quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Cinco regras para discordar do papa

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo d0 Padre Thomas Reese, SJ

 Tradução : Ramón Lara


‘Durante uma visita aos jesuítas na Eslováquia, o papa Francisco reclamou de ‘um grande canal de televisão católico que não hesita em falar continuamente mal do papa’. Os jornalistas do Vaticano imediatamente identificaram a empresa de mídia americana como EWTN, fundada no Alabama em 1981 pela falecida Madre Angélica.

Um dos maiores críticos do papa é o diretor de notícias e âncora principal da EWTN, Raymond Arroyo, que patrocina um grupo de críticos do papa Francisco. O diretor frequentemente aparece no programa The ingraham angle no canal Fox News.

Eu pessoalmente mereço ataques e insultos porque sou um pecador’, disse o papa, ‘mas a Igreja não os merece. Eles são obra do diabo’.

Francisco também reclamou de ‘clérigos que fazem comentários desagradáveis sobre mim’. Admitiu : ‘Às vezes perco a paciência, especialmente quando eles fazem julgamentos sem entrar em um diálogo real’.

Os ataques aos papas por parte dos clérigos e da mídia não são novos. Esses ataques vêm da esquerda ou da direita, dependendo de quem é o papa.

O papa João XXIII foi atacado por conservadores que o culparam por abrir a Igreja à mudança ao convocar o Concílio Vaticano II.

O papa Paulo VI foi atacado por todos os lados. Os conservadores se opuseram às suas tentativas de implementar as reformas do concílio, enquanto os liberais queriam que agisse mais rápido. Os liberais escalaram seus ataques depois que publicou a encíclica Humanae vitae, o escrito que proíbe o uso de anticoncepcionais não naturais.

Os papas João Paulo II e Bento XVI foram fortemente atacados pelos liberais, assim como Francisco está agora sob ataque dos conservadores.

É irônico que os próprios conservadores que condenaram os liberais por serem católicos de cafeteria – católicos que escolheram e apoiaram aquilo que aceitaram de João Paulo e de Bento XVI – agora estejam fazendo o mesmo com Francisco.

Da mesma forma, os católicos liberais que se sentiam livres para discordar de João Paulo II e de Bento XVI estão agora condenando os conservadores por não serem leais ao papa.

Sejamos honestos. Somos todos católicos de cafeteria. A verdadeira questão é como evitamos uma briga de refeitório.

Em seus Exercícios Espirituais, Santo Inácio de Loyola, o fundador dos Jesuítas, estabeleceu ‘Regras para pensar com a Igreja’. Com esse mesmo espírito, aqui ofereço cinco regras para discordar do papa. Este rascunho não é perfeito, mas acho que a Igreja precisa conversar sobre como lidamos com as divergências.

Primeiro, seja respeitoso. Chamar Bento XVI de Rottweiler, ‘pastor alemão’ ou inquisidor é cruzar os limites, assim como os insultos étnicos contra ele e João Paulo II. Da mesma forma, referir-se a Francisco como heterodoxo ou herege é inaceitável. O sarcasmo e o discurso de ódio não têm lugar na Igreja. Como nos sentiríamos se fôssemos o alvo dessa linguagem?

Em segundo lugar, se você discordar de um papa, certifique-se de enfatizar as coisas positivas que ele fez. Tive sérias divergências com João Paulo II e Bento XVI, mas sempre elogiei João Paulo II por seu papel na libertação da Polônia e da Europa Oriental, bem como por seus esforços para melhorar as relações entre católicos e judeus. Ambos os papas apoiaram e desenvolveram o ensino social da Igreja, e com Bento XVI a Igreja começou a se tornar ambientalmente consciente.

Terceiro, descreva a posição do papa de forma precisa e completa; não crie um espantalho que possa ser derrubado facilmente. Não diga apenas que o papa odeia mulheres e gays ou que deseja destruir a Igreja. Idealmente, você deveria ser capaz de explicar a posição do papa melhor do que ele.

Quarto, nunca fale ou escreva quando estiver emocionalmente perturbado. Respire fundo. Conte até 10 ou 100. Sente-se no projeto por 24 horas. Converse sobre isso com uma pessoa sábia antes de agir. Seja especialmente cuidadoso ao tweetar.

Quinto, pergunte a si mesmo : você falaria assim de seu pai ou de alguém que você ama? Se a resposta for não, não faça isso. A Igreja é uma família. Brigas de família são as piores. Nossos objetivos devem ser reconciliadores, não divisores.

Nossas discussões internas na Igreja devem seguir as mesmas regras do nosso diálogo ecumênico : as divergências devem levar a um conhecimento mais completo e a melhorias e, em última instância, ao consenso. Assim, como dizem as velhas músicas, Eles saberão que somos cristãos por nosso amor’, em vez de saber que somos católicos por nossas lutas.

Entretanto, desentendimentos fazem parte de qualquer família ou comunidade. Suprimi-los leva à frustração e a um comportamento disfuncional. Francisco não deve se surpreender com divergências. Afinal, o papa pediu por isso. No sínodo sobre a família de 2014, ele pediu aos bispos que ‘falassem com ousadia’.

Uma condição geral é esta’, disse o papa. ‘Fale claramente. Não deixe ninguém dizer : Você não pode dizer isso.’ Ao mesmo tempo, o discurso deve ser respeitoso e voltado para a construção da comunidade, não para destruí-la. Deve ter como objetivo a reconciliação, não a divisão. Desentendimentos devem levar a conversas, não a gritos.

Falar com aqueles de quem discordamos não é sobre ganhar e perder. É uma questão de conversa e melhor compreensão.

