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segunda-feira, 23 de junho de 2025

Sofrer exige coragem

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo do Padre José  Alem, CMF

 

‘Toda pessoa tem maior capacidade do que acredita para evitar certos sofrimentos e para transformar o mal em bem.

É fácil perceber que há diferentes maneiras de reagir a tudo aquilo que nos acontece na vida, mas é, sobretudo, quando o sofrimento nos atinge, nas suas mais variadas expressões, que manifestamos o que pensamos da vida, o que a dor pode revelar de nós e de nossos ideais.

Pense como você reagiu quando foi traído por um amigo ou como viveu a experiência da morte de uma pessoa querida ou quem sabe diante de uma situação de ofensa, de divisão ou quando se sentiu ferido na sua sensibilidade e como vivemos diante da dor da humanidade, nos seus mais variados aspectos, como a fome, a violência, as catástrofes, as injustiças, as doenças, sofrimentos tantos, enfim… 

Difícil dizer que alguém não tenha deparado com as dores do mundo que fazem mal tanto a quem vive as situações dolorosas como àqueles que de algum modo as acompanham. Para alguns, essas situações são desafiadoras; para outros, simplesmente desencorajadoras. 

Diante da dor não ficamos indiferentes: revolta ou conformismo, esperança ou desespero, luta ou abandono, tentativas ou acomodação. 

Reserve tempo para pensar no assunto. O que você faz diante da dor? Como a enfrenta, o que faz para superá-la? Como se sente quando a dor atinge você de uma maneira próxima ou direta?

É certo que diante da dor todos nós temos a sensação forte da perda do equilíbrio, da harmonia interior, quem sabe até do sentido da vida. O que todos sentem, diante da dor, em cada uma das suas expressões, é a impressão da ausência de Deus e a perda da paz.

Refletir sobre a dor, reconhecer nela luzes e forças para continuar a viver com esperança, reconquistar a paz perdida e, sobretudo, saber que mesmo que tudo pareça dor somente existe um amor maior, que a tudo dá valor e sentido, é o grande desafio.

Pessoas que sofreram podem relatar experiências tantas quantas são as possibilidades da vida e podem repetir palavras de sabedoria e testemunhar que ‘A dor me deu mais que me teriam dado os sucessos que não consegui’.

Diante dos desafios da vida, temos três possibilidades: revoltar-nos, abater-nos ou enfrentá-los. Se nos revoltamos, fazemos de uma situação um problema que vai crescendo com nossa revolta. Se nos abatemos, deixamos o sofrimento tomar conta, como se dominasse e não tivéssemos capacidade de reação. A revolta aumenta a dor, o abatimento reduz a vida à dor, porém, se soubermos aceitar, convivemos com a realidade sem perder o sentido da vida e dos valores que ela revela além da dor, apesar dela.

A alegria de viver nos dá coragem para sofrer. A coragem de assumir o sofrimento faz a vida mais plena e com isso aprendemos a ter um olhar mais profundo para dar respostas mais profundas.

Aprendamos com o mistério da vida a descobrir quanto a vida é bela, apesar de tudo.

A dor, o sofrimento são situações e possibilidades comuns a todas as pessoas, de qualquer condição. O sofrimento, seja físico, emocional, moral, da própria existência, constitui uma condição normal e básica da vida. Negá-lo é, em última análise, uma ilusão, uma utopia que, caso se concretizasse, deixaria a existência sem sustento. Não se trata de promover o sofrimento, mas de afirmar a sua inegável existência e a sua inevitável presença na vida humana. 

A cada dia somos bombardeados com a ideia e a suposta solução de uma vida só de prazer e de satisfação, livre de qualquer sofrimento e de qualquer dor. Parece haver tantas maneiras de chegar a experimentar a ‘plenitude do prazer’ que é uma tolice sofrer. Curiosamente, esquecemos a nossa própria realidade humana, nós a esvaziamos, ou acabaremos por esvaziá-la, daquilo que a redime e que a eleva, pois todo sofrimento, entendido na sua possibilidade, tem a capacidade de manifestar um sentido mais elevado da vida, entretanto, frequentemente afastamo-nos da sua identidade e sentido. 

