sexta-feira, 29 de abril de 2022

Um século e meio de missão

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo da Irmã Maria del Prado Fernández Martin,

Missionária Comboniana


Jubileu das irmãs missionárias combonianas


‘Daniel Comboni fundou a Congregação das Irmãs Missionárias Combonianas a 1 de Janeiro de 1872, embora muitas pessoas naquela época pensassem que o missionário era louco. Não consideravam que fosse possível que as mulheres pudessem embarcar nesse projeto porque, até então, elas mal tinham estado envolvidas na obra evangelizadora. O seu destino era o claustro ou a família.

Cerca de quinze anos antes, em 1857, Comboni embarcara pela primeira vez numa expedição ao Sudão. Eram tempos difíceis porque a Propaganda Fide queria relançar a missão na África Central, apesar do alto custo em vidas humanas. Na realidade, em menos de um ano, um dos companheiros de Comboni morreu e os outros quatro tiveram de regressar a Itália para não serem enterrados no Sudão. Esta experiência de fracasso marcou-o. Nesses dias, algumas instituições pagavam o resgate dos escravos para os educar na Europa, pensando que poderiam, posteriormente, regressar aos seus próprios países para evangelizar o seu povo. Mas o frio e outros problemas fizeram com que houvesse uma elevada taxa de mortalidade entre os africanos que viviam na Europa, enquanto os missionários que iam para África não conseguiam suportar o calor e as febres e morriam rapidamente.

O Plano

Em 1864, sete anos após a sua primeira experiência africana, Comboni estava a rezar no túmulo de São Pedro em Roma quando teve uma inspiração. Trancou-se no seu quarto durante três dias para escrever o que lhe passava pela mente e pelo espírito. O documento que surgiu foi o Plano para a Regeneração da África, que tinha como eixo central o conceito de «salvar África com África». Entre as ideias que apareceriam nessas páginas estavam três que foram revolucionárias para a época. Em primeiro lugar, apontava para a necessidade da formação de um clero local. Não se devia continuar o sistema de formação de padres africanos na Europa, porque a realidade tinha mostrado que este modelo era insustentável. Em segundo lugar, sublinhou a necessidade de formar os leigos. E, finalmente, reconheceu o papel das mulheres e a sua importância no apostolado missionário. Se estas ideias não se materializassem, afirmava, as missões africanas estavam condenadas ao fracasso.

Quando as coisas pareciam estar claras, os apoiantes de Comboni viraram-lhe as costas, argumentando que não podiam suportar tantas perdas humanas e, por isso, abandonaram a missão da África Central. Foi o Cardeal Barnabò que o aconselhou a fundar um instituto missionário. A partir daí, a vida de Comboni tornou-se um constante ir e vir entre a Europa, o Egito e o Sudão. Comboni tinha um lema que o guiava e encorajava, «África ou morte», e com esta ideia em mente fundou em Verona (Itália), a 1 de Junho de 1867, uma congregação masculina, o Instituto Missionário para a África, atualmente os Missionários Combonianos.

No mesmo ano organizou uma expedição missionária ao Sudão na qual, pela primeira vez, foi acompanhado por dezesseis ex-escravas e três religiosas francesas de S. José da Aparição, a segunda congregação missionária feminina na história da Igreja, fundada por Emilie de Vialar em 1832. Mas Comboni sabia que estas religiosas não o acompanhariam para sempre na missão africana. E assim sucedeu, pois, doze anos mais tarde, elas retiraram-se do Sudão. Perante esta realidade, Daniel Comboni insistiu na ideia de fundar ele próprio uma congregação de mulheres.

Nascimento do Instituto

No dia 1 de Janeiro de 1872, Comboni fundou o instituto feminino, a que chamou Pie Madri della Nigrizia (Pias Mães da Nigrícia), hoje Irmãs Missionárias Combonianas, e que foi o primeiro instituto missionário feminino em Itália.

A Marietta Caspi, a primeira candidata, uniu-se dias depois outra jovem, Giuseppa Scandola. Dois anos mais tarde, duas mulheres que seriam os pilares fundamentais da congregação : Teresa Grigolini, que ingressou no instituto a 23 de Janeiro de 1874, e Maria Bollezzoli, que chegou em Setembro do mesmo ano, e que se tornou a primeira madre-geral, escolhida por Comboni para orientar o instituto que estava a dar os primeiros passos. Dela o fundador diria : «Encontrei a mulher de que precisava

 

A Ir. Elisabette Raule, missionária comboniana italiana e médica, com pacientes no hospital de Alua, Moçambique 


O vicariato apostólico

O ano de 1877 foi muito importante na vida de Comboni, porque a 2 de Julho foi nomeado vigário apostólico da África Central. Um mês depois, a 12 de Agosto, foi ordenado bispo em Roma e, a 15 de Dezembro desse ano zarpou de Nápoles com três sacerdotes, seis irmãos e cinco missionárias – Teresa Grigolini, Marietta Caspi, Maria Giuseppa Scándola, Vittoria Paganini e Concetta Corsi. Partiram com uma caravana diretamente para o Sudão. Viajaram por mar, atravessaram o deserto em camelos durante catorze horas e dormiram na areia até chegarem a Cartum dois meses mais tarde. Comboni estava convicto : se não houvesse mulheres nas missões africanas, elas não poderiam continuar e estariam condenadas ao fracasso.

