhe pela sua franqueza e fui-me embora!  Regressei a África (Togo) para terminar os últimos meses do meu serviço como responsável dos Combonianos na África Ocidental (Togo, Gana e Benim) e no final do ano regressei à Europa.

Como é que reagiste quando recebeste o diagnóstico do médico?

Na primeira noite, chorei um pouco, confesso, mas depois o Senhor concedeu-me uma graça que eu não esperava : uma grande serenidade, que sempre me acompanhou. É claro que, no início, me perguntei porque é que aquela desgraça tinha de me acontecer, mas dei logo a resposta a mim próprio : «E porque é que não tinha de te acontecer a ti? Por acaso és privilegiado?»

Pensava muitas vezes quando estaria completamente preso no meu corpo, mas uma certeza dava-me paz : «Não estarei sozinho, o Senhor será prisioneiro dentro de mim!» Pensei também na possibilidade de ficar completamente isolado da realidade exterior, mas outra convicção cresceu em mim : «Terei sempre a possibilidade de viver no mundo interior que habita na catedral do meu coração!»

O teu ministério mudou certamente à medida que a tua doença foi progredindo.

Sim, sem dúvida. No início, esperava viver, no máximo, alguns anos. De fato, vi morrer amigos que conheci com a mesma doença.  Como o Senhor me deu alguns anos a mais (já se passaram mais de doze anos!), pensei em dar a minha pequena contribuição no campo da formação permanente dos colegas, criando um blogue e partilhando com eles material de formação. Enquanto a minha situação o permitiu, prestei-me a colaborar com alguns grupos, dando o meu testemunho e cultivando amizades.

Disseste uma vez que a tua cadeira de rodas se tornou um púlpito para ti.... Como é que vês isso?

Sim, creio que a minha cadeira de rodas é o púlpito que Deus me deu para proclamar a Palavra de Deus. Creio que a nossa cruz é o lugar mais adequado para proclamar a Palavra. Vejo-me como o profeta Jonas no ventre da baleia, que me conduz para onde Deus quer que eu vá. Navego no mar da vida, entre as suas duas margens. De um olho da baleia olho para a vida nesta margem, do outro olho vislumbro a outra margem que nos espera, na bruma da fé e da esperança.

Sempre que me lembro de ti, vejo um homem sereno e sorridente. De onde vem essa tua alegria?

A serenidade que me acompanha desde o início da minha doença é um dom de Deus. Tenho a certeza disso, porque estava bastante preocupado com problemas de saúde, que não me faltaram na missão. Peço ao Senhor um sorriso todos os dias. 

O padre Manuel João recorre a um «ponteiro ocular», um programa de computador especializado que lê o movimento dos olhos para juntar as letras e formar palavras e, assim, comunica e atualiza continuamente o seu blogue (www.comboni2000.org) 


Desde 2018 que estás completamente imóvel. Como é que vives a dependência dos outros?

É a minha maneira de viver o meu voto de pobreza : estar em necessidade e ter de pedir tudo! Mas é também uma forma de cultivar a gratidão por cada pequena coisa. Além de agradecer a Deus por todas as pessoas que generosamente me ajudam, tento sempre retribuir com um sorriso nos lábios e uma bênção no coração. Por outro lado, isto é muito fácil porque todos me amam e me mimam!

E como é que comunicas com os outros, por exemplo, agora comigo?

Comunico sobretudo com os meus olhos, a única parte do meu corpo que ainda consigo mexer. Com os meus olhos escrevo, graças a um computador com um software especial que «lê» os movimentos dos meus olhos. Uma das muitas maravilhas da tecnologia!

Como é que vives a tua vocação missionária?

Amo a vida e gosto de repetir que a vida é bela! Tento transmitir este sentimento de admiração às pessoas que me rodeiam.

Por vezes, as pessoas que experimentam a doença e o sofrimento sentem dor e revolta em relação a Deus. Qual é hoje a tua relação com Deus?

Na doença descobri a generosidade de Deus! Durante alguns anos impressionou-me a imagem da visita do Senhor como um ladrão. Sentia que se tratava de uma visita dolorosa. Espontaneamente, pedia ao Senhor que não me visitasse como um ladrão. Que viesse como um amigo e batesse à minha porta, mesmo como um amigo importuno, a ponto de me obrigar a abrir-la, por amizade ou por força! Quando o Senhor me visitou com uma doença, exclamei espontaneamente : «Senhor, tu és um ladrão!» Uma vez por outra, ele tirava-me alguma coisa.  Descobri, no entanto, que Ele é um ladrão muito especial. Nunca nos tira nada sem nos deixar algo mais precioso! 

 O que é que dirias às pessoas que perderam a esperança e são infelizes no seu sofrimento e na sua doença?

Eu diria que a vida é sempre uma oportunidade! Desde o início da minha doença, uma convicção acompanha-me : a vida nunca fecha uma porta sem abrir outra. Só que, muitas vezes, ficamos tão obstinadamente presos a essa porta fechada que não nos apercebemos de que, entretanto, se abre outra porta.  No início, a doença era para mim como uma parede escura que cortava completamente todas as perspectivas de horizonte. A convicção de que a vida é sempre uma oportunidade levou-me a olhar para essa parede com outros olhos e a vislumbrar uma porta, até então invisível aos meus olhos, que me ofereceu uma nova visão da vida, mais profunda, mais ampla e mais bela, atrevo-me a dizer! É claro que a fé me ajudou neste processo. Claro que há situações que são particularmente trágicas, difíceis de aceitar e de gerir. Para o crente, é a hora da esperança e da fé no triunfo da vida, de que a cruz e a morte são a gestação. Ao não crente, diria para confiar no instinto da beleza da vida. Também esse é um caminho de esperança que nos conduz, ainda que inconscientemente, à Vida!