A vida humana é uma realidade dinâmica, isto é, em permanente movimento, aberta a novas descobertas sobre o valor da própria existência. Essa dinâmica se desenvolve com base em valores que se manifestam como realidades permanentes e estáveis, eternas. O amor sempre será amor; a solidariedade, o respeito, a família, por exemplo, sempre representarão a mesma realidade a que se referem. 

Quando assumo um valor, eu o reconheço como um bem em si e o constituo um bem para mim; ele adquire, então, um sentido pessoal singular, assim, torna-se parte de minha existência pessoal. Desse modo, os valores constituem o fundamento mais estável, o terreno onde a vida vai se desenvolver. 

A necessidade de reconhecer e assumir valores e deixar-se orientar por eles é um desejo básico da vida e é estimulada pela necessidade natural de descobrir sentido em tudo aquilo que devo viver. Em mim, em você, em cada pessoa palpita uma necessidade, uma verdadeira fome de sentido. Essa fome de sentido é tão natural à nossa humanidade quanto a nossa necessidade e fome de alimento, de conhecimento, de afeto, de segurança, de convivência, de felicidade.

O ser humano pode ser definido como alguém em permanente busca de sentido para sua vida, é um ‘buscador de sentido’. Essa condição é tão espontânea quanto natural a qualquer ser humano; se não for satisfeita, pode deixar a vida vazia, com graves danos e consequências.

O ser humano é um ser ‘incompleto’, que vive e luta para se completar. Vai alcançando seu objetivo ao longo da vida, de muitas maneiras, muito especialmente por meio e a partir dos vínculos que vai constituindo. 

Se a vida de algum ser humano é baseada em valores verdadeiros que o inspiram e orientam sua vida, certamente isso lhe dará condições de descobrir um sentido que completa sua existência; caso contrário, o vazio tomará conta e pode gerar uma insatisfação permanente que nada poderá preencher. 

A busca e a descoberta do sentido da vida não se fazem sem sofrimento, sem dor, sem passar por experiências destituídas de prazer.


Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/sofrer-exige-coragem.html

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Como continuar acreditando no amor de Deus, apesar das dificuldades

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Talita Rodrigues


Cadê a sua esperança? Cadê a sua fé? Cadê a sua coragem? 

‘Perdemos algumas coisas na caminhada e enfrentamos algumas batalhas. Isso faz parte do ciclo da vida. E é certo que nós, seres humanos, temos uma certa dificuldade em lidar com situações difíceis. Quase nunca sabemos o que há de chegar até nós. Por isso, quase nunca estamos preparados. Quando a tempestade vem, ela não avisa. Simplesmente vem. As nuvens escurecem rapidamente e, de repente, elas já estão transbordando. Percebemos que, de fato, não temos mesmo como escapar.

Algumas dores servem para nos levar para mais perto de Deus. Pois é nesses momentos que Ele tem a nossa total atenção. Não que Ele se alegre de nos ver em situações desesperadoras, mas Ele deseja nos enriquecer.

Algumas coisas são tiradas de nós para que possamos depender mais Dele. Pensamos que podemos ser felizes apenas com tal coisa, mas Ele vem e tira. Mostra-nos o contrário. No momento, pensamos não viver sem aquilo. Nossa consciência continua a mesma. Teimamos, não entendemos. Parece ser impossível. Dizemos : ‘Meu Deus, por que isso teve que acontecer logo comigo?’, ‘Pai, eu não consigo’. É isso que costumamos dizer. 

Provas e amor no caminho

Por um momento, acabamos nos esquecendo de que Ele faz tudo para o nosso bem. E em nossa caminhada precisamos passar por algumas provas, para que possamos amadurecer. Para que possamos amar mais.

Mas o bom é que Ele cumpre com a sua palavra e está sempre caminhando ao nosso lado, levando-nos a corrigir o erro de ter dependido de outras coisas além Dele, levando-nos a corrigir os nossos passos tortuosos. Não importa se tenhamos nos ferido e ficado cegos pela dor. Deus vem e passa a tratar dos nossos ferimentos. Ali no silêncio, só você e Ele. 