Apostolado africano

O fundador tinha imensa confiança nas mulheres. Sabia que nessa altura não tinham muita formação, mas ele educou-as para a missão, acompanhou-as como um pai, guiou-as e levou-as para o apostolado africano. Em 1878 escreveu : «O vicariato da África Central é o mais extenso e mais laborioso; aqui o trabalho da irmã é um sacerdócio. Nos locais onde elas se encontram, a missão é sólida.» E noutra carta a uma irmã religiosa afirmou : «Eu fui o primeiro a fazer com que colabore no apostolado da África Central o onipotente ministério da mulher do Evangelho e da irmã da caridade, que é o escudo, a força e a garantia do ministério do missionário.» Atualmente, a presença feminina na missão supera em muito a masculina. Mas esta afirmação de São Daniel Comboni, naquela época, não foi bem compreendida.

Em Julho de 1880, Fortunata Quascé, uma sudanesa originária da Núbia, iniciou o seu noviciado em El Obeid. Mais uma vez, Comboni superou os estereótipos ao acolher uma mulher africana no seu instituto.

As Mães da Nigrícia não eram monjas, mas missionárias, e isto era algo sobre o qual o próprio Daniel Comboni era muito claro. Para ele, os seus religiosos tinham de ter uma espiritualidade e uma formação orientadas para a missão e forjadas por ela. Alguns meses antes da sua morte, escreveu ao P. Giuseppe Sembianti, reitor dos dois institutos missionários para a Nigrícia : «[Os institutos] prepararão missionários e irmãs verdadeiramente santos, mas não santarrões, porque a África não precisa de beatos, mas de almas valentes e generosas, que saibam sofrer e morrer por Cristo e pelos negros

 

A irmã comboniana portuguesa Dorinda Cunha no Sudão do Sul


 A cruz e o crescimento

Comboni assistiu com tristeza à morte de uma das suas primeiras missionárias, Maria Bertuzzi, que tinha acabado de chegar ao Sudão, em 1880. Morreu em El Obeid com a idade de 21 anos. Presenciou também a morte da primeira candidata, Marietta Caspi, em Maio do mesmo ano.

Comboni tinha atravessado o deserto oito vezes, e isto só podia ser suportado por pessoas de grande força e fé, mas as dificuldades, a fome e a febre também o fizeram sucumbir. Morreu aos 50 anos de idade, a 10 de Outubro de 1881. Pouco antes disse : «Eu morro, mas a minha obra não morrerá.» Nessa altura, as Irmãs Missionárias Combonianas eram 22, das quais 15 já se encontravam em África – no Egito e no Sudão – e as restantes em Verona.

Os anos que se seguiram foram anos de grande sofrimento. Entre 1881 e 1899, a guerra madista [Muhammad Ahmad bin Abdullah (mais tarde Muhammad al-Mahdi) chefiou desde 1881 um movimento religioso, político e militar contra o Quediva do Egito, que governou o Sudão desde 1821] destruiu tudo o que os missionários tinham criado com tanto esforço e sacrifício. Alguns leigos, padres e religiosas puderam fugir para o Egito, mas dezesseis deles foram feitos prisioneiros. Sofreram todo o tipo de perseguição e alguns sucumbiram às privações. Tudo parecia condenado à ruína. Contudo, poucos anos após o fim da rebelião madista, os missionários regressaram ao Sudão, provando que o espírito do fundador, a sua paixão por África e pelo Evangelho não tinham diminuído.

Entre 1930 e 1960, a congregação espalhou-se por outros países africanos, chegou aos Estados Unidos e à América Latina, entrou no Médio Oriente e estendeu-se pela Europa.

Na sua história recente, as Irmãs Combonianas viveram a expulsão do Sudão em 1964, a rebelião Simba no antigo Zaire no mesmo ano, e as consequências das guerras na República Democrática do Congo. A Irmã Liliana Rivetta morreu em fogo cruzado em 1981 no Uganda, enquanto a Irmã Teresa dalle Pezze foi vítima de uma emboscada em Moçambique em 1985.

Sonhar o futuro

A Igreja Católica está no meio de um processo de reflexão sobre a sinodalidade, o tema do Sínodo dos Bispos de 2023. Ao observar a figura de Comboni, vemos que, embora incompreendido, estava à frente do seu tempo. No seu carisma e projeto missionário já estava presente esta perspectiva de comunhão eclesial e de caminho feito em conjunto.

Hoje, a paixão pela missão de Daniel Comboni continua a inflamar e inspirar uma família missionária que inclui sacerdotes, irmãos, irmãs e leigos de ambos os sexos. Ele tinha razão quando disse : «Eu morro, mas a minha obra não morrerá

As Missionárias Combonianas, o instituto feminino que Comboni fundou há 150 anos, embora não sendo muito numeroso, está presente nas periferias do mundo. As Irmãs Combonianas estão junto dos mais pobres e abandonados e, fazendo caminho com essas comunidades, comprometem-se ativamente na construção de um mundo melhor.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.combonianos.pt/alem-mar/artigos/8/724/um-seculo-e-meio-de-missao/

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Francisco: ainda hoje há muitos homens e mulheres escravizados

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
FFrancisco recebeu participantes da Conferência de 'Solidariedade Trinitária Internacional'

*Artigo de Silvonei José


‘Ainda hoje há muitos homens e mulheres escravizados, disse o Papa Francisco recebendo na manhã desta segunda-feira (25.04), no Vaticano, os participantes da Conferência de ‘Solidariedade Trinitária Internacional’, expressão da Ordem da Santíssima Trindade. Depois de agradecer as palavras de saudação do Superior Geral Francisco disse que ficou impressionado ao ver como eles puderam atualizar o carisma da Ordem dando vida a esta organização, que defende a liberdade religiosa não de forma teórica, mas cuidando de pessoas que são perseguidas e encarceradas por causa de sua fé. Ao mesmo tempo - disse ainda -, não faltam estudo e reflexão da parte deles, que também encontram expressão na esfera acadêmica através do curso de estudos sobre liberdade religiosa no Angelicum, de Roma, uma cadeira com o nome de seu fundador São João de Matha.