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.combonianos.pt/alem-mar/artigos/8/991/amo-a-vida-e-gosto-de-repetir-que-a-vida-e-bela/


domingo, 30 de julho de 2023

Missão na Amazônia peruana

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo da Irmã Fátima La Martinez,

Catequista de Jesus Crucificado


A nossa missão na Amazônia  peruana começou em 2017. Neste pequeno canto do mundo, que defino «dom de Deus», as coisas não funcionam da forma a que estávamos habituadas e, por isso, foram necessários muita criatividade e tempo da nossa parte para responder às necessidades das pessoas, para as conhecer e amar.

Vivemos em Iquitos, a maior cidade da Amazônia peruana, circundada pela natureza e por grandes rios. Não obstante, aqui a água potável só está disponível umas cinco horas por dia, a rede elétrica é instável e o acesso à Internet é lento. As pessoas vêm aqui de aldeias distantes e instalam-se ao longo das margens do rio. Vivem em situações muito precárias, fazem os trabalhos que aparecem e nem sempre são bem pagos. Mas isso não diminui o fato que sejam alegres e se sintam família. Gosto muito de ver as crianças a brincar e a saltar descalças nas ruas de terra.

O modo mais comum de se deslocar na Amazônia  é através da navegação fluvial. Há apenas uma estrada que liga Iquitos à cidade de Nauta, que fica a cem quilômetros de distância; as outras viagens são feitas por barco a motor, ferryboat ou pelos chamados «bongueros» [embarcação de fundo plano utilizada para o transporte fluvial de passageiros ou carga] e podem durar vários dias. De fato, as distâncias aqui são medidas mais em tempo do que em quilômetros.

Terra de missão

A Amazônia  peruana é uma terra de missão e o seu território está organizado em diversos vicariatos apostólicos confiados a congregações religiosas. Mas os missionários são poucos considerando a extensão do território. Por exemplo, no nosso Vicariato de Iquitos há apenas 33 sacerdotes, razão pela qual os animadores e nós religiosas desempenhamos um papel importante. 

Ao contrário dos outros vicariatos da Amazônia, aqui a maioria das paróquias encontra-se em Iquitos, cidade com cerca de meio milhão de habitantes. Mas o trabalho da Igreja chega também às comunidades nas aldeias distantes, localizadas ao longo dos rios e em lugares de difícil acesso devido à complexidade da geografia e ao elevado custo do transporte. Quando o nível da água desce, é impossível chegar a algumas áreas ou, para o fazer, é necessário caminhar na lama da selva e proteger-se dos insetos e outros animais.

Evangelizar e acompanhar

Neste contexto, o nosso trabalho é evangelizar e acompanhar, especialmente quantos vêm de aldeias distantes e trazem consigo sonhos, sobretudo para os seus filhos. Lembro-me de um primeiro encontro com a realidade pastoral que tive durante uma reunião de preparação para o sacramento do batismo de algumas crianças. Foi para mim uma grande surpresa verificar que apenas alguns pais eram batizados. Experimentei isto como um desafio e tive de mudar a catequese que tinha preparado. Progressivamente, compreendi que esta área é uma «terra virgem» para a evangelização, dado que muitos nunca pegaram numa Bíblia nem ouviram uma passagem da Sagrada Escritura.

Em sintonia com o carisma da nossa congregação, nestes seis anos temos colaborado em diversos serviços de catequese e de formação em diferentes paróquias. Tudo isto nos permitiu ir da cidade para as periferias e, assim, chegar às comunidades estabelecidas nas zonas ribeirinhas. Também ali tivemos a oportunidade de nos encontrarmos e servir os crucificados de hoje 

O encontro com o Crucificado

Às quartas-feiras levamos a comunhão aos doentes, acompanhamo-los e escutamo-los. Lembro-me como uma vez, apesar da repugnância que humanamente senti, fui capaz de contemplar Cristo na Cruz enquanto ajudava uma pessoa coberta de feridas. Então tudo teve sentido. Durante a pandemia sofri ao lado deles e chorei por não poder fazer nada ao ver tanta gente morrer, porque em Iquitos a pandemia foi devastadora.

Este encontro com tantos crucificados também nos compromete a dar voz a quem não tem voz. Aqui existem muitas empresas ilegais de exploração de madeira e extração mineira, que causam derrames de petróleo que poluem os rios e deixam a população sem água para beber e sem poder pescar para comer. Ante estas realidades, o nosso amor ao povo não permite que permaneçamos indiferentes e impele-nos a oferecer o nosso pequeno grão de areia para muda-las. E foi isto que nos levou a criar um escritório da Cáritas na nossa paróquia.

Estar na selva é um dom de Deus e, para nós, mesmo que o mundo não se dê conta do que fazemos, o esforço para caminhar ao lado deste povo, para o ajudar a recuperar a sua dignidade, é um início do Reino de Deus. Principalmente porque o fazemos juntas, pois caminho com as minhas irmãs da comunidade na procura constante da vontade de Deus.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.combonianos.pt/alem-mar/artigos/8/977/missao-na-amazonia-peruana/

quinta-feira, 27 de julho de 2023

O suicídio de padres no Brasil

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  
*Artigo do Padre Licio de Araújo Vale,

Diocese de São Miguel Paulista, SP


Mesmo a fé sendo uma aliada essencial para dar sentido à vida, e os padres, importantes alicerces para a vivência da fé, algo tem acontecido que extrapola a força da crença e da vocação. Tenho feito o registro do suicídio notificado de padres no Brasil. A minha pesquisa começa com a morte do Pe. Bonifácio Buzzi, aos 57 anos, em Três Corações-MG, em 07 de agosto de 2016 e termina com a morte do Pe. Mário Castro, aos 55 anos, na Diocese de Roraima, em 19/06/2023. De agosto de 2016 a junho de 2023, 40 padres se mataram no Brasil.

