sábado, 31 de julho de 2021

Escola de liturgia que pautou discussão do Vaticano II cresce em influência

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo da redação da ACI 

‘A escola de liturgia do Pontificio Ateneo Sant'Anselmo, em Roma, é cada vez mais influente na determinação das normas litúrgicas anunciadas pela Santa Sé como a restrição à missa tradicional anterior à reforma do Vaticano II. Durante o Concílio Vaticano II, o Instituto Sant´Anselmo tornou-se ponto de referência para o debate sobre a reforma litúrgica e sua subsequente implementação. Tanto o novo secretário da Congregação do Culto Divino do Vaticano, bispo Vittorio Viola, quanto o subsecretário, dom Aurelio Garcia Macias, nomeados em maio estudaram lá.

Criado em 1637, dissolvido em 1837 e restaurado pelo Papa Leão XIII em 1887, a sede do ateneu fica no monte Aventino, em Roma, desde 1896. O Instituto de Liturgia do Pontifício Ateneo Sant'Anselmo foi criado antes do Concílio Vaticano II em 1961 pelo papa João XXIII e confiado a monges beneditinos.

Um dos professores mais importantes do Sant'Anselmo é o teólogo Andrea Grillo, vigoroso defensor do motu proprio Traditionis custodes que revogou o livre acesso ao uso do Missal de 1962, concedido em julho de 2007 pelo motu proprio Summorum pontificum, do então papa Bento XVI.

Desde a eleição do papa Francisco, Grillo fez campanha a favor da imposição de um silêncio institucional sobre o papa emérito. Ele também criticou os cardeais Carlo Cafarra, Joachim Meisner, Raymond Burke e Walter Brandmuller que, em 2016, pediram esclarecimentos sobre a exortação apostólica Amoris laetitia do papa Francisco, especialmente se o documento autorizava ou não a comunhão para pessoas separadas vivendo em nova união. O papa nunca respondeu.

O arcebispo Piero Marini, mestre de cerimônias das viagens pela Itália do papa Francisco, que também foi mestre de cerimônias do papa João Paulo II, é outro ex-aluno Sant’Anselmo. Assim como o padre Corrado Maggioni, que desde 1990 serve na Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos como subsecretário. Marini e Maggioni foram membros da comissão que redigiu o motu proprio Principium magnum de 3 de setembro de 2017, pelo qual o papa Francisco transferiu a responsabilidade sobre as traduções dos textos litúrgicos para as conferências episcopais nacionais, tirando-as da Congregação para o Culto Divino em Roma, eu buscava uniformiza as traduções. O cardeal Robert Sarah, então prefeito da congregação, foi marginalizado dessas discussões.

Dom Maurizio Barba, funcionário da Congregação da Doutrina da Fé, ensina no instituto de liturgia do Sant’Anselmo, assim como o frade carmelita Giuseppe Midili, diretor do gabinete litúrgico da diocese de Roma. Midili é candidato a suceder Guido Marini como mestre de cerimônias do papa. Outro candidato ao cargo é o padre Pietro Muroni, decano da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Urbana e consultor do Escritório para as Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice. Ele também estudou no Sant'Anselmo.

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://www.acidigital.com/noticias/escola-de-liturgia-que-pautou-discussao-do-vaticano-ii-cresce-em-influencia-32589

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Pandemia feriu nossa ilusão de onipotência

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Octavio Messias,

jornalista

‘Quem, como eu, nasceu a partir da segunda metade do século XX, cresceu sob ilusão de que de que o pior na história da humanidade já tinha ficado para trás. Pragas, pestes, guerras, escravidão, colapsos do sistema social… Tudo isso parecia coisa do passado, especialmente no mundo ocidental. 

Com a evolução das ciências humanas, biológicas e exatas que nos precedeu, com a evolução da civilização, com hábitos de higiene e normas de saneamento básico, tínhamos a ilusão de que a humanidade já tinha encontrado seu caminho, que estávamos na trilha da luz, e que, embora ainda atravessássemos crises pontuais e ajustes obviamente ainda se fizessem necessários, tudo tendia a melhorar sempre.

Até que, em 2020, mais de 50 anos depois de o homem ter chegado à Lua; quando é possível fazer contato em tempo real por áudio e vídeo com qualquer pessoa do planeta, quando existem telefones equipados com dispositivos de identificação facial, edifícios com amortecimento para terremotos e até carros autônomos capazes de atravessar continentes através de comandos por satélite, surge uma crise sanitária global que nos mostra como não somos tão avançados quanto imaginávamos.  

Uma pandemia que jogou por terra nosso equivocado senso de onipotência, que foi capaz de revelar o quão frágeis somos, que nos fez lembrar que não existimos sem respirar, que nos mostrou o quanto somos dependentes dos outros e dos recursos naturais para sobreviver e que atestou, de maneira incisiva, o quanto somos humanos. 

Correção de rumo

A pandemia expôs, de maneira brutal, as principais falhas da nossa sociedade. Revelou toda a desigualdade social, o descaso com nossos sistemas de saúde, a falta de preocupação com o meio-ambiente, a falta de informação e o descompasso na nossa comunicação. Além disso, ainda se tornou estopim para o ódio e para disputas de poder. 

Mas não nos desesperemos. Essa, a pandemia, me parece uma daquelas muitas provações pelas quais as civilizações passaram, e superaram, ao longo da história. Eclesiastes, capítulo 7, versículo 10 : ‘Nunca digas : Por que foram os dias passados melhores do que estes? Porque não provém da sabedoria esta pergunta’.

De nada adianta idealizarmos o passado e nos remoermos pelo presente. Mesmo em um momento difícil como o atual, me parece mais sábio refletir sobre onde estamos, enquanto espécie humana, e como aqui viemos parar. 