Francisco parabenizou os presentes por este compromisso que estão cumprindo, inspirado no carisma original. Voltando depois ao tempo de São Francisco de Assis, disse o Papa : ‘o Espírito Santo suscitou naquele tempo - como sempre faz, em todas as épocas - testemunhas capazes de responder, segundo o Evangelho, aos desafios do momento’.

‘João de Matha foi chamado por Cristo a dar sua vida pela libertação dos escravos, tanto cristãos como muçulmanos. Ele não queria fazer isto sozinho, individualmente, mas fundou uma nova Ordem para este fim, uma ordem 'em saída', nova também em sua forma de vida, que deveria ser um apostolado 'no mundo'. E o Papa Inocêncio III deu sua aprovação e seu total apoio’.

Ordem da Santíssima Trindade e dos cativos’, ou seja, escravos, prisioneiros. Também esta combinação, destacou Francisco, faz refletir : a Trindade e os escravos. Não se pode deixar de pensar na primeira ‘pregação’ de Jesus na sinagoga de Nazaré, quando leu a passagem do profeta Isaías : ‘O Espírito do Senhor está sobre mim, / por isso ele me ungiu / e me enviou para trazer a boa nova aos pobres, / para proclamar a libertação aos cativos / ... para libertar os oprimidos’ (Lc 4,18; cf. Is 61,1-2).

Jesus é o Enviado do Pai e é movido pelo Espírito Santo. Nele, toda a Trindade opera :

‘E a obra de Deus Amor, Pai, Filho e Espírito Santo, é a redenção do homem: por esta razão, Cristo derramou seu sangue na cruz. Em resgate por nós. Esta obra é prolongada na missão de toda a Igreja. Mas em sua Ordem encontrou uma expressão singular, peculiar, eu diria ‘literal’ - um pouco como a pobreza em Francisco -, ou seja, o compromisso com o resgate dos escravos’.

Francisco recordou que este carisma é, infelizmente, de uma atualidade flagrante! Seja porque mesmo em nosso tempo, que se vangloria de ter abolido a escravidão, na realidade há muitos, demasiados homens e mulheres, até mesmo crianças reduzidas a viver em condições desumanas, escravizadas. Seja porque, como evidenciado durante a conferência, a liberdade religiosa é violada, às vezes pisoteada em muitos lugares e de várias maneiras, algumas rudes e óbvias, outras sutis e ocultas.

Antigamente, - disse o Papa - era costume dividir a humanidade entre bons e maus : ‘‘Este país é bom...’. - ‘Mas fabrica bombas!’ - ‘Não, é bom’ - ‘E este é mau...’. Não, hoje a maldade permeou a todos e em todos os países há bons e maus. A maldade, hoje, está em toda parte, em todos os Estados. Também no Vaticano, talvez!

O Papa finalizou seu breve discurso agradecendo pelo trabalho da Ordem e os encorajou a prossegui-lo, também colaborando com outras instituições, eclesiais ou não, que compartilham de seu nobre propósito. Mas, por favor, disse, sem perder sua especificidade, sem ‘diluir’ o carisma.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2022-04/francisco-ainda-hoje-muitos-homens-e-mulheres-escravizados.html

segunda-feira, 25 de abril de 2022

O Conselho Mundial de Igrejas enfrenta apelos para expulsar a Igreja Ortodoxa Russa

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
O Patriarca Ortodoxo Russo Kirill de Moscou lidera um evento de consagração da catedral em Moscou em 10 de abril de 2022

*Artigo da National Catholic Reporter

Tradução  : Ramón Lara

 

‘O Conselho Mundial de Igrejas está sob pressão para expulsar a Igreja Ortodoxa Russa de suas fileiras, com detratores argumentando que o líder da igreja, o Patriarca Kirill, invalidou sua filiação ao apoiar a invasão da Ucrânia pela Rússia e envolver a igreja nas maquinações políticas globais do presidente russo Vladimir Putin.

O debate recebeu uma resposta na segunda-feira (11 de abril) do Rev. Ioan Sauca, secretário-geral interino do CMI, que afirma ter 352 igrejas-membro representando cerca de 580 milhões de cristãos em todo o mundo.

Sauca, padre da Igreja Ortodoxa Romena, que visitou refugiados ucranianos e criticou publicamente a resposta de Kirill à invasão, rejeitou a sugestão de expulsar o ROC, argumentando que isso se desviaria da missão histórica do CMI de melhorar o diálogo ecumênico.

É fácil excluir, excomungar, demonizar; mas somos chamados como CMI a usar uma plataforma livre e segura de encontro e diálogo, para nos encontrarmos e ouvirmos uns aos outros, mesmo quando discordamos’, disse Sauca em uma longa série de declarações postadas no site do CMI.

Assim foi sempre o CMI, e eu sofreria muito se durante meu tempo, perdêssemos esta vocação e mudasse a natureza do CMI.’