Algumas coisas Ele deseja nos dizer na intimidade. Por isso, quando nos sentimos sozinhos, sem ter para onde ir, nos achegamos mais a Ele. E ali, percebemos que encontramos tudo que precisamos. Durante o processo de adaptação, Deus vem e começa a tratar o nosso coração. Ele passa a retirar os entulhos que acabamos deixando entrar nos nossos poços, como aqueles sentimentos indevidos. Deus começa a nos ensinar como cuidar do nosso bem mais precioso. Passa a transformar aquelas feridas da rejeição, da traição, do medo, ou qualquer outra. Para mostrar que Ele te tocou, te sarou. A ferida cicatrizou. Deus passa a nos revelar um pouco mais do amor e do poder que Ele tem de curar. 

Levantar outra vez

O amor não machuca, não podemos esquecer. Pelo amor, somos levantados outra vez. Se levantamos mais confiantes no poder dele. Passamos a acreditar que doar perdão é a melhor maneira de nos fazer bem, primeiramente. E depois ao outro.

Certos processos são mesmo demorados, mas valem a pena. Diante de algumas guerras que enfrentei, quero te dizer : Não curve a sua cabeça. Não olhe para o chão. Não pense ser impossível juntar todos os cacos de seu coração e receber um novo coração. Deixe de olhar para o tamanho daquela montanha de dor, a qual você sabe que terá de escalar. Não pense em desistir da sua vida, porque alguém pagou um preço doloroso para que você estivesse aqui. 

Você é uma peça essencial. E alguns propósitos ainda precisam ser realizados através de você.

Olhe além. Os olhos do recomeço estão sempre acima. Acima da montanha. O nosso socorro, o nosso escape, vem do céu. Deixa ir tudo aquilo que não precisa mais fazer parte da sua vida. 

Deus não abandona

Nunca se esqueça : Deus não te abandonou. Cadê a sua esperança? A sua fé? Cadê a sua coragem? 

Enquanto existir o ar nos seus pulmões, ainda há esperança para você. A vida continua. Permita-se passar pelos processos que tem que passar. Veja mais adiante. Lá na frente você verá o quanto foi protegido(a) pelos braços de Deus e o quanto Ele te fez crescer. 

Lá na frente você não terá mais aquelas bagagens pesadas, cheias de dores e mágoas. E o seu coração? Estará mais cheio de amor do que nunca.

Então, eu já te vejo lá na frente. 

Com os braços abertos, deixando-se levar pelo vento suave Daquele que sempre te guia. Não desista, não pare. Recomece. Prossiga.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2022/11/07/como-continuar-acreditando-no-amor-de-deus-apesar-das-dificuldades/

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Coragem!

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Geovane Saraiva,

jornalista, colunista e pároco

de Santo Afonso de Fortaleza, CE


Coragem, pois o convite que Deus nos faz neste tempo que precede o Natal é o de ‘participar da divindade daquele que uniu a Deus nossa humanidade, manifestando-se como luz a iluminar todos os povos no caminho da salvação’, na inefável troca de dons entre o Céu e a Terra. Veja-se, pois, envolvido com a vida, num exuberante e alegre contentamento, na clareza de consciência de si mesmo, não sobrando espaço algum para duvidar do único clamor, o da vida, o de se convencer de mais vida e vida intensamente bem vivida! Como é maravilhoso, quando as pessoas querem mais encanto com a vida, mais amor, mais dignidade e mais sabedoria, numa determinação de rejeitar a vida inútil, insípida e sem sentido!

Tenha mais gosto e entusiasmo, vendo a vida com sentido, a partir de um Deus indulgente e clemente, que seja o mais aguçado possível, mas a partir da realidade do Brasil e do mundo, mesmo diante das provações, dores, sofrimentos e angústias desafiadoras, antevendo, no mundo compreendido por contrastes e diversidades, uma nova civilização, no mais alargado e expandido sonho, na busca de uma vida fecunda e cheia de graça. A vida, além de carecer de ânimo e coragem, quer que respondamos aos apelos de Deus, não se apegando aos bens ilusórios e passageiros do mundo, nem parado de braços cruzados e acomodados.