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1542260/2021/09/cinco-regras-para-discordar-do-papa/

terça-feira, 28 de setembro de 2021

A voz inata da consciência

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo de Vanderlei de Lima, 

eremita na Diocese de Amparo, BA

 

‘Este artigo traz três eloquentes testemunhos sobre a voz da consciência a falar em nós nos mais diversos momentos. Estão em nosso livro Obedecer antes a Deus que aos homens : a objeção de consciência como um direito humano fundamental, da Cultor de Livros, 2021, p. 41-43. 

1. A sós no consultório médico

Na noite escura, o curioso entra em um consultório médico vazio a fim de tentar ver alguns fichários de pacientes. Eis, porém, que, no mais profundo do seu ser, algo parece dizer-lhe : ‘Você é responsável por uma ação má!’. Daí, nasce sua interessante reflexão : ‘Dizia que me sinto responsável! Mas diante de quem? Não perante as paredes, nem perante o gato que me contemplava solenemente, quando eu percorria o fichário do médico. Só posso ser responsável diante de uma pessoa. Então dirá alguém :…diante da sociedade. Ou, mais precisamente, diante das pessoas com as quais convivo. Elas têm confiança em mim; tratam-me como um tipo leal e correto. Ora, eu já não sou o que elas pensam. Sinto que há um desnível entre o que parece ser e o que realmente sou. Isto me incomoda. Preciso ser autêntico, isto é, idêntico à imagem que a sociedade tem de mim…’. 

Sem dúvida! Mas por que é que outro homem – ou o conjunto dos outros homens – tem o poder de me constranger a ser autêntico, a ser aquilo que eu pareço ser? – talvez porque a sociedade está baseada na confiança mútua e na preocupação de não se fazer a outrem o que não quer para si mesmo? Sim; não há dúvida. Mas não basta isso. Não poderia eu simplesmente evitar as más impressões e os escândalos do meu comportamento externo? Bastaria, para tanto, que eu me dissimulasse sobre a hipocrisia. E, no caso preciso em que me vejo, não bastaria que, após ter devassado indiscretamente o fichário do médico, eu guardasse com zelo o segredo violado?’ 

Talvez pudesse, sim, salvar desse modo hipócrita as aparências de honestidade. Mas reconheço que isto não me satisfaça. Ainda que os homens me aprovassem ou me deixassem passar impune, eu ouviria dentro de mim uma voz de censura severa. Não seria a voz dos homens, nem seria uma voz premeditada por mim, mas seria uma voz anterior a qualquer deliberação minha : seria a chamada ‘voz da consciência’’ (Trecho adaptado do livro J. Javaux, Prouver Dieu, p. 60-62, apud Dom Estêvão T. Bettencourt. Curso de Filosofia. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 1994, p. 206).

2. É Deus quem fala

A consciência moral não é algo que o homem cria ou suscita dentro de si. É algo de congênito, que começa a falar desde que a criança chega ao uso da razão. Às vezes, o criminoso quisera extingui-la ou sufocá-la, porque ela remorde dolorosamente à revelia do sujeito. Por isto se diz que é a voz de Deus no íntimo de cada indivíduo, ou melhor : é a prolongação da lei eterna ou do amor ao bem que existe em Deus desde toda a eternidade e que, à semelhança de um raio de luz, vem atingir cada ser humano, a fim de orientá-lo na terra’ (Dom Estêvão T. Bettencourt. Curso de Teologia Moral. Rio de Janeiro, 1986, p. 27).

3. O alerta interior

Em linguagem jovial, testemunha Elisa Hulshof : ‘Minha consciência é a voz que berra incansavelmente nos meus ouvidos, é a que me mantém inquieta, é a que me culpa por não fazer nada, por fazer tão pouco, por estar indolente. É quem me deixa arrependida e envergonhada de mim mesma. É a razão que me sacode sem rodeios, sem papas na língua, tão clara e tão sensata que chega a ser cômica. Eu rio frequentemente comigo mesma e tenho orgulho, não de mim, mas da minha consciência, tão lúcida e tão fervorosa que é lastimável eu não obedecer-lhe mais frequentemente. Mas ela não se cala, e eu não posso estar nunca acomodada. Quando me distraio e caio, preciso me levantar rápido para não continuar a ouvi-la gritar em minha cabeça. Quando estou acomodada, preciso me remexer para não ouvir as barbaridades rudes que ela despeja sobre mim’ (A cor do trigo. São Paulo : Cultor de Livros, 2013, p. 122-123).

Queira, pois, ler com atenção o livro Obedecer antes a Deus que aos homens. Seu conteúdo é importantíssimo para os nossos dias.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/09/26/a-voz-inata-da-consciencia/ 

domingo, 26 de setembro de 2021

O testemunho de uma religiosa católica no Afeganistão

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo da Vatican News


‘Irmã Shahnaz Bhatti é uma religiosa da Caridade de Santa Joana Antida Thouret, originária do Paquistão. Ficou em missão no Afeganistão até 25 de agosto, quando, escoltada pelo exército italiano, conseguiu deixar o país. Deu seu testemunho à ‘Ajuda à Igreja que Sofre’, a fundação católica que ajuda os fiéis cristãos perseguidos.

Qual é a sua congregação e a sua missão?

Pertenço à Congregação Internacional das Irmãs da Caridade de Santa Joana Antida Thouret. Nossa missão é o serviço espiritual e material dos pobres no estilo de São Vicente de Paulo, o grande apóstolo da caridade.

Quais foram as razões de sua presença no Afeganistão?

