terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Final de ano, final de jornada

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Ser idoso é ser prudente e sábio, aproveitando tudo o que a vida nos ensinou
Ser idoso é ser prudente e sábio,
aproveitando tudo o que a vida nos ensinou

*Artigo de Evaldo D´Assumpção,
médico e escritor


‘Como o tempo voa!  Nem vi o ano passar! Meu Deus, o ano já está acabando! Essas e tantas outras, são expressões de espanto que ouvimos a todo momento, quando as últimas horas de mais um ano vão se ecoando pelas mãos inexoráveis de Kronos. Em 1952, um físico alemão publicou uma teoria com seu nome, chamada ‘Ressonância de Schumann’, em que afirmava que o tempo realmente estava encolhendo. Não voltei a ver qualquer coisa a esse respeito. 

Ideias, teorias, tudo serve para justificar essa desagradável sensação de que hoje, o tempo passa bem mais depressa do que em nossa juventude. Pelo menos, para isso tenho uma explicação. Quando somos jovens, atribulados com os estudos colegiais e universitários, temos a sensação de que o tempo não passa, pois estamos ansiosos para nos tornar adultos e alcançar o sucesso profissional na área que escolhemos. 

Quando os anos encanecem nossos cabelos, ou a genética dele nos rouba fio por fio, até alcançarmos uma calvície que à alguns incomoda bastante, e a outros – como eu – nunca se torna um problema; quando percebemos que nossa visão já não alcança as letras miúdas que estávamos acostumados a ler com olhos nus; quando nossas mãos, outrora firmes e fortes trocam essas qualidades por deformações e dores articulares, roubando-nos a força de que gabávamos ter; quando percebemos que é uma gratificante façanha conseguir uma posição que não seja tão desconfortável para a nossa coluna, seja ao sentar ou ao deitar; quando todas as manhãs, ao meio-dia e quando ele termina, temos de lembrar dos vários comprimidos, cápsulas ou gotas que devemos tomar, buscando um razoável equilíbrio para nossas funções vitais; quando entramos num ônibus ou numa instituição pública e procuramos os lugares reservados para os idosos, que quase sempre deseducadamente estão ocupados por jovens que se julgam com mil direitos, e que os idosos são somente um estorvo; quando em diversas situações sempre temos uma pessoa – prestativa e muito gentil – a nos sugerir cuidado com o degrau, atenção por onde vamos passar, e mil outros conselhos semelhantes; quando percebemos que sem esses cuidados, costumamos tropeçar e até cair, e então sujeitar-nos a ser levantados por outras pessoas, também prestativas e gentis, mas não sem ficarmos com nosso orgulho ferido; quando vamos atravessar a rua, e algum gaiato escarnece de dentro do carro : ‘cuidado vovô!’, deixando-nos com uma vontade danada de retrucar indagando: ‘e a senhorita sua mãe, continua trabalhando muito nas madrugadas?’; quando algum conhecido nos vê tomando aquele vinho espanhol que adoramos, ou quem sabe um excelente escocês 12 anos, de puro malte, e nos aconselha : ‘cuidado com o fígado, vovô!’; enfim, quando chegamos em casa e olhando-nos no espelho, somos surpreendidos com tantas rugas que ali nunca estiveram, ficamos então a matutar : ‘É, o tempo passou, e o fez depressa demais!’ 

Em seguida vem aquele desconforto de estarmos passando por tantas vicissitudes, sem poder, ou querer confidenciá-las aos nossos familiares, pois ou não nos darão a devida atenção e apoio, ou dirão que reclamamos à toa e demais, pois estamos muito bem. Pior ainda quando nos repreendem dizendo que não estamos nos cuidando adequadamente. Mal sabem eles e elas que as aparências enganam, que as dores existem sim, apesar de não serem vistas, que os desconfortos nos acabrunham, e que essas verdades, um dia eles mesmos irão vivenciá-las. E compreenderão que não queríamos piedade nem complacência, apenas paciência e solidariedade no final de jornada.

E para nós, os idosos, o que importa agora, independentemente desses julgamentos? Com certeza será olharmos, não para a nossa imagem refletida no espelho, mas, com os olhos fechados, mirarmos profundamente a nós mesmos, bem lá dentro, penetrando em nossa história. Muitas pessoas reclamam da excessiva voracidade do tempo porque, quando fortuitamente fazem essa experiência de autocontemplação, descobrem quantas coisas poderiam e deveriam ter feito, mas não o fizeram. Quantas omissões por descuido ou preguiça. Quantas declarações de amor poderiam ter expressado para quem ama, mas acharam desnecessárias, quem sabe, até inoportunas. 

Olhar para dentro de si mesmo, é desvelar um enorme universo que muitos, tão pouco conhecem.  E por isso, torna-se ameaçador, levando essas pessoas a abandonar imediatamente tais descobertas. Contudo, olhar com certa frequência, para dentro de si mesmo, é uma das coisas mais importantes para se fazer em nossa vida. Não para nos recriminar, lamentando as coisas feitas, ou cobrando com severidade o que deixamos de fazer, ou como o fizemos. 

