segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Comprometimento de Francisco com vítimas de abuso está em questão

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Infelizmente, a defesa de Francisco a Barros é apenas o último de uma série de declarações feitas por ele que machucaram sobreviventes e todo o corpo da Igreja.

‘É difícil sequer imaginar o sofrimento que as vítimas de abuso sexual clerical tiveram de suportar. Depois de serem estupradas ou violentadas por pessoas que suas comunidades tinham lhes ensinado a ver como quase infalíveis, muitos foram mantidos em silêncio por décadas, envergonhadas ou apenas sem conseguir falar.
Quando realmente se pronunciaram, seus motivos foram questionados e sua integridade contestada. Foram atacadas, vitimadas novamente, em processos judiciais e pronunciamentos públicos, já que bispos, advogados diocesanos e autoridades da igreja negaram as acusações.
A história mostrou que a maioria das vítimas estava dizendo a verdade. Qualquer reforma que aconteceu na Igreja deve-se à sua determinação corajosa. A hierarquia foi apanhada em suas mentiras e humilhada, mas não antes de uma série de fiéis desconhecidos serem expulsos da Igreja Católica. O escândalo custou a autoridade moral da Igreja, sua credibilidade e bilhões de dólares.
Nos últimos anos, pensávamos que os líderes religiosos punidos tinham começado a corrigir os erros do passado. Estávamos enganados. O Sumo Pontífice aparentemente não aprendeu essa lição.
Em quatro dias, o Papa Francisco caluniou vítimas de abuso duas vezes. No voo papal do Peru, em 21 de janeiro, ele voltou a chamar o testemunho contra o bispo chileno Juan Barros Madrid de ‘calúnia’. Apesar do relato de pelo menos três vítimas em contrário, ele voltou a dizer que não havia visto provas do envolvimento de Barros em um encobrimento para proteger o notório abusador Pe. Fernando Karadima.
Essas observações são no mínimo vergonhosas. No máximo, sugerem que Francisco poderia ter-se tornado cúmplice do encobrimento. O roteiro é bastante familiar : desacreditar o testemunho das vítimas, apoiar o prelado em questão e contar com o fato de a atenção pública passar para outra coisa.
É difícil de entender a insistência com que Francisco defende Barros. Três jornalistas no voo papal deram oportunidade a que o Papa dissesse exatamente por que acreditava no bispo, e não nas vítimas que o acusavam. A segunda jornalista a perguntar sobre Barros a Francisco no voo era uma chilena. Ao falar com o Papa, sua voz ficou embargada pelo nervosismo ao questionar o principal líder da Igreja. Ela perguntou : ‘Por que os testemunhos das vítimas não são prova para o senhor? Por que não acredita neles?’ O Papa não deu nenhuma resposta satisfatória, apenas repetiu a afirmação de que não há ‘nenhuma evidência’ contra o bispo.
Infelizmente, a defesa de Francisco a Barros é apenas a última de uma série de declarações feitas por ele nos quase cinco anos de papado que machucaram sobreviventes e todo o corpo da Igreja.
As declarações do Papa sobre a tolerância zero para abusadores têm sido fortes, mas ele tem se recusado reiteradamente a lidar com quem acobertou os abusadores de forma decisiva. Quando se reuniu com os bispos dos Estados Unidos em setembro de 2015, por exemplo, ele elogiou a ‘coragem’ que tinham demonstrado nos ‘momentos difíceis’ da crise de casos de abuso e chegou a observar ‘o quanto a dor dos últimos anos pesou sobre vós’.
Um psicólogo que trabalha com vítimas de abuso sexual disse, na época, que esses comentários eram para elas como ‘um soco no estômago por um papa católico que descontava o seu sofrimento para evitar o possível sofrimento dos bispos’.
No Chile, na semana passada, Francisco realizou uma reunião com membros do clero do país. Ele falou sobre vários tipos de dor que o abuso clerical havia causado no país, como a das vítimas e suas famílias, mas também falou da dor sofrida por sacerdotes que não foram apanhados no escândalo.
Sei que às vezes alguém pode ter sido xingado no metro ou andando na rua, e que se paga um preço alto por andar de traje clerical em muitos lugares’, disse o Papa ao clero.
Como é que o Papa pode comparar ser xingado no metrô com o terror de uma criança ser estuprada? Como?
Parece que nenhum dos colaboradores mais próximos de Francisco ficou chocado com observações de Francisco de dois dias depois, quando ele se esquivou de perguntas dos jornalistas sobre Barros e chamou as acusações contra o bispo de ‘calúnia’ pela primeira vez. Em uma crítica aberta em uma declaração, como as que temos lutado para encontrar casos semelhantes na história recente da Igreja, o cardeal de Boston, Sean O'Malley, disse que a calúnia do Papa às vítimas causou-lhes ‘grande sofrimento’.
É preciso aplaudir a ação de O'Malley. Ele poderia ter falado baixinho para Francisco. Talvez ele soubesse que tinha deixado vítimas de abuso sem qualquer defensor proeminente mais uma vez.
Francisco tem uma bela metáfora para o trabalho dos bispos e padres como pastores que andam entre o rebanho e, às vezes, atrás, permitindo que as ovelhas sigam o caminho que sentem que devem seguir. O Papa foi muito avisado sobre o que esperar no Chile. O fato de ele não ter seguido seu próprio conselho e ter ouvido as pessoas é muito mais do que decepcionante.
A argumentação colorida de Francisco contra o clericalismo é frequentemente recontada. Ele repreendeu a burocracia do Vaticano pela fofoca e oportunismo e descreveu as ‘doenças’ que os afligem. Em 2014, disse que uma delas é a ‘petrificação mental e espiritual’ daqueles ‘que têm um coração de pedra e insistem no erro’.
Será que Francisco iria gostar de saber que é assim que muitos classificariam suas palavras no Chile e no avião papal? Quando se trata de confrontar o clericalismo, que é a base do abuso, o semblante de pedra do Papa também faz parte do problema. A pergunta que devemos fazer é : Por que Francisco não está ouvindo?’

