sexta-feira, 31 de maio de 2019

Mística dos jardins monásticos se adapta aos novos tempos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Paz e tranquilidade no mosteiro beneditino Quarr Abbey na Ilha de Wight na Grã-Bretanha.
Paz e tranquilidade no mosteiro beneditino Quarr Abbey,
na Ilha de Wight na Grã-Bretanha

*Artigo de Paula Boyer,
colunista da La Croix International
Tradução : Ramón Lara


‘Desde a Idade Média, os monges criaram jardins em harmonia com seu ideal de vida. Agora, eles estão se abrindo para práticas ecológicas.

De onde vêm os jardins monásticos? ‘Tudo vem da Regra de São Bento [de Núrsia]’, diz Frei Thierry Barbeau da Abadia Beneditina de Solesmes (Sarthe).

De acordo com esta regra, um monastério deve, tanto quanto possível, ter água, um moinho, um jardim e oficinas, como diz a regra : ‘Seja, porém, o mosteiro, se possível, construído de tal modo que todas as coisas necessárias, isto é, água, moinho, horta e os diversos ofícios, se exerçam dentro dele, para que não haja necessidade de os monges vaguearem fora, porque, de nenhum modo convém às suas almas’ (Capítulo 66).

A ociosidade é inimiga da alma; por isso, em certas horas devem ocupar-se os irmãos com o trabalho manual, e em outras horas com a leitura espiritual’, observa o capítulo 48.

O jardim é propício para este trabalho manual.

Ao fazer isso, o monge tem que lidar com realidades naturais que não domina’, diz Barbeau. Cultivar plantas requer muita atenção e humildade. É preciso aceitar as leis da natureza, aprender a respeitar os ritmos naturais, inclusive nos irmãos. É um tipo de ecologia da alma’.

O jardim monástico é também um espaço de vida contemplativa, um local de relaxamento e recreação, de descanso para a alma e o corpo. Entre os beneditinos, o jardim é o espaço que permite o encontro dos irmãos durante a recreação.

É diferente para os cartuxos, aqueles eremitas religiosos que, de acordo com a regra de São Bruno, vivem essencialmente na solidão, cada um tendo um pequeno jardim ligado à sua cela.

Por que o jardim monástico medieval foi estruturado?

Na Idade Média, Deus estava no centro de tudo, e coisas como as plantas eram apreciadas pelo seu conteúdo simbólico. O jardim monástico é, portanto, acima de tudo, o do pátio do claustro (ou pequeno prado).

O claustro é um lugar de silêncio geralmente reservado para a leitura, a meditação e a oração solitária’, diz Barbeau. ‘Seu jardim, simples e modesto, com um design sóbrio e sem muita ornamentação, não deixa de recordar o alto significado simbólico que também está ligado a este lugar intimista – o Paraíso ou a Virgem (Hortus conclusus, jardim fechado, atribuição dada a Maria e que se refere a Ct 4,12) – onde a água de uma fonte ou um manancial flui’.

Naquela época, existiam outros jardins no recinto do mosteiro : uma horta, um pomar, um jardim de ervas, um jardim de flores destinadas a embelezar os altares e, de acordo com a região, um vinhedo para o vinho de missa. Cada uma dessas especialidades fica em espaços adjacentes ao edifício do serviço ao qual está ligado : a cozinha, a enfermaria, a igreja.

É pelo menos assim que esses jardins aparecem no referido Plano de São Galo, que apresenta um modelo ideal para um mosteiro construído na primeira metade do século 11, na época da reforma monástica defendida por São Bento de Aniane’ como Barbeau explica.

De maneira ainda mais precisa, esse plano também indica as plantas a cultivar.

Como os jardins monásticos evoluíram?

A organização sugerida no plano de São Galo dificilmente sofreu alguma modificação até o século XVII. Necessidades domésticas são movidas para o fundo e os espaços verdes, especialmente os dos grandes mosteiros que foram reconstruídos, são planejados de acordo com novos critérios.

Lotes cada vez maiores são transformados em jardins de ‘prazer’ que mapeiam as perspectivas e se abrem para a paisagem circundante, como as do Le Nôtre.

Uma certa sobriedade permanece, apesar de tudo, já que os jardins monásticos continuam a ser lugares de meditação e relaxamento para os monges. No entanto, esses espaços perdem um pouco de sua especificidade seguindo a evolução geral da arte dos jardins. Isso também está relacionado à mudança na vida monástica, mais aberta ao mundo exterior.