Mas Sauca pode estar enfrentando cada vez mais ventos contrários enquanto o CMI, um grupo ecumênico cristão global fundado em 1948 após a Segunda Guerra Mundial, se prepara para uma grande reunião de seu comitê central em junho. Com a guerra continuando na Ucrânia, onde as forças russas foram acusadas de cometer crimes de guerra contra civis, um crescente coro de vozes cristãs está questionando se o CMI deve cortar os laços com o que é visto como uma ação cúmplice.

No final de março, o teólogo, pastor e líder ecumênico tcheco Pavel Cerný publicou um editorial insistindo que o ROC há muito procura usar o CMI para seus próprios propósitos. Sobre o apoio de Kirill à invasão da Ucrânia, Cerný disse que ‘o ROC não deve ter permissão para continuar como membro do CMI até que se afaste desse falso caminho de nacionalismo religioso’.

Dois dias depois, o reverendo Rob Schenck, um cristão evangélico e presidente do Dietrich Bonhoeffer Institute em Washington, D.C., publicou seu próprio editorial no Religion News Service pedindo ao CMI que sancionasse Kirill e se referisse a ele como ‘uma ferramenta de propaganda do Putin’.

Os defensores do esforço para expulsar Kirill do CMI acreditam que ele desqualificou a entidade eclesial que representa ao endossar efetivamente a campanha militar de Putin para anexar a Ucrânia e não se opor à violência em massa contra uma nação pacífica’, escreveu Schenck. ‘Não apenas o conflito sangrento e principalmente contra cristão de Putin, que subverte a declaração de missão do CMI, mas está em total contradição e rejeição da oração sacerdotal de Jesus ao seu Pai celestial, 'que eles possam ser um como nós somos um'. (João 17,11b).

Schenck foi ecoado logo depois pelo ex-arcebispo de Canterbury Rowan Williams, ex-chefe da Comunhão Anglicana, que disse à BBC que há um ‘forte argumento’ para remover a igreja russa do CMI.

Quando uma igreja está apoiando ativamente uma guerra violenta, falhando em condenar violações óbvias em qualquer tipo de conduta ética em tempos de guerra, então outras igrejas têm o direito de levantar a questão e desafiar a igreja e dizer : ‘A menos que você possa digamos algo reconhecivelmente cristão sobre isso, temos que olhar novamente para sua associação’, disse Williams.

A reação é parte de uma onda mais ampla de críticas dirigidas a Kirill, que há muito apoia as ambições políticas de Putin e lançou as bases espirituais para justificar a invasão russa da Ucrânia. Sua retórica desde o início da invasão – como se referir aos inimigos da Rússia na Ucrânia chamando-os de ‘forças do mal’ e sugerir que a guerra é parte de uma batalha ‘metafísica’ maior contra o Ocidente e as ‘paradas gays’ – provocou indignação entre líderes religiosos em todo o mundo, incluindo o próprio Sauca.

Escrevo a Vossa Santidade como secretário-geral interino do CMI, mas também como padre ortodoxo’, escreveu Sauca em uma carta aberta a Kirill em março. ‘Por favor, levante sua voz e fale em nome dos irmãos e irmãs que sofrem, a maioria dos quais também são membros fiéis de nossa Igreja Ortodoxa’.

Kirill, que de outra forma falou pouco sobre as críticas feitas contra ele, respondeu a Sauca alguns dias depois – mas parecia indiferente aos seus argumentos. Em vez disso, Kirill afirmou que a culpa pela guerra não é da Rússia, mas ‘das relações entre o Ocidente e a Rússia’.

O diálogo estava de acordo com uma relação às vezes tensa entre o ROC e o CMI que remonta a décadas. De fato, a Igreja Ortodoxa Russa uma vez ameaçou sair do CMI em 1997 : o então representante do ROC acusou o CMI de tomar uma direção muito liberal, condenando ‘sua aceitação de mulheres sacerdotisas’ e ‘sua atitude em relação aos homossexuais.’

Sarah Riccardi-Swartz, especialista na Igreja Ortodoxa Russa e pós-doutoranda no projeto Recovering Truth : Religion, Journalism, and Democracy in a Post-Truth, da Universidade Estadual do Arizona, observou a ‘política ecumênica, igualitária e muitas vezes progressista, o CMI está em desacordo com a política social estridente e a visão moral do mundo da ROC.’

Mesmo assim, as recentes divisões dentro da comunidade cristã ortodoxa mais ampla – particularmente as tensões entre Kirill e o Patriarca Bartolomeu I de Constantinopla da Igreja Ortodoxa Oriental – aumentam as apostas de deixar o CMI. Muitas igrejas da ROC na Ucrânia declararam sua independência da igreja em 2018, e as divisões se aprofundaram desde a invasão : algumas igrejas ortodoxas russas na Ucrânia pararam de seguir Kirill durante seus cultos ou discutiram a separação, e pelo menos uma igreja da ROC em Amsterdã iniciou o processo de deixar a tradição.

A questão de sair ou continuar com a ROC tem a ver, em parte, com a questão maior da comunhão intra-ortodoxa’, disse Riccardi-Swartz ao RNS. ‘Deixar o CMI pode sinalizar o aperto dos mecanismos teológicos internos da ROC, apontando para um potencial cisma com o mundo ortodoxo maior.’

George E. Demacopoulos, professor de teologia e diretor do Centro de Estudos Cristãos Ortodoxos da Fordham University, concordou.