Tradução : Luísa Flores Somavilla


Fonte :


sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Novo pensar e julgar

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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 *Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘A responsabilidade de conduzir a própria vida reconhecendo-a como dom de Deus é muito séria e desafiadora. Uma tarefa que contempla responsabilidades profissionais, familiares e cidadãs. Pensar e julgar, de modo adequado, está entre os maiores desafios existenciais. O apóstolo Paulo, em sua carta aos Romanos, mostra que superar dinâmicas viciadas e obscuras nos modos de pensar e julgar é ‘regra de ouro’.  Um desafio a ser assumido por todos. Afinal, o exercício de pensar e julgar determina procedimentos e escolhas que norteiam o conjunto da vida, a competência para superar crises e encontrar novas respostas para os desafios cotidianos.
Frequentemente, esse exercício está emoldurado de maneira rígida por certa mentalidade vigente. Por isso mesmo, há dificuldade para admitir a necessidade de transformações no próprio modo de pensar e julgar. A tendência é a cristalização - com pouca abertura para o diferente, para outras perspectivas que ensejem novas percepções. Perde-se, consequentemente, a oportunidade para enriquecer a própria vida, conhecer mais e amadurecer a mundividência. Na sociedade brasileira, o preço que se paga por esse aprisionamento à mentalidade vigente é a carência de novos líderes, além da falta de credibilidade que se desdobra no caos político.  Repetem-se esquemas e dinâmicas porque não há amplo engajamento em um permanente processo de renovação existencial.
É verdade que a capacidade para pensar e julgar, discernir e escolher, depende das próprias vivências, da influência cultural, familiar e de muitas instituições. Mas, acima de tudo, esse processo é uma experiência eminentemente espiritual. Sem reconhecer a importância da espiritualidade, a tendência é se encastelar nas próprias convicções, sem a necessária disponibilidade para permanentemente reavaliá-las. São perpetuados vícios e modos equivocados de lidar com problemas que exigem soluções urgentes.  Tudo se torna mais difícil.
Quando a dimensão espiritual não ilumina a capacidade de pensar e julgar, as pessoas se prendem à mediocridade. Não conseguem proporcionar às suas instituições o fôlego da renovação. Em vez disso, ganham espaço a corrupção, a mesquinhez e a ganância sem limites. Desconsidera-se a sabedoria que alimenta a lucidez. É fácil constatar que a carência de novos modos de pensar e julgar é problema comum a governantes, líderes e muitas pessoas que integram o contexto social. Gente que apresenta um discurso articulado, mas que se revela equivocado do ponto de vista ético-moral. Homens e mulheres que não se valem de critérios   que objetivam o bem, a justiça e a paz para interpretar, discernir e fazer escolhas.
Investir na espiritualidade é imprescindível. Porém, o momento em que todos vão reconhecer a importância da espiritualidade na fecundação de novos modos de pensar e julgar é realidade distante. Isso porque a cristalização de convicções obsoletas perpetua, nos indivíduos, sentimentos ruins. Ora, ao se reconhecer que a espiritualidade é fundamental para a saúde física e mental, deve-se também considerar que a dimensão espiritual tem força para fazer desabrochar a sabedoria. A espiritualidade permite enxergar até mesmo o invisível.  É um fundamental remédio para romper com os parâmetros da mediocridade que são hegemônicos na sociedade brasileira.
 O segredo para melhorar a realidade não é abraçar incondicionalmente convicções que já estão cristalizadas, discursos políticos, partidários e ideológicos. Deve-se conquistar a liberdade que ultrapassa o apego ao dinheiro, pois a ganância aprisiona consciências. A espiritualidade é remédio que cura a doença das mentiras e do egoísmo. A dimensão espiritual alimenta novos modos de pensar e julgar. Todos são convocados para uma autoavaliação, observando as próprias convicções e formas de ver o mundo. Vale acolher a orientação espiritual e humanística do Padre José Tolentino, escritor português : ‘Que os nossos olhos, feitos para olhar as estrelas, não morram olhando para os nossos sapatos’.’


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segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Como Santo Antônio Abade conseguiu vencer o diabo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Philip Kosloski


‘Os Evangelhos inspiraram Santo Antônio Abade (também conhecido como Santo Antônio, o Grande ou Santo Antônio do Egito) a vender todas as suas posses e viver uma vida solitária no deserto egípcio. Ele construiu para si próprio uma ermida afastada do mundo. Mas não conseguiu escapar do seu inimigo mais persistente.
O diabo, que sabia que Santo Antônio era um homem santo e próximo a Deus, jogava contra ele tudo o que tinha. Como não conseguia afastar Antônio de Deus através das riquezas do mundo, o diabo tentava ataca-lo física e espiritualmente. São Atanásio registra vários desses embates em seu livro Vida de Antonio.

Depois de ver fracassada a tentativa de seduzi-lo com riquezas, o diabo ‘atacou o jovem, molestando-o durante a noite e assediando-o durante o dia, de tal modo que até os que viam Antônio conseguiam perceber a luta entre os dois’. No entanto, depois de toda tentação, Antônio fortalecia ‘seu corpo com sua fé, suas orações e seu jejum’.