Olhar para dentro de si mesmo, é buscar as arestas que precisam e ainda podem ser aparadas, é descobrir tantos dons maravilhosos que recebemos, mas alguns ainda adormecidos dentro de nós. É reconhecer que somos pessoas boas, e por não demonstrarmos isso, duvidamos que o somos. É descobrir que frequentemente nos deixamos levar pelas críticas alheias, pelas censuras que nos fazem, sem que sejamos capazes de ver, em cada uma delas, uma razão e um impulso para nos corrigirmos no que precisarmos, ou nos fortalecer em tudo o que sabemos ser bom, e certo dentro de nós. Mas, é importante que se diga : é preciso cuidado para não se valorizar, além da realidade, e saber reconhecer, com critério, os próprios limites. 

Ser idoso, não é ser velho, mas também não é ser eternamente jovem. Ser idoso é, na verdade, ser prudente e sábio, aproveitando tudo o que a vida nos ensinou. Há alguns anos escrevi :  ‘o bom artista é aquele que sai do palco enquanto a plateia lhe aplaude, e nunca quando começam a lhe apupar, atirando ovos e tomates podres’. Essa, é a hora boa e certa do adeus.’


Fonte :

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

"Rezem por nós, não nos deixem sozinhos", pede arcebispo de Aleppo


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 "Peço somente uma coisa: rezem por nós, não nos deixem sozinhos", foi o pedido de Dom Joseph Tobji, arcebispo de Aleppo dos maronitas
*Artigo de L'Osservatore Romano,
publicado na revista Vatican News


‘Da assistência jurídica a um cristão acusado injustamente, ao apoio a uma família de refugiados, do apoio ao trabalho de sacerdotes e religiosas ao leite em pó para pequenos cristãos sírios. Estes são apenas alguns ‘dons de fé’ que qualquer pessoa pode realizar neste Tempo de Natal, ao invés dos tradicionais presentes. Trata-se de ações capazes de mudar a vida de algumas dezenas de milhares dos trezentos milhões de cristãos perseguidos em todo o mundo.

E isso é possível graças à nova campanha lançada nestes dias pela Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), por meio da qual a fundação do direito pontifício oferece a oportunidade de ‘dar aos entes queridos um presente realmente especial, o apoio aos tantos cristãos perseguidos em todo o mundo’.

Em 2018, a AIS, através de suas 23 sedes nacionais e internacionais, arrecadou 111.108.825 euros para a Igreja pobre, oprimida e perseguida em todo o mundo. Tal montante, obtido graças a doações privadas dos mais de 330.000 benfeitores que a Ajuda à Igreja que Sofre tem em nível internacional, tornou possível a realização de 5.019 projetos em 139 países.

A campanha de Natal da AIS

No site da Ajuda à Igreja que Sofre / Itália (acs-italia.org/doni-di-fede/), é possível escolher como demonstrar concretamente a proximidade àqueles que sofrem. Para cada ‘dom de fé’, é possível fazer o download de um ticket com a descrição do projeto apoiado, a ser enviado ao amigo ou parente destinatário do presente.

Por ocasião do nascimento de Jesus - disse o diretor de Ajuda à Igreja que Sofre, Alessandro Monteduro - que presente mais apropriado para nossos entes queridos do que, em nome deles, oferecer um presente a uma criança cristã no Oriente Médio?’. Ou contribuir ‘para apoiar os estudos de jovens seminaristas que, mesmo em terras de perseguição, desejam se tornar sacerdotes?’.

Vários benfeitores já aderiram à mais esta campanha de solidariedade, que também foi entusiasticamente recebida por cristãos apoiados pela AIS em todo o mundo, alguns dos quais testemunharam através de vídeos a importância da iniciativa ‘Dons de Fé’.

Síria e Iraque beneficiados com aumento das doações

Em 2018, a Acs-Italia (Aiuto a Chiesa che Sofre) registrou um aumento de 22,1% nos depósitos, que alcançou 4.493.660 em comparação aos 3.679.035 euros de 2017. Outro dado significativo é o aumento no número de benfeitores italianos, que passaram de 13.012 em 2017 para 17.230 no ano passado, um aumento de 32,5%.

Foi possível realizar muitos projetos na Síria e no Iraque graças à contribuição italiana. Na Síria, as doações (531.200 euros) permitiram, entre outras coisas, comprar leite para as crianças e alimentos para os adultos em Aleppo, remédios para doentes em Homs, refeições para os numerosos refugiados cristãos.

No Iraque, por sua vez, os 486.300 euros doados foram usados ​​principalmente para facilitar o retorno de famílias cristãs, sacerdotes e religiosos à Planície de Nínive, devastada pelo ‘Estado Islâmico’.