De maneira segura e inequívoca, somos convidados a olhar, pela ótica de Deus, uma consistente esperança e um espírito de perseverança, inspirados pelo sonho de um mundo novo, no compromisso de promover uma realidade melhor e mais durável, sem fome, mais digna e menos egoísta, livrando-nos do pecado da indiferença para com a vida, dom e graça. Cabe a nós contemplarmos, associados ao mistério dos anjos, que povoaram os céus naquela noite feliz e memorável, na linguagem por demais conhecida : ‘Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade’. Ele aponta para nós o caminho da salvação; que seja de todos o esforço pela proposta solidária e fraterna, fundamentada na prática da justiça, firmada na paz duradoura.

A chegada de Jesus de Nazaré ao mundo nos afasta do desânimo e estabelece e robustece passos do nosso caminhar, por chão sólido e seguro. Manifesta-se, assim, a clara consciência de que o Messias esperado leva a história à sua consumação. Em Jesus o tempo histórico chegou ao ápice, razão da nossa mais elevada contemplação, acolhendo-o, mas na certeza de que nele se encontra o destino definitivo da humanidade; nele está a consolidação da eternidade dos povos, na participação da promessa salvífica : ‘Do novo céu e da nova terra, nos quais habitará a justiça’.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticias/?id=1597197

sexta-feira, 20 de março de 2020

Não temos missas, mas temos Deus

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Pe. Giuseppe Corbari celebra missa sozinho diante de fotos dos seus paroquianos em Robbiano, na Itália 
Pe. Giuseppe Corbari celebra missa sozinho diante de fotos dos seus paroquianos em Robbiano, na Itália

*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


Os sinos das igrejas soam ao meio dia. Posso ouvi-los da janela do meu quarto, diariamente, neste 12º dia de quarentena. Em uma cidade com mais de 900 igrejas, impossível não notá-los. Desta vez, essa sequência de batidas não nos chamam para a próxima missa que está para começar, mas nos recorda que Deus está ali. Mesmo que tantos questionem sua existência em meio a essa crise, é a Ele que esse som nos remete. Esses embalos se tornaram a única sinfonia que rompe o véu do silêncio que paira sobre a cidade eterna nesses dias. O céu azul, prelúdio da primavera, é como o sorriso confortante da natureza nesse período difícil. ‘Andrà tutto bene’ – Tudo vai ficar bem – se tornou a oração de um país.

Após o triste cortejo fúnebre com 60 caixões realizado pelo exército italiano, na cidade de Bérgamo, no norte da Itália, o país que canta na sacada dos prédios e expressa sua capacidade de superação em meio à essa situação devastadora, se prepara para iniciar o luto coletivo. Difícil saber quantas famílias ainda aguardam boas notícias vindas das unidades de terapia intensiva espalhadas pelo país e quantas já se prepararam para o pior. São milhares de campanhas de oração em meio a um país sem missas, mas nem por isso com menos fé. É aí que as circunstâncias fazem a religiosidade superar a religião; fazem a espiritualidade superar todas as práticas espirituais.

Padres que celebram missas com as fotos de fiéis, outros que as transmitem pela internet e aqueles que pedem pela alma dos companheiros sacerdotes que morreram com o Covid-19. Atitudes que levaram até o papa Francisco a tecer elogios. A ‘Igreja em saída’ que ele tanto evoca, demonstra a força que tem. E ele, salvaguardado em casa por causa de sua fragilidade física aos 83 anos, se une espiritualmente à dor de quem perdeu um ente querido da sua idade.

Na Itália, morreram 20 padres até agora, e a maioria trazia na bagagem mais de 50 anos dedicados à Igreja. Sem contar que, neste momento, há outras dezenas de padres infectados, dentre os quais alguns estão na UTI. Números que podem aumentar por causa da minimização do problema que se instalou em meados de fevereiro. Que a ignorância dos católicos ao redor do mundo não contribua para que essa triste história se repita em outros lugares.

Não foram poucos os protestos, inclusive no Brasil, contra as medidas tomadas pelos bispos italianos, que atendendo ao pedido do governo de evitar aglomerações, suspenderam a celebração de missas públicas em todo o território nacional. O alarde feito por muitos católicos brasileiros, alheios a uma realidade que só quem vive no segundo país mais atingido pela doença é capaz de avaliar, provém de uma ignorância coletiva em relação ao desastre causado por esse vírus. Uma espécie de ‘dissonância cognitiva’ que separa a fé do confronto com a realidade.

