quarta-feira, 31 de maio de 2023

Sinais de esperança

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Padre Juan González Núñez

Missionário Comboniano


‘Os Boranas, um grupo étnico pastoril, ocupam a parte mais ao sul da Etiópia, a região de Oromia, na fronteira com o Quénia. A sua terra é uma savana perpetuamente árida, mas, se as chuvas são regulares, é capaz de suportar dois a três milhões de bovinos, além de grandes rebanhos de cabras brancas.

Infelizmente, a tendência normal de chuvas no distrito mudou drasticamente. Há cinco anos que não chove, e a capacidade da região de lidar com essa catástrofe esgotou-se completamente. Um após o outro, todos os pontos de água secaram e quase todo o gado morreu. Fala-se de pelo menos dois milhões de cabeças de gado mortos pela fome e sede.

Devemos regressar a 1984 para encontrar uma tragédia destas dimensões. Eu também a testemunhei em primeira mão. Naquele ano de terrível memória, as vítimas da seca entre os Boranas excederam um milhão.

Hoje, o Governo promete que não deixará um único indivíduo morrer devido à seca. Talvez ele pudesse fazê-lo se juntasse todos os Boranas nos campos de deslocados internos. No entanto, não será possível saber com certeza quantas vítimas terão falecido nas suas aldeias devido à desnutrição e fome.

Gradualmente, a maioria das pessoas já se mudou para os campos de deslocados internos criados pelo Governo. 

Próximos dos deslocados

A delegação da Igreja Católica, liderada pelo cardeal de Adis-Abeba, visitou o campo de Dubluk, que, com oitenta mil habitantes, é um dos maiores da região de Borana. As pessoas deslocadas vivem principalmente em tendas, algumas em cabanas, outras em barracos de madeira cobertos com folhas de plástico. As pessoas parecem limpas, vestidas decentemente e bem alimentadas : roupas e alimentos são fornecidos pelo Governo e instituições de caridade. Mas há um sentimento de desespero entre aqueles que antes eram ricos e agora perderam tudo.

A seca já dura há cinco anos : a mais longa de que as pessoas se lembram. Desde o início, o Vicariato de Hawassa está presente, ajudando as pessoas deslocadas de todas as formas possíveis. Entre os Boranas, existem três missões católicas dos Missionários Espiritanos, que se destacaram pelo trabalho social, seja em escolas, residências estudantis ou escavações de poços de água.

 O Vicariato continua a ajudar a população, mas não se vê um fim à vista para esta grave crise humana. Até hoje conseguimos colaborar na assistência a cerca de um milhão e meio de boranas, distribuindo grandes quantidades de ajudas recebidas de organizações como a Caritas América, Caritas Áustria e outras.

Um dia depois da nossa visita aos deslocados, começou a chover. É possível que as pessoas comecem a dizer que foram os católicos que trouxeram a chuva. Seria um equívoco curioso. Sabemos bem que só Deus é o Senhor de tudo o que a sua providência coloca à nossa disposição.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.combonianos.pt/alem-mar/artigos/8/962/sinais-de-esperanca/

domingo, 28 de maio de 2023

Chamados pelo Senhor: uma maneira de viver

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Dom Emanuelle Bargellini, OSB


Hoje começo….’ respondeu um antigo padre do deserto a quem lhe perguntava qual fosse seu empenho depois de quarenta anos de vida monástica na solidão. Diante da surpresa, lhe pergunta o seu interlocutor : Não se enjoa de repetir sempre essa frase? Se alcançou o objetivo da vida espiritual por que repeti-la? E se não o alcançou e seus esforços foram sem fruto por que continua repetindo-a? ’Hoje começo’, repetia ele com simplicidade…

Nós estamos vivendo um tempo de profundas transformações culturais, sociais, econômicas, políticas, religiosas. Uma sociedade ‘sem lugar’ e ‘sem rumo’, que tem com orgulho como critério a cultura e a ‘identidade liquida’, fluida, leve (Zygmunt Bauman, Modernidade liquida). Muitas pessoas tem perdido o sentido do próprio caminho e a orientação da própria existência.

Precisamos aprender novamente a pensar e a pensar criticamente sobre os acontecimentos e sobre as tantas opiniões divulgadas todos os dias no supermercado das propostas de vida. Como o antigo monge do deserto precisamos re-ativar nossa atenção critica, nossas iniciativas para uma vida plena, a vontade de re-iniciar a construir a partir do nosso centro interior.      

Como?

O Concilio Vaticano II nos indicou e abriu um novo horizonte : redescobrir em Cristo, homem novo, a capacidade de ler e julgar a realidade com os olhos de Deus e de vivê-la com seu coração. A Conferência da Aparecida de 2007 indicou o mesmo caminho para o Brasil e a América Latina : tornar-se discípulos missionários em maneira nova. 

É a vocação e a missão do ‘profeta’, chamado e enviado por Deus para um olhar mais profundo, que vai além das superfícies, uma consciência crítica das situações, uma voz livre e que se incomoda com as convenções sociais e religiosas, inconformada e destinada a enfrentar oposições e riscos, uma voz capaz de indicar, voltando às raízes, novos rumos ao caminho. 