O suicídio é um fenômeno complexo e multifatorial. No caso dos padres, vários estudos apontam que os principais fatores de risco são o estresse, a solidão e a cobrança excessiva. O Papa Francisco acrescenta a questão do clericalismo : ‘O clericalismo é uma peste na Igreja’, afirmou ele em entrevista no voo de volta de Fátima, em 14/05/2017.

Nos dias de hoje, tanto a Igreja quanto os próprios sacerdotes enfrentam o desafio de atuar numa sociedade cada vez mais individualista, secularizada e espetacularizada, que apresenta grandes exigências causadas pelas mudanças sociais e pela pluralidade de valores. A evolução experimentada pela sociedade pós-moderna deixou sua marca na vida da Igreja, provocando uma mudança na imagem que as pessoas têm dela e, por conseguinte, de seus sacerdotes.

Diversas contingências incidem na realidade do sacerdote hoje. Neste artigo, convido vocês para de refletirem apenas sobre uma delas : o dilema entre a imagem teológica e a sociológica do presbítero.

Em muitos casos, a imagem teológica do sacerdote se contrapõe à imagem sociológica que lhe é atribuída na sociedade dita pós-moderna. A imagem teológica é aquela que o sacerdote projeta quando celebra os sacramentos, os sacramentais e quando se relaciona com seus colaboradores mais próximos. Por outro lado, a imagem sociológica é aquela que o presbítero recebe da sociedade, muitas vezes diferente daquela que ele tem de si próprio, o que pode causar estresse, solidão e abatimento. A contradição entre essas duas imagens pode levar o sacerdote a subvalorizar a imagem teológica, ou então enclausurar-se nela. Dessa forma, pode mover-se numa ambivalência que lhe facilite passar de uma imagem a outra. Mais ainda, a supervalorização da imagem teológica pode levá-lo a subestimar a imagem sociológica e cultivar o desejo de ocupar um posto na sociedade, ao passo que a infravalorização dessa imagem teológica pode levar a questioná-la e vê-la como um produto de uma teologia exagerada.

Portanto, o desafio dos sacerdotes neste aspecto resume-se a não fugir da realidade, refugiando-se na imagem teológica do presbítero, mas tampouco ignorar a imagem sociológica que se tem deles na sociedade atual. Mais ainda, devem viver coerentemente a dimensão teológica do sacerdócio, tão questionada a partir da realidade social em todos os seus aspectos. É o caso de um sacerdote recém-ordenado que fica deslumbrado com sua imagem teológica, motivo pelo qual nela se refugia e se identifica somente como sacerdote, porém começa a se distanciar de sua humanidade, de seu ‘ser pessoa’ com qualidades e defeitos. Gostaria de lembrar aqui que no caso da vocação sacerdotal o Senhor chama ‘pessoas’. Para ‘ser padre’, é preciso ‘ser’ primeiro.

Assim, evadir-se de sua verdadeira realidade pode resultar em uma personalidade fragmentada, inclusive com o aparecimento de transtornos psíquicos. O século XXI vem se caracterizando pela marcação de um ritmo diferente, no qual reinam o individualismo, a urbanização, a inteligência artificial, o metaverso, ou seja, uma outra realidade. Ser sacerdote no século XXI implica uma descoberta nova para a Igreja, porque os paradigmas anteriores e a experiência dos sacerdotes predecessores não respondem a todas as interrogações que os ministros ordenados atualmente enfrentam. Adaptar-se ao tempo presente mediante serviço fiel e efetivo ao chamado do Evangelho requer olhos e ouvidos atentos aos sinais dos tempos, habilidade para atender aos corações sedentos nesta mudança de época e cuidar de si.

Por fim, é relevante reconhecer a importância e urgência de uma melhor formação inicial nos seminários e noviciados (trabalhando mais efetivamente a dimensão humano-afetiva), a criação de estratégias pastorais mais apropriadas não só para a formação permanente, mas também para o cuidado dos próprios sacerdotes, como também enfrentar o medo e o preconceito em relação à saúde mental dos presbíteros.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2023-07/padre-licio-suicido-padres-brasil.html

quarta-feira, 26 de julho de 2023

O misterioso retrato de Sant’Ana, a mãe de Maria

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Zelda Caldwell


‘Um retrato de Sant’Ana, mãe da Santíssima Virgem Maria, foi descoberto na década de 1960 por uma equipe arqueológica polonesa durante escavação naa Catedral de Faras, antiga Núbia e atual Sudão.

O que torna o retrato tão misterioso é o gesto incomum de Sant’Ana. Ela é retratada com o dedo indicador da mão direita nos lábios.

A pintura, que desde 1964 faz parte da coleção do Museu Nacional de Varsóvia, foi descoberta pela equipe liderada pelo professor Kazimierz Michałowski como parte de um projeto da UNESCO para preservar relíquias do reino medieval da Núbia. Os governantes nubianos se converteram ao cristianismo por volta de 548 graças aos missionários enviados de Constantinopla pela imperatriz Theodora.

