sexta-feira, 31 de maio de 2019

Mística dos jardins monásticos se adapta aos novos tempos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Paz e tranquilidade no mosteiro beneditino Quarr Abbey na Ilha de Wight na Grã-Bretanha.
Paz e tranquilidade no mosteiro beneditino Quarr Abbey,
na Ilha de Wight na Grã-Bretanha

*Artigo de Paula Boyer,
colunista da La Croix International
Tradução : Ramón Lara


‘Desde a Idade Média, os monges criaram jardins em harmonia com seu ideal de vida. Agora, eles estão se abrindo para práticas ecológicas.

De onde vêm os jardins monásticos? ‘Tudo vem da Regra de São Bento [de Núrsia]’, diz Frei Thierry Barbeau da Abadia Beneditina de Solesmes (Sarthe).

De acordo com esta regra, um monastério deve, tanto quanto possível, ter água, um moinho, um jardim e oficinas, como diz a regra : ‘Seja, porém, o mosteiro, se possível, construído de tal modo que todas as coisas necessárias, isto é, água, moinho, horta e os diversos ofícios, se exerçam dentro dele, para que não haja necessidade de os monges vaguearem fora, porque, de nenhum modo convém às suas almas’ (Capítulo 66).

A ociosidade é inimiga da alma; por isso, em certas horas devem ocupar-se os irmãos com o trabalho manual, e em outras horas com a leitura espiritual’, observa o capítulo 48.

O jardim é propício para este trabalho manual.

Ao fazer isso, o monge tem que lidar com realidades naturais que não domina’, diz Barbeau. Cultivar plantas requer muita atenção e humildade. É preciso aceitar as leis da natureza, aprender a respeitar os ritmos naturais, inclusive nos irmãos. É um tipo de ecologia da alma’.

O jardim monástico é também um espaço de vida contemplativa, um local de relaxamento e recreação, de descanso para a alma e o corpo. Entre os beneditinos, o jardim é o espaço que permite o encontro dos irmãos durante a recreação.

É diferente para os cartuxos, aqueles eremitas religiosos que, de acordo com a regra de São Bruno, vivem essencialmente na solidão, cada um tendo um pequeno jardim ligado à sua cela.

Por que o jardim monástico medieval foi estruturado?

Na Idade Média, Deus estava no centro de tudo, e coisas como as plantas eram apreciadas pelo seu conteúdo simbólico. O jardim monástico é, portanto, acima de tudo, o do pátio do claustro (ou pequeno prado).

O claustro é um lugar de silêncio geralmente reservado para a leitura, a meditação e a oração solitária’, diz Barbeau. ‘Seu jardim, simples e modesto, com um design sóbrio e sem muita ornamentação, não deixa de recordar o alto significado simbólico que também está ligado a este lugar intimista – o Paraíso ou a Virgem (Hortus conclusus, jardim fechado, atribuição dada a Maria e que se refere a Ct 4,12) – onde a água de uma fonte ou um manancial flui’.

Naquela época, existiam outros jardins no recinto do mosteiro : uma horta, um pomar, um jardim de ervas, um jardim de flores destinadas a embelezar os altares e, de acordo com a região, um vinhedo para o vinho de missa. Cada uma dessas especialidades fica em espaços adjacentes ao edifício do serviço ao qual está ligado : a cozinha, a enfermaria, a igreja.

É pelo menos assim que esses jardins aparecem no referido Plano de São Galo, que apresenta um modelo ideal para um mosteiro construído na primeira metade do século 11, na época da reforma monástica defendida por São Bento de Aniane’ como Barbeau explica.

De maneira ainda mais precisa, esse plano também indica as plantas a cultivar.

Como os jardins monásticos evoluíram?

A organização sugerida no plano de São Galo dificilmente sofreu alguma modificação até o século XVII. Necessidades domésticas são movidas para o fundo e os espaços verdes, especialmente os dos grandes mosteiros que foram reconstruídos, são planejados de acordo com novos critérios.

Lotes cada vez maiores são transformados em jardins de ‘prazer’ que mapeiam as perspectivas e se abrem para a paisagem circundante, como as do Le Nôtre.

Uma certa sobriedade permanece, apesar de tudo, já que os jardins monásticos continuam a ser lugares de meditação e relaxamento para os monges. No entanto, esses espaços perdem um pouco de sua especificidade seguindo a evolução geral da arte dos jardins. Isso também está relacionado à mudança na vida monástica, mais aberta ao mundo exterior.

Quais são as características dos jardins modernos?

Com a crise das vocações, as mãos, as habilidades e o dinheiro são muitas vezes escassos. As comunidades, que cada dia ficavam menores, tendiam a sacrificar a horta e só mantinham um ou alguns jardins de lazer, onde ainda reina a ordem e a harmonia querida dos discípulos de São Bento, como na Abadia de Solesmes (Sarthe), e que são propícios para caminhar e para a meditação.

No entanto, há cerca de 10 anos, os mosteiros, particularmente aqueles que mantiveram um jardim ‘utilitário’, adotaram práticas mais ecológicas para fornecer alimentos naturais, conservar a natureza e cuidar da Criação, que é um presente de Deus.
Em 2015, a encíclica Laudato Si confirmou essas escolhas e acelerou o movimento. Atualmente, existe um verdadeiro entusiasmo pelos tratamentos naturais, pela agricultura biológica e até pela permacultura, esta ‘cultura de permanência’ mais baseada no ecossistema local, porque é muito mais econômica em energia e trabalho e respeita os seres humanos e as suas relações mútuas.

Quinze anos atrás, a preocupação pela natureza já fazia parte da nossa vida; o irmão encarregado da horta fizera estágios, nomeadamente em Lanza del Vasto’, diz o padre David, um abade em En Calcat (Tarn), que enfatiza ‘o gosto muito forte pelo cuidado do solo entre os jovens monges’. Ele se alegra com o fato desta escolha os obrigar a criar ‘ligações muito fortes’ com outros mosteiros e com leigos competentes.

Ainda temos muitas adaptações a serem feitas e muito espaço para cobrir’, acrescenta. ‘É toda a vida monástica que precisa ser repensada à luz da ecologia integral’.

Na Abadia de Ligugé, em Vienne, o padre Joseph-Marie, tesoureiro e chefe da horta, e Jacques Longchamps, um visitante regular, optaram há dois anos muito pragmaticamente por uma mudança gradual para a permacultura ‘porque nada mais estava crescendo na horta, que era orgânica, mas cujo solo estava completamente exausto’.

Entretanto, sem dúvida alguma, foram as irmãs ortodoxas do Mosteiro de Solan (Gard) – que cultivam uma vinha, um pomar, uma horta e uma floresta -  quem primeiro adotou, em 1992, a abordagem mais radical. Deve ser dito que elas são aconselhados por Pierre Rabhi, agricultor, escritor e filósofo francês de origem argelina. Sua abordagem espiritual é incorporada na prática das freiras, na qual é a natureza quem comanda.’


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