Como Congregação, aderimos ao projeto ‘Para as crianças de Cabul’, criado em 2001 para responder ao apelo do Papa João Paulo II ‘salvar as crianças de Cabul’, e ao qual a vida religiosa na Itália respondeu com generosidade através da USMI (União dos Superiores Maiores da Itália). Pessoalmente, eu estava em Cabul há dois anos com duas outras irmãs, Irmã Teresia Crasta da Congregação de Maria Bambina e Irmã Irene da Congregação das Irmãs da Consolata. A comunidade em Cabul é, de fato, intercongregacional. Tivemos uma escola para crianças com deficiência mental e síndrome de Down dos 6 aos 10 anos de idade e as preparamos para entrar no sistema escolar público. Trabalhavam conosco professores, zeladores e cozinheiros locais. Com a ajuda das autoridades italianas, pudemos trazê-los e com suas 15 famílias para a Itália. Eles foram acolhidos por congregações religiosas muito generosas e hospitaleiras. Enquanto que as famílias das crianças que estavam aos nossos cuidados, continuam a chamar e pedir ajuda, pois permaneceram em seus lares em perigo, como vocês podem imaginar.

 A senhora poderia descrever como eram seus domingos em solo afegão?

O domingo não é reconhecido como um feriado religioso, é um dia como qualquer outro. As práticas religiosas e a Santa Missa podiam ser celebradas na Embaixada da Itália, de forma reservada.

Quais foram as principais dificuldades encontradas durante sua missão?

A primeira dificuldade foi aprender a língua local, porque no Afeganistão eles não aprendem inglês e não pode se nem mesmo ensiná-lo. Outra dificuldade era entrar em seu mundo, seus hábitos, sua mentalidade, a fim de poder dialogar e estar perto deles. A maior dificuldade era não poder se mover livremente, pois era preciso estar sempre acompanhado por um homem. Eu, que tinha que fazer a papelada necessária com bancos ou outros escritórios, tinha que ser acompanhado por um homem local. Duas mulheres não significavam nada e, naturalmente, não contavam. O sofrimento que me marcou mais fortemente, no entanto, foi ver as mulheres tratadas como coisas. Uma dor indescritível era ver mulheres jovens que tinham que se casar com a pessoa decidida pelos chefes de família contra sua vontade.

A liberdade religiosa era respeitada no Afeganistão antes da retirada dos militares ocidentais?

Não, porque para os afegãos, os estrangeiros ocidentais são todos cristãos, portanto sempre fomos controlados, não era permitido nenhum sinal religioso. Nós freiras tínhamos que nos vestir como mulheres locais e sem o Crucifixo que nos distinguiria.

Como a senhora vivenciou em agosto passado, o período entre a retirada das tropas ocidentais e sua partida para a Itália?

Era uma época muito difícil, estávamos trancadas em nossas casas e tínhamos medo. Durante mais de um ano, éramos apenas duas. Assim que foi possível, a freira que estava comigo partiu e eu fiquei sozinha até o final. Ajudei as irmãs de Madre Teresa, nossas vizinhas, a partir com suas 14 crianças com graves deficiências e sem família, para embarcar no último voo para a Itália antes dos atentados. Se as crianças não tivessem sido salvas, não teríamos saído. Temos que agradecer à Farnesina (Ministério do Exterior italiano) e à Cruz Vermelha Internacional que nos ajudaram a chegar ao aeroporto, e a presença do Padre Giovanni Scalese, que representava a Igreja Católica no Afeganistão, que não nos deixou até a nossa partida. Foi uma viagem difícil de Cabul até o aeroporto, duas horas com paradas, tiroteios, mas no final chegamos.

Como religiosa católica e como mulher, como a senhora vê a tentativa ocidental de ‘exportar a democracia’ para o Afeganistão?

Uma mentalidade não pode ser mudada com boas intenções, acredito que um projeto cultural com as novas gerações possa mudar a mentalidade. Estamos vendo isso com as jovens mulheres que não querem abrir mão de seus direitos de liberdade, mas a formação das novas gerações é necessária. A democracia não se exporta, se cultiva.

O que a senhora gostaria de pedir aos líderes políticos dos países ocidentais mais envolvidos no Afeganistão?

Gostaria de pedir-lhes que ajudem este país a alcançar a verdadeira liberdade, que é o respeito, a promoção humana e civil, lembrando que o fanatismo religioso leva à divisão e aos inimigos, que nenhum povo é melhor que outro e que a coexistência pacífica traz bem-estar a todos.

Como podemos ajudar a população?

Podemos ajudá-los a serem pessoas livres através da educação cultural e cívica, facilitando a acolhida quando decidem deixar o país, mas também, quando as autoridades o permitem, ficando com eles. Eu seria a primeira a voltar para lá. Neste momento de emergência, poderíamos estar presentes nos campos de refugiados vizinhos e não permitir que os pequenos morram de fome, sede e doenças que poderiam ser facilmente curadas. Também devemos considerar as mulheres como pessoas dignas de direitos e deveres, mas como pessoas e não como coisas.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2021-09/religiosa-afeganistao-missionaria-testemunho.html

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

A oração do monge: o Ofício Divino do dia

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Vanderlei de Lima, 

eremita na Diocese de Amparo, BA

 

‘A razão deste artigo é apresentar o significado de cada Hora do Ofício Divino rezado por um(a) eremita ou monge/monja de vida claustral rigorosa.

Ofício de Vigílias ou Leituras : pode ser rezado a qualquer hora do dia, mas o eremita mantém seu caráter noturno (antes do raiar do dia), de espera e vigilância. Visa um maior contato com a Palavra de Deus em toda a sua profundidade; por isso, além do texto bíblico próprio para o Ofício de Leituras daquele dia, lê-se também o comentário de um Padre da Igreja ou do Santo do dia.