Ao delinear a identidade e a missão do povo de Deus e de cada um dos seus membros no projeto de Deus sobre a família humana, o Concilio afirma que este povo participa, por graça e vocação, das funções ‘sacerdotal, profética e real de Cristo’ :

  • Participação ao sacerdócio de Cristo : O supremo e eterno sacerdote Jesus Cristo quer continuar seu testemunho e seu serviço também através dos leigos. Vivifica-os por isso com seu Espírito e incessantemente os impele para toda obra boa e perfeita (LG 34).
  • Participação à função profética de Cristo : Cristo, o grande profeta que proclamou o reino do Pai continua a exercer sua função profética até a plena manifestação da glória. Ele o faz não só através da hierarquia, que ensina em seu nome e com seu poder, mas também através dos leigos. Por esta razão constituiu-os testemunhas e cumulou-os com o senso da fé e a graça da palavra (cf At 2,17-18), para que brilhe a força do evangelho na vida cotidiana, familiar e social (LG 35).
  • Participação à função de reger e ordenar as coisas segundo o projeto de Deus : Cristo, feito obediente até a morte e por isso exaltado pelo Pai (cf Fil 2,8-9), entrou na gloria do seu reino A ele todas as coisas estão sujeitas, até que submeta todas as criaturas ao Pai, para que Deus seja tudo em todos (cf I Cor 15,27-28). Também através dos leigos o Senhor quer dilatar seu reino, ‘reino de verdade e de vida, reino de santidade e graça, reino de justiça, amor e paz’. Por isso os fieis devem reconhecer a natureza íntima de toda criatura, seu valor e sua ordenação ao louvor de Deus (LG 36).

A experiência emblemática de vocação e missão profética de Isaias 

Para entender a nossa missão e vocação como cristãos, é de grande ajuda a meditação da vocação e missão do profeta Isaias. Sua experiência pessoal é um exemplo típico de como o Senhor entra, por sua própria iniciativa, e de repente, na vida das pessoas que escolhe, as chama para si, e entrega a elas uma missão em seu nome, para atuar na situação do seu tempo e, como é típico de Deus, ter ressonância em todos os tempos. 

Antes, porém, é importante conhecer alguns elementos essenciais da estrutura do livro de Isaías, e do contexto histórico no qual se formaram suas partes, pois o Senhor se revela atuando na história concreta dos povos e das pessoas e sua revelação assume sempre a carne daquelas situações. É preciso tê-las presente para respeitar a ação de Deus e o caminho que nos entrega com a sua palavra.

O livro de Isaias, que passa sob o nome de um único autor, na realidade pertence a três autores diferentes – como nos ensinam os exegetas – que viveram e desenvolveram a própria missão no meio do povo de Israel entre os séculos VIII e V a.C. São autores distintos, mas profundamente em sintonia entre si em relação à mensagem e à espiritualidade. 

primeiro Isaias é o profeta que dá o nome e a orientação espiritual a todo o livro. De sua autoria com certeza são os capítulos 1-39. Ele nasce por volta de 765 a.C., recebe o chamado aos 25 anos de idade por volta do ano 740 a.C. e atua por 40 anos até o ano 700 a.C. Uma tradição judaica afirma que ele teria sido martirizado. É um período no qual o reino de Judá (capital Jerusalém) está vivendo uma fase de bem estar econômico, mas com forte injustiça social, religiosidade superficial, e nas relações exteriores se sobressai a fraqueza política, devido à influencia contrastante dos potentes povos vizinhos : Assíria e Egito. O rei apoia-se ora em um, ora em outro, confiando mais na política e na astúcia militar do que em Deus, com risco de infiltrações idolátricas na vida do povo.

Isaias participa ativamente em todos os assuntos do seu país, muitas vezes em contraste com o poder político e religioso e com a opinião pública. Reivindica a exigência de confiar antes de tudo no Senhor e guardar sua aliança. O Senhor é fiel a seu compromisso com a casa de Davi. Isaias enfrenta esta situação social, política, religiosa, com voz lúcida, forte, critica e promissória. Ele se revela como pessoa de grande sensibilidade humana, poética e religiosa. Homem de Deus e homem do seu tempo! 

segundo autor (capítulos 40-55) é chamado de Deutero/Segundo Isaias. Sua mensagem está marcada por circunstancias históricas dramáticas. Em 597-587 a.C., Nabucodonosor, rei da Babilônia que havia derrotado o reinado da Assíria, ocupa e destrói Jerusalém e deporta para Babilônia muitos do povo entre 597-538 a.C. O profeta anônimo, de quem não conhecemos as características biográficas, oferece ao povo escravizado esperança de recuperação e perspectivas messiânicas mais amplas. Os cap. 42, 49, 50, 52-53 contêm os famosos ‘Cânticos do Servo Sofredor’, que o Senhor escolhe para resgatar não só Israel, mas também os povos pagãos. 

terceiro autor ou Trito Isaias (capítulos 56-66), destaca perspectivas de novo início, quase um novo êxodo e uma nova criação por parte de Deus, em favor do seu povo. Parece ter sido composto depois da volta para Jerusalém e o fim do exílio (em 538 a.C.), e destinado a dar novo alento à reconstrução material e espiritual do povo.

Por que ler e proclamar Isaias em nossas liturgias e em nossas meditações?

A relação de Deus com a humanidade é uma ‘história sempre viva’. Por isso a experiência do profeta, e os textos que a relatam, são experiência e textos ‘vivos’, que continuam ensinando a como viver a relação com Cristo, centro e cume desta história de salvação, para cada geração e cada um de nós.

A tradição cristã identifica o Servo Sofredor com Cristo : veja-se os relatos da Paixão nos sinóticos e a leitura do profeta na liturgia da igreja. Durante o tempo do Advento leem-se, sobretudo, os textos do primeiro e segundo Isaias, na Quaresma e Semana Santa retoma-se os Cânticos do Servo Sofredor, enquanto na vigília da Páscoa e no tempo pascal proclama-se os textos do terceiro Isaias. 