A maior parte das crises que atravessamos até hoje, de alguma forma, foram fundamentais para que delas surgisse algo melhor, para que o ser humano respondesse por meio da ação de modo que aquilo não se repetisse ou para que pelo menos estivéssemos prontos para lidar com tais acometimentos de maneira a minimizar seus estragos.

Quem sabe deste momento não surja uma oportunidade para corrigirmos os erros do passado?

Por isso é importante que encaremos a situação com humildade. Pois ela nos mostra, de maneira incontestável, que ainda temos muito o que aprender.

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/07/29/pandemia-feriu-nossa-ilusao-de-onipotencia/

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Tempo de decidir, momento decisivo e complexo. Orar a própria situação de eleição - Parte 1

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo d0 Padre Alfredo Sampaio Costa, SJ


Com alívio e esperança, acompanhamos o avanço da vacinação que abre uma nova perspectiva na realidade dura da pandemia. Mas os seus sintomas seguem atuantes. Por mais que tentemos afastar os pensamentos negativos, a verdade é que seguimos afetados pela insegurança e confusão com relação ao que devemos fazer, como prosseguir com nossas atividades nesta situação.

Certamente nesses tempos a oração aparece como muito importante, fundamental, mas é preciso confessar que não é fácil rezar em meio a tanta dor e sofrimento.  Continuamente somos invadidos pela questão insidiosa do que Deus quer com tudo isso, porque permite tantas mortes, e como nós, comunidades de fé, temos que agir (reagir).

Vem em nosso socorro a espiritualidade inaciana, na sua busca ininterrupta de encontrar a Vontade divina na realidade da vida e poder aderir a ela com todo nosso ser (1)Inácio foi um buscador incansável dessa vontade. Nos textos que seguem, vamos refletir como podemos rezar e procurar a vontade do Senhor em meio à pandemia.

Tempo de decidir, momento decisivo e complexo

Algumas considerações me parecem necessárias ao adentrar nesse tema. Inicialmente, precisamos experimentar que nossa oração tem que ser vivida como busca e resposta, que vão teimosamente se sucedendo uma à outra. A atitude de base para poder avançar é ‘escutar’. A segunda etapa dos Exercícios Espirituais, que se centra na busca do que Deus quer para mim, inaugura-se com o chamado do Rei Eterno (EE 91-100), que já nos abria à consideração de um chamamento feito vida (2). A graça ali pedida era uma graça de escuta (‘não sermos surdos ao seu chamado’) em vista de uma decisão (‘mas prontos e diligentes para cumprir sua vontade’) (cf. EE 91).

Inácio nos alerta que não se trata de modo algum de uma mera passividade, esperando que a vontade de Deus caia pronta do alto. Ele afirma que será preciso ‘agir contra nossa própria sensualidade e amor carnal e mundano’ (EE 97). Em linguagem atual : que não será fácil, pois nossas resistências se farão sentir!

Temos experimentado nesta pandemia que os dias dedicados a este discernimento sobre qual é a Vontade de Deus para nós podem se prolongar em um processo que pode ser penoso e difícil, até que surja com suficiente claridade no horizonte o que Deus quer de nós. A oração durante esse período será intensa, e não caberá a nós a controlarmos nem a prever. Tomar decisões nessa situação é complexo. Pois decidir implica, inicialmente, querer resolver definitivamente a questão. Ora, encontramo-nos a miúdo em uma zona de incerteza e névoa, uma zona de confusão, e temos medo de assumir uma postura. Mergulhados em um confuso magma de desejos dispersos, sonhos, projetos não concretizados, qualquer decisão que tomemos não nos aparece como conclusiva, capaz de pôr um ponto final na questão. E hesitamos.

PRIMEIRO PASSO : Orar a própria situação e as alternativas que se nos apresentam

O que tomar como matéria para nossa oração? Creio que é preciso rezar a própria vida, como ela se apresenta e se faz sentir. A aproximação à realidade, quanto mais cheia de afeto for, maior efeito trará. Que favoreça um diálogo íntimo com o Senhor e culmine em uma resposta apaixonada de amor. Que nos deixemos atingir, tocar (Inácio usaria ‘afetar’) pelo que rezamos. Que nossa oração nos desinstale, amplie nossos horizontes e nos motive a poder nos comprometermos com Deus e com os demais, principalmente os mais necessitados (3).

Para rezar esse momento tão crucial, ajuda considerar três coisas : nossa herança biológica-humana-psicológica-cultural, que representa aquilo que recebemos e que não podemos mudar;  em seguida, considerar a área da minha vida em que eu posso exercer alguma escolha, onde as coisas acontecem a mim e eu posso responder a elas, aceitando-as ou rejeitando-as; finalmente, é preciso mover-me na direção do centro do meu ser, onde eu posso estar inteiramente na presença de Deus, onde eu experimento verdadeiramente a presença Dele. Nessa área eu não posso prever nada. É aqui onde se revela o poder da oração. É o risco da jornada interior, ao qual somos chamados a nos abrir (4).

Portanto, importa tomar consciência de que forma estamos sendo tocados por Deus. Isso pode se dar em uma variedade de modos : através de uma intensa comunhão com a natureza, em uma relação humana, em um momento de profundo ‘insight’ que parece provir de além de nós mesmos ou talvez em uma claridade súbita que nos mostra o caminho a seguir em uma situação particular. Quando esses momentos acontecem, podemos dizer que não somente Deus nos ‘tocou’, mas que algo ‘fez raiz’ na nossa experiência vivida. O Deus transcendente que nos tocou irá despertar o Deus imanente que jaz em nosso interior, trazendo-o à vida.