O ‘desejo do ROC de permanecer no CMI, apesar de seus constantes protestos retóricos de que tudo o que é ocidental é mau, é que outras Igrejas Ortodoxas estão ativas lá e não querem ficar de fora’, disse Demacopoulos em um e-mail. ‘Ele não quer que os católicos romanos ou os anglicanos, ou qualquer outra pessoa... falem pela Ortodoxia, eles querem ser os porta-vozes da Ortodoxia, mesmo que na realidade eles só falam pela estrutura institucional da Igreja Russa.’

O CMI convocou uma mesa redonda especial sobre a Ucrânia no final de março. Embora os representantes da Ucrânia e da Rússia não pudessem comparecer, o grupo reunido emitiu uma declaração denunciando ‘a agressão militar lançada pela liderança da Federação Russa contra o povo da nação soberana da Ucrânia’ e afirmando o direito dos ucranianos de ‘se defenderem dessa agressão’.

Compartilhamos a forte convicção de que não há uma maneira legítima pela qual essa agressão armada e suas terríveis consequências possam ser justificadas ou toleradas da perspectiva de nossos princípios de fé cristã mais fundamentais’, dizia o comunicado.

Enquanto isso, Kirill continua enfrentando uma forte reação de um amplo espectro de líderes cristãos, desde o Papa Francisco até alguns dos próprios padres ortodoxos russos do patriarca.

Quanto à questão da expulsão, um porta-voz do CMI disse ao RNS que apenas o comitê central do grupo, que se reúne em Genebra de 15 a 18 de junho, pode expulsar uma denominação membro. A base para a suspensão está descrita na constituição do CMI : ‘O comitê central pode suspender a membresia de uma igreja : (i) a pedido da igreja; (ii) porque a base ou os critérios teológicos para a membresia não foram mantidos por essa igreja ou; (iii) porque a igreja tem persistentemente negligenciado suas responsabilidades de membresia.

Em suas declarações recentes, Sauca observou que as expulsões do CMI são raras. O secretário apontou para debates passados, como quando os líderes discutiram se deveriam remover a Igreja Reformada Holandesa devido ao seu apoio ao apartheid na África do Sul. Em última análise, disse ele, a igreja cortou os laços do CMI por conta própria, apenas para ser readmitida mais tarde.

Sauca observou que também houve um debate acirrado sobre a Primeira Guerra do Golfo quando os líderes do CMI se reuniram em 1991, com muitas delegações criticando da Igreja da Inglaterra e igrejas sediadas nos EUA.

O CMI não optou por uma solução radical, nem decidiu excluir essas igrejas’, disse Sauca.

A única igreja a ser removida do CMI nos últimos anos, observou ele, é a Igreja Kimbanguista, uma tradição baseada na República Democrática do Congo que o CMI suspendeu devido a divergências sobre sua interpretação da Trindade, um conceito cristão pertencente à natureza de Deus.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1575358/2022/04/o-conselho-mundial-de-igrejas-enfrenta-apelos-para-expulsar-a-igreja-ortodoxa-russa/

sábado, 23 de abril de 2022

A contemplação na sociedade do cansaço

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Eder Vasconcelos e Roberto Camilo Órfão Morais


‘Segundo o filósofo Byung- Chul Han, o excesso de positividade, presente no mundo, devido às grandes mudanças tecnológicas, se manifesta também como excesso de estímulos, informações e impulsos.  Descreve que a chamada ‘multitarefa’, não apresenta nenhum progresso civilizatório.

Por contraditório que pareça ser, para Byung- ChuHan as evoluções tecnológicas- sociais, tem aproximado cada vez mais a sociedade humana da vida selvagem. Na vida selvagem, o animal está obrigado a dividir sua atenção em diversas atividades : ‘O animal não pode mergulhar contemplativamente no que tem diante de si, pois tem de elaborar ao mesmo tempo o que tem atrás de si’. O bem viver, no mundo contemporâneo, cedeu lugar à preocupação por sobreviver.

As novas tecnologias disponibilizam informação em excesso, com o ritmo acelerado, gerando uma atenção ampla; porém, rasa - superficial. Conforme a filósofa Hanna Arendt, ‘quanto mais superficial a pessoa é, mais suscetível está a ceder ao mal’. A disseminação de uma ‘cultura de ódio e intolerância’, em boa parte, se explica por essa ausência de compreensão da vida e, de suas relações. Sujeito às manipulações nas redes sociais, parte da população é conduzida numa onda de superficialidade e insensatez.

Assertivamente, já no final do século XIX, o poeta e filósofo Ralph Waldo Emerson, caracterizou o ser humano moderno : ‘um andarilho que corre sobre uma fina camada de gelo. Ele não tem um destino certo. Mas sabe que, se parar, o piso racha e morre afogado’ (...) ‘nossa segurança está em nossa velocidade’.

Por sua vez, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, evidencia que, a vida humana, finda numa hiperatividade mortal se, dela for expulso todo elemento contemplativo. Eis suas palavras : ‘Por falta de repouso, nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto. Assim, pertence às correções necessárias a serem tomadas quanto ao caráter da humanidade fortalecer em grande medida o elemento contemplativo’. O homem e a mulher do século XXI, tem a responsabilidade de fortalecer e estimular o ‘elemento contemplativo’, tão necessário para uma cultura do bem-viver e do bem-conviver equilibrado.

A contemplação, diante da vida, inicia e sustenta a aprendizagem, estabelece uma relação amorosa com saber. O amor à sabedoria, nasce do espanto (admiração), que por sua vez é fruto da contemplação da beleza do mundo. Essa contemplação cósmica, diante do mistério da vida, levou o místico Thomas Merton a dizer : ‘O poeta entra em si mesmo para criar. O contemplativo mergulha em Deus para ser criado’. Tanto o poeta, quanto o contemplativo, são envolvidos por uma aura de leveza, recolhimento e quietude.