Este modo de meditar o texto bíblico, revela seus significados mais profundos escondidos no próprio texto, permitindo evolver o sentido existencial do texto à luz do evento de Cristo, do caminho espiritual da Igreja e de cada leitor. Santo Agostinho diz : Novum in vetere latet, Vetus in novo patet – O Novo Testamento está escondido no Antigo, e o Antigo Testamento se manifesta no Novo. São Gregório Magno afirma que : Scriptura cum legente crescit – A escritura cresce com aquele que a medita continuamente. Seja em relação ao AT como ao NT, vale o convite de São Gregório Magno : Cognesce cor Dei in verbis Dei – Conheça o coração de Deus nas palavras de Deus!

Lucas (4,16 -22) conta queJesus na sinagoga de Nazaré lê o texto de Isaias 61,1 -2 e declara que se está realizando na sua pessoa e na sua missão o que o profeta preanunciou : O Espírito do Senhor está sobre mim…enviou–me para proclamar a libertação aos presos... (…). Enrolou o livro, entregou-o ao servente e sentou-se. Todos na sinagoga olhavam-no atentos. Então começou a dizer~lhes : Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da escritura (Lc 4,20).

A vocação de Isaías e de Jesus

Voltando à narração da vocação do profeta (Is 6,1-13), como ele mesmo a transmitiupode-se vislumbrar, não só os passos do seu caminho interior, quando toma consciência do chamado que Deus lhe faz, e das exigências da missão que está recebendo, mas também, os elementos essenciais da sua mensagem, assim como toda sua aventura humana e espiritual. Lucas, na sua narração do nascimento de Jesus, segue o mesmo método, reconstruindo o contexto histórico e espiritual do humílimo e grande evento de Belém. 

Destaquemos alguns dos elementos da vocação de Isaías, seguindo o método da lectio divina (leitura orante), que parte do sentido literal do texto e, progressivamente, vai descobrindo o seu sentido espiritual. Diz o texto de Isaías : No ano em que faleceu o rei Ozias, vi o Senhor sentado sobre um trono alto e elevado (Is 6,1-2). Deus toma iniciativa e se faz próximo, entra na história concreta de um povo e de Isaias, a quem ele escolhe e chama. Ele é desde sempre o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó, isto é, o Deus que vive comprometido na história do seu povo. Encontra o escolhido no contexto da sua vida cotidiana (o templo, onde atuava como sacerdote) e da vida do povo (a sociedade política e religiosa).

Da mesma forma Lucas, ao indicar a revelação de Deus no nascimento de Jesus, o Messias, diz : Naqueles dias apareceu um edito de César Augusto, ordenando o recenseamento de todo o mundo (…) Enquanto lá estavam, completaram-se os dias para o parto, e ela deu à luz seu filho primogênito (Lc 2,1,6).

As vindas e as passagens de Deus na vida de cada pessoa

Deus tem seus tempos e suas maneiras de passar, e não passa só uma vez, embora cada vez seja ‘o tempo decisivo’ (kairós). Deste modo chamou seus profetas e discípulos. Veja-se, por exemplo, a vocação de Moisés (Ex 3,1-12), Amós (Am 1,1), Jeremias (Jr 1,1-111), dos primeiros discípulos (Mt 4,18-22) e de Saulo/Paulo (At 9,1-9). Do mesmo modo, após a surpresa, Ele passa através de acontecimentos felizes e tristes na vida de cada um, ou de uma simples intuição profunda…. 

Daqui nasce a exigência de sabê-lo reconhecer e deixar-se comprometer, para fazer da nossa história uma ‘nova história de amor e de salvação’, que exige vigilância, discernimento, prontidão. São atitudes que Jesus destaca fortemente em suas parábolas : a espera vigilante do senhor que volta das núpcias (Lc 12,35-46), do ladrão que surpreende o dono da casa, do patrão que pede contas ao administrador. A espera do Amado que vem visitar e oferecer um encontro de intimidade : ‘Eis que estou à porta e bato : se alguém ouvir minha voz e abrir, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo’ (Ap 3,20-21).

Durante o Ano litúrgico, no qual se exprime a pedagogia da fé da igreja, o tempo de Advento é particularmente propício para viver a ‘espera’ e a ‘esperança’ da vinda de Deus na carne, através da memória sacramental do evento da encarnação, que o torna ‘vivo’ e ‘atual’ novamente. A liturgia do Advento nos leva a olhar para a nossa experiência, e para os acontecimentos do cotidiano (presente/hoje), enquanto nos abre para olhar para a vinda gloriosa do Senhor (futuro/promessa). Esse dinamismo nos permite descobrir com liberdade, a relatividade do presente e do parcial, e antecipar o desejo e a esperança da plenitude e do encontro definitivo com o Senhor. São Bernardo, em sua teologia do Natal, fala de uma ‘tríplice vinda’ do Senhor. Diz que sua vinda acontece três vezes : na encarnação, em nosso interior, através do seu Espírito que visita a consciência de cada um, e no final dos tempos em sua vinda gloriosa.

Deus santo se manifesta como transcendência e proximidade

A relação com Deus, como podemos constatar a partir dos exemplos de vocação e missão dos seus escolhidos é, ao mesmo tempo, experiência de transcendência e de proximidade. Isaías relata ver a santidade de Deus na visão em que lhe é transmitida sua missão : Eles clamavam uns para os outros e diziam : santo, santo, santo…a sua gloria enchia toda a terra…o templo se enchia de fumaça (Is 6,3-4).