Quando tudo começou, estávamos no auge do inverno, enquanto os brasileiros tomavam banho de mar. Nem a possibilidade de missa campal, aqui, poderia ser cogitada. O vírus, esse inimigo silencioso mundial, poderia ocupar os bancos das igrejas sem que percebêssemos. Diante de emergências, medidas drásticas. E a Igreja cumpriu o seu papel civil e social. Uma decisão difícil, mas que condiz com aquilo que a instituição diz salvaguardar : a dignidade humana.

Enquanto isso, católicos corajosos e conscientes dos riscos – e sem missa! – prestam, diariamente, auxílio aos pobres atendidos pela Caritas que se ficaram desamparados após a pandemia. Dos 30 voluntários que serviam as refeições em uma das sedes do órgão na diocese de Roma, 27 decidiram ficar em casa por medo de contágio. Ou seja, 3 pessoas se desdobram para servir 400 pessoas todos os dias. Pergunto : dos que protestaram contra o fim das missas, quem está vivendo a dimensão da caridade nesse tempo de quaresma? A frase ‘a fé sem obras é morta’, eternizada por Tiago, também se aplica nesses casos.


Fonte :

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

A cadeira de rodas como púlpito

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Texto elaborado com base na entrevista feita pelo 
Padre Manuel Augusto Lopes Ferreira, 
missionário comboniano


‘«Encontro-me totalmente imobilizado, mas sinto uma plenitude de mente e de coração, sonho uma realização que antes não conhecia. Esta cadeira de rodas tornou-se para mim o melhor dos púlpitos», afirma o padre Manuel João, missionário comboniano afetado há dez anos pela esclerose lateral amiotrófica (ELA). 

O P.e Manuel João Correia nasceu em Penajóia, Lamego. Ordenado sacerdote a 15 de Agosto de 1978, vive os primeiros anos de sacerdócio missionário na comunidade comboniana de Coimbra, dedicando-se à animação missionária e vocacional dos jovens.

Em 1985, é destinado ao Togo, na África Ocidental. Em 1993, o P.e Manuel João é chamado a Roma como coordenador do sector da formação no Instituto Comboniano.

Regressa ao Togo em 2002 e é eleito superior provincial dos Missionários Combonianos do Togo, Gana e Benim.

No fim de 2010, chega a notícia inesperada, como relata aos seus amigos : «Deixarei o Togo e voltarei à Europa, sem saber o que me espera. A doença que me foi diagnosticada (ELA) segue o seu curso. Também eu me pergunto : porque é que isto me aconteceu? Mas respondo sempre a mim mesmo : e porque é que não havia de te acontecer? Por que é que acontece aos outros e a ti não devia acontecer? Revisitando lugares e pessoas, a mente corre para o passado, recordando a primeira vez, a minha chegada à missão, jovem missionário pleno de sonhos e entusiasmo. Então, tudo era novo para mim, e lancei-me, de corpo e alma, nesta aventura. As dificuldades do início, a adaptação ao clima, o esforço por aprender a língua e os costumes, o empenho e o desafio de uma nova cultura... não diminuíram o meu entusiasmo. Hoje, muitas coisas mudaram; mudou a África e a sua gente, o rosto da Igreja e dos missionários... e também eu mudei, como é natural!»

Sempre em missão

A doença afasta o P.e Manuel João de África, mas, para ele, este retorno forçado à Europa é uma nova oportunidade e um recomeço : «Regresso sereno, convicto de que o Senhor continuará fiel à promessa que me fez: estarei sempre contigo, para dar sentido à tua vida! Regresso, por isso, convicto de que o melhor ainda está por chegar! Como o vinho do milagre de Jesus nas bodas de Caná! Termino a minha missão louvando o Senhor e acolhendo o seu convite para retomar o caminho

O novo serviço missionário do P.e Manuel João é determinado pela natureza da ELA, doença do foro neurológico que, gradualmente, priva a pessoa dos movimentos musculares. Em Roma integra-se na equipa que coordena a formação permanente do Instituto Comboniano. Resiste ao decurso da doença movendo-se primeiro com as muletas e depois em cadeira de rodas, superando os prognósticos dos médicos. No início, explica, «a doença é como um muro que corta completamente todas as perspectivas de vida, os sonhos que se tinham, as realizações que se queriam fazer». No entanto, pouco a pouco, o P.e Manuel João deu-se conta que, «em qualquer circunstância, a vida oferece novas oportunidades, que, no final, se revelam muito mais fecundas».