Esse é o efeito da oração em nós : a oração nos conduz ao centro do nosso ser. A oração não é somente um meio de nos sustentar através da nossa jornada linear (embora ela faça isso também), mas é ela mesma a realidade da nossa jornada. Na oração se revela a verdadeira essência do nosso ser (5). Podemos nos aproximar sem receio do que vamos ali encontrar!

A verdadeira liberdade que temos que buscar para poder tomar uma decisão livre, conforme a Vontade divina, não é um mover-se de um ponto para outro, de um círculo para outro. A verdadeira liberdade interior nos faz movermos ao interno do nosso Eu mais profundo, na presença de Deus, permitindo a nós mergulharmos sempre mais em Deus (6).’

 

Notas :

 (1) Dom Luciano Mendes de Almeida, Servir por Amor. Trinta dias de Exercícios Espirituais. São Paulo: Loyola 2001, 95.

(2) A. M. Chércoles, La oración en los Ejercicios Espirituales de San Ignacio de Loyola, EIDES 49 (2006)18-19.

(3) Cf. Jaime Emilio González Magaña, Orar y encontrar facilmente a Dios, Apuntes Ignacianos 56 (marzo-agosto 2009) 66.

(4) Margaret Silf, Inner Compass. An invitation to Ignatian Spirituality. Chicago : Loyola Press 1999, 1-2.

(5)  Margaret Silf, Inner  Compass, 3-4.

(6) Margaret Silf, Inner Compass, 8.

  

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1530430/2021/07/tempo-de-decidir-momento-decisivo-e-complexo-orar-a-propria-situacao-de-eleicao/

Onde estão os túmulos dos 12 apóstolos?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo da Redação da Aleteia


‘Um artigo de ‘National Catholic Register’ informou sobre os lugares onde, com maior certeza e baseando-se em pesquisas de arqueólogos, estariam os túmulos dos 12 apóstolos.

Os doze apóstolos são : Simão, chamado Pedro, e seu irmão André; Tiago Maior (filho de Zebedeu) e seu irmão João; Felipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago Menor (filho de Alfeu); Simão, o cananeu, Judas Tadeu e Judas Iscariotes, que entregou Jesus. Em substituição a este último, Matias foi nomeado posteriormente.

São Pedro

O artigo do escritor Thomas Craughwell, indica que durante os últimos 100 anos, os arqueólogos quase confirmaram a localização dos túmulos de São Pedro, São Paulo e São João.

Por volta do ano 64, São Pedro foi crucificado de cabeça para baixo por Nero na colina do Vaticano. Os cristãos recuperaram seu corpo e o enterraram em um cemitério próximo. Por volta do ano 326, o imperador Constantino nivelou o que restava da arena e da colina e erigiu uma grande basílica com o altar-mor colocado sobre o túmulo de São Pedro. Mas, depois de séculos de restaurações e reconstruções, a localização do túmulo foi perdida. A tradição continuava insistindo que os ossos de Pedro estavam debaixo do altar-mor de sua basílica, mas ninguém o havia visto em séculos.

Em 1939, os trabalhadores cavavam uma sepultura para o Papa Pio XI nas grutas debaixo de São Pedro, quando um deles sentiu que sua pá não encontrava mais terra. Ao passar uma lanterna pelo buraco, a equipe viu o interior de um mausoléu do século II. A exploração revelou uma necrópole romana inteira e perfeitamente preservada que foi coberta a pedido de Constantino. Diretamente debaixo do altar principal de São Pedro, os arqueólogos encontraram um túmulo simples que continha os ossos de um homem robusto e de idade avançada. Inúmeras orações e petições a São Pedro foram encontradas na parede do túmulo, assim como uma inscrição grega que dizia : ‘Pedro está dentro’. Após anos de estudo, São Paulo VI declarou em 1968 que os ossos daquela sepultura pertenciam a São Pedro.

São João

A tradição indica que São João Evangelista morreu em Éfeso, no local onde hoje é a Turquia, por volta do ano 100. No século IV, depois que Constantino colocou fim à perseguição contra a Igreja, os cristãos de Éfeso construíram uma capela sobre o túmulo do apóstolo. No século V, o imperador Justiniano substituiu a capela por uma grande basílica. Depois que a região foi conquistada pelos turcos, a basílica se tornou uma mesquita que, por sua vez, foi destruída por Tamerlão em 1402. Na década de 1920, equipes arqueológicas da Grécia e da Áustria escavaram os restos da basílica e encontraram o túmulo de São João dentro dela. O túmulo estava vazio e ninguém sabe o que aconteceu com o corpo do apóstolo.

Santo André

Santo André, o primeiro homem a quem Cristo chamou para ser apóstolo, foi o irmão de São Pedro. Diz-se que depois da ascensão de Cristo ao Céu, André levou o Evangelho às terras que, atualmente, são a Rússia e a Ucrânia. Depois, em sua velhice, viajou para a Grécia, onde foi martirizado na cidade de Patras. Os cristãos locais o enterraram lá, mas no ano 357, a maioria de seus ossos foram transladados para Constantinopla. Em 1204, os cruzados italianos saquearam o santuário de Santo André e levaram suas relíquias para Amalfi, onde permanecem até hoje.

Em 1964, São Paulo VI devolveu algumas das relíquias de André à Igreja Ortodoxa Grega e elas foram novamente consagradas na basílica construída sobre o que se acredita ser o túmulo original do apóstolo.

São Tiago Maior

No ano 44, Tiago Maior, irmão de São João, foi martirizado em Jerusalém, sendo o primeiro dos apóstolos a dar a vida pela fé católica. Segundo a tradição, seu corpo foi milagrosamente transportado para o norte da Espanha e enterrado em um cemitério cristão (os espanhóis acreditam que durante as viagens missionárias de Tiago através do Mediterrâneo, ele pregou o evangelho na Espanha).