Frustrado, o diabo tentou enfrentar Antônio assumindo a aparência de uma criança e conversando com ele. Antônio respondeu : ‘então, tu és inteiramente depreciável (…) e frágil como uma criança. De agora em diante, já não me causas nenhuma preocupação, pois o Senhor está comigo e me ajuda; verei derrotados os meus inimigos’.

Durante um tempo, o diabo deixou Antônio em paz, mas voltou para colocá-lo à prova. Desta vez, com uma multidão de demônios. O diabo golpeou fisicamente Antônio, confiando que ele voltaria ao seu estilo de vida anterior por medo. Antônio, inalterável em sua fé, gritou : ‘Aqui estou, Antônio, que não se acovardou com teus golpes (…). Nada me separa do amor de Cristo (…) Ainda que acampe contra mim um exército, meu coração não temerá’.

Depois de cada encontro, Antônio saía fortalecido em sua fé e Deus vinha em sua ajuda. Ele ensinou muitos discípulos a derrotar os demônios : ‘Agora, façam o sinal da cruz e voltem para casa sem medo, deixem que eles se enlouqueçam por si mesmos.’

Diz-se também que ele ensinou : ‘Não temos que ter medo das sugestões do diabo, já que, a oração, o jejum e a fé no Senhor enfraquece seu ataque de imediato’.

Seja qual for a tentação que encontremos, Antônio nos ensina que a fé, a oração, o jejum e o sinal da cruz são suficientes para vencer as trapaças do maligno. O diabo pode parecer poderoso, mas os santos mostram sempre que ele não é, e que não há inimigo para quem deposita sua confiança em Deus.’


Fonte :


sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Não há paz sem justiça

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Imagem relacionada
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘Esta é uma verdade que deve inspirar os horizontes do povo brasileiro na construção de uma nova ordem social, econômica e política para se alcançar a paz : não há paz sem justiça. Sem esse entendimento, haverá um recrudescimento das diferentes formas de violência. A sociedade se transformará em um campo de guerras, de todo tipo, corroendo, cada vez mais, as riquezas do tecido cultural e histórico que caracterizam o país. A nova ordem a ser buscada exige o fim da inaceitável situação de injustiça que se escancara na forma de desigualdades sociais, se desdobrando em miséria, desemprego e indiferença com os que sofrem.
Conviver com a desigualdade social e tantos outros males, que são frutos da injustiça, é particularmente vergonhoso para uma nação que tem ‘recursos de sobra’, bem mais que o suficiente para edificar e manter uma sociedade justa. Diante de tantas possibilidades, percebe-se que a grave situação atual, de desigualdade, não é ‘obra do acaso’. As análises históricas mostram que é opção deliberada, emoldurada pela incompetência de muitas pessoas. E o resultado é a injustiça que compromete a paz.
Assim, eis a tarefa ética que é da Igreja e de todos os que vivem os compromissos da fé: cada pessoa precisa guiar a própria vida a partir dos ensinamentos de Jesus Cristo com a urgente e laboriosa missão de não se omitir diante dos problemas sociopolíticos atuais. A desigualdade social e outros males evidenciam a carência generalizada de iluminação ética. Por isso, muito além de interesses partidários e grupais, o que deve ser priorizada é a dimensão ético-moral. Cuide-se, assim, para que igrejas não se tornem instrumentos para ações de partidos políticos. Em vez disso, devem contribuir substantivamente para as indispensáveis transformações necessárias neste momento.  
A Igreja é desafiada, sempre à luz de princípios do Evangelho, a auxiliar os diferentes segmentos sociais na adoção de critérios mais consistentes na elaboração de planejamentos, iniciativas e reformas. Daí a necessidade de debates, reflexões, para qualificar projetos e possibilitar escolhas inteligentes, capazes de impulsionar a sociedade rumo a um futuro melhor. A história mostra que não é possível avançar quando se tem apenas propostas demagógicas, como tantas que já induziram a população a opções ruinosas. Por isso, temas de reconhecida importância para o país precisam ser debatidos, com abertura, para alcançar entendimentos, a partir da participação de todos.
Esse exigente e complexo processo requer um sentido pleno de justiça, alcançado a partir da conduta cidadã que deve nortear cada pessoa, em todas as instâncias – de governos e parlamentos ao mundo empresarial, das instituições religiosas aos campos da cultura, arte, ciência e tecnologia. Afinal, em construção está a paz que é tão preciosa para a sociedade. E essa construção é uma obra de justiça e de amor.
O compromisso com a justiça é caminho que leva ao integral restabelecimento da ordem moral e social, tão ferida. Diz o profeta Isaías, apontando caminhos novos para o povo, que a paz é obra da justiça. E há de se reconhecer que a justiça é uma virtude moral, a garantia legal que vela sobre o respeito a direitos e deveres. Essa virtude é enfraquecida quando posturas ideológicas contaminam interpretações, pessoas passam a considerar somente o que interessa aos seus próprios grupos.  Por isso, importante e urgente é fazer com que a prática da justiça seja mais abrangente. Ultrapasse a dinâmica comum aos tribunais para se tornar compromisso cotidiano de cada cidadão. Quando atitudes - simples ou com impacto mais amplo no contexto social - são pautadas pelos parâmetros da justiça, há uma efetiva contribuição para o restabelecimento da ordem social e política que equilibra as relações de um povo.
O brasileiro convive com uma lista enorme de metas e compromissos a serem efetivados. Entre as necessidades, está a urgente responsabilidade de debelar a miséria. Essa situação triste e tantas outras igualmente lamentáveis são produtos da injustiça, alimentada pela ganância sem limites e pela mesquinhez. Combater a pobreza é, pois, um compromisso determinante que precisa da força da justiça – capaz de equilibrar o exercício de direitos e deveres.
Somente a justiça, instrumento para a construção da paz, pode reconfigurar fundamentalmente as posturas que geram desequilíbrio social e submetem grande parte da população a agressões à sacralidade da vida humana. Assim, a inteligência normativa que busca garantir o funcionamento justo da sociedade precisa ser fecundada pela lucidez de princípios sólidos, não imediatistas e utilitaristas. Investir na justiça é imprescindível para a conquista da paz.’