Laudes (do Latim, Louvores) : é rezado logo de manhãzinha e se inspira no renascer da luz do dia após as trevas da noite. Celebra a Ressurreição do Senhor Jesus. Ele é a luz por excelência que ilumina a todos (cf. Jo 1,9) ou o sol da justiça que nasce do alto (cf. Lc 1,78). Daí duas das características desse momento de oração : glorificar a Cristo, o grande vitorioso sobre a morte, conforme se proclama no Cântico de Zacarias retirado de Lucas 1,68-79, e consagrar ao Pai celeste o dia de trabalho e de esperanças que o cristão tem pela frente.

As horas TerçaSexta Noa são chamadas de horas menores e visam santificar o dia todo, daí estarem distribuídas ao longo dele. Lembram também importantes passagens bíblicas.

Terça : recorda a vinda do Espírito Santo sobre Nossa Senhora e os Apóstolos à terceira hora do dia (para os judeus este começava às 6h), conforme Atos 2,15.

Sexta : meio-dia, é a hora em que Pedro rezava no terraço e teve uma visão segundo a qual deveria batizar o centurião Cornélio sem lhe impor a circuncisão, abrindo, desse modo, as portas da Igreja aos pagãos (cf. At 10,9). É também a hora da agonia de Jesus na cruz (cf. Mt 27,45). O hino que abre essa hora lembra o calor que muitas vezes nos atinge ao meio-dia e pede ao Senhor a extinção do fogo das paixões a arder, em certos momentos, no coração dos homens.

Noa : faz memória da oração de Pedro e João no Templo, ocasião em que Pedro cura, em nome de Jesus, o paralítico que ali pedia esmolas (cf. At 3,1). Recorda também a morte de Nosso Senhor na Cruz às 15h (cf. Mt 27,45).

Vésperas (nome originário de Véspero ou Vênus, astro luminoso que começa a brilhar assim que caem as trevas noturnas) : é uma oração que conclui o dia e inicia a noite. Dá graças a Deus pelos benefícios recebidos naquele dia e comemora a Ceia do Senhor e sua morte na Cruz, ocorrências que se deram em tempo vespertino. O Ofício de Vésperas ainda relembra aos fiéis que o Senhor Jesus voltará, no arremate ou no final da história deste mundo, para julgar os vivos e os mortos, trazendo-nos a luz sem ocaso que é Ele mesmo (cf. Jo 8,12).

Cientes disso, os cristãos acorrem para as Vésperas como os operários da vinha, que é a Igreja, a fim de receberem de Deus o pagamento pelo trabalho realizado com Ele e por Ele ao longo do dia transcorrido (cf. Mt 20,1-16) ou ainda para – à moda dos discípulos de Emaús – rogar : ‘Fica conosco, Senhor’ (Lc 24,29).

Completas : segundo o próprio nome, é a última oração do dia. Tem como lembrança, de acordo com a tradição de povos antigos, a comparação do sono noturno com o ‘sono’ da morte. Consciente disso, o fiel se entrega e se abandona, por meio dos salmos recitados, nas mãos do Senhor antes de se confiar ao merecido repouso. Isso bem se exprime no cântico que o velho Simeão cantou no fim de sua vida e o cristão entoa ao final das Completas conforme Lc 2,29-32.

Recorda ainda a gratidão por termos passado mais um dia na misericórdia do Senhor e exorta-nos a uma atitude penitencial de examinarmos a nossa consciência a fim de que, apesar das nossas limitações, façamos esforço para nos vermos – em nossas misérias e virtudes – do mesmo modo como Deus nos vê. Por isso, se pede perdão dos pecados cometidos naquele dia a fim de que, purificados, nos preparemos para, depois do sono da noite, servir, novamente, no campo do Senhor ao raiar do novo dia.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/09/23/o-oficio-divino-do-dia/

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

A escuta como origem da beleza, da bondade e da verdade do mundo

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Geraldo de Mori, SJ

 

‘Embora os sentidos sejam as portas e as janelas de acesso ao mundo, nem todas as culturas lhes conferem o mesmo significado. A tradição filosófica grega, por exemplo, uma das fontes do mundo ocidental, confere a primazia, sobretudo, ao olhar. É o caso de Platão, um dos maiores expoentes da filosofia antiga, para o qual é pela contemplação, exercida principalmente pelo olhar, que se chega ao ‘mundo das ideias’, fonte da beleza, da bondade e da verdade do ser. Tudo o que os demais sentidos captam pertence ao mundo das ‘sombras’, privado de qualquer significado relevante. Essa perspectiva marcou a tradição espiritual do cristianismo, que em alguns de seus itinerários místicos é atraída pela contemplação, e a teologia cristã, que em suas formulações sistemáticas vê na ‘visão beatífica’ a plenitude da realização do ser humano.

O mundo judaico, apesar de não desvalorizar o olhar, como se percebe no poema da criação de Gn 1,1-2,4a, no qual Deus ‘’ as diversas obras e as qualifica como ‘belas’ ou ‘boas’, confere a primazia do acesso ao mundo à escuta. De fato, a saga do Egito começa com uma contemplação e uma audição do próprio Deus. Segundo Ex 3,7, Deus viu ‘a humilhação’ de seu povo no Egito e ouviu ‘seu clamor’, ou, ainda no mesmo capítulo, ‘o clamor dos israelitas’ chegou até ele, que viu a ‘opressão que os egípcios’ faziam pesar sobre eles (Ex 3,9). O conhecimento dado pela visão e pela audição faz com que Deus ‘desça’ para livrar seu povo das mãos do opressor (Ex 3,8), enviando para isso Moisés, através do qual ele irá conduzir os hebreus para a terra da promessa (Ex 3,10).