Quais são as características dos jardins modernos?

Com a crise das vocações, as mãos, as habilidades e o dinheiro são muitas vezes escassos. As comunidades, que cada dia ficavam menores, tendiam a sacrificar a horta e só mantinham um ou alguns jardins de lazer, onde ainda reina a ordem e a harmonia querida dos discípulos de São Bento, como na Abadia de Solesmes (Sarthe), e que são propícios para caminhar e para a meditação.

No entanto, há cerca de 10 anos, os mosteiros, particularmente aqueles que mantiveram um jardim ‘utilitário’, adotaram práticas mais ecológicas para fornecer alimentos naturais, conservar a natureza e cuidar da Criação, que é um presente de Deus.
Em 2015, a encíclica Laudato Si confirmou essas escolhas e acelerou o movimento. Atualmente, existe um verdadeiro entusiasmo pelos tratamentos naturais, pela agricultura biológica e até pela permacultura, esta ‘cultura de permanência’ mais baseada no ecossistema local, porque é muito mais econômica em energia e trabalho e respeita os seres humanos e as suas relações mútuas.

Quinze anos atrás, a preocupação pela natureza já fazia parte da nossa vida; o irmão encarregado da horta fizera estágios, nomeadamente em Lanza del Vasto’, diz o padre David, um abade em En Calcat (Tarn), que enfatiza ‘o gosto muito forte pelo cuidado do solo entre os jovens monges’. Ele se alegra com o fato desta escolha os obrigar a criar ‘ligações muito fortes’ com outros mosteiros e com leigos competentes.

Ainda temos muitas adaptações a serem feitas e muito espaço para cobrir’, acrescenta. ‘É toda a vida monástica que precisa ser repensada à luz da ecologia integral’.

Na Abadia de Ligugé, em Vienne, o padre Joseph-Marie, tesoureiro e chefe da horta, e Jacques Longchamps, um visitante regular, optaram há dois anos muito pragmaticamente por uma mudança gradual para a permacultura ‘porque nada mais estava crescendo na horta, que era orgânica, mas cujo solo estava completamente exausto’.

Entretanto, sem dúvida alguma, foram as irmãs ortodoxas do Mosteiro de Solan (Gard) – que cultivam uma vinha, um pomar, uma horta e uma floresta -  quem primeiro adotou, em 1992, a abordagem mais radical. Deve ser dito que elas são aconselhados por Pierre Rabhi, agricultor, escritor e filósofo francês de origem argelina. Sua abordagem espiritual é incorporada na prática das freiras, na qual é a natureza quem comanda.’


Fonte :

quarta-feira, 29 de maio de 2019

A humanidade de Jesus como problema e desculpa


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Fabrício Veliq,
teólogo protestante


‘A humanidade de Jesus foi um dos grandes problemas que o cristianismo nascente no século 1º teve que enfrentar. De início, em sua luta contra o pensamento judaico e sua expectativa messiânica, considerava impossível que o Messias morresse em uma cruz que o tornasse maldito. Isso porque um senhor crucificado estava bem distante do rei que era esperado no tempo de Jesus.

Mais tarde, com a pregação do Evangelho chegando aos gentios, novos problemas começaram a surgir. Afinal, como justificar para os pagãos que o Deus de toda terra estava se misturando, na encarnação, com a matéria do mundo, que aos olhos de várias culturas daquele período era vista como, até mesmo, origem do mal?

E os problemas não pararam por aí. A cada novo período surgiam novas demandas, de maneira que a fé cristã foi levada a pensar e repensar seus dogmas a fim de responder essas novas questões. São a partir delas que diversas verdades cristãs começam a tomar forma, tais como a Trindade, a própria encarnação, as naturezas humana e divina de Cristo, a ação e vida do Espírito Santo etc., o que mostra que toda teologia séria sempre deve estar atenta às perguntas que lhe são feitas para poder, a partir delas, propor respostas que vão ao encontro a essas perguntas.

Embora dogmaticamente esteja resolvida a questão da encarnação, sendo ensinada em diversas escolas dominicais e catequeses do mundo, ainda é muito comum se ouvir ideias estranhas a respeito dessa temática.