Em 2016 deixa Roma para ser transferido para a comunidade de Castel D’Azzano, em Verona, onde, como afirma «possa ser melhor assistido, porque a minha inseparável companheira, a ELA, não me deixa». Parte, afirma, «para responder a um outro chamamento de Deus, para deixar as minhas seguranças e partir, mais uma vez, em missão. Trata-se da penúltima missão, porque a última será aquela que nos será confiada no Paraíso. Disponho-me a vivê-la com o empenho e a generosidade dos trabalhadores da última hora da parábola evangélica

O P.e Manuel João, agora com 68 anos, já ultrapassou a esperança média de vida desde que a enfermidade lhe foi diagnosticada. Encontra-se limitado fisicamente, mas o seu coração mantém-se livre e missionário. «Por vezes penso naquilo que poderia ter feito se não tivesse esta doença que me conduziu à imobilidade total... Mas penso que esta é a condição, este é o lugar onde vivo a minha vocação missionária e onde a minha vida é mais fecunda. Com esta doença encontro-me num espaço reduzido, mas aqui posso viver com fecundidade apostólica. Deus pode fazer, e faz, grandes coisas mesmo neste pequeno espaço em que vivo. Experimento que pequenas coisas, a que antes dava pouco valor, como a palavra, o sorriso, a serenidade, a capacidade de escuta e de empatia... surpreendem-me como instrumentos de graça que Deus usa para tornar fecunda a minha vida. Esta cadeira de rodas tornou-se para mim o melhor dos púlpitos.»-’


Fonte :

domingo, 27 de setembro de 2015

(Re) construir com pouco


 
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


'Construir com pouco é exigência em tempo de crises, pois é o que se tem e esse pouco pode ser multiplicado. Para isso é necessário utilizar bem os recursos - de itens menores aos mais relevantes para a vida familiar, comunitária e social. A conjuntura atual passa a exigir adequações e aí reside o desafio a ser enfrentado pelas pessoas e instituições. Há grande dificuldade para encontrar o caminho das intervenções que possam fazer o pouco se tornar muito, ou pelo menos o necessário para continuar avançando. Esse raciocínio é aplicável na administração da vida pessoal, nos funcionamentos governamentais, familiares e de organizações privadas.

 Fundamenta essa constatação a dificuldade encontrada por governos para gastar menos do que arrecada.  Imersos em uma luta insana, falta lucidez para encontrar os ajustes e os alinhamentos que, com a rapidez necessária, coloquem a máquina nos trilhos. Indivíduos e famílias também vivenciam esse problema e a busca por uma solução, a partir de ajustamentos, incide sobre o estilo de vida e a readequação de prioridades. Isso, não raramente, causa incômodo e dor.  Nesse horizonte, há uma pergunta que, respondida, pode revelar o desempenho de cada pessoa e instituição na tarefa de superar a crise. Quem mudou, de maneira significativa, seu estilo de vida? Os que perderam seu emprego, certamente. Os que ganham pouco, assalariados, sem dúvida. E as faixas que estão acima dessas duas situações – pessoas que mantiveram seus altos rendimentos?  Mudaram seus estilos de vida? Em que proporção?  Em tempo de crise, diante da necessidade de se investir no âmbito social, quem tem coragem para partilhar os seus ganhos? 

Nesse tempo de carências, indicam o rumo a ser seguido os que adotam um estilo de vida simples, mesmo ganhando muito em suas instituições e empreendimentos. Depositam a sobra de seus altos salários não na própria conta, para ajuntar cada vez mais, mas em um fundo que ampara quem precisa de suporte. São pessoas que se dedicam a projetos importantes para o conjunto da sociedade. Imaginemos a força revolucionária dessas atitudes cidadãs. Trata-se, certamente, de remédio para curar males como a corrupção, a mesquinhez de disputas no interior das famílias e em outras instituições, atrasando a composição de horizontes promissores. 