Desde o início das assim chamadas ‘Primaveras Árabes’ em 2011, a fundação do direito pontifício realizou ações no total de 92 milhões de euros, dos quais mais de 18 somente em 2018. O apoio emergencial aos milhares de deslocados internos e refugiados, sobretudo na região do Oriente Médio, representou mais de 12% da ajuda concedida no ano passado.

Mas é particularmente significativo sublinhar o grande trabalho de reconstrução das casas de cristãos na Síria e no Iraque, o que foi possível graças à Ajuda à Igreja que Sofre. De fato, 1479 moradias de cristãos foram reconstruídas no Oriente Médio graças à intervenção da fundação. Especialmente na Síria, onde foram realizadas ações com um montante de 8.615.940 euros, um acréscimo de 2.860.000 em relação ao valor empregado em 2017.

O agradecimento do arcebispo de Aleppo dos maronitas

Não temos palavras para agradecer o empenho da AIS’, disse ao Osservatore Romano Dom Joseph Tobji, arcebispo de Aleppo dos maronitas, que há vários anos apoia a comunidade cristã na Síria. A fundação ‘nos ajuda em vários campos de ação : da construção de igrejas e de casas destruídas ou danificadas até a implementação de projetos pastorais, do envio de pacotes de alimentos à educação de jovens e a formação de médicos’.

Não obstante tudo, o prelado revela estar desanimado com a forte crise econômica que afeta o país, martirizado por anos de guerra, violências e perseguição. «Neste momento, estamos com as pernas quebradas - acrescenta Tobji - e não temos mais as forças econômicas para continuar. Com o embargo de um lado e as sanções econômicas do outro, o país está se apagando pouco a pouco. Ninguém tem mais desejo de permanecer e não tem forças para continuar»

‘Rezem por nós, não nos deixem sozinhos’

Então, o arcebispo de Alep dos maronitas lança mais um apelo desesperado à comunidade internacional : ‘Não deem as costas para nós. A Síria sofre. Jogos de poder estão levando nosso país para o abismo. Precisamos de ajuda. Mas façam isso antes que seja tarde demais’.

Mesmo entre as mil dificuldades, as comunidades cristãs viveram o Natal com fé e da esperança. «Este também - concluiu Dom Tobji - foi um Natal marcado pela precariedade e pelo medo. Embora os tiros e bombardeios nos arredores de Aleppo não dão trégua, os cristãos continuam a ter fé. Peço somente uma coisa : rezem por nós, não nos deixem sozinhos», reitera.’


Fonte :

sábado, 28 de dezembro de 2019

Exílio, uma família clandestina

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 A festa da Sagrada Família pede muita sabedoria, lucidez e discernimento
A festa da Sagrada Família pede muita sabedoria,
lucidez e discernimento

*Artigo da revista Dom Total


‘Hoje, fala-se muito da crise da instituição familiar. Mas a história nos ensina que nos tempos difíceis os vínculos familiares se estreitam mais.

Concretamente, no contexto da grave crise social-política-econômica que estamos vivendo, a família corre o risco de ser uma escola do preconceito, da intolerância, da indiferença diante do diferente e daquele que pede abrigo. Mas, em sentido contrário, ela pode ser o lugar no qual se faz memória que temos um Pai comum, e que o mundo não se limita às paredes da própria casa.

Por isso, não podemos celebrar a festa da Família de Nazaré sem escutar o desafio de nossa fé. Nem toda família se deixa inspirar pela Família de Nazaré. Há famílias abertas ao serviço da sociedade e famílias egoístas, fechadas sobre si mesmas. Há Famílias autoritárias e há famílias onde se aprende a dialogar. Há famílias que educam no egoísmo e famílias que ensinam a solidariedade.

Serão nossos lares um lugar onde as novas gerações poderão escutar o chamado do Evangelho à fraternidade universal, à defesa dos abandonados e à busca de uma sociedade mais justa, ou se converterão na escola mais eficaz da indiferença, da passividade egoísta e da insensibilidade frente os problemas sociais?

 Só podemos celebrar a festa da ‘Sagrada Família’ quando descobrimos que as famílias mais sagradas, aquelas que devemos respeitar, proteger e potenciar, são aquelas que não tem casa, nem pátria, nem meios de vida..., e no entanto, continuam caminhando.

Já desde pequeno Jesus se solidariza com os pobres, os últimos, a ‘massa sobrante’...; Ele fez a experiência da exclusão. Ele é um Deus frágil que arma tenda nos acampamentos dos exilados, nas favelas e cortiços da miséria total; é um Deus que acompanha e compartilha a sorte dos fugitivos, expulsos das aldeias, mandados para fora da segurança e da tranqüilidade dos muros da cidade.

Para Ele permanecem cerradas as portas de ferro dos palácios.

Maria compartilha a sorte do menino, vive para ele e com ele assume os riscos da fuga e exílio. Ela cuida, protege, educa o menino entre perseguições e exílio. Enquanto existirem mães que protegem e cuidam das crianças, como Maria, haverá Natal.