Uma das mais comuns é a ideia de que Jesus só fez aquilo que fez porque era Deus encarnado. Como consequência, não tem como ninguém ser como ele foi e fazer o que fez, já que ele era perfeito. Contudo, essa fala - que pode muito bem ser usada como desculpa para não se viver o Evangelho – traz em seu cerne algo muito complicado que compromete a própria encarnação. Se Jesus só pôde fazer as coisas que fez porque era Deus encarnado, então, até que ponto realmente assumiu a humanidade em sua integralidade? Esse ‘a mais’, que é a única coisa que permite que ele viva da forma que viveu, e que não é acessível aos outros humanos, não faria da encarnação somente um grande teatro no qual Jesus apenas atuava como humano?

Assumir a premissa de que Jesus só fez o que fez por ser Deus encarnado causa um grande problema. O que se está dizendo com isso é que ninguém pode imitar seus passos. Se assim o for, a fala de Paulo ‘sede meus imitadores como eu sou de Cristo’ traz como consequência duas opções : ou Paulo é um mentiroso (uma vez que ninguém conseguiria imitar Jesus), ou aquilo demandado de seus seguidores é inatingível e, nesse sentido, Paulo seria um hipócrita por exigir algo assim.

Isso nos leva a concluir que se assumimos a encarnação como regra de fé, então é necessário também assumir que Jesus viveu, pensou e agiu como humano que era, ou seja, como judeu que vivia na Galileia do século 1º, sofrendo e se alegrando como qualquer pessoa naquele tempo. Em outras palavras, implica assumir a radicalidade da própria encarnação.

Tirar o aspecto mágico que é colocado sobre a encarnação se mostra, então, como tarefa necessária para seguir a proposta de Jesus, que consiste em se abrir totalmente a Deus e totalmente ao próximo, revelando nisso o amor de Deus e o próprio Deus. Ao mesmo tempo, isso leva o cristão a repensar seu comportamento frente ao mundo e o implica no compromisso de tentar andar como Jesus andou, sem a desculpa de que ele só conseguiu se abrir totalmente ao próximo e a Deus porque era o próprio Deus.

Diante disso, ao invés de se pensar que não é possível ser como Jesus porque ele é Deus, como cristãos e cristãs precisamos a cada dia tentar ser como Jesus foi e seguir seu exemplo nas pequenas coisas, assumir a carne do mundo, sofrer com os que sofrem e alegrar com os que se alegram, mostrando, assim, a beleza do amor e da graça divina que, em Jesus, revelou quem Deus é e como o ser humano deveria ser.’


Fonte :

domingo, 26 de maio de 2019

Freira franciscana resgata crianças afetadas pelo HIV/Aids no Quênia

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Ir. Lilly Manavalan, da congregação franciscana, na clínica St. Clare, no norte do Quênia, em 1º de maio
*Artigo de Doreen Ajiambo
Tradução : Ramón Lara


‘Quando o sol nasce nessa remota região do norte do Quênia às 6 da manhã, é um novo amanhecer para a missionária irmã Lilly Manavalan. Seu dia começa com uma caminhada de mais de uma hora através de um vale profundo para chegar às ruas onde encontra crianças vulneráveis vivendo com HIV.

Em um dia normal, ela leva duas crianças, filhos que perderam seus pais e estão infectados com o vírus para o Centro Santa Clara para Meninas em Nchiru, no Quênia, onde a religiosa oferece um lar com amor e um futuro promissor enquanto vivem o convite para um novo começo em Cristo.

Esta é minha paixão e realmente gosto de estar com os pobres’, disse a freira franciscana. ‘Sinto-me muito feliz e satisfeita quando ajudo os pobres, especialmente aqueles que sofrem de HIV/AIDS’.

Manavalan, que é do estado de Kerala, no sudoeste da costa de Malabar, na Índia, é enfermeira no Centro Santa Clara. Com muita paixão e resiliência, ela ajuda as pessoas pobres, muitas vivendo com o HIV. Também desenvolveu o desejo de trabalhar no norte do Quênia, depois que sua colega informou que muitas pessoas nesta parte do mundo não tinham conhecimento sobre HIV, AIDS ou saúde sexual, disse ela.

O Índice de Estigma e Discriminação para o HIV e a AIDS em 2014, do Nordeste da África, mostra que 98% das pessoas vivendo com HIV nessa região não têm laços estreitos com suas famílias. O relatório também indica que 83% dos moradores acreditam que as pessoas que são soropositivas são punidas por Deus por mau comportamento, enquanto 72% acreditam que o vírus é disseminado por profissionais do sexo.