Muitos são os entraves que impedem mudanças significativas nos quadros das crises. Entre eles, a falta de habilidade e sabedoria para se construir com pouco. Os números da corrupção são astronômicos. Incontroláveis e descontrolados são os gastos das estruturas governamentais e de outras instituições. Uma sociedade incapaz de disciplinar o uso de recursos, com dinâmicas que incidam nos estilos de vida de cada pessoa até nas operações mais sistêmicas, tem mais dificuldade para sair das crises. Indivíduos e grupos fecham-se na mesquinhez da defesa de interesses próprios e na indiferença em relação ao que está fora de sua zona de conforto. Terrível é  cada um esperar a solução produzida por outro. Na contramão das lamentações e distribuição de responsabilidades, todos – cidadãos, instâncias governamentais, religiosas, empresariais – devem reconhecer a importância de sua própria atuação e ajudar na edificação de uma nova realidade. 

Construir com pouco é um jogo inteligente e solidário de articular realismo com ousadia, inventividade com simplicidade, disciplina e generosidade. É cuidar do que se tem e respeitar o que é do outro, participar de modo solidário de iniciativas que busquem o bem da coletividade. Nesse caminho, vale recordar o que diz o profeta Ageu, com força de advertência e indicação de caminho : 'Acaso para vós é tempo de morardes em casas revestidas de lambris, enquanto esta casa está em ruínas? Considerai, com todo o coração, a conjuntura que estais passando : tendes semeado muito e colhido pouco; tende-vos alimentado e não vos sentis satisfeitos; bebeis e não vos embriagais; estais vestidos e não vos aqueceis; quem trabalha por salário, guarda-o em sacola furada. Subi ao monte, trazei madeira e edificai a casa; ela me será aceitável, nela me glorificarei, diz o Senhor'. É preciso aprender a (re)construir com pouco.' 


Fonte :  


quinta-feira, 30 de abril de 2015

A Igreja e os genocídios armênio e grego-assírio

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Um fotograma do documentário, de 1919, Leilão de Almas, 
que retratou eventos testemunhados do genocídio armênio, 
incluindo meninas cristãs crucificadas.


O século XX foi o século dos genocídios, dos massacres em massa e do uso científico para impor a dor, a violência e a morte a milhões de seres humanos indefesos. Famoso, lamentável e internacionalmente reconhecido é o genocídio dos judeus e de outras minorias perpetrado pelos nazistas durante a primeira metade do século XX.

No entanto, no início do século XX houve dois genocídios pouco conhecidos e que foram uma espécie de ‘ensaio’, de ‘experiência’ do que, um pouco mais tarde, seria o grande massacre do século XX. Trata-se do genocídio armênio e do genocídio grego-assírio.

O genocídio armênio ocorreu entre 1915-1917 e tratou-se da matança e deportação forçada de aproximadamente 1, 5 milhões de pessoas de origem armênia que viviam no Império Otomano, atual Turquia, com a intenção de exterminar sua presença cultural, sua vida econômica e seu ambiente familiar. Existem registros históricos que demonstram que toda essa violência foi feita de forma planejada e utilizando os métodos científicos disponíveis na época.

Já o genocídio grego-assírio não possui tantos estudos históricos e científicos como o genocídio armênio. No entanto, foi um genocídio tão cruel como o armênio. No período entre 1915 a 1922 tropas regulares e milícias paramilitares do Império Otomano, atual Turquia, perseguiram e mataram entre 500 e 950 mil gregos, e entre 250 e 750 mil assírios perderam suas vidas. Calcula-se que aproximadamente 1,7 milhões de grego-assírios tenham morrido vítimas da perseguição.

No dia 12/04/2015, durante uma Missa para lembrar os 1,5 milhões de mortos durante o massacre, o Papa Francisco foi claro ao dizer que, de fato, houve um genocídio dos armênios entre 1915-1917. Foi a primeira fez que um Papa afirmou que houve um genocídio do povo armênio. Apesar de muitos países já terem reconhecido o genocídio armênio, as palavras do Papa foram reconfortantes para as vítimas e os descendentes do genocídio e, ao mesmo tempo, deu mais força para que, a nível internacional e nos órgãos de apoio aos direitos humanos (ONU, Anistia Internacional, etc), o genocídio armênio seja definitivamente reconhecido. O Papa Francisco foi Apóstolo, uma voz profética, ao ter a coragem, mesmo diante de muitas pressões internacionais vindas da Turquia e de outros países, de ter publicamente reconhecido a existência do genocídio armênio.