Fonte :

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Olhar para a Sociedade : Consequência do ser cristão

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Um Cristianismo que prega somente uma salvação individual e desassociada das questões atuais não compreendeu a mensagem do texto bíblico.
 *Artigo de Fabrício Veliq,
protestante, é mestre e doutorando em
teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE),
doutorando em teologia na Katholieke Universiteit Leuven - Bélgica,
formado em matemática e graduando em filosofia pela UFMG


‘É comum para muitas pessoas cristãs, sejam católicas, sejam protestantes, pensar a relação com Deus de maneira individualista, preocupando-se somente em como, no dia a dia, ser uma pessoa digna de receber algum reconhecimento por parte do Divino. Que nisso se perceba uma das consequências do advento da Modernidade que se volta para o ‘eu’ de uma maneira mais intensa, nos parece claro. Esse tipo de discurso que se preocupa somente com a salvação individual e entende a mensagem cristã como somente uma mensagem para a alma ainda se mostra grandemente difundida em diversos seguimentos cristãos, de maneira que não conseguem perceber a estreita ligação que o texto bíblico e a própria doutrina cristã fazem, desde o Antigo Testamento, da salvação divina com a restauração social.
Ao longo da narrativa da história do povo de Israel, Deus é reconhecido como aquele que cumpre suas promessas e liberta o seu povo da escravidão e da opressão nas quais se encontravam no Egito. Dessa forma, Deus é compreendido por Israel como aquele que caminha junto com seu povo e faz da história de Israel a sua própria história.
Da mesma forma, no Novo Testamento, a narrativa cristã a respeito da pessoa de Jesus o coloca como uma pessoa que se importa com os problemas de seu tempo e não somente com sua relação pessoal com o Pai. A narrativa, se lida com atenção, mostra que a preocupação social de Jesus com os pobres, excluídos e oprimidos do seu tempo vem como consequência do seu relacionamento com Deus, de maneira que podemos entender que aproximar-se de Deus implica aproximar-se dos que sofrem e que o amor a Deus somente é percebido no amor ao próximo, como a carta de I João deixa muito claro ao nos interpelar dizendo que ‘quem não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus a quem não vê’ (I Jo 4,20b).
Mais tarde, no desenvolvimento do dogma da Trindade, o Deus cristão é pensado como comunidade trinitária. Na perichoresis, essa relação de mútua intimidade entre Pai, Filho e Espírito, se revela aquilo que João diz que Deus é para o Cristianismo, a saber, amor. Mas, se Deus é amor e é próprio do amor o sair de si em direção a um outro, fica impossível pensarmos que o Deus cristão é um Deus solitário que somente se preocupa em exercer seu domínio sobre a humanidade, o que nos leva a ver Deus, a partir da vida de Jesus Cristo, como comunidade do Pai, Filho e Espírito, e isso, por sua vez, nos convida a entender que a Igreja não é chamada para ser uma comunidade fechada em si mesma, mas aquela que sai de si em direção aos marginalizados e excluídos desse mundo.
Dessa forma, é possível perceber que o Cristianismo está estritamente conectado com a história do pensamento comunitário e não com o pensamento individualista, de maneira que um Cristianismo que não se preocupa com as questões sociais de seu tempo, mas prega somente uma salvação individual e desassociada das questões atuais não compreendeu a mensagem do texto bíblico, que mostra um Deus que se importa com a humanidade e tem o desejo de libertá-la das diversas forças de morte que insistem em atuar nela.
A libertação do povo de Israel da escravidão do Egito e a libertação da morte trazida por meio da ressurreição de Cristo revelam a mesma mensagem e implicam o mesmo comprometimento com a sociedade, ou seja, o comprometimento na luta contra a miséria, a desigualdade social, a opressão aos mais pobres e a libertação dos oprimidos por esse sistema mundano que gera a morte.
 Se Deus é amor como diz o Cristianismo, então se relacionar com a sociedade é tarefa cristã, e se voltar para ela é resposta óbvia de uma Igreja que compreendeu o dogma trinitário.’

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terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Canteiros da paz