O filósofo coreano Chul Han faz uma constatação : ‘A massa de informações eleva massivamente a entropia do mundo, sim, o nível de ruído. O pensamento necessita de silêncio. É uma expedição para o silêncio’. O nível de ruído, de barulho, interfere na qualidade do pensamento, da reflexão. Essa cultura contemporânea hiper ruidosa não gera nada de novo, reproduz o que já existe, expressa aflição, inquietação e, uma concepção reducionista da vida.

Contemplar significa compreender que, a acelerada rotina, não basta para a plenitude de nossa existência. Significa recuperar e, se reconciliar com a vida em seu instante vivido, dizendo sim à sua beleza. O tédio cansa, esgota. A contemplação reencanta e revigora a integridade da vida. ‘É uma expedição para o silêncio’. 

A busca da contemplação não deve ser confundida com anseios por sensações de arrebatamento. Nas palavras do Papa Francisco, ‘Contemplar e cuidar : eis duas atitudes que indicam o caminho para corrigir e reequilibrar nossa relação de seres humanos com a criação’.

A contemplação está presente também nos ensinamentos e na vida de Jesus de Nazaré : ‘Olhai os lírios do campo que não trabalham e nem fiam e, no entanto, nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu como um deles’ (Lucas 12, 27). Jesus de Nazaré é o contemplativo itinerante que sabe ver, olhar e contemplar a beleza da natureza presente nos lírios do campo. Quanta sensibilidade contemplativa. Parar e contemplar : eis a grande dificuldade do ser humano da pós-modernidade.

Parafraseando o teólogo Karl Rahnner que afirmou que ‘o cristão do futuro, ou será um místico ou não será cristão’, a humanidade nesse século ou será contemplativa ou perderá sua própria humanidade.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1575081/2022/04/a-contemplacao-na-sociedade-do-cansaco/

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Jesus instituiu a Tradição da Igreja durante o Tempo Pascal

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Francisco Vêneto,

jornalista

 

‘Jesus instituiu a Tradição da Igreja durante o Tempo Pascal : após a Ressurreição e antes de subir ao Céu, Ele voltou a aparecer aos Apóstolos, visivelmente, e lhes transmitiu mais uma série de ensinamentos orais. A Sua Revelação, portanto, continuou a ser comunicada verbalmente aos primeiros discípulos para que, por sua vez, eles pudessem comunicá-la ao mundo. O próprio Cristo, afinal, foi enfático :

Ide, pois, e fazei discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo’.

Jesus instituiu a Tradição. Ou seja, determinou a pregação e a instrução a todos os povos, em todos os lugares e em todos os tempos, por meio da transmissão oral da Sua Revelação. E, além da doutrina, as Suas instruções aos Apóstolos contêm as diretrizes que eles deveriam implementar para organizar uma sociedade visível, uma instituição, que, ao longo dos séculos, custodiasse e continuasse propagando a transmissão do ensinamento d’Ele.

Em artigo publicado pelo site Radio Roma Libera, o jornalista católico italiano Roberto de Mattei observa, por exemplo, que a primeira Missa celebrada por São Pedro ‘seguiu meticulosamente as indicações de Cristo’.

De Mattei também recorda que esta sociedade visível que é a assembleia dos fiéis, ou seja, a Igreja Católica, se rege com base em três pilares instituídos pelo Seu Fundador, Jesus Cristo :

  • a Hierarquia que Ele estabeleceu;
  • a Doutrina que Ele ensinou;
  • os Sacramentos que Ele instituiu.

Trata-se de uma unidade : se a doutrina de Jesus Cristo foi confiada por Ele próprio aos Seus Apóstolos para que a transmitissem a todos os povos, então a retidão dessa doutrina está vinculada à fiel sucessão apostólica, de modo que não se pode prescindir da hierarquia que garante a sua reta transmissão desde os tempos em que Cristo mesmo a pregou aos Apóstolos.

Por sua vez, esta sucessão apostólica só é garantida pela validade dos sacramentos, já que, entre eles, a ordem sacerdotal só é transmitida validamente por um ministro que tenha sido, ele mesmo, validamente ordenado por outro anterior, também ordenado por um sucessor dos primeiros Apóstolos.

Fidelidade à Igreja, portanto, exige fidelidade à sua doutrina, à sua hierarquia e aos seus sacramentos.

Naqueles dias entre a Ressurreição e a Ascensão, Jesus garantiu aos Seus seguidores, isto é, àqueles que livremente abraçaram a Sua doutrina, aderiram à Sua hierarquia e acolheram os Seus sacramentos :

Eu estarei sempre convosco até o fim dos tempos’ (Mt 28, 20).’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2021/04/14/jesus-instituiu-a-tradicao-da-igreja-durante-o-tempo-pascal/

terça-feira, 19 de abril de 2022

Com o coração de um filho

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Mattia Piccoli lê seu testemunho perante o Papa Francisco e adolescentes italianos
 