A capacidade de escuta, que suscita o movimento da ‘descida’ divina, se torna injunção à escuta num dos ‘Credos’ do povo da aliança, o que se encontra em Dt 6. É interessante notar que o ‘objeto’ da escuta diz respeito inicialmente a duas afirmações sobre Deus : ‘o Senhor é nosso Deus, o Senhor é um’ (Dt 6,4). Por um lado, a escuta diz que o Senhor ‘é’ o Deus de Israel, e por outro, afirma que ele é ‘um’. Em seguida, vem o apelo a amá-lo, de todo o coração, de toda alma e com toda a força (Dt 6,5), guardando no coração suas palavras (Dt 6,6), ensinando-as aos filhos e tendo-as diante de si todo o dia, tomando-as como sinal e colocando-as nos umbrais das portas e portões (Dt 6,7-9).

O papel desempenhado pela escuta no seio do povo eleito explica, em grande parte, a interdição de criar imagens, que eram acessíveis aos olhos e passíveis de se tornarem ‘ídolos’, mas que exigiam ‘sacrifícios’ e tornavam os que deles participavam insensíveis às injustiças. O próprio nome de Deus era impronunciável e o conjunto da fé judaica tem a convicção de que ver a Deus significava morrer. Nesse sentido, apesar de algumas ‘teofanias’ explorarem a visão, como a de Is 6,1.5, elas são indissociáveis de uma palavra dirigida por Deus a quem ele chamava para uma missão : ‘ouvi então a voz do Senhor’ (Is 6,8). O conjunto da ação profética em Israel se desenvolve ao redor de uma palavra escutada, que se tornava palavra pronunciada. Em geral, tratava-se de um apelo à conversão, feito muitas vezes com ameaças, uma vez que Israel tinha se desviado da Lei, deixando-se seduzir pelos ídolos e ignorando os apelos éticos da Torah.

O cristianismo herdou do judaísmo essa primazia da escuta, não só porque Jesus se fez arauto do anúncio da proximidade de um Reino em advento, convocando à conversão, mas também porque, após sua morte e ressurreição, o coração da pregação cristã se resumiu no anúncio de que no mistério pascal Deus havia dito sua palavra definitiva à humanidade, convidando-a a deixar-se reconciliar por Deus em seu Filho (2Cor 5,19-20). O apóstolo Paulo, em Rm 10,17, reitera a convicção central do judaísmo de que a fé vem pelo ouvir, e o conteúdo do ouvir não é mais os preceitos da Torah, por mais santos que sejam, mas a vida, os ensinamentos, a morte e a ressurreição de Cristo. A escuta desse anúncio deve suscitar no coração o apelo à fé, traduzindo-se em uma vida que doravante buscará estar à escuta do que diz a existência de Jesus Cristo para o fiel quando se encontra diante de situações parecidas com as que encontrou o Mestre.

Alguns pensadores contrapõem o ‘mundo segundo o olhar’ ao ‘mundo segundo o escutar’. Segundo eles, a visão, que está na origem da filosofia grega e perpassa toda a racionalidade científica do mundo ocidental, é determinada pelo cosmos e tende a ‘objetivar’ e manipular tudo o que é passível de apreensão do olhar. Essa racionalidade está na origem da dominação do mundo pela técnica, que levanta tantas questões nas últimas décadas, sobretudo por causa das ameaças que a objetivação e a exploração representam para o futuro da vida no planeta. Por sua vez, a escuta, que é central no mundo bíblico, mais que pelo cosmos, está fundada nas relações, que estão na origem da ética e da fé. Não por acaso o resumo da Torah, que são os ‘dez mandamentos’, apela ao amor a Deus, seguido das interdições de nomeá-lo, e em seguida, de todas as injunções relacionadas ao respeito aos demais humanos, sobretudo os mais vulneráveis.

A contraposição entre o mundo como cosmos e o mundo como relação é interessante, embora deva ser matizada, uma vez que todos os sentidos participam da apreensão do real. As diferenças podem, contudo, ajudar a perceber o que mais conta no acesso de cada pessoa ao mundo e que define sua percepção da própria experiência religiosa e espiritual. De fato, muitos fiéis buscam na religião o maravilhoso, o milagroso, que provoca ‘temor e tremor’, segundo a clássica definição do sagrado de Rudolf Otto. Contudo, esse tipo de relação com o transcendente não muda necessariamente a existência de quem o experimenta e promove, pois muitas vezes é definido pelo desejo de manipulação, que transforma Deus em ídolo ou busca convencê-lo dos próprios méritos. Diferente é a experiência de relação com Deus segundo a revelação bíblica, para a qual, mais que sagrado, Deus é santo e chama à santidade. Esta, diferente da sacralidade, supõe relação, que por sua vez, demanda a escuta, a capacidade de deixar-se afetar pela alteridade, seja a do ser humano, qualquer que seja a sua condição, seja a de Deus, que ama e convida a amá-lo. Essa dupla dinâmica deve ‘mover as entranhas’, levando à compaixão, ao cuidado e à defesa do outro em situação de vulnerabilidade, ou ao agradecimento e ao louvor, entendendo-se fruto de um dom gratuito e imerecido.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1540937/2021/09/a-escuta-como-origem-da-beleza-da-bondade-e-da-verdade-do-mundo/

terça-feira, 21 de setembro de 2021

Órfão cristão fugiu do Afeganistão aos 8 anos e depois salvou família perseguida

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


*Artigo de Francisco Vêneto, 

jornalista


‘Ali Ehsani tem 38 anos e é advogado. Mora na Itália desde os 13 anos, quando chegou sozinho ao país europeu como refugiado após seus pais serem assassinados e sua casa ser destruída no Afeganistão – só porque a família era cristã.