José, em meio à perseguição, põe-se a serviço do Deus fugitivo, expulso, exilado do mundo. Como verdadeiro esposo e pai, ameaçado e fugitivo, percorre, com Maria e o menino, os caminhos do desterro.

Enquanto existirem pais que, como José, se arriscam pela mulher e pelos filhos, que são sua riqueza, o dom de Deus, enquanto estiverem dispostos a sofrer por seus filhos e pelas mães de seus filhos, no exílio ou na pobreza, haverá Natal.

É por esse caminho que podemos chegar à descoberta e à experiência de Deus; é também por este caminho que podemos chegar ao conhecimento de nós mesmos e nos fazermos mais ‘humanos’ e ‘solidários’. Ali temos de buscá-Lo e encontrá-Lo, nós que celebramos a festa da Sagrada Família.

Cada vez mais, multidões em todos os continentes vivem o exílio na própria carne. Cada vez mais, famílias inteiras são expulsas de seus países pela fome, falta de trabalho, violência, guerra e insegurança. Cruzam mares, montanhas e desertos para bater à porta dos países desenvolvidos, onde enfrentam o rosto cruel da falta de solidariedade e do preconceito. Tais famílias vivem a dura experiência de um sentimento permanente de serem inadequadas, de não pertencer a nada nem a ninguém. Um nó na garganta e uma tristeza no coração se fazem presentes, quando elas evocam saudosamente a antiga terra, de onde foram desenraizadas.

Os cristãos fazem memória de uma família que viveu a dura realidade do exílio no Egito; mas, parece que essa memória não desperta espírito de solidariedade e acolhida em seus corações, pois os países ditos ‘cristãos’ são aqueles que se revelam mais frios, intransigentes e desumanos quando se trata de acolher pessoas que, por diversos motivos, foram arrancadas de suas terras. Como exilados, Jesus e seus pais, fazem parte da corrente ininterrupta das vítimas do poder, que são obrigados a percorrer lugares inóspitos, desertos, cidades estrangeiras, gente hostil, durante o percurso dos séculos. Jesus e seus pais são irmãos de todos os refugiados políticos dos países repressivos.

Em chave de interioridade, nosso ‘Egito’ não é outro que a identificação com o ‘ego’, que nos reduz à pior das escravidões.  ‘Egito’, em hebraico significa ‘lugar estreito’; vida estreita, sonhos estreitos, famílias estreitas... A ‘Terra Prometida’ é o despertar da consciência, nossa verdadeira identidade, o território esquecido e, com frequência, oculto detrás de tantos ‘mapas desumanos’ que a nossa mente fabrica.

É preciso transitar pelos territórios interiores com liberdade, integrando e pacificando vivências, fatos, encontros e desencontros.

Ao sair desse ‘egito interior’, iremos nos encontrando com todos aqueles que são obrigados a se deslocar. Também com o próprio Jesus, cuja identidade compartilhamos, porque não pode haver senão um único Território, o da humanidade que transgride todas as fronteiras desumanizadoras.

Só quem transita com liberdade pelos lugares interiores será capaz de ir ao encontro do diferente, de acolhê-lo e de entrar em sintonia com ele. Transitar pela interioridade alarga a mente, expande o coração e ativa uma nova sensibilidade solidária.

 Esta é a realidade : nós pensamos, sentimos, amamos... a partir de onde estão nossos pés; quando pisamos lugares atrofiados (fechados, guetos, condomínios...), nossos pensamentos e sentimentos ficam atrofiados.

Vivemos um paradoxo da ‘Pós-modernidade’ : enquanto a tecnologia nos permite aumentar nossos conhecimentos de lugares e pessoas tão distantes de nós, ao mesmo tempo cresce o ‘medo do outro’, daquele que é ‘diferente’, daquele que não pertence à nossa raça, religião, cultura, encerrando-nos em pequenos mundos. ‘À medida que a sociedade se faz cada vez mais globalizada, nos faz a todos vizinhos; mas não nos faz irmãos’ (Bento XVI).

Não é comum prestar atenção àqueles que estão sem ‘lugar’, sobretudo aqueles que pensam e sentem de maneira diferente; tornou-se ‘normal’ perceber, delimitar, defender e fechar-se no próprio lugar. Isso é vivido de maneira tão zelosa que nem se vê aqueles que estão para além do próprio lugar. São grandes os riscos de se viver em horizontes tão estreitos. Tal estreiteza aprisiona a solidariedade e dá margem à indiferença, à insensibilidade social, à falta de compromisso com aqueles que foram arrancados de seus lugares. O próprio lugar se torna uma couraça e o espírito de hospitalidade some do horizonte inspirador de tudo aquilo que se faz.

 A festa da Sagrada Família pede muita sabedoria, lucidez e discernimento; ela pede de nós cristãos ‘uma espiritualidade da acolhida’, para estender pontes entre culturas, raças, sexos, crenças religiosas, visões políticas..., para romper fronteiras a partir da não-violência, para criar redes que interatuam.