Para cada um de nós, o caminho é o mesmo. Depois do evento pascal, esta experiência se dá através da carne do Verbo, morto e ressuscitado, na efusão do Espírito mediante a fé e nos sacramentos da iniciação cristã : ‘santificados e chamados a tornar-se santos no Santo’. Um processo que faz da pessoa e da comunidade ‘o templo’ e a ‘casa’ do Senhor (cf Ef 2, 19 – 22; 1Cor 3, 6). O Verbo se fez carne e habitou entre nós… De sua plenitude todos nós recebemos graça por graça… Ninguém jamais viu a Deus : o filho unigênito que está no seio do Pai, este o deu a conhecer (Jo 1, 14;16;18). – Em verdade vos digo : todas as vezes que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes’ (Mt 25,40).

Somos sempre indignos do chamado

Mas o chamado mostra também a nossa inadequação. Conforme descreve Isaías : Então eu digo : ‘Ai de mim, estou perdido! Com efeito sou homem de lábios impuros, e vivo no meio de um povo de lábios impuros, e meus olhos viram o Rei, Senhor dos exércitos (Is 6, 4-5). Encontrar-se com Deus, ser chamado por Ele, implica sempre a percepção da própria indignidade, ou melhor, da insuficiência frente a Deus, o inaccessível, o invisível, cuja visão pode matar! 

Esse sentimento é componente natural na experiência religiosa da criatura na relação com o criador. Está ao centro da religiosidade natural. O AT destaca bem esta dinâmica : o Deus de Israel é o Deus que ‘permanece escondido, ao mesmo tempo em que é o salvador do seu povo’ (Is 45,15). Ele é quem atrai a si todo ser humano, mas também incute medo. É fascinante e tremendo! A resposta não é fugir, mas entregar-se à sua generosa e transformadora acolhida : Ai de mim, estou perdido! Com efeito sou homem de lábios impuros… (cf. Moisés, Gen. 3,1-12; Jeremias 1,4-10; 17 -19; Pedro depois da pesca inesperadaLc 5,8).  

Jesus, por sua vez, manifesta a proximidade do Pai e sua compaixão, é o rosto da sua misericórdia. Procura os marginalizados, os pecadores, os impuros, e elogia a fé do pagão e da mulher impura pelo sangramento ou pelo pecado. Indica o publicano, que se confessa pecador no limiar do templo, como a pessoa que vive a verdadeira relação com Deus, ao contrario do fariseu que presume ‘ser justo’ (Lc 18, 9 -14).

A liturgia eucarística também cultiva este sentido de indignidade, não para afastar-se, mas para aproximar-se à misericórdia : do Ato Penitencial ao Gloria, do Santo ao Pai nosso, da Confissão antes da Comunhão com as palavras do centurião ‘Senhor, não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo’. A liturgia das Horas abre-se sempre com a invocação ao Senhor, afim de que seja ele a abrir nossos lábios (Abri meus lábios, ó Senhor…), ou vir ao nosso auxílio (Vinde, ó Deus em meu auxilio…)  

Segundo a Regra de São Bento, o monge perfeito é o que, percorrendo todos os graus da humildade, chega a assumir a postura do publicano no templo. É o caminho que conduz o monge à caridade perfeita, fonte de liberdade em relação à toda forma de medo, e que gera a alegria do serviço ao Senhor (RB 7, 62-68). 

Purificação e transformação 

Isaias descreve assim seu caminho de purificação : Nisto um dos serafins voou para junto de mim, trazendo na mão uma brasa que havia tirado do altar…tocou os lábios e disse : teu pecado está perdoado (Is, 6,7). Para fazer do jovem sacerdote a ‘boca de Deus’, pessoa apta a falar as palavras de Deus, o profeta é purificado por ação do próprio Deus, e não se auto-proclama tal. Essa é a distinção entre verdadeiros e falsos profetas. Entre ‘profetas da esperança’, suscitada pela ação de Deus, reconhecida e destacada pelos profetas de Deus, e os ‘profetas de desventuras,’ como os chamava papa São João XXIII, que veem só o mal na história do nosso tempo, por falta de confiança no Senhor. 

Missão 

Em seguida ouvi a voz do Senhor que dizia : ’Quem hei de enviar? Quem irá por nós?’…

Eu respondi ’Eis-me aqui, envia-me a mim’ (Is 6,8).

A vocação e missão é ‘resposta’, uma resposta pontual que acontece em um momento preciso, mas que significa uma modalidade de ser, de viver, de atuar. É o mesmo que acontece com o Verbo feito carne, e cada discípulo de Jesus Cristo : Tu não quiseste sacrifício e oferenda. Tu, porém, formaste-me um corpo…por isso eu digo : Eis-me aqui…eu vim, ó Deus, para fazer tua vontade… E graças a esta vontade é que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas (Heb 10, 5-10)

Toda a vida de Jesus se desenrola como atuação desta dedicação ‘original’ ao Pai e desta radical solidariedade aos homens, até a cruz. É a atitude que faz da existência de Jesus uma ‘existência sacerdotal’, e da sua morte o ‘sacrifício redentor e reconciliador’. O mesmo acontece com Maria mãe da igreja : Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo Tua palavra! (Lc 1,38).

Missão entre um povo que não está disponível a escutar…

A ‘missão’ entregue, quase sempre, parece muito difícil, e humanamente desproporcionada às capacidades pessoais do escolhido e incute, naturalmente, medo. Deus não recua, mas dá sua verdadeira garantia : a sua presença fiel a seu lado. Como um refrão, ressoa em todas as chamadas dos escolhidos, de Abraão ao ultimo dos apóstolos, passando pelos patriarcas e os profetas, a palavra divina : Não tenhas medo…. Eu estou contigo

Deus diz a Isaias que o povo não compreenderá nem se converterá : Com os ouvidos, ouvi, mas não compreendereis, com os olhos, olhai, mas não conhecereis.(Is 6, 9 -10). Isaias é chamando a denunciar a hipocrisia religiosa (cf Is. 1,10-20) e o abuso dos pobres (Is 5, 8-14). Jesus ao enviar os discípulos diz : Ide! Eis que vos envio como cordeiros entre lobos. Não leveis bolsa, nem alforje, nem sandálias. (Lc 10,3-4)Quando vos conduzirem às sinagogas, perante os magistrados e perante as autoridades, não vos preocupeis como ou com que vos defender, nem com o que dizer : pois o espírito Santo vos ensinará naquele momento o que deveis dizer’ (Lc 12, 11 -12).