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
  
 A paz é também uma ciência com gramática específica, a ser aprendida, ensinada e testemunhada.
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘Um olhar sobre os acontecimentos ao redor do mundo indica que é urgente superar a violência, transformando as famílias, as cidades e as instituições todas em canteiros onde se cultive a paz. É preciso contribuir para que as dinâmicas capazes de criar a harmonia e a fraternidade prevaleçam no cotidiano de todos. O primeiro passo é fortalecer a paz no próprio coração, compromisso inadiável para reverter um preocupante cenário : o recrudescimento da violência. O consequente medo provocado por essa situação faz com que as pessoas se distanciem umas das outras, causando uma indiferença generalizada. Esse comportamento não contribui para semear a paz. Alimenta ainda mais a violência.
Em vez de buscar segurança no isolamento, acentuando distâncias, a humanidade precisa qualificar o modo como vê o mundo, indica o Papa Francisco. A percepção da realidade deve ser iluminada pela sabedoria da fé, permitindo que todos se reconheçam como parte de uma grande família. Assim, cada pessoa vai compreender que o outro também tem o direito às riquezas da Terra. A fé contribui para que haja a saudável alegria em ver o outro feliz.  Alimenta o compromisso com a vivência da solidariedade - partilhar com quem precisa de ajuda.
O olhar contemplativo à luz da fé faz brotar a consciência indispensável para ser verdadeiramente cidadão - operário que semeia diferentes canteiros da paz. Imagine uma cidade compreendida como um canteiro da paz.  E cada indivíduo, no seu campo de ação, no exercício de suas tarefas, agindo como operário que cultiva a paz. O resultado será o compromisso efetivo com a solidariedade, fraternidade e o gosto pelo bem, pela verdade e pela justiça. Para alcançar esse cenário ideal, uma certeza precisa ser aprendida e vivenciada : a reverência a Deus tem força educativa, com incidência transformadora em mentalidades e corações. Corrige descompassos terríveis que têm raízes na delinquência presente em toda parte.
Singular experiência, cultivar um olhar contemplativo, à luz da fé, é investir na capacidade para discernimentos e intuição de caminhos novos. Permite superar o marasmo que enjaula, na mediocridade, os responsáveis pela construção da sociedade.  Esses descompassos é que contaminam discernimentos, fazendo com que sejam priorizados interesses contrários ao bem comum e à justiça.  A falta do olhar que ultrapassa as superficialidades cristalizadas, possibilitando enxergar a própria interioridade, é que diminui, inclusive, a possibilidade de surgirem novos líderes. Sem clareza, habitua-se à ganância sem limites, busca-se apenas ajuntar para si.
Ver para além das aparências, graças à luz que se propaga com a presença amorosa de Deus, permite encontrar respostas para os enormes desafios que ameaçam a paz neste momento da história. Não bastam as considerações políticas, as estratégias adotadas com o objetivo de alcançar determinados números. Capacitar-se para ter um olhar contemplativo, experiência humana e espiritual, é uma necessidade. Abrir mão ou relativizar essa experiência significa adiar ou banir do horizonte a possibilidade de se conquistar uma competência indispensável para se buscar a cultura da paz.
A paz é também uma ciência com gramática específica, a ser aprendida, ensinada e testemunhada. Ela não ‘cai do céu’. É, pois, uma construção que exige o engajamento permanente de todos no irrestrito e incondicional dever de promover e respeitar direitos. Sem esse compromisso, perde-se a possibilidade de alcançar a verdadeira paz. O olhar contemplativo, que pressupõe a luz da fé e se desdobra no irrestrito respeito aos direitos de cada pessoa, deve inspirar as atitudes nos diversos contextos sociopolíticos e culturais. Todos unidos, trabalhando para fazer com que as cidades, famílias, instituições e outros ambientes sejam canteiros da paz.’

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sábado, 13 de janeiro de 2018

Vocação : Luz e vida

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Susana Vilas Boas, LMC


‘Tal como a Epifania, a vocação não é algo estático, situado num determinado momento decisivo na nossa vida. Ela faz parte da nossa vida desde que nascemos e marca toda a nossa existência. Mesmo durante o processo de discernimento vocacional, ainda que este possa ser marcado por caminhos e opções que nos levem noutras direções, a vocação irradia e orienta os nossos passos. Ela é vida, na medida em que se apresenta como luz que nos vai indicando o caminho que somos chamados a percorrer, reclamando uma mudança de direção sempre que nos afastamos dele.

Uma luz brilha nas trevas
Jesus é a luz de todos os povos. E essa luz ilumina e brilha no meio das nossas angústias e dificuldades. Tudo parece ganhar nova vida. No entanto, quanto dura essa alegria? Quanto dura o brilho dessa luz de alegria na nossa vida?
O Evangelho de S. Mateus não deixa dúvidas quanto ao impacto da vinda de Jesus : «O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz» (Mt 4,16). Esta é a certeza que leva ao anúncio do Reino, permitindo que esta luz continuasse a brilhar no coração daqueles que, pelas dificuldades da vida, se sentem isolados nas trevas da tristeza e da solidão.
Com Jesus, a luz brilha nas trevas das nossas interrogações, desafiando-nos a manter esta Luz acesa além do tempo das festividades natalícias. A luz de Jesus acompanha-nos nas nossas canseiras quotidianas se permitirmos que ela continue a brilhar em nossos corações.

A vocação como luz
A vocação é luz orientadora para a nossa vida. É ela quem nos orienta e nos guia no caminho e nas decisões que tomamos. Porquê? Porque a vocação não é nossa, é dom de Deus e, nesse sentido, «é a luz de Deus que regula com uma sabedoria sobre-humana [...] na sua organização admirável; [e, nas adversidades,] é Deus mesmo que, nesta época desafortunada e difícil, faz prosperar esta obra divina no meio de tantas dificuldades» (S. Daniel Comboni, Escritos, 4410). Isso não significa que a vocação é um ‘apêndice’ nas nossas vidas. Ao contrário, é um dom, um presente oferecido por Deus que, em total liberdade, podemos aceitar ou rejeitar. Porém, esta dádiva não é feita por acaso. Ela acontece porque Deus nos quer felizes, uma felicidade que parte daquilo que somos, sem nos mutilar nem nos reduzir a algo que não somos nem queremos ser.
Assim, a vocação é luz que torna o nosso caminho de discernimento, não num caminho de busca angustiante, mas num caminho de luz e esperança; num caminho que estamos certos de não fazer sozinhos. Isso mesmo encontram os discípulos de João Baptista quando, procurando discernir o seu próprio caminho, perguntam a Jesus : «Mestre, onde moras?» Ao que Jesus responde, traçando o caminho certo do discernimento : «Vinde ver» (Jo 1,38-39). O caminho da descoberta vocacional faz-se no seguimento da Luz que é o próprio Jesus que nos chama a segui-lo e a ficar em Sua casa.