Precisamos sair de nossos pequenos e atrofiados ‘egitos’ para criar vínculos com tantos grupos, organizações sociais, movimentos... que buscam outra cultura, a cultura da solidariedade, da hospitalidade, do encontro comprometido.

Precisamos nos levantar cotidianamente de nossos ‘lugares’: há sempre pessoas ‘sem-lugares’ que nos esperam, espaços excluídos a serem visitados, ambientes atrofiados a serem curados; é preciso lançar por terra nosso modo arcaico de proceder, romper com os espaços rotineiros e cansativos para ir ao encontro dos ‘novos lugares’ dos excluídos e expulsos de suas terras.'


Fonte :

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Nascer em Belém


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Iman, 21 anos com sua filha Julan 
Iman, 21 anos com sua filha Julan 

*Artigo de Olivier Bonnel,
jornalista

‘Diante do imponente edifício cor ocre da maternidade da Sagrada Família de Belém, um cartaz colocado próximo de um cruzamento indica a alguns metros de distância a Basílica da Natividade. Já faltam poucos dias para o Natal, e dezenas de peregrinos vindos da Itália e do Brasil, caminham pelas ruas da cidade palestina e se dirigem para a casa natal de Cristo, enquanto os últimos enfeites natalinos são colocados na gigante árvore de Natal da praça da Manjedoura. Nos corredores do hospital, construído em 1882 pelas Filhas da Caridade de Saint Vincent de Paul, o clima é mais tranquilo com relação às ruas que levam à basílica.

Denis Sevaistre, diretor do Hospital da Sagrada Família
Denis Sevaistre, diretor do Hospital da Sagrada Família

Desde o nascimento da primeira criança em 1990, a maternidade da Sagrada Família tornou-se um ponto de referência em toda a Palestina. Administrada pela Ordem de Malta francesa, a estrutura fornece os melhores tratamentos médicos da região para as mulheres grávidas e para os recém-nascidos. A unidade de pediatria e neonatal, inaugurada em 2013, se equipara aos melhores hospitais do mundo. Apesar do peso da história e a força da narração evangélica, nascer em Belém nem sempre significa nascer sob uma boa estrela. O sistema de saúde pública é carente, com administração das autoridades palestinas sempre em dificuldade, consumida pela burocracia e, principalmente, pelo pesado contexto político.

‘Sempre há uma vaga’

A vida diária dos palestinos é realmente muito triste pois as esperanças de paz com o vizinho Estado de Israel parecem sonhos impossíveis. Jerusalém encontra-se a apenas oito quilômetros, mas a Cidade Santa nunca pareceu tão longe. Os controles de segurança são diários e pode-se ver o povo de Belém nas filas para o chekpoint todos os dias a partir das cinco horas da manhã para chegar ao trabalho no horário’, explica Denis Sevaistre, diretor da maternidade. Este ex-oficial do exército francês se estabeleceu em Belém cinco anos atrás, junto com sua esposa. Depois de ter organizado operações de retirada de minas terrestres no Mali e no Afeganistão, agora é responsável pela gestão da estrutura e dos seus 140 funcionários, apesar dos vínculos logísticos e as tensões recorrentes. ‘Aqui sempre há uma vaga’, nos diz. Algumas mulheres vindas para fazer o parto não hesitam em enfrentar horas e horas de carro assim como os detalhados controles do exército israelense. Mas o milagre existe, como sempre. As mulheres são acolhidas. A maior parte delas são muçulmanas. Os recém-nascidos são cuidados e mimados, enrolados em cobertas estampadas com a cruz de malta.

Nos corredores do Hospital da Sagrada Família
Nos corredores do Hospital da Sagrada Família

‘Se Deus quiser, aqui terá paz’

Quando acontecem algumas situações delicadas, mais complicadas, ativa-se o serviço de assistência pediátrica. ‘Somos um hospital de caridade’, diz Denis Sevaistre recordando o objetivo da sua instituição : fornecer uma maternidade de qualidade, sem distinção de religião ou de recursos econômicos. A Sagrada Família assumiu recentemente um assistente social que estuda os casos das famílias mais modestas. Para algumas é solicitado apenas o pagamento simbólico de um shekel.

Aqui 56% dos funcionários do hospital é cristão, muito mais da média nacional palestina. Mas na Sagrada Família não se olham os véus ou as cruzes penduradas no pescoço. Além da excelência médica, esta acolhida leva muitas mulheres palestinas a virem aqui para fazer o parto. ‘É muito especial ter um filho aqui porque é uma cidade santa’, nos diz Butheina, que carrega seu bebê nos braços, Ali, nascido dois dias antes. Para essa muçulmana de 28 anos, Belém é a cidade de Jesus, mencionado como um profeta no Alcorão. E o hospital da Sagrada Família é um oásis de paz.