Sabemos que a pintura de parede é de Sant’Ana, a mãe da Virgem Maria e avó de Jesus, por causa da inscrição abaixo, que diz : ‘Santa Ana, mãe da Mãe de Deus…’

Sant’Ana não é mencionada no Novo Testamento – todas as nossas informações sobre ela vêm de literatura apócrifa. Ana e seu marido Joaquim não tiveram filhos até que, graças às orações e à fé em Deus, eles conceberam e deram à luz uma menina, Maria.

Sant’Ana era venerada na antiga Núbia, e acredita-se que as mulheres rezavam a ela pedindo sua ajuda para engravidar.

Mas por que Sant’Ana está pedindo silêncio?

Há interpretações diferentes do significado deste gesto. Alguns estudiosos afirmam que ela está pedindo silêncio, que segundo o site ArchaeoTravel.eu, pode aludir ao ‘silêncio divino’. Outra teoria é que o gesto indica simplesmente que ela está rezando.

De acordo com Archaeotravel.eu, o gesto, que raramente é visto na arte cristã, pode se referir a uma tradição cristã egípcia (copta), na qual as pessoas rezavam em silêncio enquanto colocavam o dedo da mão direita nos lábios. O gesto protegeria as pessoas do mal que tentaria entrar no coração humano durante a oração.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2020/07/29/o-misterioso-retrato-de-santana-a-mae-de-maria/


segunda-feira, 24 de julho de 2023

O que são os evangelhos apócrifos?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo da redação da Aleteia 


‘Os evangelhos apócrifos são textos religiosos sobre a vida de Jesus escritos sobretudo a partir da segunda metade do século II. Os primeiros cristãos já os haviam considerado não confiáveis do ponto de vista histórico ou, pelo menos, como não inspirados por Deus. Ainda que muitas vezes possuíssem conteúdos heréticos, tiveram influência na piedade popular e em muitas obras artísticas.

Os evangelhos apócrifos são todos aqueles textos religiosos centrados em Jesus que foram descartados pelos cristãos dos primeiros séculos e que não se encontram no elenco dos livros da Bíblia considerados pela Igreja como autênticos e inspirados.

A palavra ‘apócrifo’ vem do grego e significa ‘oculto’ ou ‘escondido’. No começo, o termo foi utilizado para designar os escritos que revelavam ‘verdades’ de cunho esotérico a ‘iniciados’. No entanto, esta palavra é utilizada hoje para qualificar em geral os escritos sobre a vida de Jesus que não foram aceitos pela Igreja como inspirados por Deus nem como norma de fé – ao contrário dos evangelhos atribuídos a Mateus, Marcos, Lucas e João – e que foram compostos na segunda metade do século I.

Os evangelhos que conhecemos são chamados de ‘canônicos’ (termo inspirado na vara ou ‘cana’ utilizada para medir os limites) e traçam o perímetro dos textos sagrados que entraram no ‘cânon’ da Bíblia católica, ou seja, o elenco oficial dos 73 livros (46 do Antigo Testamento e 27 do Novo Testamento), fruto de um processo de discernimento iniciado dento da Igreja no século II e que prosseguiu até o século IV, ainda que o selo definitivo tenha chegado com o Concílio de Trento, em 1546.

Os evangelhos apócrifos têm alguma semelhança com os quatro evangelhos canônicos, pois apresentam palavras e fatos ligados à vida de Jesus, ou narrações mais amplas sobre personagens já presentes nos canônicos. Começaram a circular no âmbito judaico e cristão a partir da metade do século II, como reflexo de tradições e temas populares, mas não eram lidos nas celebrações litúrgicas das primeiras comunidades cristãs nem gozaram de grande prestígio, como testemunha a escassez de manuscritos existentes que nos dão notícia deles.

Não foram aceitos porque eram considerados pouco confiáveis, já que foram compostos em uma época em que já haviam desaparecido não somente os Apóstolos e todas as testemunhas oculares dos acontecimentos ligados à vida e morte de Jesus, mas também os discípulos diretos dos Apóstolos e os membros das suas primeiras comunidades.

Estes escritos se dividem basicamente em quatro grupos : os mencionados pelos antigos escritores cristãos (pelos quais conhecemos algo do seu conteúdo), os fragmentos de papiro encontrados recentemente, os escritos que contêm detalhes sobre a infância de Jesus e os de cunho gnóstico, um movimento herético do começo do cristianismo.

Alguns evangelhos apócrifos, como o ‘Evangelho dos Hebreus’, são conhecidos somente pelas notícias dos escritores eclesiásticos. Outros, como o ‘Evangelho de Pedro’, chegaram até nós muito fragmentados – apenas alguns pedaços de papiro – e não acrescentam nada aos evangelhos canônicos.

O ‘Protoevangelho de Tiago’, o ‘Pseudo Mateus’ e o ‘Pseudo Tomé’ narram dados da vida de Jesus, de Maria e de São José que não aparecem nos evangelhos canônicos; por exemplo, pelo ‘Protoevangelho de Tiago’, conhecemos a presença do boi e da mula na gruta da Natividade e o nome dos pais de Maria – Joaquim e Ana.