*Artigo de Alessandro Gisotti


‘Às vezes são os pequeninos que têm o maior amor e coragem. Do evento festivo na Praça São Pedro que viu o Papa Francisco encontrar uma multidão de adolescentes italianos, o testemunho de Mattia Piccoli, de 12 anos, que há alguns anos se tornou o anjo da guarda de seu pai que sofria da doença de Alzheimer, permanecerá na memória de todos. Em dezembro do ano passado, Mattia recebeu do presidente Sergio Mattarella a ilustre honra de Alferes da República Italiana. ‘Pelo amor e cuidado com que ele acompanha a doença de seu pai diariamente e o ajuda a combatê-la’, lê-se na motivação do Quirinale. Na segunda-feira do Anjo (18/04), Mattia testemunhou esse amor e cuidado com a espontaneidade de um adolescente que teve que ‘crescer’ rapidamente para ajudar seu pai Paolo. ‘Eu nunca fiz nada de má vontade ou por obrigação’, disse ele, enquanto o Papa e os adolescentes o ouviam com atenção e emoção. ‘Eu queria ajudar meu pai como um ato de amor, pensando em tudo o que ele tinha feito por mim’. Mattia disse que quando criança ele só pensava em brincar, mas de repente ele começou a notar que seu pai não parecia mais ser ele, parecia diferente e às vezes se esquecia de fazer as ações mais importantes, como pegá-lo na escola.

Eu simplesmente não entendia o que estava acontecendo com meu pai’, confidenciou, ‘mas em 19 de dezembro de 2016, recebemos a notícia que mudaria a vida da minha família : meu pai foi diagnosticado com Alzheimer precoce’. Uma doença devastadora, que parece quase esquiva porque paralisa a mente e os sentimentos de forma ‘misteriosa’, levando a pessoa afetada pela doença a uma dimensão de estranheza mesmo em relação aos afetos e recordações mais queridas. Uma doença que muitas vezes lança famílias, nas quais irrompe, num estado de solidão. Mas mesmo o Alzheimer não foi capaz de afastar um pai do filho que, com amor criativo e teimosia, o mantém perto dele, não o deixa ir. ‘A partir daquele dia’, disse Mattia, ‘minha tarefa, sem ajuda externa, era ajudar meu pai nas coisas diárias que ele não podia mais fazer sozinho, como tomar banho, amarrar os sapatos ou dar-lhe conforto quando não sabia onde estava’. O filho, portanto, protege o pai. Ajuda-o a dar passos incertos no caminho da vida, assim como seu pai havia feito com ele apenas alguns anos antes. Há alguns meses concluímos a celebração do ano especial dedicado a São José, testemunha e exemplo de paternidade. Nesta história extraordinária, é como se esse menino tivesse assumido as qualidades distintivas da paternidade, coragem, ternura e acolhimento, para proteger e encorajar seu próprio pai. Patris Corde torna-se assim Filii Corde.

Onde, pode-se perguntar com razão, um garoto encontrou essa força, todo esse amor para enfrentar uma provação maior que ele? ‘Esta força’, disse ele no encontro de segunda-feira, ‘me vem graças à minha família : à coragem da minha mãe, ao apoio do meu irmão e até mesmo do meu grande pai que sempre ajudou as pessoas e me ensinou o valor da solidariedade. A fé cristã também me ajuda muitas vezes quando estou triste e pra baixo, porque sinto muita falta do pai que eu tinha antes’. Mattia lembrou quando todos se reuniram na igreja para acender uma vela, confiando que seus pedidos fossem atendidos ou como seu pai ficava feliz quando cantava com o coral da paróquia. Uma história que, com o imediatismo de uma experiência vivida intensamente, tocou o coração de quem a ouviu. Em poucas palavras, em poucos minutos, o pequeno Mattia ofereceu assim um grande dom : testemunhou que o amor de um filho, a unidade de uma família e a solidariedade de uma comunidade de fé podem ajudar a suportar todas as provações.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2022-04/papa-francisco-encontra-adolescentes-garoto-pai-alzheimer.html

domingo, 17 de abril de 2022

Crer na Ressureição

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Eder Vasconcelos e Roberto Camilo Órfão Morais


‘Qual o sentido em falar de Páscoa, ‘passagem’ para uma vida nova, em meio às tantas contradições e divisões? Como falar de esperança, até mesmo contra toda esperança, em meio à tanto medo e sofrimento?

Muitos insistem em vincular o Deus da vida a um projeto de ódio e discriminação. Mas a nossa esperança cristã tem um nome  : Jesus Cristo. E se fundamenta em um fato : sua ressurreição. Os cristãos devem dar sempre ‘razão da esperança’ no meio de uma sociedade desesperançada. O ‘princípio esperança’ dos discípulos missionários de Jesus tem seu fundamento na própria esperança iniciada por ele. Nosso Deus não é Deus dos mortos. É Deus dos vivos. A ressurreição de Jesus é a maior prova disso. É a maior prova do amor do Pai para com o Filho. 

Carlos Mendoza-Álvarez, teólogo dominicano escreve na introdução do seu livro A ressureição como antecipação messiânica : ‘Crer na ressurreição será, em suma, insurreição de vida nova, praticada com dignidade, resiliência e esperança pelas pessoas e comunidades sobreviventes de hoje’. Crer na ressurreição é crer na vitória da vida sobre a morte. Crer na ressureição é crer no Cristo que diz : ‘Eu sou a ressureição e a vida’. Crer na ressurreição é colocar a vida em relevo. A Igreja proclama, professa em seu Credo : ‘creio na ressurreição da carne e na vida eterna’. Nós cremos na ressurreição! Nós cremos na vida!

Para o teólogo Hans Urs von Balthasar, Jesus Cristo em sua missão e Ressureição, caminha em direção contraria àquela das doutrinas filosóficas gregas sobre a morte : ‘não se trata de se desapegar das coisas transitórias para buscar refúgio em um Eterno, mas, ao contrário de lançar as sementes da eternidade nos campos do mundo, deixando que o reino de Deus venha brotar nesses mesmos campos’. 