Isaias sofre pela incompreensão do povo e pergunta ao Senhor : Até quando? (Is 6,11).O bom profeta enfrentará graves provações, o povo recusará a se converter e por isso arriscará a ser completamente destruído. Mas, o Senhor lhe anuncia que do ‘toco’ do grande carvalho abatido, brotará uma nação santa (Is 6,13). É a esperança definitiva que o profeta ouve como consolação do Senhor, é um futuro novo que ele será chamado a testemunhar, e que fará de Isaias o profeta da consolação por excelência. A entrega confiante do profeta ao Senhor é sua verdadeira e única força, como o será para Maria e para os discípulos de todos os tempos! Eu sou a serva do Senhorfaça-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1, 38).

Discípulos de Jesus ao longo da história, escolhidos e chamados por graça, enviados na sua condição de fragilidade pessoal, mas fortes na potência de Deus!’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2023/05/21/chamados-pelo-senhor-uma-maneira-de-viver/

sexta-feira, 26 de maio de 2023

Como católico, continuo fechado na minha casa?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Aleteia Vaticano

(Artigo publicado originalmente em Por tu Matrimonio)


‘A Bíblia nos recorda aquela experiência inesquecível que os discípulos viveram ao anoitecer desse primeiro dia da semana : a visita de Jesus 50 dias após a ressurreição e seu sopro de incentivo para que eles não continuassem fechados em suas casas por medo; pelo contrário, o Senhor os enviou pelo mundo inteiro com a missão de perdoar pecados ou retê-los, se for o caso.

Esta passagem bíblica pode nos levar a uma reflexão séria sobre o nosso papel na comunidade, de tal maneira que nos perguntemos : eu, como católico, continuo fechado na minha casa? Continuo fechado em meu egoísmo? Continuo fechado em minha rotina diária?

Continuo fechado em minha caixinha de vidro, pensando que sou melhor que os outros? Continuo fechado na ideia de condenar e qualificar os outros como pecadores, simplesmente porque eles não pensam ou agem como eu?

Continuo fechado em não colaborar e prestar um serviço à minha comunidade, naquilo que sei ou que poderia aprender? Continuo fechando o talento que carrego dentro de mim e que me foi dado graças ao Espírito Santo?

Jesus, antes de soprar sobre os discípulos, pediu-lhes que saíssem desse fechamento no qual se encontravam por medo ou talvez por covardia, já que, como o Pai o enviou, Ele também os enviava, para que continuassem com a obra de perdoar pecados.

Mas perdoar pecados não como pensam alguns, que se consideram com poderes sobrenaturais ou mágicos, e sim por meio do acompanhamento, sem importar a condição do outro (Jesus e Zaqueu), valorizando o outro como pessoa (Jesus e a mulher adúltera), falando com as pessoas sem importar-se por seu “status” migratório (Jesus e a samaritana), fazendo parte de uma comunidade unida pela oração e o serviço (a multiplicação dos pães), sendo justo e respeitoso com a norma estatal (Lucas 20, 25).

Enfim, Jesus, antes de soprar sobre eles e depositar o Espírito Santo em cada um, pensou em tudo isso, para que fizesse sentido a força que Ele estava injetando nos discípulos.

Por isso, é importante que você se pergunte, nesta festa do Espírito Santo, onde está esse Espírito Santo que você recebeu nos sacramentos, na Crisma. Se a resposta o leva a elencar muitas obras boas que você pôde realizar seguindo o exemplo de Jesus, parabéns!

Mas, se a resposta é negativa, talvez valha a pena então procurar o Espírito Santo, para saber onde você o deixou da última vez que caminhou com Ele. Talvez Ele esteja fechado sob sete chaves e cadeado de segurança…

Se Jesus soprou sobre os discípulos enviando o Espírito Santo, sopre você também, bem forte, sobre a sua comunidade.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2014/06/06/como-catolico-continuo-fechado-na-minha-casa/

terça-feira, 23 de maio de 2023

Polônia: mosteiro de Przemyśl acolhe mulheres e crianças, refugiadas da Ucrânia

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Pawel Rytel-Andrianik


As Servas da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria de Stary Wieś vivem em Przemyśl, a 12 km da fronteira com a Ucrânia. Desde as primeiras horas após o início da guerra, comprometeram-se na ajuda aos refugiados da Ucrânia.

A irmã Ewa Mehal relata : «No primeiro dia da guerra, começamos a oferecer sanduíches e bebidas quentes na fronteira, na estação de comboios e no centro de refugiados. Muitas pessoas traziam comida para os refugiados, mas apercebemo-nos que essas pessoas estavam a dormir na estação. Estávamos especialmente preocupadas em assegurar que as mães com crianças pequenas, os idosos e os deficientes pudessem ter um alojamento à noite. Íamos à estação ferroviária, onde os refugiados estavam acampados à espera dos comboios, e oferecíamos-lhes dormida no mosteiro. Com o nosso carro, levávamo-los para a nossa casa».

Contudo, isto não foi fácil, pois eram convidados por pessoas para eles desconhecidas. «Era preciso conquistar a sua confiança. Era preciso romper as barreiras, gerar a confiança neles pois nem todos queriam ir dormir num lugar desconhecido. Estavam preocupados em saber o que teria acontecido depois, longe da estação, porque queriam estar perto da fronteira», recorda a irmã Ewa.