Uma lenda popular diz que as relíquias do apóstolo permaneceram ali, esquecidas, até o ano 814, quando um eremita chamado Pelayo seguiu uma estrela para um campo aberto e descobriu os restos do apóstolo. Hoje, estão consagrados na Catedral de São Tiago em Santiago de Compostela. Curiosamente, sob a catedral, os arqueólogos encontraram um cemitério cristão do primeiro século.

São Tiago Menor

Tiago Menor serviu como o primeiro bispo de Jerusalém e foi martirizado nesta região : jogado do telhado do templo e, como ainda estava vivo, foi espancado e apedrejado até a morte. Segundo a tradição, São Tiago foi enterrado no Monte das Oliveiras, com vista para Jerusalém. No século VI, o imperador Justiniano II transferiu suas relíquias para Constantinopla. Em algum momento, parte ou talvez todas as relíquias de São Tiago foram transladadas para a Igreja dos Doze Apóstolos em Roma, onde estão atualmente no mesmo santuário com as relíquias de seu companheiro apóstolo, São Felipe.

São Felipe

Em julho de 2011, arqueólogos trabalhando na Turquia anunciaram que tinham descoberto o que acreditavam ser o túmulo original de São Felipe. O sarcófago romano do primeiro século foi encontrado nos escombros de uma igreja do quarto ou quinto século, dedicada ao apóstolo. Segundo uma tradição registrada no documento apócrifo do século IV, conhecido como Atos de Felipe, por volta do ano 80, o apóstolo foi preso em Hierópolis, pregado pelos pés em uma árvore, de cabeça para baixo e, finalmente, decapitado.

O local do túmulo de São Felipe se tornou um lugar de peregrinação e os arqueólogos descobriram o caminho que conduzia ao Martyrium ou ao santuário dos mártires. O santuário foi destruído no século VII por um violento terremoto e incêndio; as relíquias de São Felipe foram transladadas para Constantinopla e de lá para Roma, onde foram consagradas com as relíquias de São Tiago Menor, na Igreja dos Doze Apóstolos.

Quando os arqueólogos abriram o sarcófago em Hierópolis, não encontraram ossos humanos no túmulo, por isso é possível que os restos mortais de São Felipe estejam preservados na cripta dos Doze Apóstolos em Roma.

Tomé, Bartolomeu, Mateus, Simão, Judas Tadeu e Matias

A antiga tradição diz que São Tomé viajou mais longe do que qualquer dos outros apóstolos, pregando o Evangelho na Índia, onde foi martirizado por um sacerdote hindu que o perfurou com uma lança. Hoje, uma parte dos ossos de São Tomé é reverenciada na Basílica de São Tomé, em Chennai (Índia). De alguma forma, a maioria de seus restos mortais foi transladada para Edessa, na Mesopotâmia. Em 1258, essas relíquias foram levadas para Ortona (Itália), onde são encontradas em um baú de ouro dentro de um altar de mármore branco na Basílica de São Tomé Apóstolo.

Conta-se que depois de Pentecostes, São Bartolomeu levou o cristianismo para a Armênia, onde foi martirizado depois de ser esfolado vivo. Em 809, as relíquias de São Bartolomeu foram transladadas de seu túmulo na Armênia para Lipar, e depois, em 838, para Benevento, no sul da Itália. Em 983, o imperador romano Otto III ergueu em Roma uma igreja na Ilha Tiberina, no rio Tibre; dedicou a igreja a São Bartolomeu e levou para lá uma parte das relíquias do apóstolo. Tanto Roma como Benevento são os principais santuários de São Bartolomeu.

O cobrador de impostos que se tornou evangelista, São Mateus, pregou na Etiópia, onde foi martirizado durante a celebração da missa. Em 954, as relíquias de São Mateus foram levadas de seu túmulo na Etiópia para a cidade de Salerno, na Itália. As relíquias são veneradas na cripta da catedral de São Mateus de Salerno.

Todos os anos, milhões de peregrinos visitam a Basílica de São Pedro de Roma, e a maioria deles caminha pelo altar que abriga as relíquias do imensamente popular São Judas Tadeu e de São Simão, menos venerado.

A tradição narra que os dois apóstolos viajaram juntos para pregar o evangelho na Pérsia, onde foram martirizados : Judas foi espancado com um pau até a morte e Simão foi cortado ao meio. Não se tem certeza sobre quando suas relíquias foram transferidas para Roma.

Os onze apóstolos sobreviventes escolheram São Matias para substituir Judas Iscariotes, que traiu Nosso Senhor e depois tirou a própria vida. Diz-se que por volta do ano 326, a Imperatriz Santa Helena encontrou o túmulo de São Matias em Jerusalém e enviou suas relíquias aos cristãos de Trier (Alemanha). Seus restos mortais ainda são venerados na Basílica de São Matias de Trier.

Os restos mortais de São Paulo

Embora Saulo de Tarso – mais tarde chamado Paulo – não fizesse parte dos apóstolos que seguiram Jesus, ele também é conhecido como o apóstolo dos gentios.

Segundo a tradição, São Paulo foi decapitado no mesmo dia em que São Pedro foi crucificado. Constantino não se esqueceu de São Paulo : construiu uma basílica sobre o túmulo do apóstolo na Via Ostiense. Em 2009, o Papa Bento XVI anunciou que, após vários anos de estudo, os arqueólogos do Vaticano se sentiram confiantes de que os restos mortais consagrados em um sarcófago debaixo do altar principal da Basílica de São Paulo Fora dos Muros de Roma são, de fato, as relíquias de São Paulo.