Seguir a Luz
Seguir a Luz é desinstalar-se, é pôr-se a caminho com a fé de que seremos conduzidos por um caminho que certamente não será fácil, mas que nos leva à alegria do encontro com a felicidade verdadeira – aquela felicidade que é dom de Deus reservado para nós.
Ninguém nos força a seguir a luz, mas... que acontece quando estamos num espaço escuro e se acende uma luz? Podemos voltar-lhe as costas ou fechar os olhos, permanecendo na mesma condição que estávamos antes, procurando, neste caso, não mexer muito, não fazer nada, para evitar chocar com alguma coisa e ferir-nos – é uma opção que nos leva a refugiarmo-nos no medo. Ao contrário, podemos ousar ir em direção à luz que se acendeu, ainda que correndo o risco de nos ferirmos um pouco no momento em que nos desinstalamos do local obscuro em que nos encontramos.
Fechar os olhos à Luz é andar perdido nas trevas, é andar à deriva sem nunca chegar a um destino. Como discernir a vocação sem tomar decisões concretas na direção em que pensamos ser chamados a seguir? Seguir a luz implica dar passos : caminhar! É sempre uma atitude dinâmica que implica sair de si e ir ao encontro desta mesma Luz que, pouco a pouco, se torna caminho e vida.

Vocação : luz para a vida
A vocação é luz para a vida na medida em que é ela quem guia e orienta as nossas decisões e comportamentos, tornando-se também guia orientador daquilo que somos e daquilo que ansiamos ser.
A vocação, como luz que é dom de Deus, torna-se esperança e força para uma vida que, também ela é dom de Deus. Importa, porém, ter em conta que esta luz brilha para nós, não podendo ser entendida como elemento que vai contra aquilo que queremos e nos força a caminhar em direções contrárias àquilo que somos. Ao contrário, esta é a luz que nos orienta em direção àquilo que desejamos ser, àquilo que Deus sonhou para nós, àquilo que fará plenamente feliz a nossa existência. Em Deus, não há opções infelizes nem escolhas maiores nem menores – todas são, igualmente, de Deus e para Deus. Este Deus que é Pai e nos ama incondicionalmente, independentemente das nossas escolhas e, sobretudo, ama-nos com um amor que nos deixa livres, oferecendo-nos o dom da vocação (dom da felicidade) para que este seja recebido e vivido em plena liberdade.

Viver a vocação para uma vida em abundância
Ousar trilhar um caminho de descoberta da vocação é já um passo para aceitar viver uma vida em abundância. Uma abundância de quê? Jesus não nos promete uma vida de facilidades, mas uma vida de felicidade, em que Ele, caminhando conosco, nos dá força na adversidade e a vitória última daquilo que mais ansiamos.
Viver a vocação é mergulhar na abundância que vem de Deus e que tem Deus sempre presente – é viver uma vida em plenitude de amor, permitindo-nos ir mais longe do que aquilo que poderíamos sequer imaginar.
É para que tenhamos vida em abundância que Jesus veio ao mundo (Jo 10,10) e nos dá uma vocação (verdadeiro chamamento à vida) para que a abundância divina inunde o nosso ser e o nosso quotidiano. Também S. Daniel Comboni nos apresenta o modo como a realização da sua vocação missionária espelha a abundância do dom de Deus quando afirma : «Confiança em Deus toda. O que sei ao certo é que o Plano é vontade de Deus : Deus quere-o para preparar outras obras para a sua glória» (Escritos, 1390). Aqui, o concreto da vocação é vivido na fé de se estar a viver segundo a vontade de Deus e no desejo que os passos dados sirvam sempre para a Sua glória.
A vida em abundância pressupõe, precisamente, o abandono de esquemas egoístas que nos afastam da verdadeira Luz, apresentando a entrega e o caminho que se percorre como percurso para entrar e viver na abundância da alegria que nos vem de Deus.’

Fonte :


quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Sacerdotes unem esporte e oração em desafio pelas ruas de Brasília

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
Padre Luis Fernando em um dos desafios 