O primeiro auxílio

A irmã Ewa Mehal descreveu o primeiro socorro aos refugiados assustados e famintos provenientes da Ucrânia : «a primeira coisa era uma refeição quente, começava-se por isto. Depois um banho para se lavar e a dormida. Contemporaneamente realizamos um armazém para ter ao alcance as coisas mais necessárias, pois havia muitos benfeitores da Polonia e do exterior. Perguntávamos a estas pessoas o que lhes era mais necessário para prosseguir a viagem. Chegavam pessoas muito cansadas que nos diziam que não se lavavam há dias. Às vezes chegavam diretamente dos refúgios».

Mães com crianças pequenas

«As mães com filhos pequenos estavam na situação mais difícil. A criança mais nova tinha três semanas. Foi necessário criar condições especiais para estas mães e os bebês precisavam de cuidados especiais. Fizemos um parque infantil no pátio. Por vezes, as famílias vinham ter conosco a altas horas da noite e as crianças nem sequer queriam entrar em casa, mas começavam imediatamente a brincar no pátio», relata a irmã Ewa Mehal.

A religiosa recorda também as saídas à noite : «Por vezes, quando alguém precisava de ajuda, íamos à estação à meia-noite. Nestes casos, tratava-se muitas vezes de crianças pequenas. Os voluntários telefonavam da estação a dizer que havia uma família ou uma mãe com vários filhos que não tinham onde dormir. Nós levávamo-las para casa. Depois, voltávamos a acompanhá-las ao comboio com o qual queriam continuar a viagem».

O mutirão envolvido no apoio a refugiados

«Devido ao grande número de refugiados que chegavam continuamente à Casa de Przemyśl (cerca de 40 pessoas por dia), fomos apoiadas pelas nossas irmãs das outras casas da Congregação. Chegaram a Przemyśl para ajudar os refugiados três irmãs que trabalham na Ucrânia e quando a guerra começou estavam na Polonia : a irmã Krystyna, a irmã Łucja e a irmã Irina. O seu conhecimento da língua ucraniana ajudou na comunicação com os refugiados», disse a irmã Ewa Mehal.

A organização de uma ajuda tão rápida e eficaz foi possível graças ao envolvimento de muitas pessoas. A irmã Ewa Mehal sublinhou : «Todas as irmãs — tanto na Polonia como no estrangeiro, incluindo a Ucrânia — participaram na ajuda aos refugiados através da oração e do serviço, fazendo donativos em dinheiro e bens materiais, organizando recolhas e participando em iniciativas. Prepararam também transportes de alimentos, vestuário, medicamentos, material para medicação e produtos de higiene».

A gratidão

As pessoas que experimentaram esta ajuda estão muito gratas. Eis um dos e-mails que enviaram às irmãs na Ucrânia que ofereceram os primeiros socorros nas suas casas :

«Gostaríamos de agradecer de coração às Irmãs pelo carro que nos ofereceram para a nossa viagem rumo à nova casa na Inglaterra. A possibilidade de viver convosco multiplicou em nós a fé no ser humano; apesar dos momentos difíceis que vivemos no presente, pudemos ver uma mão estendida. Estamos muito gratos a vós, a toda a família, pela vossa ajuda. Foi também para nós a experiência do amor de Deus e da sua presença na nossa vida. Ele não nos deixa sozinhos, mas, especialmente nos momentos difíceis, enviou-nos os Seus anjos que tomaram conta de nós. Taras». Chegaram muitos agradecimentos como este.

A ajuda das irmãs na Polônia

Desde o início do conflito, mais de 1000 casas de religiosas na Polonia participam de diferentes formas na ajuda aos refugiados da Ucrânia. Além das atividades na Polonia, na Ucrânia atualmente desempenham o seu ministério 154 religiosas polacas, ou seja, um total de 40% das religiosas. De acordo com os dados mais recentes da Consulta das Congregações religiosas femininas, atualmente os ucranianos estão presentes em 213 casas e centros religiosos. As pessoas que desejarem apoiar as irmãs na ajuda aos ucranianos podem contactar a Consulta das Congregações religiosas femininas.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2023-05/projeto-sisters-irmas-servas-imaculada-conceicao-refugiados-ucra.html

domingo, 21 de maio de 2023

De trincheiras a pontes

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Rita Figueiras


‘No âmbito do LVII Dia Mundial das Comunicações Sociais, o Papa Francisco refere na mensagem anual que vivemos um período da História marcado por polarizações. Estes antagonismos, outrora evidentes apenas na política e em períodos eleitorais, estão a galgar o cenário político e a impregnar-se na vida quotidiana.

O problema não está na existência de antagonismos na sociedade : as divergências sempre foram salutares e estruturadoras da vida democrática, pelo que este regime político nunca pretendeu extinguir o conflito. A cultura democrática sempre se caracterizou pela capacidade de transformar inimigos em adversários legítimos, garantindo a todos o direito de defenderem as suas ideias. Este «pluralismo agonístico» manifesta-se, assim, através da aceitação e complementaridade entre propostas distintas, bem como na capacidade de integrar os embates políticos entre grupos com opiniões divergentes. Contudo, nos últimos anos, parece ser cada vez mais difícil enquadrar a crescente animosidade social nos princípios democráticos, assistindo-se a uma reversão destes valores.

O crescimento da polarização afetiva é uma das consequências. Esta caracteriza-se pelo rancor e intolerância exacerbados em relação aos adversários, perspectivando-os como inimigos com os quais não se consegue conviver e se deseja eliminar. Deste modo, os valores democráticos parecem, por si só, incapazes de conter as emoções negativas florescentes, bem como manter a palavra, a escuta e o debate como formas de gerir conflitos sociais. Estas transformações ajudam a explicar porque é que o espaço social está a tornar-se uma esfera de ressentimento, raiva e intolerância.