Muitas vezes, estes textos estão repletos de detalhes fantásticos ou piedosos : neles se conta a história cajado florido de São José, o nome dos três reis magos (Melchior, Gaspar e Baltazar) e os milagres que o Menino Jesus fazia, e foram objeto de inspiração de lendas e obras de arte durante a Idade Média. Um exemplo disso é o ‘Mistério de Elche’, na Espanha (uma representação teatral sobre a Dormição, Assunção e Coroação da Virgem Maria, que acontece todos os anos, no mês de agosto, na Basílica de Santa Maria de Elche, de forma ininterrupta desde a Idade Média).

Outro grupo de evangelhos apócrifos é composto por aqueles que colocam sob a autoridade de algum apóstolo doutrinas e conteúdos estranhos à fé. Estão relacionados ao gnosticismo, um movimento filosófico-religioso que floresceu sobretudo no Norte da África, nos séculos II e III. A intenção primária dos gnósticos era validar o seu sistema de crenças, isto é, com os seus escritos, eles pretendiam remontar a origem das suas crenças ao próprio Cristo. Entre eles, destacam-se o ‘Evangelho de Maria Madalena’, o ‘Evangelho de Tomé’ e o ‘Pistis Sophia’.

Destes últimos, falaram muitos Padres da Igreja (grandes homens dos inícios da Igreja, aproximadamente do século II ao VII), para refutá-los e combater a suas derivações gnósticas. Na maior parte das vezes, estes escritos narravam supostas revelações de Jesus depois da sua ressurreição, sobre o princípio da divindade, a criação, o desprezo do corpo etc.

Existem pouco mais de 50 evangelhos apócrifos. Alguns são muito antigos; outros são descobertas recentes, como os escritos de Nag Hammadi (1945). Esses textos continham traduções originais do grego ao copto, quem contêm evangelhos apócrifos chamados de Tomé e Felipe, um ‘Apocalipse de Paulo’, tratados teológicos e palavras atribuídas a Jesus, de claro conteúdo gnóstico.

Alguns especialistas, atendendo ao seu conteúdo, costumam classificar os evangelhos apócrifos em 4 grupos :

– Evangelhos da infância : narram o nascimento de Jesus e os milagres realizados durante a sua infância.

– Evangelhos de logia : são coleções de ditados e ensinamentos de Jesus, sem um contexto narrativo. Muitos deles são gnósticos.

– Evangelhos da Paixão e Ressurreição : tentam completar os relatos da Morte e Ressurreição de Jesus.

– Diálogos do Ressuscitado : recolhem ensinamentos do Ressuscitado a algum dos seus discípulos. Estes últimos são típicos da literatura gnóstica também.

Os apócrifos mais conhecidos são : ‘Evangelho de Pedro’, ‘Evangelho segundo Tomé’, os ‘Evangelhos da Infância de Tomé’, ‘Evangelho de Bartolomeu’, ‘Evangelho de Maria Madalena’, ‘Evangelho segundo os Hebreus’, ‘Evangelho de Taciano’ (ou Diatessaron), ‘Evangelho do Pseudo Mateus’, ‘Evangelho Árabe da Infância’, ‘Evangelho da Natividade de Maria’, ‘Evangelho de Felipe’, ‘Evangelho de Valentino’ (Pistis Sophia), ‘Evangelho de Amônio’, ‘Evangelho da Vingança do Salvador’ (Vindicta Salvatoris), ‘Evangelho da Morte de Pilatos’ (Mors Pilati), ‘Evangelho segundo Judas Iscariotes’ e o ‘Protoevangelho de Tiago’.

Alguns evangelhos apócrifos são conhecidos há muito tempo. Outros foram descobertos recentemente, como no caso dos Papiros de Oxirrinco, procedentes da escavação arqueológica realizada pelos ingleses S. P. Grenfell e S. Hunt em 1897, na atual El-Bahnasa (Egito).

O mais importante acontecimento recente no campo dos escritos apócrifos ocorreu com a descoberta, por parte de camponeses – em um povoado egípcio chamado Nag Hammadi, em dezembro de 1945 –, de cerca de mil páginas em papiro : 53 textos divididos em códigos, cuja antiguidade remonta provavelmente ao século IV d.C.

Os escritos continham traduções originais do grego ao copto, quem contêm evangelhos apócrifos chamados de Tomé e Felipe, um ‘Apocalipse de Paulo’, tratados teológicos e palavras atribuídas a Jesus, de claro conteúdo gnóstico.

Às vezes, os apócrifos proporcionam detalhes que descrevem a sensibilidade dos cristãos dos primeiros séculos ou que confirmam os dados contidos nos evangelhos canônicos. Ainda que não contenham fontes escriturísticas de primeira mão, os evangelhos apócrifos podem ser úteis para confirmar alguns dados relatados pelos quatro evangelistas. Em outros casos, o valor dos apócrifos consiste em refletir a mentalidade do ambiente em que se originaram.

Por exemplo, o ‘Evangelho segundo os Hebreus’, que, para os especialistas, remontaria à primeira metade do século II. Não temos nenhum testemunho direto dele, mas apenas algumas frases recolhidas por alguns homens ilustres dos primeiros séculos, entre eles Sofrônio Eusébio Jerônimo, mais conhecido como São Jerônimo, que, além da célebre tradução latina da Bíblia a partir do grego e do hebraico, compôs a obra De viris illustribus, isto é, uma espécie de dicionário biográfico dedicado aos homens que haviam se distinguido de alguma maneira nos primeiros séculos.