‘Dois sacerdotes, com vestes clericais e uma bola, andam pelas ruas de Brasília e, de repente, arrumam um campo sintético com uma rede, montando uma espécie de mini-quadra de futevôlei. Logo chamam a atenção das pessoas e, então, surge a oportunidade para unirem esporte e evangelização.
Trata-se do ‘Desafie o Padre’, uma iniciativa realizada pelos jovens sacerdotes Luis Fernando Costa e Eder Monegat, que consiste em desafiar os transeuntes para uma partida de uma espécie de futevôlei, com algumas regras próprias.
Mais do que o desafio esportivo, a prática tem seu propósito no que vem depois. O vencedor precisa rezar pelos que perderam a disputa e, é isso mesmo, quem vence é quem cumpre a tarefa. Isso porque, como explicam os sacerdotes, ‘rezar nunca é uma punição, mas é sempre recompensador’.
E ganhar desses sacerdotes está difícil. O projeto teve início com Padre Luis Fernando durante a Jornada Mundial da Juventude de 2013, que aconteceu no Rio de Janeiro. Já passou por diversos países. Mas, ninguém conseguiu derrotá-los ainda.
Padre Luis Fernando é também conhecido como Padre Toni Kroos, em referência ao jogador alemão, não apenas pela habilidade esportiva, mas também pela aparência física.
Este sacerdote não é vencedor apenas no ‘Desafie o Padre’, é também campeão da última edição da Clericus Cup, também chamada ‘Copa do Mundo dos Padres’, a qual disputou com o colégio Pio Brasileiro.
O projeto surgido em 2013 foi levado por Padre Luis Fernando para a Itália, quando foi estudar em Roma, e ganhou grande repercussão, tendo passado ainda pela Áustria e Polônia, onde estiveram na Jornada Mundial da Juventude 2016, em Cracóvia.
No Vaticano, até o Papa Francisco já tomou conhecimento deste projeto e aprovou. Padre Luis Fernando contou ao programa Globo Esporte, da TV Globo, que quando se encontraram com o Pontífice, ele afirmou que ‘futebol é muito importante, isso é uma maneira de evangelizar também’.
O Papa Francisco, torcedor do time San Lorenzo, da Argentina, já se manifestou diversas vezes sobre o esporte como instrumento de evangelização e recebeu várias equipes de futebol.
Em maio de 2017, por exemplo, ao receber os jogadores das equipes italianas Juventus e Lazio, o Santo Padre afirmou que o futebol é importante para o ‘nosso tempo’ e convidou os jogadores a serem exemplo de lealdade, honestidade e concórdia.
Por sua vez, Padre Luis Fernando disse à ACI Digital que se sente ‘imensamente feliz por poder evangelizar dessa forma’.
Segundo ele, ‘o mundo de hoje precisa de novas formas de evangelização, e o futebol une corações, e agora pode unir credos também’, completou.
Todos que passarem por aqui são bem-vindos’, acrescentou Padre Eder Monegat ao programa de TV.’

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terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Os esconderijos de Deus

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo do Padre António Rego,
Missionário Comboniano


‘Do futuro tudo se pode dizer. O tempo esconde sinuosidades, surpresas, acontecimentos festivos e tragédias. Mas também desgastes, desperdícios, arranha-céus e barracas, prémios Nobel, criminosos e heróis desconhecidos. E nós, no escalão social e eclesial em que nos encontramos, seguimos, segundo a nossa capacidade de rejuvenescer ou de nos conformarmos com a mediocridade que nos pode oferecer um caminho com menos custos dentro daquele que já nos custa percorrer.
Mas não vamos sós. Mesmo nos nossos cansaços temos quem vai ao nosso lado, suba, recomece, crie, ressurja das cinzas, vença a fragilidade e o pecado. E, por sermos cristãos e não deixarmos arrefecer a nossa entrega, temos tempo e espaço para a invenção, a conversão e para escrevermos e dizermos sempre algo de novo, para redescobrirmos o Evangelho cada dia, para nos levantarmos de cada queda e olharmos para o lado oferecendo amparo, dando esperança, ajudando a levantar tantos caídos que também nos ajudam nas nossas quedas. A ascese cristã sempre nos estimula a mais um passo, a prosseguir a subida, sentir a luz que vem de cima, fixar os olhos no Mestre que nos chama e deixar estrelas sobre a estrada. Os nossos passos, as nossas palavras, o nosso exemplo, não caem em terra seca, acordaram outros para subir, prosseguir, purificar, amparar, anunciar.
Que bom seria se cada dia fosse o cumprimento simples deste programa que parece complexo, mas reveste a nossa pele a ponto de já o cumprirmos com naturalidade que faz parte da nossa essência.
Apetece-nos sempre perguntar : como se encaixa esta crônica quase angélica na realidade que somos, na dualidade das palavras que usamos, nos tempos mortos da nossa oração, nas quezílias que tantas vezes temperam as nossas relações com os outros, nos tronos e altares que erguemos ao nosso ego, no desprezo ou esquecimento que alimentamos pelos outros?
É nesta dualidade que vivemos, de santos e pecadores, apóstolos e indiferentes, com momentos fortes de interioridade e tempos vazios e inoperantes, gestos destemidos de dádiva e cobardias de egoísmo acumulado.
A tudo isto acresce que não estamos sós. Nem somos apenas dois ou três. As nossas vidas passam-se em comunidade, comunidades múltiplas onde as nossas subidas e quedas são gestos de multidão que professa a mesma fé, parte do mesmo baptismo e está a caminho da mesma Luz, inspirada e animada pelo nosso Mestre, que é a nossa referência constante. É nossa missão acolher e potenciar as energias que ele nos concede e a comunidade que nos estimula e confirma. É nesta direção que todos somos enviados, movendo, ensinando e aprendendo o caminho sempre novo que o Mestre nos indica. Sem nunca perder de vista os sinais dos tempos, a originalidade de cada época, os novos caminhos que sempre se abrem, as surpresas que nos deixam aqueles que não fazem parte do nosso itinerário, nem proclamam a vida com as nossas palavras, nem manifestam sinais de fé. E, todavia, muito têm para nos ensinar por uma escrita única que Deus deixou em cada ser humano. Para O anunciar, urge procurá-lo nestes circuitos tortuosos e desconcertantes em que Deus se encontra onde menos se espera. É nossa missão não apenas proclamá-lo, mas procurá-lo aí, insuspeitamente escondido no manto espesso de cada tempo.’