Afegãos cristãos, diga-se de passagem, são uma raridade. O Afeganistão inteiro contava com cerca de 200 cristãos até a retomada do poder pelos talibãs em 15 de agosto de 2021. Agora que o grupo fanático detém o poder no país, o número certamente se reduziu mais ainda. A única igreja católica de todo o território afegão está fechada : ficava na embaixada italiana em Cabul e o pároco responsável foi obrigado a deixar o país durante a desocupação norte-americana, finalizada em 31 de agosto.

O próprio Ali só tomou consciência de que fazia parte da minoria cristã quando, aos 8 anos de idade, um colega muçulmano na escola o questionou sobre o fato de seu pai não frequentar a mesquita.

Ele relatou este episódio à Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja (Aid to the Church in Need) que Sofre :

Voltei para casa e perguntei ao meu pai. E ele me perguntou : quem te disse isso? Meu pai me explicou que eu não devia dizer para ninguém que éramos cristãos. Ele me contou que os cristãos iam à igreja, mas não me disse muito mais do que isso, porque tinha medo que eu falasse da nossa fé e nos descobrissem’.

Mas os rumores correram. Não demorou para que o pai de Ali Ehsani fosse preso. Também não demorou para que, após a prisão do pai, chegasse a vez também da mãe. Certo dia, o menino chegou da escola e não a encontrou mais. Naquele mesmo dia, ele sequer encontrou a própria casa : os talibãs a tinham destruído.

Órfão cristão fugiu do Afeganistão aos 8 anos

Seu irmão Mohammed, 16, e ele, 8, não tiveram alternativa : precisaram fugir do Afeganistão sem absolutamente nada nem ninguém.

Foi uma viagem que durou cinco anos e que eu conto no livro ‘Stanotte guardiamo le stelle’ (‘Hoje à noite olhamos para as estrelas’, em livre tradução do italiano – a obra não conta ainda com versão em português). Foi uma viagem dramática pelo Afeganistão, Paquistão, Irã, Turquia, Grécia até chegar à Itália. Meu irmão morreu na viagem’.

A precária embarcação em que tentavam chegar da Turquia à costa grega naufragou e o irmão mais velho não conseguiu se agarrar a nada – ao contrário de Ali, que só sobreviveu porque se agarrou a um galão de combustível. Ele pensou naquela hora : ‘Se Jesus existe, Ele vai me salvar de morrer afogado’.

O menino tinha 11 anos quando ficou sozinho no mundo. Meses depois, quando conseguiu chegar à Itália, decidiu estudar para ajudar as pessoas que, assim como ele, já tinham sofrido excessivamente na vida.

Ali Ehsani cumpriu a promessa que tinha feito a si mesmo e se formou advogado.

Já adulto, conheceu outra rara família cristã que vivia no Afeganistão e passou a manter contato com eles por meio da internet, chegando a transmitir-lhes a Santa Missa ao vivo pelo celular. Um dia, porém, mesmo com o volume baixo, os vizinhos da família ouviram e a denunciaram.

O pai foi preso e nunca mais se soube do seu destino. A família se escondeu aterrorizada durante semanas, enquanto Ehsani coordenava a sua retirada do Afeganistão com auxílio de autoridades vaticanas e italianas. Assim como ele, aqueles refugiados também acabaram conseguindo chegar à Itália e recomeçar a vida. Ali Ehsani relata que, em sua primeira Missa, não paravam de chorar de emoção.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/09/20/orfao-cristao-fugiu-do-afeganistao-aos-8-anos-e-agora-ajuda-a-salvar-familia-perseguida/

domingo, 19 de setembro de 2021

A importância da fé para o ser humano

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


*Artigo de Vanderlei de Lima, 

eremita na Diocese de Amparo, BA

 

‘Depois de muito tempo de uma crença meramente racionalista ou na técnica, há alguns anos estudiosos da Medicina têm se voltado para a religiosidade – embora de modo um tanto vago e genérico, é verdade –, como meio de ajudar os próprios pacientes.

Um breve exemplo é o do geriatra e psiquiatra americano Harold Koenig, diretor do Centro para o Estudo da Religião/Espiritualidade e Saúde da Universidade de Duke, na Carolina do Norte e autor do Manual de religião e saúde : revisão de um século de pesquisa.

Vale a pena citar trechos de sua fala, pois é a palavra de um homem de ciência e de fé que parece enxergar o ser humano como um todo, ou seja, a necessitar dos cuidados técnicos dos médicos, mas também da espiritualidade para a vida do dia a dia, especialmente nos momentos difíceis aos quais todos estamos sujeitos.

Perguntado se sempre foi um homem de fé, Dr. Koenig respondeu que não. ‘Só a partir dos 33 anos, quando enfrentei situações difíceis e busquei conforto na religião, que me ajudou a superar problemas físicos e emocionais. E hoje, sou cada vez mais religioso. Perdi meus pais nos últimos dois anos e fico muito mais tranquilo para passar por tudo isso tendo fé’.

Aliás, a fé, segundo ele – com base em pesquisas realizadas em Durham, na Carolina do Norte e em outros centros de pesquisas norte-americanos e canadenses –, ajuda as pessoas a viverem mais, pois têm elas uma saúde melhor e superam com mais facilidade as doenças que as atinge. Quem frequenta um culto religioso ao menos uma vez por semana ganha, em média, sete anos a mais de vida, diz o geriatra.

