quarta-feira, 29 de maio de 2019

A humanidade de Jesus como problema e desculpa


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Fabrício Veliq,
teólogo protestante


‘A humanidade de Jesus foi um dos grandes problemas que o cristianismo nascente no século 1º teve que enfrentar. De início, em sua luta contra o pensamento judaico e sua expectativa messiânica, considerava impossível que o Messias morresse em uma cruz que o tornasse maldito. Isso porque um senhor crucificado estava bem distante do rei que era esperado no tempo de Jesus.

Mais tarde, com a pregação do Evangelho chegando aos gentios, novos problemas começaram a surgir. Afinal, como justificar para os pagãos que o Deus de toda terra estava se misturando, na encarnação, com a matéria do mundo, que aos olhos de várias culturas daquele período era vista como, até mesmo, origem do mal?

E os problemas não pararam por aí. A cada novo período surgiam novas demandas, de maneira que a fé cristã foi levada a pensar e repensar seus dogmas a fim de responder essas novas questões. São a partir delas que diversas verdades cristãs começam a tomar forma, tais como a Trindade, a própria encarnação, as naturezas humana e divina de Cristo, a ação e vida do Espírito Santo etc., o que mostra que toda teologia séria sempre deve estar atenta às perguntas que lhe são feitas para poder, a partir delas, propor respostas que vão ao encontro a essas perguntas.

Embora dogmaticamente esteja resolvida a questão da encarnação, sendo ensinada em diversas escolas dominicais e catequeses do mundo, ainda é muito comum se ouvir ideias estranhas a respeito dessa temática.

Uma das mais comuns é a ideia de que Jesus só fez aquilo que fez porque era Deus encarnado. Como consequência, não tem como ninguém ser como ele foi e fazer o que fez, já que ele era perfeito. Contudo, essa fala - que pode muito bem ser usada como desculpa para não se viver o Evangelho – traz em seu cerne algo muito complicado que compromete a própria encarnação. Se Jesus só pôde fazer as coisas que fez porque era Deus encarnado, então, até que ponto realmente assumiu a humanidade em sua integralidade? Esse ‘a mais’, que é a única coisa que permite que ele viva da forma que viveu, e que não é acessível aos outros humanos, não faria da encarnação somente um grande teatro no qual Jesus apenas atuava como humano?

Assumir a premissa de que Jesus só fez o que fez por ser Deus encarnado causa um grande problema. O que se está dizendo com isso é que ninguém pode imitar seus passos. Se assim o for, a fala de Paulo ‘sede meus imitadores como eu sou de Cristo’ traz como consequência duas opções : ou Paulo é um mentiroso (uma vez que ninguém conseguiria imitar Jesus), ou aquilo demandado de seus seguidores é inatingível e, nesse sentido, Paulo seria um hipócrita por exigir algo assim.

Isso nos leva a concluir que se assumimos a encarnação como regra de fé, então é necessário também assumir que Jesus viveu, pensou e agiu como humano que era, ou seja, como judeu que vivia na Galileia do século 1º, sofrendo e se alegrando como qualquer pessoa naquele tempo. Em outras palavras, implica assumir a radicalidade da própria encarnação.

Tirar o aspecto mágico que é colocado sobre a encarnação se mostra, então, como tarefa necessária para seguir a proposta de Jesus, que consiste em se abrir totalmente a Deus e totalmente ao próximo, revelando nisso o amor de Deus e o próprio Deus. Ao mesmo tempo, isso leva o cristão a repensar seu comportamento frente ao mundo e o implica no compromisso de tentar andar como Jesus andou, sem a desculpa de que ele só conseguiu se abrir totalmente ao próximo e a Deus porque era o próprio Deus.

Diante disso, ao invés de se pensar que não é possível ser como Jesus porque ele é Deus, como cristãos e cristãs precisamos a cada dia tentar ser como Jesus foi e seguir seu exemplo nas pequenas coisas, assumir a carne do mundo, sofrer com os que sofrem e alegrar com os que se alegram, mostrando, assim, a beleza do amor e da graça divina que, em Jesus, revelou quem Deus é e como o ser humano deveria ser.’


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