Nesta obra, Jerônimo recolhe, em latim, uma pequena passagem do perdido ‘Evangelho segundo os Hebreus’, que ele provavelmente teria consultado várias vezes na biblioteca de Cesareia Marítima, fundada por Orígenes, uma das mais ricas e renomadas do mundo antigo, destruída pelos árabes junto com a cidade, em 638 : ‘Após ter dado a Síndone ao servo do sacerdote, o Senhor foi até Tiago e apareceu a ele’. Nesta passagem, Jerônimo recolhe a palavra sindon para traduzir a homônima palavra grega que havia empregado ao traduzir o Evangelho de Lucas (23, 53), em que se fala do lenço que envolvia o corpo de Jesus. O ‘Evangelho segundo os Hebreus’ teria, portanto, o mérito de testemunhar que, na época da sua composição, a Síndone se encontrava provavelmente na Palestina, talvez na própria Jerusalém.

Às vezes, o valor dos apócrifos consiste em refletir a mentalidade do ambiente em que se originaram e sobretudo a vontade das pessoas de preencher os vazios deixados pela sóbria descrição dos evangelhos canônicos. Por exemplo, o ‘Evangelho de Pedro’, composto em meados do século II, oferece, ainda que com detalhes estranhos, uma descrição do momento preciso da Ressurreição de Cristo. O relato reflete a necessidade que as pessoas tinham, especialmente os cristãos ligados à figura de Pedro, de imaginar o momento que transformaria para sempre suas vidas e que constituiria o centro da sua fé.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2013/04/04/o-que-sao-os-evangelhos-apocrifos/

sexta-feira, 21 de julho de 2023

A Igreja ante as revelações particulares

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Vanderlei de Lima, 

eremita na Diocese de Amparo, BA


A Revelação pública oficial da Igreja terminou com o fim da geração dos Apóstolos. Depois, ocorrem apenas as chamadas ‘revelações particulares’ ou ‘privadas’ que não merecem fé divina, mas apenas humana. Detalhemos isso.

O Concílio Vaticano I assim declara : ‘Deve-se, pois, crer com fé divina e católica tudo o que está contido na Palavra divina escrita ou transmitida pela Tradição, bem como tudo o que a Igreja, quer em declaração solene, quer pelo Magistério ordinário e universal, nos propõe a crer como revelado por Deus’ (Constituição Dogmática Sobre A Fé Católica, s. III, 24-4-1870, c. 1792).

Vê-se aí que o Magistério da Igreja é exercido de dois modos : o ordinário (= ensinamento cotidiano dos Bispos espalhados pelo mundo unidos ao Bispo de Roma, o Papa) e o extraordinário (= exercido bem mais raramente pelos Concílios Ecumênicos ou Gerais sob a supervisão do Papa ou pelo próprio Santo Padre quando, na função de confirmar seus irmãos na fé (cf. Lc 22,31s), proclama um dogma ou uma definição ex cathedra (definitiva) em temas de fé e moral). Já os demais pronunciamentos do Romano Pontífice merecem religiosa submissão da vontade e da inteligência (cf. Concílio Vaticano II. Lumen Gentium, 25).

Aqui, perguntamos : e como ficam as revelações particulares? – ‘Elas não pertencem ao depósito da fé’ (Catecismo da Igreja Católica n. 67); por isso, o fiel é livre para nelas crer ou não. Afinal, ‘a Igreja não pode impor à crença dos fiéis nem o presumido fato de uma aparição, nem o teor da respectiva mensagem’ (Dom Estêvão Bettencourt, OSB. Teologia fundamental. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2013, p. 145). Mais : se o fiel quiser crer, será apenas com fé humana, não divina. Sim, assegura o renomado teólogo dominicano Antonio Royo Marín que ‘estão excluídas como objeto material da fé divina e católica as revelações privadas que algumas pessoas em particular podem receber (por exemplo, Santa Teresa), de forma que somente elas estão obrigadas a crer com fé divina, caso tenham, em virtude da luz profética [a iluminar apenas o receptor da mensagem – Nota nossa], certeza da origem divina das mesmas’ (A fé da Igreja: em que deve crer o cristão de hoje. 2ª ed. Campinas: Ecclesiae, 2018, p. 62). Por parte dos demais fiéis, a expressão fé só humana é o assentimento que se dá à revelação feita por uma pessoa digna de crédito (eu acredito porque foi X que falou, se fosse Y não acreditaria). Distingue-se da fé divina que está no plano sobrenatural. É um dom de Deus, e merece assentimento, pois é Ele mesmo quem nos fala por meio de sua Palavra transmitida, interpretada e chancelada pela Igreja (cf. idem, p. 45-60).

Daí ser oportuno lembrar que, quando não se opõe à fé católica, mas está em conformidade com ela, a Igreja – sem se comprometer diretamente com as narrativas dos videntes – permite que o conteúdo edificante das visões seja divulgado. Lê-se na Encíclica Pascendi Domini Gregis, VI, ‘Essas aparições ou revelações não foram aprovadas nem condenadas pela Santa Sé, foram apenas aceitas como merecedores de piedosa crença, com fé puramente humana, em vista da tradição de que gozam, também confirmadas por testemunhas e documentos idôneos’.

A título de conclusão, devemos deixar claro – por meio de dois estudiosos jesuítas – que, embora não se imponham à fé católica, muitas visões ocorridas ao longo da história, ‘podem ser indícios da piedade dos videntes, e podem ser muito úteis na edificação e na firmeza da fé do povo, podem ser providenciais, podem até ser e virem acompanhadas de milagres de Deus’ (Pe. Oscar G. Quevedo, SJ. Palavra de Iahweh. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2003, p. 125). Mais : ‘Seria fruto de uma inteligência fechada para a verdade não colher as jóias destas minas de valores humanos’ (Pe. Afonso Rodrigues, SJ. Psicologia da Graça. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 1995, p. 115). Embora jamais possam se impor à fé católica, não devem ser, sem mais, rejeitadas como se nelas nada de útil se pudesse transmitir, de modo privado, ao Povo de Deus.