‘Os fragmentos ósseos, submetidos ao exame do carbono 14 por parte de especialistas que desconheciam a proveniência dos mesmos, resultaram pertencentes a uma pessoa que viveu entre os séculos I e II. Isto parece confirmar a tradição unânime e incontestável, que se trata dos despojos mortais do Apóstolo Paulo’, disse Bento XVI.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://www.acidigital.com/noticias/onde-estao-os-tumulos-dos-12-apostolos-98804

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Não falar da vida eterna é um erro: uma tentação deste mundo de imediatismos

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Padre Márcio Arielton

 

‘Não falar da vida eterna é um erro : uma tentação deste mundo de imediatismos.

Continuar vivendo no planeta Terra não significa salvar-se! Salvação e Vida Plena são realidades que só alcançamos por meio de Jesus Cristo. O papa Francisco, em seu pontificado, por diversas vezes alerta aos cristãos que não falar da vida eterna, da beleza da eternidade, é um erro, uma tentação diante deste mundo de imediatismos e fuga da transcendência.

A busca da justiça, do direito e da paz, não deve ofuscar o principal chamamento de Jesus para a humanidade : ‘Convertei-vos e crede no Evangelho’; pelo contrário, as sementes do Reino que espalhamos com as pequenas e grandes ações sócio-transformadoras devem apontar para o fim último de toda a criação do universo : o Juízo Final e o Reinado Eterno da Santíssima Trindade ‘sobre tudo aquilo que foi criado, o que há no céus e o que existe sobre a terra, o visível e também o invisível’.

Por isso as teorias e ideologias materialistas, que se apresentam sob tantas formas e máscaras, oferecem aos crentes o grande risco de esquecerem-se da sua vocação mais sublime, que o Concílio Vaticano II nos apresenta na constituição dogmática Lumen Gentium (39-42) : a vocação universal à santidade’.

Não falar da vida eterna é um erro

O padre prosseguiu :

Voltemos nossos olhares e atenção a este assunto tão pertinente. A finalidade das teorias materialistas que seduzem a muitos até dentro das Igrejas e das famílias cristãs é a extinção do espírito das virtudes da fé, esperança e caridade no seu ápice : a santidade dos cristãos.

É preciso que o cristão não se esqueça, acima de tudo, das urgências evangélicas de apelo à conversão e transformação de vida que o anúncio do querigma realiza na vida pessoal daquele que se encontrou e foi chamado por Jesus Cristo, Crucificado e Ressuscitado, e assuma assim uma inserção gradual e progressiva na Vida Nova’.

A ótica do olhar amoroso de Deus

Também se faz necessário que o seguidor de Jesus cuide de nutrir cotidianamente o seu encontro e vivência com o Senhor, que se traduz em intimidade, na vida de oração e conhecimento de Cristo e da fé. A consequência operante e constante desta experiência de encontro transformativo com o Senhor é percebida no discípulo que se lança numa verdadeira atuação nas realidades do mundo, onde o cristão passa a escolher, andar e transformar as realidades que toca – não mais a partir de si mesmo, como experiência de troca egoísta, mas a partir do critério de Jesus Cristo. Sob a ótica do olhar amoroso de Deus, esta atuação se traduz em agir nas diversas periferias existenciais deste mundo, tendo como pano de fundo o testemunho, ou seja, a vivência, na própria vida, do martírio : homens e mulheres que se tornam sacrifícios vivos de louvor, hóstias agradáveis oferecidas no altar do cotidiano, agindo e vivendo entre os homens deste tempo na justiça e santidade.

Somos chamados a viver com o pés no chão, mas com os ‘corações ao alto’, sabendo que a finalidade de todas as nossas orações, trabalhos, alegrias e sofrimentos é a Vida Eterna. Este tema é tão caro ao anúncio de Jesus Cristo que o Papa Francisco faz questão de nos recordar a sua grande importância e necessidade e as tristes consequências que a omissão da pregação da Vida Eterna tem ocasionado hoje : ‘É justamente o fechamento dos horizontes transcendentes, o fechar-se em si mesmo, o apego quase exclusivo ao presente, esquecendo ou censurando as dimensões do passado e, sobretudo, do futuro, sentido especialmente pelos jovens como obscuro e cheio de incertezas. O futuro além da morte aparece, nesse contexto, inevitavelmente ainda mais distante, indecifrável ou completamente inexistente’’.

Nosso fim não é aqui, mas já podemos avistá-lo

Portanto, no meio das estradas desta vida, apontemos aos peregrinos, muitas vezes perdidos nos desertos da existência humana na difícil peregrinação terrestre, o caminho do Céu, a Terra Prometida. O fim último de nossa existência ainda não é aqui, mas aqui já podemos avistá-lo. Para alcançá-lo, olhemos para Cristo, meta de todas as aspirações humanas, e, seguindo seus passos e as direções que Ele nos aponta por meio da Sua Igreja, confiemos, buscando, entre as coisas que passam, alcançar um dia as que não passam.

A Virgem Maria, modelo dos santos, que trilhou este caminho com coração cheio de Fé, Esperança e Caridade, nos ajude com sua poderosa intercessão a viver em Justiça e Santidade.’’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/07/28/nao-falar-da-vida-eterna-e-um-erro-uma-tentacao-deste-mundo-de-imediatismos/

domingo, 25 de julho de 2021

A igreja é um 'nós': reflexões sobre a restrição de Francisco à missa em latim

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
Padre Stephen Saffron, administrador paroquial, reza durante uma tradicional missa em latim em 18 de julho na Igreja de St. Josaphat, no bairro de Queens, na cidade de Nova York

*Artigo do Monsenhor Kevin Irwin, da Arquidiocese de Nova York


Qualquer cisma que possa ocorrer não foi gerado pelo papa, mas já existia de modo silencioso 

‘Durante o verão de 1968, frequentei a Universidade de Notre Dame e fiz os dois primeiros cursos exigidos para um mestrado em estudos litúrgicos. Um deles era sobre livros e fontes litúrgicas, ensinada pelo padre beneditino Aelred Tegels. Repetidamente, ele chamou nossa atenção para o fato de que quase todas as orações nessas fontes estavam no plural – quaesumus – ‘pedimos’.