O ecossistema de comunicação atual potencia este tipo de sentimentos ao alimentar laços negativos entre as pessoas. As tão famosas bolhas digitais, movidas a animosidade, fomentam uma retórica fragmentária e produzem câmaras de eco. Isto quer dizer que promovem a constituição de grupos que pensam de forma semelhante, enquanto paulatinamente instigam a radicalização das suas ideias e, principalmente, a intolerância contra todos os que não são exatamente iguais a si.

Estes desenvolvimentos políticos, sociais e digitais estão a desestabilizar profundamente as sociedades e a contaminar as relações pessoais sem que, na maioria das vezes, as pessoas tenham a noção de como é que elas são transformadas por estes processos. Neste ambiente, a prática da escuta, do diálogo e do consenso não são promovidos, antes pelo contrário : este contexto cultiva a incivilidade e a desumanização. Todavia, se queremos algo diferente, precisamos de agir de modo diferente. Recuperar práticas saudáveis de comunicar não resolve os problemas profundos das nossas sociedades, mas, ainda que não sejam uma via suficiente, são, claramente, uma via necessária : uma comunicação cordial, aberta e acolhedora é uma componente estruturante do que se chama cimento social e este é imprescindível para transformarmos trincheiras em pontes.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.combonianos.pt/alem-mar/opiniao/4/960/de-trincheiras-a-pontes/

sábado, 20 de maio de 2023

Como aconteceu a Ascensão do Senhor?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo da Canção Nova


Cantemos à glória de Deus, cantemos ao nosso Rei, porque Ele é Rei de toda a terra (SI 47,6-8). É a ascensão do Senhor o coroamento da Sua Ressurreição; é a entrada oficial naquela glória que cabia ao Ressuscitado. Após as humilhações do Calvário, é a volta ao Pai, já por Ele anunciada no dia da Páscoa : ‘Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus’ (Jo 20,17).

Aos discípulos de Emaús : ‘Não era preciso que o Messias sofresse essas coisas e, que, assim, entrasse em sua glória?’ (Lc 24,26). Esse modo de exprimir-se indica não tanto a volta e as glória futuras, mas imediatas, já presentes, porque, estritamente unidas à Ressurreição, todavia para confirmar os discípulos na fé, era necessário que tal acontecesse de modo visível, como se verificou 40 dias depois da Páscoa

Ascensão do Senhor : quando começa a missão dos discípulos

Aqueles que tinham visto o Senhor morrer na cruz, entre insultos e escárnios, precisavam ser testemunhas da sua suprema exaltação no céu. Referem-se ao fato os evangelistas com muita sobriedade, todavia, suas narrações salientam o poder de Cristo e Sua glória : ‘Foi-me dado todo poder no céu e na terra’, lê-se em Mateus (28,18) e acrescenta Marcos : ‘O Senhor Jesus subiu ao Céu e está assentado à direita de Deus’ (16,19). Lucas, porém, recorda a última grande bênção de Cristo aos apóstolos : ‘Ao abençoá-los, afastou-se deles e ia elevando-se ao céu’ (24,51).

Também, nos últimos sermões de Jesus, resplandece Sua majestade divina. Fala como quem tudo pode e prediz aos discípulos que em seu Nome ‘expulsarão demônios, falarão novas línguas, pegarão em serpentes e, se beberem algum veneno mortífero, não lhes fará mal, imporão as mãos aos doentes e recobrarão a saúde’ (Mc 16, 17-18). Provam os Atos dos Apóstolos a realidade de tudo isso.

A promessa do Espírito Santo

Em seguida, Lucas, tanto na conclusão do seu Evangelho como nos Atos, fala da grande promessa do Espírito Santo que confirma os apóstolos na missão e nos poderes recebidos de Cristo : ‘Eis que enviarei sobre vós o Prometido por meu Pai’ (Lc 24,49), ‘recebereis força com a vinda do Espírito Santo sobre vós, e sereis minhas testemunhas… até aos confins do mundo. Dito isso, elevou-se para o alto, à vista deles, e uma nuvem o ocultou a seus olhos’ (At 1,8-9).

Espetáculo magnífico que deixou os apóstolos atônitos, ‘com o olhar fixo no céu’, até que dois anjos lhes apareceram. E o cristão chamado a participar de todo o mistério de Cristo e, portanto, também de sua glorificação. Ele mesmo o havia dito: ‘vou preparar-vos um lugar. E quando eu tiver ido, voltarei novamente avós e vos tomarei comigo, afim de que onde eu estou estejais também vós’ (Jo 14, 2-3).

Constitui, portanto, a Ascensão grande argumento de esperança para o homem que, no seu peregrinar terreno, sente-se exilado e sofre longe de Deus. A esperança que implorava São Paulo para os Efésios e queria viva em seus corações. ‘O Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, ilumine os olhos de vossa inteligência para compreenderdes qual a esperança a que vos chamou’ (Ef 1, 17-18). E onde fundava o apóstolo essa esperança? No grande poder de Deus ‘manifestado em Cristo, ressuscitando-o dos mortos e fazendo-o sentar-se à sua direita nos céus, acima de todo Principado e Poder (ou seja, dos anjos) e de qualquer outro nome’ (ibidem, 20-21).