É interessante observar que as primeiras testemunhas da ressureição de Jesus foram as mulheres. Por razões óbvias, pois elas que cuidaram de Jesus durante a vida, souberam cuidar na morte. Essas mulheres, nos ensinam que quem permanece cuidando até o fim, são as primeiras testemunhas do mistério da ressurreição.  

O crer, o testemunhar à ressureição, está vinculado ao saber cuidar. A Páscoa é tempo de renovar esse valor ético, responsável por manter e recriar a própria vida. É tempo de revisitarmos a ética do cuidado se, desejamos continuar a existir neste Planeta chamado Terra.

A fé cristã, revela, ‘um Deus sensível ao coração’. Amar, sem medo, ensina os evangelhos, porque a morte não é a última palavra, mas nos integra e reúne, para toda a eternidade...

Todos os dias Jesus morre crucificado devido nosso egocentrismo e ressuscita no saber cuidar de homens e mulheres generosos e solidários. A ressureição de Jesus de Nazaré abre um futuro de vida plena, plena vida para toda a humanidade. Sua ressurreição é o fundamento e a garantia da nossa ressurreição. 

A fome, as guerras, os genocídios e os terrorismos já não tem a última palavra : A vida ressurge dos escombros da morte. Jesus, o Vivente está no meio, no coração da comunidade cristã e diz para cada um de nós : ‘Coragem!  Eu venci a morte.’’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1574668/2022/04/crer-na-ressureicao/

sexta-feira, 15 de abril de 2022

A ressurreição do teu sofrimento

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo da 'Salus in Caritate'


‘Às vezes pode parecer que não há ressurreição das nossas crucificações pessoais.

Ao entrarmos bravamente em uma vida com Cristo, o sofrimento, a dor e a humilhação são esperados. Aceitamos o desafio – embora nem sempre a princípio -, sabemos que essas estações da vida nos levarão a uma união mais próxima com o Coração de Nosso Senhor.

Mas então a estação pode se transformar em um estado perpétuo e se torna muito fácil aceitar o peso da nossa cruz como uma medida de quem somos. Passamos a acreditar que somos o nosso sofrimento, angústia, dúvidas, anseios, incertezas, medos.

Mas a vida de Jesus não terminou na cruz. Ele não nos convida para a morte, mas para a vida! Depois da cruz vêm a ressurreição. E a vida de um cristão é exatamente isso : de cruz em cruz, de conversão em conversão, de ressurreição em ressurreição.

Por isso celebramos a Paixão, Morte e Páscoa do Nosso Senhor Jesus, anualmente, pois a vivemos diariamente. Por esse motivo, meditamos os Mistérios do Nascimento, Vida, Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus aos olhos da Santa Virgem no Santo Rosário, pois fazemos também parte da História Sagrada. Somos herdeiros do Pai e Co-herdeiros de Cristo.

Os salmos nos desafiam vez após vez a cantar uma nova canção! Nossa música é de alegria! Jesus sopra em nós alegria crônica, não tristeza! Sim, nosso Deus abraçou o sofrimento da cruz para que pudesse estar conosco e que sigamos unidos a Ele cada vez mais intimamente em nossa angústia humana.

Ele nos mostrou o poder e a imensidão de Seu grande amor através desse sofrimento. No entanto, muitas vezes ficamos neste lugar de tristeza; nós nos convencemos de que foi para isso que o Senhor nos chamou. Nosso Deus não descansou em mágoa. Nosso Deus transfigura a frustração e a raiva para amar e se deleitar.

Nós temos uma ideia muito errada sobre alegria e sofrimento. Acreditamos que alegria é euforia e que sofrimento é castigo. Não vemos que nossa situação humana nos condiciona a uma alegria na angústia, uma alegria que supera os medos, uma alegria firme, um alegria forte. Que pouco tem a ver com pulos e gritos.

É um estado interior daquele que sabe estar no lugar certo, fazendo a coisa certa, com a pessoa certa. Mesmo que isso signifique estar em uma situação que aparentemente não mostra nenhum sinal de alegria.

Aceitamos o sofrimento, mas os nossos corações estão ardendo de alegria, quer saibamos disso ou não. Deus está esperando dentro de nossas almas para incendiar nossas vidas não com dor e tristeza perpétuas, mas com luz e vida!

Justificamos em demasia a nossa miséria, o que nos impede de ver que cada fibra do nosso ser anseia por liberdade. Deus espera um convite para nos libertar. Nos libertar da forma errada de vivermos as diversas situações da vida, nos libertar para nos unirmos a Ele com coração alegre mesmo em situações difíceis.

Todos os dias somos convidados a mudar o tom da música que entoamos, a cantar a alegria e o louvor ao nosso Senhor e Salvador, com nossas atitudes, gestos, sorriso e olhar. Nós sabemos que nunca nos foi prometido que a dor irá embora pra sempre ou que nosso sofrimento não retornará.

O que nos é prometido é que : no cotidiano, na glória de cada dia, podemos continuamente retornar à imensa alegria do nosso Criador :

Eis que estarei contigo todos os dias.

O sofrimento e a dor não são o nosso lugar, mas uma oportunidade de transfiguração e purificação, de conversão. Você foi feito para ALEGRIA que excede todo entendimento.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2018/06/04/a-ressurreicao-do-teu-sofrimento/