O outro curso foi sobre a Eucaristia e era ministrado pelo padre beneditino Aidan Kavanagh. Um de seus refrões repetidos foi que a Eucaristia era o Corpo de Cristo sempre edificando e servindo a Igreja.

Quando voltei ao seminário para meu segundo ano de teologia, encontrei o professor de teologia moral no corredor. Ele me disse : ‘Diga algo para mim sobre a liturgia’.

Eu respondi : ‘Igreja’. Isso é o que me ensinaram naquele verão e tenho aprendido e ensinado até hoje. Liturgia e Igreja são inseparáveis.

Apresento aqui algumas reflexões que contextualizam e exploram a carta apostólica Traditionis custodes do papa Francisco de 16 de julho, que impõe restrições às celebrações da missa de acordo com o rito latino pré-Vaticano II.

Um tríptico papal

Em meio a todas as discussões sobre o papado nos últimos anos, acho útil considerar São João Paulo II, o papa Bento XVI e o papa Francisco como um tríptico papal. Cada um trouxe seus pontos fortes particulares ao papado e, especificamente, à questão da unidade da Igreja.

Nenhum papa deseja ter um cisma como parte de seu legado. João Paulo II viu isso como uma séria ameaça dos seguidores de Marcel Lefebvre, que ensinava que o Missal de Paulo VI, emitido em 1970 após o fim do Concílio Vaticano II (1962-65), era herético. Eles também apontaram que as aberturas do Concílio para outras igrejas cristãs, comunidades e para o diálogo inter-religioso eram profundamente falhas e suspeitas, na verdade heréticas.

Portanto, João Paulo II estendeu um ramo de oliveira muito significativo aos lefebvrianos em 1988 e permitiu a celebração da missa pré-Vaticano II sob certas restrições. Da noite para o dia, a questão do missal revisado após o Vaticano II foi descartada.

Curiosamente, o título do documento que dá essa permissão é A Igreja de Deus (Ecclesia Dei) e não, por exemplo, ‘A Liturgia de Deus’. Este é o mesmo nome que João Paulo II deu à comissão cuja responsabilidade era trabalhar pela reconciliação com os lefebvrianos. A permissão para a missa pré-Vaticano II era sobre a Igreja e a restauração da unidade da Igreja.

Missa e ensino da Igreja

No outono de 1996, eu estava residindo na paróquia Maria Mãe de Deus, no centro de Washington, D.C. Certa manhã de domingo, estava indo dar uma corrida no National Mall. Minha saída do prédio coincidiu com a chegada da comunidade que se reuniria para a missa tridentina das 9h em latim.

Um cavalheiro perguntou se eu celebraria a missa ‘deles’. Respondi que não, porque não tinha a permissão do arcebispo. Acontece que quase todos os que compareceram eram da Diocese de Arlington, Virgínia, porque o bispo de Arlington na época, John Keating, não permitia a missa tridentina de forma alguma.

Depois da missa, as crianças participavam das turmas de catequese, mas o texto era o Catecismo de Baltimore (primeira edição 1885). Consequentemente, não houve ensino do Vaticano II ou das encíclicas sociais.

Julgo que a preocupação de Francisco com a doutrina é muito profunda e real. O papa exige que aqueles que celebram a missa tridentina aceitem ‘o caráter obrigatório do Vaticano II’.

A frase lex orandi, lex credendi (o que rezamos é/deveria ser o que acreditamos) ressurgiu um pouco durante os debates sobre a tradução para o inglês do Missal Romano. Em sua carta apostólica Traditionis custodes, Francisco reafirma que os livros litúrgicos aprovados pelo papa Paulo VI e por São João Paulo II ‘constituem a expressão única da lex orandi do Rito Romano’.

Acabaram as acrobacias gramaticais que exigiam o uso de frases como ‘a forma ordinária’, ‘a forma extraordinária’ e ‘o novus ordo’ – sem mencionar a mágica dos sinos de igreja ou manchetes do jornal paroquial anunciando uma ‘missa latina’, disponíveis em algum lugar, mas o que estavam realmente dizendo é que a forma então extraordinária da missa deveria ser a forma ordinária da celebração.

‘Enriquecimento mútuo’?

Quando o papa Bento XVI em 2007 emitiu sua carta apostólica Summorum pontificum, ampliando as ocasiões em que aquilo que o papa chamou de ‘forma extraordinária da missa’ poderia ser celebrado, o sumo pontífice também emitiu uma carta para regrar o falado no documento.

Nessa carta, Bento XVI indicou que poderia imaginar um ‘enriquecimento mútuo’ da missa de 1570 e da missa de 1970. Li isso com total surpresa.

Quem decidiria quais elementos e com base em quê? Bento XVI não criticou severamente a ‘seleção e escolha’ que estava acontecendo na década de 1960 e com razão? Lembro-me de ter visto orações clandestinas circulando para substituir os textos do missal daquele dia. (Isso foi em uma cultura de leituras em papel. Eu só posso imaginar o que pode acontecer e acontece em uma cultura da Internet).

A liturgia é como estar em um lugar e espaço familiares. Não é reinventar a roda de acordo com caprichos e gostos ou desgostos individuais. A liturgia simplesmente é.