Portanto, examinemos tudo e fiquemos com o que é bom (cf. 1Ts 5,21).’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2020/08/09/a-igreja-ante-as-revelacoes-particulares/

quarta-feira, 19 de julho de 2023

Quatro grande vantagens para quem possui a caridade

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Angelo Bellon, OP


Questão

Caro Padre Angelo, São Tomás de Aquino fala da caridade somente na Suma Teológica?

Obrigado

Resposta do sacerdote

Caro,

Sim, e ele fala também em outros lugares, como por exemplo no terceiro livro do Comentário às Sentenças de Pietro Lombardo. Mas eu quero relembrar também uma breve apresentação dos efeitos e das vantagens da caridade, que São Tomás escreveu.

Comentando os dois preceitos da caridade (amar a Deus e ao próximo), ele enumera quatro efeitos desta virtude, que a tornam muito agradável, aos quais acrescenta outros cinco. Exponho a síntese dos primeiros quatro (São Tomás, In duo praecepta caritatis et in decem legis praecepta expositio, nn. 1139-1154).

1. Infunde no homem a vida espiritual (causat in eo spiritualem vitam)

É manifesto que o amado vive naturalmente no coração daquele que o ama. E por isso quem ama a Deus o possui dentro de si (qui diligit Deum, ipsum habet in se) : ‘quem permanece na caridade, permanece em Deus, e Deus nele’ (1Jo 4,16). 

Por seu dinamismo natural, o amor transforma o amante no amado; por isso, se amamos coisas sem valor e passageiras, tornamo-nos também nós sem valor e efêmeros, como diz o profeta Oseias : ‘tornaram-se abomináveis como aquilo que amaram’ (Os 9, 10). Se amamos a Deus, tornamo-nos divinos, porque ‘quem se une ao Senhor torna-se com ele um só espírito’ (1Cor 6,17). 

Mas como diz Santo Agostinho, ‘como a alma é a vida do corpo, assim Deus é a vida da alma’ (Confissões, X,1). E isto é obvio. De fato, digamos que o corpo vive graças à alma quando possui as atividades próprias da vida, aquilo que age e se move. Se a alma vai embora, o corpo não age e não se move mais. E assim, também a alma age virtuosae e perfeitamente quando age movida pela caridade, por meio da qual Deus habita nela. Sem caridade, porém, não age. De fato ‘quem não ama, permanece na morte’ (1Jo 3,14). 

Deve-se considerar também que se uma pessoa tem todos os dons carismáticos do Espírito Santo, mas não tem a caridade, não tem a vida. O carisma das línguas, da fé e também qualquer outro carisma, sem a caridade, não comunica a vida. Um cadáver, se revestido de ouro e de pedras preciosas, permanece igualmente um cadáver. Isto é, portanto, o primeiro efeito do amor.

2. A caridade nos faz observar os mandamentos

São Gregório diz que ‘o amor de Deus nunca se encontra no ocioso; porque existe, faz coisas grandiosas. Se se recusasse a agir, não seria amor’. Ou seja, sinal evidente da caridade é a prontidão no observar os mandamentos divinos. Nós vemos, de fato, que o amante é capaz de coisas grandes e difíceis pelo amado : ‘se alguém me ama, guarda a minha palavra’ (Jo 14,23).

Gosto de lembrar que João Paulo II, na Encíclica Veritatis Splendor, parece se referir a este pensamento de São Tomás quando escreve : ‘Quem vive «segundo a carne» sente a lei de Deus como um peso, mais, como uma negação ou, pelo menos, uma restrição da própria liberdade. Ao contrário, quem é animado pelo amor e «caminha segundo o Espírito» (Gál 5, 16) e deseja servir os outros, encontra na lei de Deus o caminho fundamental e necessário para praticar o amor, livremente escolhido e vivido’ (VS, 18).

3. A caridade é baluarte (praesidium) contra a adversidade

Quando uma pessoa possui a caridade, nenhum infortúnio ou dificuldade a prejudica, mas volta ao seu favor : isso porque ‘todas as coisas concorrem para o bem dos que amam a Deus’ (Rm 8, 28). Contrariedade e dificuldade parecem suaves a quem ama, como atesta a experiência. 

4. A caridade conduz à felicidade

Somente a quem possui a caridade é prometida a bênção eterna. Sem a caridade, de fato, tudo é insuficiente : ‘resta-me agora receber a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia, e não somente a mim, mas a todos aqueles que aguardam com amor a sua aparição’ (2Tm 4,8).

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2014/09/04/quatro-grande-vantagens-para-quem-possui-a-caridade/

segunda-feira, 17 de julho de 2023

Cada um tem seu tempo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Ana Lydia Sawaya


Após a teoria da relatividade de Einstein sabemos que o tempo não é uma dimensão absoluta, mas relacional e depende das circunstâncias e do contexto. Ou seja, sua medida varia – pode correr mais rápido ou mais devagar… 

Essa relatividade física pode ser reconhecida também em nossa experiência pessoal. Por exemplo, há uma diferença abissal entre uma hora realizando uma coisa que entedia ou faz sofrer como ir ao dentista e a mesma hora fazendo uma coisa que se gosta muito. O tempo, no primeiro caso, dura imensamente mais, parece que nunca passa, e no segundo caso passa tão rápido que nem percebemos. Mesmo que o espaço coberto pelos ponteiros do relógio seja o mesmo.