Manavalan veio a Samburu em 2009 especificamente para ajudar aqueles que sofrem de preconceito relacionado ao HIV/AIDS.

Eu me comprometi a lutar para superar o estigma e a discriminação’, disse Manavalan. ‘Percebi que muitos não sabem como o HIV é disseminado e não acreditam que estão em risco. Outros não querem nem conviver com qualquer pessoa que viva com o vírus’.

Moradores da tribo Samburu - geralmente vivendo em grupos de cinco a 10 famílias, acreditam que o HIV não pertence a eles, mas a comunidades externas. Os moradores consideram pessoas com HIV/AIDS amaldiçoadas, pecadoras e entre os mortos-vivos.

Recentemente, um grupo de homens e mulheres bem-vestidos nas ruas empoeiradas foi ouvido usando frases ásperas para se referir às pessoas que vivem com o vírus, afastando-se deles.

O HIV não é a nossa doença, é a doença do povo urbano’, disse John Lepariyo, 60 anos, com voz baixa e profunda. ‘As pessoas que sofrem de tal tipo de doença são consideradas amaldiçoadas e tentamos separá-las de outros membros da comunidade porque tememos que elas possam disseminar o vírus.’

O povo samburu é pastoralista e seminômade, cujas vidas se centram no gado, cabras, ovelhas e camelos. As pessoas desta região estão fortemente enraizadas em sua cultura, normas, crenças e valores. Como resultado, algumas pessoas infectadas, especialmente crianças, foram abandonadas por suas famílias e comunidades nas ruas e deixadas para morrer. Outros temem ir para o atendimento médico nos postos de saúde próximos devido à discriminação.

Manavalan disse que oferece às crianças uma dieta nutritiva para impulsionar seu sistema imunológico, educação e os medicamentos necessários para combater o vírus.

Damos a eles o melhor alojamento, remédios e tratamento gratuito’, disse Manavalan. ‘Também aconselhamos e ensinamos essas crianças o catecismo. Queremos que saibam que Deus pertence a todos nós, ainda nessa condição’.

A abordagem mudou a vida de muitas crianças que foram falsamente acusadas de espalhar o vírus mortal para quem tentar ajudá-las, disse ela.

Joyce, de dezesseis anos de idade (nome fictício) é uma das garotas resgatadas por Manavalan das ruas. Ela foi expulsa em sua aldeia depois que os idosos descobriram que ela era HIV positiva. A razão da sua expulsão da aldeia foi, segundo eles, por medo de infectar outras pessoas com o vírus.

Deprimida e sem ter para onde ir, procurou refúgio nas ruas antes de ser resgatada e levada para o centro dirigido pelas irmãs da Índia. O centro atende mais de 500 crianças.

Eu me senti tão deprimida, tão de coração partido e fora deste mundo’, disse Joyce, que foi resgatada em Wamba, uma aldeia na região de Samburu. ‘Minha mãe e todos me deixaram porque eu era HIV positivo. Um amigo começou a contar a minha história para os meus colegas e eu comecei a me sentir solitária e isolada. As pessoas pararam de estar comigo’.

Hoje, três anos depois que Joyce foi resgatada, as lembranças de seu tempo na aldeia e nas ruas ainda estão frescas em sua mente. No entanto, graças a Manavalan, Joyce é feliz, encontra-se saudável e está indo muito bem na escola.

Agora me sinto tão amada e cuidada’, disse ela. ‘Quando eu terminar o ensino médio, vou para a faculdade, depois volto para o trabalho no centro e ajudo as crianças que vivem com HIV. Eu aconselho as pessoas com a mesma condição a aceitarem seu status e serem apenas elas mesmas’.

Martha (nome fictício) foi resgatada há cinco anos por Manavalan, depois de ser expulsa de sua aldeia e deixada para morrer na rua.

Eu estava muito desnutrida quando fui trazida para este centro’, disse a jovem de 14 anos de Archers Post, uma pequena cidade no noroeste do Quênia. ‘Estava esperando a morte porque já tinha perdido a esperança na vida. A irmã Lilly me levou para o hospital e foi quando recebi medicamentos e tratamento. Agora estou feliz e quero me tornar enfermeira quando terminar o ensino médio’.