 Enfermeiras na maternidade
Enfermeiras na maternidade

‘Os políticos constroem muros, os médicos abrem os corações’

A fama do hospital palestino é uma realidade. Os seus médicos, todos palestinos estudaram no exterior, na França, nos Estados Unidos, ou na Ucrânia. Duas enfermeiras da Sagrada Família se formaram no Hospital Bambino Gesù de Roma. ‘Em seguida deram curso para o pessoal local a pedido do Vaticano!’ conta sorrindo e com orgulho Denis Sevaistre. O ex-soldado repete que ‘os políticos constroem muros enquanto os médicos abrem os corações’. Um antídoto a todos os discursos derrotistas.

Na sala dos prematuros, a jovem Iman, 21 anos, vigia sua filha, Julan. Quando nasceu, quatro meses atrás, pesava apenas 830 gramas. Um grande crucifixo enfeita a sala onde estão instaladas nove incubadoras particulares. Todos os dias, esta jovem com o véu viaja de Hebron até o hospital, vai e volta. Sua cidade é apenas a 25 quilômetros de Belém, mas as vezes precisa de uma hora e meia para a viagem. Depois de oito semanas, a unidade de terapia intensiva neonatal fez milagres, Julan agora pesa 2,5 quilos. Todavia, ainda está sendo submetido a neurocirurgia em um hospital de Jerusalém.

Na entrada da sala operatória, imagem da Sagrada Família 
Na entrada da sala operatória, imagem da Sagrada Família

A compaixão antes da segurança

No pátio do hospital, uma estátua de Nossa Senhora encontra-se diante da antiga capela. Domina todo o edifício e arredores. À noite, quando está iluminada parece ter um olhar materno sobre a cidade, como Maria na manjedoura. No jardim encontra-se laranjais, oliveiras, símbolos de paz, que parecem plantados aqui como uma evidência. Nesta manhã, uma jovem francesa fala, feliz, com um amigo palestino. É estagiária na unidade de ginecologia. Marjolaine passou vários meses do ano passado na unidade de maternidade. ‘A minha família e também meus amigos sorriem quando digo que trabalhei na unidade de maternidade de Belém’ diz. ‘O Hospital da Sagrada Família é um lugar verdadeiramente cristão, estamos muito próximos da Natividade, mas é sobretudo uma mensagem de paz e representa toda a sociedade palestina. Vemos as crianças que nascem e as suas famílias. Percebemos também qual é o lugar das mulheres’, acrescenta.

 Ahmed, nascido em Jenin, vê seu filho recém- nascido
Ahmed, nascido em Jenin, vê seu filho recém- nascido

Uma grande árvore de Natal deve ainda ser enfeitada em uma sala da maternidade. Todos os funcionários do hospital levarão os enfeites. Aqui o Natal é celebrado três vezes pelos cristãos de Belém : no dia 25 de dezembro para os católicos, 6 de janeiro para os ortodoxos e 19 de janeiro para os armênios. Três motivos para celebrar com alegria o nascimento de Cristo.

No decorrer da visita, Denis Sevaistre nos conta um caso que o marcou e que vale muitos discursos. ‘Conseguimos mandar uma criança a Tel Aviv em plena festividade judaica de Yom Kippur, quando estava tudo fechado. A criança precisava de uma cirurgia no coração com urgência. No fim chamaram a equipe de cirurgiões e nos mandaram até mesmo uma condução especializada para o transporte’. O diretor da maternidade fala também dos soldados israelenses que, nos checkpoint, ajudam a transferir um recém-nascido em um carro para atravessar o muro. Se não for possível ver à primeira vista, é exatamente ali, nestas pequenas cenas de vida em Belém, que está o milagre do Príncipe da Paz.’


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quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

A gaivota e o embondeiro

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Conto de Natal da revista Além-mar


‘«Aos ouvidos da gaivota tinha chegado a história daquela velha árvore africana, o embondeiro. Segundo diziam, ela albergava no seu interior a água da Vida. Quem dela bebia, tinha a sua felicidade assegurada.

Diante de tal expectativa, a pequena gaivota pôs-se rapidamente a caminho. Quase sempre com o vento a favor, ela atravessou planícies e florestas e sulcou o céu sobre o vasto mar até chegar a uma terra desconhecida. O seu destino já não devia estar muito longe.

De repente, ela viu-o, altivo, desafiador, traiçoeiro. O seu destino tinha de ser aquele. Mas o que lhe estava a acontecer? Ela não conseguia voar! Precisamente agora que estava tão perto de alcançar o seu sonho! Por mais que batesse as asas com toda a força, as suas perninhas mal conseguiam elevar-se um palmo do chão. A gaivota nunca se tinha sentido tão sozinha e desamparada. Tinha medo, muito medo. De repente, ela viu no céu um pássaro enorme. Ficou admirada ao ver o seu voo tão elegante e, com grande entusiasmo, disse-lhe :

– Tens asas e podes voar, és dos meus. Poderias levar-me até ao velho embondeiro?

O abutre soltou uma gargalhada :

– Ah, ah, ah! Quem pensas que és, passarinho?