Nasce a Igreja

A glória de Cristo exaltado acima de toda criatura é, no pensamento paulino, a prova do que fará Deus por quem, aderindo a Cristo pela fé e pertencendo a Ele como membro do único Corpo de que é Cabeça, participará de sua sorte. Isso requer Cristianismo autêntico : crer e alimentar firme esperança de que, como hoje o fiel, nas tribulações da vida, participa da morte de Cristo, assim um dia participará da Sua glória eterna.

Os anjos, que no monte da Ascensão dizem aos apóstolos : ‘Esse Jesus, que do meio de vós subiu ao céu, um dia virá do mesmo modo com que o vistes ir para o céu’ (At 1, 11), e os fiéis, que, enquanto aguardam a volta final de Cristo, precisam pôr a mão na obra. Com a Ascensão, termina a missão terrena de Cristo e começa a dos discípulos.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://formacao.cancaonova.com/igreja/catequese/como-aconteceu-a-ascensao-do-senhor/

quinta-feira, 18 de maio de 2023

Sagrada Eucaristia: o que é a anamnese

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo da revista Aleteia


‘‘Anamnese’ é uma palavra grega que significa memorial, comemoração, recordação.

É chamado especificamente de ‘anamnese’ o conjunto de palavras que, dentro da Oração Eucarística, vêm logo após o relato da instituição. Com essas palavras, a comunidade ‘celebra a memória do mesmo Cristo, recordando de modo particular a sua bem-aventurada Paixão, gloriosa Ressurreição e Ascensão aos Céus’ (IGMR 79e; cf. CIC 1354).

Este memorial obedece ao mandado do Senhor : ‘Fazei isto em memória de Mim’ (em grego, ‘Eis ten emen anamnesim’). Nas diversas Orações Eucarísticas, especifica-se o Mistério de Cristo com diferentes formulações, conforme se refiram só à morte ou também à descida ao lugar dos mortos, à ressurreição, à ascensão e à manifestação gloriosa do Senhor no final da História.

Estabelece-se uma dinâmica entre o memorial e o oferecimento : ‘enquanto celebramos o memorial… nós Vos oferecemos’ (‘memores offerimus’). A Eucaristia como anamnese e memorial é a celebração em que o próprio Senhor, a partir da sua existência gloriosa, torna presente à sua comunidade celebrante, no mesmo instante, a força salvadora do acontecimento da sua Páscoa.

‘A celebração litúrgica se refere sempre às intervenções salvíficas de Deus na história […] Segundo a natureza das ações litúrgicas e as tradições rituais das Igrejas, uma celebração ‘faz memória’ das maravilhas de Deus numa anamnese mais ou menos desenvolvida. O Espírito Santo, que assim desperta a memória da Igreja, suscita então a ação de graças e o louvor (doxologia)’ (CIC 1103).

A anamnese corresponde ao ‘zikkaron’ hebraico (o ‘memorial’) e conota não só uma recordação subjetiva, mas uma atualização real do fato que se recorda : a vontade salvadora de Deus, os acontecimentos salvíficos do Antigo Testamento, como o êxodo, e, para os cristãos, sobretudo, o Mistério Pascal de Cristo.

A anamnese também aponta para o futuro e, de certo modo, o antecipa.’


Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2016/05/24/sagrada-eucaristia-o-que-e-a-anamnese/

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Onde habitam os anjos?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo de Aline Iaschine


‘Nós, católicos, acreditamos que, no princípio, Deus criou ‘o céu e a terra’, ‘o universo visível e invisível’.  Neste universo invisível, Ele criou os anjos, espíritos puros, vestidos de luz, imersos no abraço bem-aventurado da luz trinitária. Este lugar é comumente chamado de Paraíso, Céu ou Reino de Deus. Um lugar que ultrapassa toda a imaginação, que é inconcebível para a mente humana e indescritível para nós. Nem mesmo as palavras mais sublimes do maior entre os poetas poderiam refletir toda essa beleza. 

Uma linguagem imagética

Certos versículos bíblicos descrevem o Céu com linguagem simbólica e pictórica para levar a uma melhor compreensão das realidades celestiais. 

Assim, para descrever o estado de paz suprema que reinará no Paraíso, é dito que : ‘o lobo será hóspede do cordeiro, a pantera se deitará ao pé do cabrito, o touro e o leão comerão juntos, e um menino pequeno os conduzirá (Isaías 11,6).

No livro do Apocalipse, para descrever a sua luz, São João compara ‘o seu brilho [ao] de uma pedra muito preciosa, como o cristalino jaspe’ ( Apocalipse 21,11 ) e escreve que os homens ‘não precisam mais da luz do uma lâmpada ou a luz do sol, porque o Senhor Deus os iluminará’.

Tudo é luz onde os anjos justos contemplam o Deus Eterno. Porém, antes da criação do homem, um dos anjos se rebelou contra o Criador : Lúcifer, o mais belo dos anjos se recusou a servir a Deus e levou vários anjos à queda no inferno, no terrível abraço das trevas. Como relata a Bíblia, esses anjos não mantiveram a dignidade de sua posição e o Senhor os mantém onde há trevas e ranger de dentes.

Em uma missão na terra

No entanto, muitos teólogos, incluindo santos, concordam que os anjos estão frequentemente em uma ‘missão’ na terra. Esses espíritos puros, enviados pelo Senhor, vêm para ajudar as criaturas a eles confiadas em sua jornada na terra. Eles os protegem fisicamente contra os perigos, iluminam sua inteligência com inspirações divinas e guiam seus passos rumo à vida eterna por sua presença espiritual e, em casos raros (por vontade divina), materializam seu espírito incorpóreo. 

No entanto, ao ajudar os homens na terra, os anjos fiéis têm a capacidade divina de associar a ação à contemplação, nunca perdendo a visão beatífica de Deus!’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

 https://pt.aleteia.org/2023/01/23/onde-habitam-os-anjos/