O padre Francis Riwa, fundador do centro de resgate, dirige o centro, a clínica e as equipes com a irmã Manavalan, para resgatar as crianças nas ruas. Duas outras irmãs Claristas Franciscanas ajudam no centro e na clínica.

Riwa elogiou as freiras pela prestação de serviços de saúde, aconselhamento e apoio psicológico, bem como assistência e auxílio para aqueles que vivem com HIV/AIDS.

Quero agradecer às irmãs porque mostraram a essas crianças o verdadeiro amor de Jesus Cristo’, disse Riwa, de 62 anos, que também é encarregada e administra escolas e outros lares na região. ‘Elas abraçaram e aconselharam essas crianças. Muitas se recuperaram de feridas emocionais e têm um propósito para viver’.

O padre, que também é médico, disse que há muitos mitos e equívocos na região sobre como se pode contrair o HIV. Ele incentivou as irmãs a continuarem educando as comunidades sobre o vírus.

Eu disse às pessoas por aqui que o vírus só pode ser transmitido de uma pessoa para outra através do leite materno, sangue, sêmen, mucosa anal e fluido vaginal’, disse ele. ‘A maioria das pessoas acredita que se pode pegar o HIV de alguém, abraçando-o ou apertando a mão’.

As autoridades locais contatadas pelo Global Sisters Report não fizeram comentários sobre os problemas das pessoas que vivem com HIV/AIDS em Samburu. Os anciãos, por outro lado, disseram que era impossível para as autoridades locais ir contra a cultura e as crenças da comunidade, mesmo se quisessem falar com verdade sobre o vírus.

Esses líderes nasceram aqui e conhecem nossa cultura. Eles estão muito conscientes de que tememos as pessoas que vivem com HIV/AIDS’, disse Lepariyo, um ancião.

Enquanto isso, Manavalan prometeu continuar resgatando mais crianças e educando a comunidade.

Eu quero salvar mais vidas de crianças vulneráveis das ruas’, disse ela. ‘Meu desejo é ver a comunidade aceitar pessoas vivendo com HIV’.’


Fonte :

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Deus eleva os humildes

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Maria, entre todas as criaturas, iniciou o sagrado caminho da cruz, na mais profunda experiência da elevação através do sofrimento.
*Artigo do Padre Geovane Saraiva,
jornalista, colunista e pároco
de Santo Afonso de Fortaleza, CE


‘No confronto do dia a dia dos cristãos, ao longo da caminhada espiritual – sem se separar do que é duro e penoso –, suave é a presença de Maria, Mãe de Deus. Junto de Maria tudo se torna mais complacente e acessível. O coração que tende ao desânimo, decorrente do cansaço, num mundo agitado pelas fortes marés, tempestades, encontra conforto e consolo, novo vigor e nova esperança, que, segundo o Livro Sagrado, encontra a vida e alcança a ternura do Senhor (cf. Pv 8, 35).

A Santa Mãe de Deus foi a primeira a se colocar diante das ondas inevitáveis, das tentações e do caminho estreito e exíguo, indicadores da santidade de Deus. Maria, entre todas as criaturas, iniciou o sagrado caminho da cruz, na mais profunda experiência da elevação através do sofrimento. Que a piedade do mês mariano nos ajude no sentido de nos convencer a ter o olhar voltado para Deus, ao invocá-la com o título de Advogada, Auxiliadora, Protetora, Medianeira, Mãe do Perpétuo Socorro, etc. Vindo ao nosso encontro, que ela nos conduza, assim, ao seu Filho, Jesus, facilitando a nossa busca da vontade de Deus, no ingresso ao segredo da vida interior, da vida de oração.

O Concílio Vaticano II, na Constituição Dogmática Lumen Gentium, nos fala de Maria como uma mulher que atingiu a perfeição, límpida, sem ruga e sem lisura, resplandecendo como modelo de virtude a todas as comunidades dos eleitos, que se dispõem a seguir os passos de seu Mestre e Senhor. Assim é que nas ações dos seguidores de Jesus de Nazaré no mês de maio deveria se cumprir e considerar sempre e cada vez mais a verdadeira piedade a Maria Santíssima, vendo-a como modelo ideal na caminhada espiritual, a partir da profundeza de sua alma, ao se encantar com a palavra de seu Filho : ‘Uma só coisa é necessária!’ (cf. Lc 10, 41). Ela viveu acima de todo ser vivente.