E, muito zangado, gritou :

– Por aqui estamos fartos de mentirosos como tu, que vêm em bandos para a nossa terra, apenas para nos tirar a comida.

– Não é verdade! – respondeu a gaivota. – Eu só quero alcançar a árvore dos meus sonhos.

– Pois então sonha, que eu ficarei à espera, ah, ah, ah!

E o abutre levantou voo rindo.

Sem compreender muito bem aquelas últimas palavras, a pequena gaivota prosseguiu o seu caminho com determinação.»

Mariama cerra os punhos com força e, com a parte de trás do pulso, seca as lágrimas que, de repente, correram ao recordar essa lenda que tantas vezes lhe tinha contado a sua mãe. A sua mãe... Como desejaria ela que os seus braços longos e delgados a envolvessem de novo, como quando era pequena e algum pesadelo não a deixava dormir! Agora, ela sentia-se como aquela pequena gaivota. Longe de casa e sozinha.

Poucas meninas ao seu redor se atreveram a tanto, mas ela não estava disposta a que aqueles homens que apareciam de vez em quando voltassem a tocar apenas porque era mulher, ou pobre, ou ambas as coisas. Nem ver a sua mãe sofrer, porque, mais um dia, a comida não fora suficiente para toda a prole. E ela não permitiria que nenhum dos seus irmãos acabasse a mendigar naquelas ruas incertas. De modo que, sem dar muitas explicações, seguiu os passos dos seus amigos Omar e Modou. Via-se a regressar à sua terra natal, dentro de poucos anos, como enfermeira, como Teresa, a missionária que trabalhava no dispensário. Compraria uma casa na cidade, com eletricidade e água, onde viveria toda a família. Ela tiraria a sua mãe dos campos de algodão e vê-la-ia, finalmente, a trabalhar no ateliê de costura com que tanto sonhava.

Com todas estas esperanças, Mariama, com apenas 15 anos, tinha deixado o Senegal e havia-se posto a caminho. Todavia, aquele caminho estava cheio de pedras e nele havia perdido depressa os seus amigos. Alguém lhe contou que vira Omar nuns becos de uma pequena cidade no Níger. Arrastava uma perna e perdera uma vista. De Modou, desde que aqueles homens os assaltaram no deserto, nada mais voltou a saber. Ela conseguiu escapar às máfias e, assim, alcançar a costa de onde podia ver a terra prometida. Depois veio a travessia naquela balsa, patera ou como queiram chamar-lhe ao meio de transporte em que atravessou as frias águas do mar. As lembranças acumulam-se na sua cabeça como um turbilhão : as noites vagando pelas ruas daquela cidade desconhecida, o medo e a fome, o primeiro centro para menores, as radiografias nas suas mãos porque ninguém acreditava na sua idade, uma e outra noite na esquadra...

As lágrimas voltam a embaciar os seus olhos, mas ela sente-se mais calma. Enquanto bebe o chá quentinho, pensa em Abbou, que está prestes a completar 18 anos e, então, terá de deixar o centro; em Elaid, a quem a sorte – à qual ele se abandonara – não lhe sorriu; ou em Faid, que finalmente começou a trabalhar e até já pensa em casar com Samira e constituir família.

«A gaivota, depois de um extenuante caminho, alcançou o embondeiro. Apesar das suas poucas forças, entrou com passo firme, todavia comprovou, desolada, que ali não havia nem uma gota de água. E, então, chorou, chorou e chorou. Primeiro de pena, por não encontrar o tesouro pelo qual se havia posto a caminho; todavia, em seguida correram também as lágrimas da emoção, porque foi capaz de chegar lá; e irrompeu o choro da alegria, simplesmente porque se sentia bem. Ela saiu do tronco da árvore e, sem olhar para trás, retomou o voo disposta a encontrar a verdadeira felicidade. Enquanto isso, as suas lágrimas nutriram as velhas raízes do embondeiro, que se viu surpreendido por umas preciosas flores brancas suspensas nos seus ramos apenas umas horas, as suficientes para demonstrar, com a beleza do seu aroma e da sua cor, que todo o esforço tem a sua recompensa.»

Ouve-se música de Natal. O céu noturno está limpo e, do pátio do centro, distinguem-se bem as estrelas. Mariama está convencida de que são as flores brancas que se soltam dos seus saudosos embondeiros. Teresa, a missionária, contou-lhe certa vez que foi precisamente uma estrela que guiou os Magos até ao local onde nasceu o Menino Jesus. Agora ela está convencida de que também encontrará o seu caminho.’


Fonte :

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

O abraço de Deus


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 FREEDOM
*Artigo de Oleada Joven


‘Quando duas pessoas se abraçam e a desproporção entre elas é grande, dizemos que uma (a menor) se perde no abraço da outra. Assim, também, muitas vezes temos a sensação de que nossa pequenez (os pequenos gestos que fazemos, as pequenas coisas nas quais estamos etc.) se perde no abraço de Deus, ou seja, no que seu amor abarca, na totalidade do seu projeto.