Questionado se ainda há muitos médicos céticos (não creem, nem descreem), o cientista estadunidense respondeu que a questão parece não estar em ter fé ou deixar de ter fé, pois isso seria ir contra a Ciência que tanto defendem, mas, sim, em como utilizar-se da fé em proveito dos pacientes. Ademais, o médico não deve, segundo ele, receitar fé, mas só falar nela se o paciente se predispor a saber mais.

Ainda : a oração de terceiros sempre ajuda o doente, senão na cura física, no preparo a fim de que ele se sinta mais apto a enfrentar as adversidades da doença em sua vida. Há quem tenha fé no próprio médico ou no medicamento, o que, sem dúvida, é bom, contudo nem o profissional da saúde nem o fármaco é um deus. Ambos têm poder limitado, ao passo que a força do verdadeiro Deus é infinita.

Koenig ainda assegura : ‘Quando comecei a exercer a Medicina, notei que pessoas religiosas, especialmente as idosas, pareciam mais saudáveis e respondiam melhor aos tratamentos. Desfrutavam de bem-estar e tinham uma atitude mais positiva diante da vida. Decidi então estudar as relações entre a religião/espiritualidade e saúde’ (Pergunte e Responderemos n. 540, junho de 2007, p. 246-247).

Jornal do Brasil diz, por sua vez, em 05/06/03, p. A5 : ‘A medicina começa a incluir cada vez mais em suas práticas o instrumento da espiritualidade no cuidado com os pacientes, usando a favor do doente a sua crença em uma religião ou sua busca de aprimoramento espiritual por meio de outros caminhos que não os religiosos. A mudança atende à demanda dos próprios pacientes por um tratamento que contemple sua saúde em sua dimensão mais ampla, incluindo o respeito a seu lado da espiritualidade. Pesquisas têm demonstrado que religiosos apresentam 40% menos chance de sofrer de hipertensão, têm um sistema de defesa mais forte, são menos hospitalizados, se recuperam mais rápido e tendem a sofrer menos de depressão quando se encontram debilitados por enfermidades’.

Desejamos, ao final desses dados citados sem comentários, deixar claro o que segue : a Religião, como o próprio nome diz, quer dizer religação do ser humano com Deus em vista da vida eterna, sua finalidade principal. Secundariamente, porém, ela, como se viu, ajuda as pessoas a melhor viverem o seu dia a dia. É a fé encarnada na realidade humana : pés no chão e cabeça no céu, como se tem dito.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/09/15/a-importancia-da-fe-para-o-ser-humano/

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

O silêncio como oração

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Francisco Thallys Rodrigues

 

‘Vivemos num mundo marcado por agitação, barulho e um fluxo frenético de informações e falatórios no qual o silêncio se torna cada vez mais incomum. O silêncio torna-se cada vez difícil, sobretudo, quando ele conduz ao encontro consigo mesmo e com Deus. Foge-se dele por meio de diálogos intermináveis, manifestações e barulhos constantes. Mesmo as orações se desenvolvem numa contínua verbalização. Quando olhamos a experiência das escrituras, nos deparamos com profundas experiências com Deus por meio do silêncio. É o caso de Elias, Jesus e Maria. Por conseguinte, o silêncio é fonte do encontro com Deus, torna-se oração enquanto une o coração do orante ao coração de Deus.

Em nossa sociedade da informação, a ‘palavra’ perdeu sua força e eficácia, apresenta-se carente de sentido, de significado. A liquidez de nossa sociedade tem conduzido a relações voláteis e frágeis que se rompem com a mesma velocidade que se estabelecem. Neste contexto, o silêncio, como oração que nos conecta a Deus, pode ser um caminho de integração de nossa humanidade e recuperação da força da palavra.

Quando olhamos o conjunto das Escrituras, algumas experiências se destacam no que concerne ao silêncio. Elias procura a presença de Deus em diferentes experiências : no fogo, na tempestade, no terremoto e na ventania, mas Deus não está ali. É na brisa suave que Elias encontra-se com Deus, na ausência de barulho e de fala (1 Rs 19,10-15). O silêncio é espaço de meditação e acolhida da Palavra no coração da Virgem Maria (Lc 2,19). Do mesmo modo em diversos momentos da vida e da atuação de Jesus o encontramos em silêncio. Portanto, o silêncio torna-se espaço da contemplação de Deus, meditação dos mistérios da vida e do sagrado, mesmo que este ocorra nos momentos de maior sofrimento e angústia.

No desenvolvimento e expansão da fé cristã, desde a experiência dos primeiros monges cristãos, que iam para os desertos e florestas, o silêncio se tornava espaço de encontro consigo mesmo e com Deus. Charles de Foucault encontrou Deus na profunda experiência de contemplação e silêncio, assim como Francisco de Assis, ele passava horas a fio diante do Santíssimo Sacramento em silêncio. Esta experiência foi vivida por inúmeros santos e santas, homens e mulheres que descobriram o silêncio como oração, fonte do encontro com Deus. O papa Francisco recorda que ‘parte-se do silêncio e chega-se à caridade para com os outros’. A experiência profunda de encontro com Deus sempre nos conduz a nos lançarmos ao próximo.

O silêncio não deve ser imposto como mecanismo de defesa ou fuga diante de forças autoritárias que se impõem e exigem o silêncio. Ao longo da história, diferentes grupos e forças impuseram o silêncio como parte da submissão ao seu pensamento ou modelo de sociedade. Este não é o tipo de silêncio ao qual nos referimos. Martin Luther King alertava para o problema deste tipo de silêncio : ‘Eu não me preocupo com o grito dos maus, mas com o silêncio dos bons’. O silêncio deve ser uma opção pessoal para todo aquele que deseja mergulhar na profundidade de si mesmo, na descoberta das belezas vida e no encontro com Deus. Por isso, ele só tem sentido enquanto livremente assumido.