Que Deus dê a todos a graça da compreensão daquilo que é único e necessário à vida dos cristãos: viver o Evangelho de Jesus. Assim descreve a jornalista Mirticeli Dias de Medeiros sobre o papa Francisco, com seu jeito de se voltar para Maria : ‘Um líder que não tem medo de driblar as barreiras linguísticas para atingir o coração – de todos, sem exceção. Seus gestos calam o grito dos desesperados. Seu governo derruba do trono os poderosos e exalta os humildes. É um verdadeiro magnificat’. Assim seja!


Fonte :
* Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1358475/2019/05/deus-eleva-os-humildes/               

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Tesouro em vaso de barro

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Ã‚ A inteligente referência à imagem simbólica do vaso de barro, que guarda o tesouro da fé, é um recurso com força pedagógica, usado pelo apóstolo Paulo, em sua missão desenvolvida em contextos urbanos semelhantes aos atuais.
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘O tesouro da fé, com sua força sustentadora, é indispensável alicerce para a humanidade, ainda que as assimilações das práticas religiosas e políticas tenham desvirtuado a vivência da fé. Assim, o que deveria ser uma rica experiência se distanciou da essência da verdade e do amor, próprios desse tesouro, causando prejuízos e perda de credibilidade.

O retorno às fontes da fé, à sua vivência testemunhal, longe das perigosas divisões e tendências ideológicas, comprova a retomada de um caminho iluminado capaz de qualificar a condição existencial de cada pessoa e, consequentemente, a sua cidadania, conduzindo a humanidade na direção do amor e da verdade.

 A inteligente referência à imagem simbólica do vaso de barro, que guarda o tesouro da fé, é um recurso com força pedagógica, usado pelo apóstolo Paulo, em sua missão desenvolvida em contextos urbanos semelhantes aos atuais. Um tempo marcado pelas polarizações e arriscada relativização de valores e princípios. A exemplo do que se assiste hoje, grupos e segmentos se digladiavam, provocando preocupante distanciamento do tesouro da fé.

Os argumentos ideológicos na defesa da fé se aproximam, pelos extremos, da conduta daqueles que a instrumentalizam por interesses político-partidários. Conduzem ao caos, acelerando o enfraquecimento das relações entre os que creem. Incapacitam ou impedem que a força da fé reoriente os caminhos da humanidade na direção do amor de Deus. Nesse horizonte, lamentavelmente, os cristãos gastam muito tempo com disputas a partir de suas diferenças. Deixam-se engolir por dinâmicas hegemônicas, de caráter partidário, acentuando ainda mais os distanciamentos.

É fato que as disputas crescentes e as resistências multiplicadas não contribuem para a construção de um novo tempo, e retardam a recepção do que é genuíno da fé, pela Palavra de Deus, com a força própria da tradição. Assim, pode-se perceber que o ponto de partida das divisões não é a autenticidade da fé, mas a disputa a partir de lugares que evidenciam queda de braço entre ideologias de matizes diferentes. O contexto revela um confronto que não encontrará a solução do entendimento e do fortalecimento, a exemplo do que requer a construção de uma sociedade assentada nas dinâmicas do desenvolvimento integral - com crescimento sustentável e relações cidadãs em parâmetros civilizatórios que permitam o diálogo.

Vale pensar o próprio constitutivo da fé a partir da escuta que impulsiona ao indispensável diálogo, capaz de fazer das diferenças a riqueza e a consequente força criativa de reconstrução. Mas, ao contrário, fala-se muito sem escutar integralmente o outro e a si mesmo. Discurso autodestrutivo que se configura por descompassos, rigidez, acusações.

É fundamental ter presente o discernimento de que a palavra do cristão, inspirada pelo Espírito Santo, deve ser edificante, incluir a correção, a crítica necessária e, sobretudo, o compartilhamento de nova compreensão, de entendimentos que construam e desenvolvam novas condutas à luz dos valores do Evangelho. O cristão é morada do Espírito Santo, logo, o que diz e o que faz há de ser movido por esse mesmo Espírito. Na contramão dessa direção e dessas dinâmicas, já não é Deus quem age.