Mas aqui são os pequenos que nos ensinam que, em seu abraço, a pequenez não fica perdida. No abraço que Deus nos dá, Ele mostra seu abaixar-se, colocar-se à altura do pequeno que abraça, e aí, paradoxalmente, se iguala à altura do seu amor.

Tocar o abraço de Deus é tocar seu desejo de que nada nem ninguém se percam. Deus não abraça para fechar. Deus abraça para cuidar, para salvar. Abraça o que ama. Foi assim que Jesus abraçou a cruz pela qual os homens voltariam ao abraço do Pai. Abraço que não quis deixar ninguém de fora.

E assim, nos braços estendidos do Filho na cruz, está desde então oferecido o abraço do Pai para todo aquele que reconhecer a pequenez à qual ficou reduzida a medida do seu amor.

Ninguém volta ao Pai sem o abraço do Filho na cruz. Nele, quem estava perdido é encontrado; quem estava morto volta à vida.

Só no abraço do Pai é que o filho está bem cuidado.’


Fonte :

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

O anúncio do Evangelho no mundo secularizado


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Livro presenteado pelo Papa à Cúria Romana 
*Artigo de Andrea Tornielli,
jornalista


‘No discurso do Papa Francisco à Cúria Romana, no sábado 21 de dezembro, algumas palavras suas foram muito marcantes e também o modo como as pronunciou. Reconhecendo a evidência já prevista por alguns importantes homens da Igreja muitos anos antes do Concílio Vaticano II, o Papa destacou : ‘Já não estamos na cristandade! – disse cadenciado - Hoje, já não somos os únicos que produzem cultura, nem os primeiros nem os mais ouvidos’. ‘Já não estamos num regime de cristandade, porque a fé, em grande parte do Ocidente, já não constitui um pressuposto óbvio da vida habitual; na verdade, muitas vezes é negada e ridicularizada. Por isso precisamos, acrescentou o Papa, de uma mudança de mentalidade pastoral, o que não significa passar para uma pastoral relativista’. Uma mudança de mentalidade que parte da constatação de que ‘a vida cristã, na realidade, é um caminho, uma peregrinação’. E o caminho, obviamente, ‘não é puramente geográfico, mas sobretudo simbólico : é um convite a descobrir o movimento do coração que, paradoxalmente, tem necessidade de partir para poder permanecer, de mudar para poder ser fiel’.

Antigamente a fé era transmitida nas famílias através do leite materno e o exemplo dos pais, e a sociedade também se inspirava nos princípios cristãos. Hoje, esta transmissão não existe mais e o contexto social ou mostra-se anticristão, ou pelo menos impermeável à fé cristã. A partir dessa realidade parte a pergunta que deu vida ao Concílio e atravessou os últimos pontificados : como anunciar o Evangelho onde não é mais conhecido ou reconhecido? Não é um caso que desde então os Papas das últimas décadas tenham indicado justamente a misericórdia como o remédio necessário para curar as feridas da nossa humanidade contemporânea. A misericórdia de um Deus que te procura, aproxima-se e te abraça antes de te julgar. É experimentando aquele abraço que nos reconhecemos pobres pecadores necessitados continuamente de ajuda.

No final do encontro, Francisco presenteou seus colaboradores com o livro-entrevista ‘Sem Ele não podemos fazer nada’, escrito pelo jornalista Gianni Valente. E definiu a obra como ‘o documento’ que desejou fazer para o mês missionário extraordinário. No texto do livro publicado recentemente, o Papa explicava que ‘a missão é obra Sua’, isto é, de Jesus. ‘É inútil se agitar. Não precisamos organizar, não precisamos gritar. Não precisamos encontrar truques e estratégias’, porque ‘é Cristo que faz a Igreja sair de si mesma. Na missão de anunciar o Evangelho, movemo-nos porque o Espírito nos empurra e nos leva. E quando chega-se, damo-nos conta que Ele chegou antes de nós, e está nos esperando’. Anunciar o Evangelho, acrescentava o Papa no livro-entrevista, ‘não consiste em assediar os outros com discursos apologéticos, em gritar na cara dos outros a verdade da Revelação’. Muito menos ‘jogar nos outros verdades e fórmulas doutrinais como se fossem pedras, porque a repetição literal do anúncio por si mesmo não tem eficácia, e pode não dar em nada, se as pessoas às quais é direcionado não têm ocasião de encontrar ou pregustar de algum modo a ternura própria de Deus para com eles mesmos, e a sua misericórdia que cura’.

Um aspecto distintivo da missão cristã, sugere o Papa, ‘é o de ser facilitadores, e não controladores da fé’. Facilitar, isto é, ‘tornar fácil, não pôr obstáculos ao desejo de Jesus de abraçar todos, de curar todos, de salvar todos’. Sempre conscientes de que ‘Sem Ele não podemos fazer nada’.’


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