Honestamente, nesta época de Summorum, o vento já havia deixado de empurrar as velas sobre a permissão tridentina para a reconciliação com os lefebvrianos. Mas é curioso que Bento XVI tenha notado que vários jovens ‘se sentem’ atraídos por essa forma de missa. A frase é ‘sentiam sua atração’ (em italiano : ‘anche giovani persone scoprono questa forma liturgica’). Desde quando um documento oficial da Igreja sobre a liturgia diz respeito aos sentimentos de alguém ser atraído para a missa A ou para a missa B? A liturgia é.

Quando o Kennedy Center foi inaugurado em D.C., há 50 anos, a apresentação principal foi a missa recém-encomendada por Leonard Bernstein. Em cerca de cinco minutos de música, a orquestra pára abruptamente e um solista canta algo que é exatamente o oposto da missa. Ele canta : ‘Faça as pazes à medida que avança’ (‘Make it up as you go along’, que tem um sentido de ‘prepare-se’).

Essa é a antítese completa do que é a liturgia. Na verdade, não planejamos nenhuma liturgia. Devemos nos preparar para cada liturgia. Infelizmente, algumas das coisas que devemos preparar com muito cuidado são coisas que os católicos criticam repetidamente em muitas pesquisas : a qualidade das homilias e da música.

Um dos primeiros exemplos da missa tridentina sendo celebrada em DC foi a pedido do candidato presidencial republicano Pat Buchanan em 1992. Em seu livro Right from the beginning, Buchanan disse que mesmo durante a missa tridentina ele lia um livro durante a homilia porque depois do Vaticano II, a Igreja Católica se tornou ‘a primeira Igreja de Cristo socialista’.

É um grande trabalho para o Espírito Santo, guiar os bispos como responsáveis pelo ensino do Vaticano II. Ao mesmo tempo, Buchanan pode ter estado à frente de seu tempo ao ‘contratar’ um padre para celebrar ‘sua’ missa particular na capela de uma escola secundária. Lamento dizê-lo, mas posso vislumbrar com tristeza a quantidade de pedidos que farão às escolas e aos seminários aqueles que desejam que se celebre a forma litúrgica (então) extraordinária.

O fato de que a partir de agora um seminarista que deseja celebrar a missa Tridentina precisa da permissão da Sé Apostólica significa que o papa considera esta restauração da liturgia do Vaticano II com maior seriedade. Com efeito, isso vai esgotar o número de padres treinados e dispostos a celebrar a missa tridentina.

Alguns dirão (e já o fizeram em blogs) que essa decisão causará um cisma, o tipo de coisa que João Paulo II queria evitar em primeiro lugar. Mas minha opinião é que quaisquer ações que as pessoas tomem simplesmente desmascararão o cisma silencioso que ocorreu e continua na Igreja Católica sobre uma numerosa série de coisas, incluindo as preferências litúrgicas.

Voltemos para Notre Dame e para as premissas básicas que são sobre o ‘nós’ em ‘pedimos’ e que o Corpo de Cristo na Eucaristia alimente o Corpo de Cristo que é a Igreja. Na verdade, estamos nisso juntos.

Como isso funciona em uma cultura que tirou as pessoas do ‘nós’ e presume que o hino nacional é I did it my way?

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1528680/2021/07/a-igreja-e-um-nos-reflexoes-sobre-a-restricao-de-francisco-a-missa-em-latim/

sexta-feira, 23 de julho de 2021

O discernimento e o conhecimento de Deus

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo do Padre Alfredo Sampaio Costa, SJ


Pedir conhecimento interno1 para poder discernir 

‘Poderíamos afirmar que o que buscamos no discernimento é sempre uma forma de conhecer. Conhecer a vontade de Deus, conhecer melhor a nós mesmos, conhecer melhor Jesus Cristo. Mas jamais se torna um fim em si mesmo. O conhecimento interno que se pedirá insistentemente ao longo dos Exercícios Espirituais é em vista do ‘seguimento’ e do ‘serviço por amor’ (‘para que mais o ame (a Jesus) e o siga’). Portanto, trata-se de um conhecimento que deve desembocar em uma práxis, em um agir renovado, expressão do desejo de conformar-se cada vez mais a Cristo2. Inácio insiste que devemos pedir esse conhecimento sempre, para adentrarmos nos mistérios da vida de Cristo e nos deixarmos conformar a Ele!

Deus só pode ser conhecido (re-conhecido) ao interno de um comunicar-se recíproco, onde a absoluta iniciativa pertence à livre relacionalidade de amor de Deus Pai à qual a criatura responde mediante um ato de fé.

O discernimento é a arte da vida espiritual em que eu compreendo como Deus se comunica a mim, isto é, salva-me. Trata-se de captar de modo existencial como se dá em mim a redenção em Cristo, por ação do Espírito redentor. Tal experiência fará brotar em mim uma gratidão sem medida e o desejo insaciável de responder com todas as minhas potencialidades a tanto amor recebido. 

Essa dinâmica do discernimento aparece nos momentos nos quais somos confrontados com o Projeto salvífico de Deus revelado no seu Filho Jesus Cristo, que Inácio nos Exercícios insere no limiar da segunda etapa (semana), propondo o Apelo do Rei Temporal onde Deus é apresentado como tendo uma intenção salvífica para cada pessoa e para a História da humanidade3. O que se propõe ao que faz os Exercícios é o acesso a uma nova ‘disposição da sua vida’ (EE 1), a ‘ordenar a sua vida’ (EE 21), a ‘investigar e a perguntar em que vida ou estado de nós se quer servir a Sua Divina Majestade’ (EE 135). A forma particular que adotará essa práxis do seguimento para o exercitante deverá ser rezada e elaborada ao longo de todo o processo dos Exercícios e da vida toda4.

Discernimento como atitude

Estamos habituados a fazer discernimentos em momentos-chave da nossa vida, normalmente para podermos tomar decisões importantes5. O perigo é que só utilizemos tal recurso em situações-limites, e nos esqueçamos de formar um hábito continuado de discernir, como atenção orante à presença e atuação de Deus na nossa vida.