Por isso mesmo, a cidadania civil precisa da qualificada cidadania cristã. Algo que se constrói na vivência da fé e tem seu ponto de partida no retorno à fonte dessa mesma fé. Mas dos assoreamentos dessa fonte, vêm o risco das disputas figadais sem solução, empurrando indivíduos ao contexto de criminalização por falta de respeito à inviolável dignidade de toda pessoa. O momento cultural e sociopolítico, como também religioso, indica a importância de assimilação e práticas que, cotidianamente, devolvam as pessoas à necessária conexão com a força transformadora da fé, recebendo desse tesouro uma sabedoria com claridade própria para entendimentos, correções e alinhamentos em busca do bem e da verdade.

Urge a purificação dos interesses partidários hegemônicos, com a transparência de propósitos e a estrita fidelidade aos valores cristãos inegociáveis, para o retorno à fonte inesgotável da fé e, assim, beber de sua água com toda a humildade. A luz da fé é a única que possibilita enxergar o invisível e tem em si as propriedades para fazer de cada cristão uma força de amor nesta configurada crise, abrindo o ciclo de contribuições que só o evangelho pode oferecer, em diálogos construtivos, entendimentos na busca da verdade e da fraternidade solidária.’


Fonte :
               

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Papa Francisco fora dos holofotes

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Encontro entre Papa Francisco e Angeles Conde a bordo do avião papal, em fevereiro de 2019.
Encontro entre Papa Francisco e Angeles Conde
a bordo do avião papal, em fevereiro de 2019.
(Acervo pessoal/ Mirticeli D. Medeiros)

*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé
  

‘Um papa que não está preocupado em refinar as palavras : o mais importante é ser compreendido. Um homem que quebra protocolos, de modo que quem está ‘fora do esquema’ se sinta contemplado. Um bispo de Roma que comete erros de italiano como qualquer outro estrangeiro que vive por aqui e, curiosamente, talvez se sinta até feliz por isso; afinal, os imigrantes da capital não podem frequentar um curso de idiomas. Um líder que não tem medo de driblar as barreiras linguísticas para atingir o coração - de todos, sem exceção. Seus gestos calam o grito dos desesperados. Seu governo derruba do trono os poderosos e exalta os humildes. É um verdadeiro magnificat.

Chegou em minhas mãos a história de uma amiga jornalista que viveu uma experiência com Francisco ‘dentro de casa’. Ela, acostumada a escrever sobre o pontífice para agências e sites de notícias internacionais, passou a retratá-lo em um lugar mais restrito : em seu próprio coração, e em caixa alta. E tudo aconteceu no improviso, como aquela chuva de verão que ninguém espera.

O nome dela é Angeles Conde, jornalista espanhola, diretora de conteúdo da agência de notícias Rome Reports. No voo em direção aos Emirados Árabes, em meio à correria daquele evento histórico, ela entregou um bilhete a Francisco – como todos nós fazemos, quando temos a oportunidade. Sem expectativa de respostas, ela deu andamento a seu trabalho, afinal, a agenda do papa estava cheia – e quando ela está cheia, caros amigos, é sinônimo de noites mal dormidas para todos os que escolheram fazer da informação um ofício. Quem poderia imaginar que ele teria tempo de atender aquele pedido? E seria justo se não pudesse fazê-lo. Um senhor de 82 anos também é digno do sagrado descanso.

Porém, Francisco gosta de fazer surpresas : principalmente nos bastidores, na surdina, longe dos holofotes. E foi desse jeito peculiar que ele marcou a história da família Conde. Aquela carta, entregue no voo de ida para Abu Dhabi, recebeu uma resposta imediata. Na terça-feira, ao aterrissar em Roma, o pontífice atendeu prontamente a solicitação. E não foi um mês depois, mas ao final daquela viagem cansativa, ou seja, dois dias depois. Angeles havia lhe pedido que fizesse uma ligação a seu tio sacerdote que vive em uma casa repouso para padres na diocese de Toledo, na Espanha. Na primeira tentativa, as freiras responsáveis pelo lugar não conseguiram encontrá-lo : o padre rezava no jardim, no escondimento de uma vida doada que, lentamente, se encerra na simplicidade do cotidiano.

Francisco insistiu. Três dias depois, na sexta-feira, o sumo pontífice – o argentino insistente que todos conhecemos –, retornou a ligação. Os dois trocaram algumas palavras. Uma conversa carregada de reconhecimento e veneração, não por causa do títulos, mas em razão da dose de amor com a qual cada um escolheu gastar sua vida.