O silêncio abre espaço para o encontro consigo mesmo, para a consciência de nossa própria finitude e fragilidade. Nele podemos contemplar nossa vida, meditando nossas atitudes e gestos, percebendo a presença amorosa de Deus que nos acompanha. Ele pode ser o primeiro passo num processo de autoconhecimento, que abre espaço para encontrar a presença de Deus em todas as coisas. Presença serena e suave, perceptível somente quando nos tornamos capazes de contemplar a beleza em si mesma, para além dos desejos de apropriação advindos da busca pelo conhecimento. Contemplar a beleza da vida que renasce a cada dia, da criança que sorri sem motivos, dos idosos que continuam a amar, da esperança que teima em persistir.

Nossas liturgias e orações comunitárias têm sido marcadas pelo excesso de palavras. Pronunciadas, proclamadas, gritadas, as palavras são utilizadas demasiadamente, pouco guardando espaço para o silêncio. Mesmo quando as orientações o sugerem, pouco se efetiva realmente. Há um desejo desenfreado por verbalizar tudo que se passa no interior do coração sem que haja uma preocupação por descobrir as moções do Espírito que conduzem a tais atitudes. Outras vezes elas se tornam repetições pronunciadas sem paixão, sem percepção do mistério que nos circunda. Na medida em que se toma consciência da presença de Deus, em todos os momentos e situações da vida, pode-se viver o silêncio como oração. Isto exige sensibilidade e abertura para o próximo e para os apelos de Deus.

Não esqueçamos que no silêncio podemos descobrir o essencial da vida como bem recorda Dietrich Bonhoeffer : ‘No silêncio está inserido um maravilhoso poder de observação, de clarificação, de concentração sobre as coisas essenciais’. O silêncio nos conecta com o profundo de nós mesmos no qual descobrimos a escrita de Deus em nossa vida, sua teografia, que nos acompanha antes mesmo de nosso nascimento. O silêncio é a linguagem de Deus no qual Ele se revela como Deus amor que tudo cria para o bem.

Portanto, mais do que em outros tempos, torna-se necessário descobrir o valor e importância do silêncio livremente assumido. Primeiro como possibilidade de encontro com o profundo de nós mesmos : nossas alegrias, medos, angústias, desejos, anseios e opções. Depois, como espaço do encontro com Deus e sua Palavra que nos transforma a fim de vivermos autenticamente como testemunhas de seu amor.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1538515/2021/09/o-silencio-como-oracao/

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Silêncio que gera palavra, escuta e discernimento

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Reuberson Ferreira, MSC


‘Paradoxalmente, ao falarmos do silêncio, usamos as palavras e, de algum modo, temos a sensação de que estamos rompendo com ele. Contudo, entendemos que o silêncio é bem mais do que algo que rescinde com o ato de falar e ou de escrever : é elemento que os completa, pois é também uma linguagem implícita. Assim, embora pareça um oximoro, não seria inapropriado repetirmos uníssonos, aquele conhecido adágio que ensina que o ‘silêncio fala’.

Além da eloquente fala que o silêncio porta, ele também se apresenta como um lugar. Silêncio, não é, portanto, um fim em si mesmo ou um bem absoluto, só Deus assim o é. Ele apresenta-se como caminho a ser trilhado, mesmo numa sociedade e num mundo absortos pelo ruído e pelo barulho. Desse modo, pode-se dizer que o silêncio é capaz de gerar em nós palavra, escuta e discernimento.

O silêncio é aquele que gera as palavras. É impossível não admitir que os vocábulos, mesmo para os mais falantes, não tenham sido precedidos do silêncio. Incluso a conhecida narrativa bíblica da origem do mundo, descrita no primeiro Livro do Pentateuco, interrompe o silêncio primordial com a palavra criadora de Deus. De fato, o silêncio antecede a palavra. Viver o silêncio, desse modo, pode abrir caminho para que a verdade se revele. Assim, as palavras serão mais prenhes de uma verdade profunda, se gestadas no silêncio da consciência.

Gerador de escuta, também é o silêncio. Do ponto de vista religioso, quase todas as grandes escolas de espiritualidade são unânimes em atestar que o silêncio é caminho para a escuta. Só ouve bem, quem é capaz de calar, silenciar. Trata-se de uma medição para a escuta. Ouve-se num mergulho no abismo do silêncio a voz da própria consciência, nos encontramos. Em última análise e numa abertura mais profunda, escuta-se a voz de Deus, numa espécie de auditus fidei que nos remete a uma especulação sobre aquilo que acreditamos e nos faz aderir, obedecer às palavras que ouvimos como divinamente inspiradas : obedientia fidei.

O silêncio, outrossim, é espaço privilegiado para o discernimento. Discernir ‘é um exercício de experimentar, perceber, entender, avaliar, decidir e agir’. Não é um ato açodado. São ações que são experimentadas que necessitam de espaço, tempo e sobretudo de silêncio. Esse fato para que vozes alheias ao nosso sentir e inteligir, não interfiram no processo e nos façam discernir por algo estranho a nossa vontade e, em última análise, à vontade de Deus. Portanto, o silêncio é lugar para discernir.

Por fim, é claro que o silêncio não é antagônico à palavra, antes a fecunda. Igualmente, ele é condição essencial para ouvir, e quiçá para obedecer na fé e para facilitar o discernimento, consequência imediata de quem obedece e age regido pela fé.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1538519/2021/09/silencio-que-gera-palavra-escuta-e-discernimento/