É preciso lembrar que os nossos exercícios e práticas ocasionais de discernir deveriam formar em nós uma atitude constante de atenção e docilidade ao Espírito. Trata-se de deixar-se conduzir, ‘sabiamente ignorante’, ‘sem querer nos antecipar ao Espírito’. Tal atitude é baseada em uma certeza experiencial de que Deus fala, se comunica a mim em todo momento e lugar. Assim o discernimento, pouco a pouco, se tornará um estilo de vida que impregna tudo o que somos e fazemos.

Seguramente não se trata de uma atitude fácil de ser alimentada e mantida. Tendemos sempre a relaxar e baixar as armas nos momentos de tranquilidade. O discernimento como atitude implica viver sempre uma relação aberta, dialogal, perscrutadora, de espera, de disponibilidade, na qual o que mais importa é fixar o olhar no Senhor.

Ao orientar Exercícios, sempre pergunto aos exercitantes ao começar se realmente estão dispostos a ouvir realmente o que o Senhor queira dizer a cada um, ainda que isso signifique mudar a própria vida!

Se assim vivemos, o discernimento como atitude nos impedirá de nos fecharmos em nós mesmos. Fará com que tomemos consciência que o mundo não gira ao redor de nós, mas que o epicentro de minha vida é o Senhor, a quem eu reconheço como a fonte da qual jorra tudo e para a qual tudo conflui.

A atitude do discernimento é aquela expressão orante da fé na qual a pessoa permanece naquela atitude de fundo de reconhecimento radical da objetividade de Deus Pai, Filho e Espírito Santo, Pessoas Livres. Nada tem de cálculo, de lógica indutiva, nem se parece com uma técnica de engenharia na qual eu peso meios e fins, nem se aproxima a uma discussão ou busca de consenso. Trata-se sempre de uma atividade orante, de um empenho constante de abrir mão do próprio querer e pensar. Uma tal atitude é impensável se não somos movidos por uma onda de amor, porque, para isso, é necessária uma humildade radical.

Discernimento como Escola de Liberdade :

Os Exercícios Espirituais são primeiramente um procedimento destinado a permitir ao sujeito escolher livremente a sua vida, seguindo as inspirações do Espírito Santo, pois ‘onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade’ (2 Cor 3,17). O ser humano será livre à medida em que aceitar qual é o seu ‘fim’ (‘louvar, reverenciar e servir a Deus N.S.’ (EE 23)).

O discernimento será uma ocasião privilegiada onde se aprenderá a decifrar e falar a língua do Espírito, que chama à liberdade6. O discernimento está a serviço de uma decisão importante e decisiva a ser tomada. Todo o trabalho consiste precisamente em acolher o que vem de Deus para decidir-se realmente. Poder chegar a descobrir a Vontade divina e abraçá-la vem a provar que a sua própria liberdade tem origem em uma alteridade7.

Gaston Fessard discerne nos Exercícios uma verdadeira fenomenologia da liberdade. À maneira de Inácio, a consciência do exercitante é conduzida a reconhecer, no percurso que efetua, ‘o movimento mesmo pelo qual a sua própria liberdade se engendra para a liberdade divina8.

Karl Rahner descreve o homem como absoluta abertura do espírito para o ser em geral e, portanto, também para o Ser Absoluto. Enquanto o homem não seja partícipe da visão imediata de Deus, será sempre e essencialmente, em virtude da estrutura fundamental de seu ser, alguém que presta ouvidos à palavra de Deus, alguém que deve contar com uma possível revelação de Deus, revelação que não consiste na representação direta e imediata do revelado na sua mesma identidade, mas sim na sua comunicação mediante um sinal, uma indicação do que se há de revelar9.

Para nossa consideração : Como podemos crescer na liberdade interior? Como criar o hábito de discernir e alimentá-lo ao longo da vida?’

Notas :

1) O termo ‘conhecimento interno’ poderia dar margem para uma interpretação intimista da espiritualidade inaciana, entendida como sendo um voltar-se para a intimidade do próprio ser, para o mundo dos movimentos interiores, desconectando-se do universo mais amplo das relações sociais, políticas, culturais e eclesiais. Ora, nada mais estranho ao espírito inaciano!

2) Cf. Adolfo María CHÉRCOLES, ‘Conocimiento interno’, em : GEI, Diccionario de Espiritualidad Ignaciana, I, 404.

3) Cf. Roger HAIGHT, Dynamics of Theology, Paulist Press, New York 1990, 156-157. Citado por William A. BARRY, ‘Principle and Foundation’, in William A. BARRY, Letting God Come Close. An Approach to the Ignatian Spiritual Exercises, Loyola Press, Chicago 2001, 67.

4) Cf. Francisco José RUIZ PÉREZ, ‘Hombre’, em : GEI, Diccionario de Espiritualidad Ignaciana, II, 945-946.

5) Cf. Marko Ivan RUPNIK, O discernimento, 30.

6) Cf. Dominique SALIN, ‘Libertad’, em : GEI, Diccionario de Espiritualidad Ignaciana, II, 1130.

7) Sylvie ROBERT, Une autre connaissance de Dieu. Le discernement chez Ignace de Loyola. Cerf, Paris 1997, 333.

8) Gaston FESSARD, La dialectique des Exercices Spirituels de Saint Ignace de Loyola, I, Aubier, Paris 1956, 7.

9) Karl RAHNER, Oyente de la Palabra. Fundamentos para una filosofia de la religión. Editorial Herder, Barcelona 1967, 149.

  

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1528948/2021/07/o-discernimento-e-o-conhecimento-de-deus/