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domingo, 7 de janeiro de 2018

Em busca da paz

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Quem encontrou a paz tem o dever de, cotidianamente, promovê-la, fazê-la chegar a outros ambientes e pessoas.
 *Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘‘Homens e mulheres em busca da paz’, eis o horizonte que o Papa Francisco indica em sua mensagem para a celebração do 51º Dia Mundial da Paz. Um mundo mais pacífico, aspiração profunda de todos, só pode ser alcançado quando cada ser humano, efetivamente, com sentimentos e ações, tornar-se coração da paz. Para isso, as muitas vulnerabilidades sociais não podem ser tratadas com indiferença. É preciso dedicar-se às várias situações de sofrimentos vividas por um número cada vez maior de pessoas.
A humanidade padece com a falta de paz. Essa carência cresce com as injustiças, o avanço do terrorismo e de tantas outras formas de violência. Esse cenário alimenta o medo, motivando a construção de muros, o fechamento de portas e de corações.  Investe-se no isolamento, encastela-se em busca de proteção. Porém, a primeira atitude para enfrentar as ameaças é buscar ter um coração da paz, emoldurando compromissos civis, cidadãos e governamentais com o sentido de respeito à integridade e aos direitos de cada pessoa.  Nessa perspectiva, é importante reconhecer os cenários preocupantes e agir com solidariedade. Um exemplo : dos 250 milhões de migrantes mundo afora, 22 milhões são refugiados.  
Cruel realidade provocada pela violência que está aí a contracenar com tantas outras brutalidades presentes nas regiões metropolitanas do planeta e também na zona rural.  Esses males são fruto da exclusão social, de descasos de líderes que, muitas vezes, se deixam contaminar pelo veneno da corrupção. Por isso, na busca pela paz, é imprescindível reconhecer as fadigas e os sofrimentos enfrentados por tantos grupos humanos, povos e culturas.  Mas não basta enxergar toda essa dor, é preciso abrir o coração e as portas da própria casa, com espírito de misericórdia, para acolher quem foge da violência, da fome, dos sofrimentos e de tantos tipos de guerras.  A realidade é cruel para pessoas constrangidas a deixarem a própria terra e seus lares, em razão de discriminações, perseguições, violências familiares, pobreza e degradação ambiental.
Sublinha o Papa Francisco que para dissipar o sofrimento desses irmãos é urgente um empenho mais efetivo de cada cidadão e cidadã. O gesto de acolher o outro inclui, necessariamente, um compromisso concreto, desdobramento do sentimento de misericórdia. A cidadania e a vivência da fé exigem de cada indivíduo, particularmente quem vive em condições mais favoráveis, que seja agente da paz nos lugares e na vida das pessoas que ainda não usufruem desse dom de Deus.
Quem encontrou a paz tem o dever de, cotidianamente, promovê-la, fazê-la chegar a outros ambientes e pessoas. Se não o fizer, corre o risco de sofrer, cedo ou tarde, as consequências das degradações de todo tipo, a derrocada das próprias seguranças. A paz é uma herança a ser construída no dia a dia e precisa ser mantida com investimentos humanitários, educativos e solidários, todos os dias. 
As comunidades de fé, congregadas ao redor de projetos, bairros, condomínios, precisam investir na promoção da paz, despertando o senso de solidariedade. Um sentido que se manifesta nas práticas simples e diárias.  Reunidos, esses pequenos gestos podem consolidar uma nova cultura, alicerçada na satisfação de poder ajudar outras pessoas a terem uma vida mais digna. O empenho pela promoção da paz, tendo presente a realidade dolorosa de pobres, migrantes, refugiados, perseguidos e abandonados é um caminho exigente e interpelante. Todos possam, com olhar de misericórdia, enxergar os rostos sofridos e as situações humanas de vulnerabilidade para, assim, com compaixão cidadã, tornarem-se força capaz de dar novo rumo à sociedade.
Reações humanitárias e comprometidas com a justiça são fundamentais para promover as transformações sociais almejadas por todos. Sem essas bases, haverá muitas perdas e as próprias eleições que serão realizadas neste ano terão pouco impacto nos processos de mudança, pois, provavelmente, muitos eleitos repetirão erros e continuarão presos a interesses pouco nobres. A sociedade civil precisa reagir, comprometida com a verdade, com o bem e com a justiça, para conquistar avanços na busca da paz.’

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sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Epifania do Senhor

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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‘Tanto os fiéis de tradição constantinopolitana como os de tradição romana conservaram, para o dia 6 de janeiro, uma festa cristológica muito antiga, a primeira em que se sintetizavam todos os mistérios do Senhor ao manifestar-se ao mundo. Mas quando no século IV, a data do nascimento do Senhor foi colocada no dia 25 de dezembro, por iniciativa romana, e logo em seguida aceita também pelos orientais, o conteúdo da festa do 6 de janeiro se diversificou. Para os católicos latinos o dia 6 de janeiro é o dia da Epifania, a manifestação de Cristo «luz das nações» considerada a partir da vinda dos Reis Magos em Belém. Esse evento, para os cristãos bizantinos, está incluído na comemoração global do dia 25 de dezembro. Ao passo que no dia 6 de janeiro eles celebram a ‘Santa Teofania’ do Deus que se encarnou. É a segunda manifestação do Salvador, no início de sua vida pública, por ocasião do seu batismo no rio Jordão, que se deu num contexto trinitário, em que Deus Pai fez ouvir sua voz e o Espírito Santo apareceu em forma de pomba.
Era um dia em que os catecúmenos recebiam solenemente o batismo, como na Páscoa. Os textos litúrgicos da festa da Teofania resumem bem os mistérios fundamentais da fé cristã : encarnação do Verbo, com muitas alusões ao nascimento, e a unidade de Deus na Trindade.’

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