Querem que o papa dê todas as respostas, que seja mais requintado e solene quando discursa. Não se recordam que o mestre dele escolheu utilizar as parábolas para entrar no universo daqueles que o rodeavam. Querem que Francisco destile preceitos por onde passa, mas se esquecem que a missão principal de Pedro era pescar o maior número de homens possível, antes de qualquer sermão. Querem um papa-rei. Mas se esquecem que o Filho de Homem transformou o coração das pessoas em trono, renunciando às cátedras do poder. Que se apaguem os holofotes. Queremos um papa que nos mostre a face de Deus, a única que deve ser iluminada para que todos vejam. Que seja sempre assim.


Fonte :

               

sexta-feira, 17 de maio de 2019

O mito da 'cristianização'

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
"Cristo ensina os apóstolos", pintura do século IV,
conservada na catacumba de Domitila, em Roma.

*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


‘É muito comum ouvirmos que a suposta ‘conversão de Constantino’, que teria ocorrido anos após a batalha da Ponte Mílvia, em 312 d.C, ‘cristianizou’ o império. A impressão que nos dá é que houve a conversão em massa de grande parte dos cidadãos romanos e uma completa adesão ao monoteísmo em todos os territórios que compunham o império, motivada pela sucessão de eventos extraordinários, cujo protagonista fora o Deus dos cristãos.

Toda essa narrativa triunfalista adotada por muitos escritores cristãos do período - resgatada por muitos apologetas na atualidade - pouco condiz com o que realmente aconteceu entre o governo de Constantino (306-337 d.C) e o de Teodósio I (379-395 d.C). Um  exemplo disso é a famosa biografia Vita Costantini, de Eusébio de Cesareia, a primeira obra que narra a suposta visão de Constantino, publicada, curiosamente, após a morte do imperador augusto. Até 337, portanto, não havia nenhum registro ou notícia do episódio In hoc signo vinces - com (sob) este sinal vencerás. Se todo o exército de Constantino teria testemunhado a tal aparição - segundo a narração e Eusébio - como é possível que ninguém a tenha citado em 25 anos? Esse é a questionamento atual de muitos historiadores que pesquisam sobre cristianismo tardo-antigo.

Portanto, é importante salientar que a cristianização no império romano aconteceu paulatinamente, e a nova doutrina, cuja propagação passou a acontecer não mais pelo heroísmo dos mártires, mas graças à influência dos cristãos, então membros da alta aristocracia romana : invejados, por muitos que, até Teodósio I, eram legitimamente autorizados a manter suas crenças e, por conseguinte, a celebrar seus respectivos cultos pagãos.

O historiador irlandês Peter Brown, diz que, na verdade, se observa um submonoteísmo nos 4 primeiros séculos, uma vez que o povo em geral, inclusive muitos cristãos, ainda eram simpatizantes de práticas pagãs. O cristianismo conseguiu atenuar a crise religiosa que assolava o império, mas não penetrou o suficiente ao ponto de promover uma transformação radical, ao contrário do que muitos pensam.

Brown em seu livro Authority and the Sacred, publicado em 1996, narra um episódio do ano 420 d.C, no qual o monge egípcio Scenute de Atripe - venerado como santo pelos coptos ortodoxos -, se depara com um governador de uma província romana que, aconselhado por um monge cristão, ‘atou ao pé direito a unha de um chacal’ : uma prática nada cristã. Em resposta ao governador, o religioso não negou a existência de um universo composto por seres superiores e inferiores, mas simplesmente destacou a superioridade de Cristo sobre todas essas entidades.

 Na verdade, nessa fase, vemos o florescer de uma cultura coletiva partilhada por cristãos e não cristãos. [...] Existia uma visão de mundo que se baseava em um mundus dividido em compartimentos superiores e inferiores. Tendo em vista essa rígida divisão entre um Deus Supremo e alguns poderes inferiores, não é de se surpreender que muitas pessoas continuassem a buscar a proteção nesses ‘poderes inferiores’ [...]. Os membros que dirigiam a congregação de Agostinho, em Hipona, por exemplo, consideravam que os ritos celebrados por muitos anos segundo os antigos libri pontificales (registros de rituais romanos), de certa forma, teriam o favor de Deus : para eles, somente ‘magia oculta moderna’ deveria ser condenada, ressalta o historiador.’


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