Gregos

Os gregos usavam três termos diferentes, kronosaiòn e kairòs, para designar o tempo. Kronos era usado para descrever a sucessão de instantes, o tempo na sua sequência cronológica e quantitativa, na mitologia grega era representado como um gigante, filho de Urano e Gaia que devorava seus próprios filhos até ser derrubado por Zeus. Aiòn expressava a temporalidade da vida, os intervalos, percalços e anacronismos da existência pessoal e representava a dimensão da consciência humana irredutível a qualquer lógica somativa e linear. Kairòs, o último filho de Zeus, era representado como um menino com asas nos pés, em constante movimento, com um tufo de cabelo na testa e nuca raspada para indicar a dificuldade em agarrá-lo. Ele segurava uma haste na qual uma balança repousava. Representava a hora certa, indicava o momento propício, oportuno, adequado, que devia ser apreendido no rápido instante que passa, o tempo ‘presente’, em relação ao qual uma capacidade vigilante e atenta permite compreender melhor o desenvolvimento do futuro. É o tempo onde se joga a liberdade humana e quando a inteligência e reconhecimento dos sinais pode determinar a felicidade no futuro. 

Percepção do tempo

Santo Agostinho acrescentará à compreensão do tempo a nossa pessoa, a pessoa de cada um de nós enquanto ‘percebe’ o tempo. Dirá que no espirito humano reside a percepção do tempo. O tempo é uma realidade que pode ser apreendida apenas a partir do espirito humano (Confissões, livro XI, cap. 27, resposta 36, Paulus, pg. 353 – 354, 17 edição, 2004) :

É em ti (meu espírito), repito, que meço os tempos. Meço, enquanto está presente, a impressão que as coisas gravam em ti no momento em que passam, e que permanece mesmo depois de passadas, e não as coisas que passaram para que a impressão se reproduzisse. É essa impressão que meço, quando meço os tempos. 

Esse espírito pensa, sente, age, interage com os outros e com a realidade à sua volta. O seu pensar, sentir e modo de agir está relacionado e de certa forma depende da cultura onde cresceu e da história do seu povo. Tudo isso influenciará e modificará a sua percepção do tempo.

Como viver o tempo

Heidegger dirá que a existência humana é na sua raiz ontológica temporalidade originária. (Martin Heidegger Il Concetto Di Tempo, Adelphi Edizioni, 8 ed., 2006, pg. 13). A vida humana é tempo e é determinada, essencialmente, por como vivo o tempo. E como viver o tempo para um cristão? Pode-se dizer que o modo cristão de viver o tempo no tempo, é sintetizado por uma palavra : Paciência.

A paciência é aceitar o tempo próprio de cada ser : é dar o tempo adequado ao nosso tempo pessoal; é aceitar o tempo de Deus e aceitar o tempo do outro. É pela vossa paciência que ganhareis a vida (Lc 21,19) diz Jesus já no final da sua missão terrena e próximo à sua prisão e crucifixão. Quanta paciência ele precisou ter… Até com seus amigos que não o compreendiam… São Paulo diz que a primeira característica do amor é a paciência (1Cor 13,4).

Presença de Deus

A paciência é um modo sábio de viver o tempo, saber esperar a recompensa futura e não querer agarrá-la a qualquer custo no instante fugaz. É saber esperar o dia certo para a ação do Espírito Santo. É saber conservar e valorizar a própria liberdade e a de outrem. De onde nasce essa sabedoria? Da capacidade de perceber a eternidade presente no instante. Se meu próprio limite, uma outra pessoa ou uma situação irritam-nos, nos enfurecem ou nos desencorajam e deprimem, paremos um pouco e busquemos reconhecer a eternidade presente naquele momento. Há algo além, acima, das coisas que vejo, ouço, toco ou sinto que governa tudo. As minhas sensações e percepções, não são tudo. Além das coisas que vejo, ouço, toco ou sinto, que estão na dimensão do espaço (no caso, sufocante…), há uma outra dimensão : o tempo. A. Heschel em seu livro O Schabat explica bem essa diferença (Editora Perspectiva, 2018, pgs. 127-128) :

As coisas do espaço expõem uma independência ilusória. As coisas criadas ocultam o Criador. É na dimensão do tempo onde se encontra Deus, onde o homem torna-se ciente de que cada instante é um ato da criação, um Começo, abrindo novas estradas para realizações finais. O tempo é a presença de Deus no mundo do espaço, e é no tempo que somos capazes de sentir a unidade de todos os seres. A criação, somos ensinados, não é um ato que ocorreu uma vez no tempo, uma vez e para sempre. O ato de trazer o mundo à existência é um processo contínuo. O chamado de Deus trouxe o mundo à existência, e este chamado prossegue. Existe este momento presente porque Deus está presente. Cada instante é um ato de criação. Um momento não é terminal mas um lampejo, um sinal do Começo. O tempo está em perpétua inovação, um sinônimo para a criação contínua. O tempo é a dádiva de Deus ao mundo do espaço.

Para não ficarmos presos apenas à dimensão do espaço sufocante, é preciso pararmos para reconhecer a eternidade do instante, e dar tempo ao tempo. Peçamos ao Senhor a graça de não perder as ocasiões que Ele nos dá para parar, dar-se conta da dimensão do tempo, e poder viver, o que se chama no final das contas, amor.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2023/04/23/cada-um-tem-seu-tempo/