De forma oficial, por meio das palavras do Papa Francisco, a Igreja reconheceu oficialmente a existência do genocídio armênio.  Daqui por diante padres, leigos e ministros poderão livremente afirmar que, de fato, houve um brutal genocídio do povo armênio, entre 1915 e 1917, pelos turcos-otomanos.  Apontam-se 3 relevantes motivos para que as palavras do Papa Francisco sejam tão importantes.

Primeiro, como salienta o jornalista Breno Salvador, os genocídios dos armênios e dos grego-assírios, pelo turco-otomanos, representa ‘um caso marcante de ataque à cristandade, porque havia uma tentativa de dominação e imposição do Islã. O que se passa no Oriente Médio hoje gira em torno disso, da mesma forma como com os armênios, gregos e assírios. O Estado Islâmico promove um genocídio’. (Jornal O Globo,24/04/2015).

Segundo, a luta pelo reconhecimento internacional do genocídio grego-assírio é fortalecida. Trata-se de uma das grandes lutas do século XXI. O povo grego-assírio necessita ter a memória e a identidade dos seus compatriotas reconhecida. Foram 1,7 milhões de vítimas que necessitam de algum tipo de reconhecimento.

Terceiro, em um momento de incerteza, com o aumento da violência sectária, religiosa e étnica, com a ameaça de genocídios por parte de grupos extremistas, as palavras do Papa são um alerta que a luta em prol da dignidade da pessoa humana está penas começando e que não pode ser interrompida. A Igreja é convocada a ser sinal e luz em prol dos grupos humanos mais violentados e vulneráveis.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/a-igreja-e-os-genocidios-armenio-e-grego-assirio

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Igreja na Sociedade

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  *Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte
  
‘É tempo da Quaresma, quando os discípulos e discípulas de Jesus são chamados a escutar a Palavra de Deus com redobrada atenção amorosa para alcançar uma qualificação humana e espiritual. Esse percurso educativo é indispensável para a conquista de uma vida mais saudável, construída na justiça como projeto de paz. Trata-se de um aperfeiçoamento que ocorre na interioridade de cada pessoa. Promove a superação de desgastes, sofrimentos e disputas que abatem a condição humana. Perdida a unidade interior, inevitáveis são os comprometimentos na vida cidadã, no testemunho da fé e na conduta individual e comunitária. Crescem os desvarios que ocorrem na sociedade contemporânea, marcada pela iluminação instrumental da razão e pelas possibilidades dos grandes avanços tecnológicos.

De um lado, o espetacular das conquistas e da modernização. Do outro, o cenário injusto da miséria e exclusão de tantos pobres, a vergonha da corrupção, o horror da violência e a superficialidade que a sociedade do descartável alimenta nos corações. É preciso silenciar, escutar com maior acuidade, recuperar o sentido determinante do outro na própria vida, o lugar inigualável de Deus na existência de cada um e no coração da história. Fundamental também é a disposição para remodelar-se, não exteriormente, nas aparências, mas no fundo do coração. A interioridade é o núcleo central de comando ético e moral que sustenta condutas balizadas pela justiça, pelo amor e pela coragem da solidariedade.

Por isso mesmo, a Igreja celebra o tempo quaresmal convidando todas as pessoas a percorrerem esse caminho de quarenta dias para vivenciar, de modo adequado, a Páscoa de Jesus Cristo, o único projeto de verdadeiro resgate e salvação da humanidade. Um tempo para a checagem da qualidade humana e espiritual, na certeza de que é possível encontrar as indicações das mudanças necessárias, capazes de fazer da própria vida uma base fundamental que sustenta a construção de uma sociedade mais justa.

Como ocorre há mais de cinquenta anos, a Igreja no Brasil vivencia o tempo da Quaresma promovendo a Campanha da Fraternidade. O tema e o lema da Campanha em 2015 - Fraternidade : Igreja e SociedadeeEu vim para servir’ (cf. Mc 10,45) - constituem, neste ano, o horizonte inspirador e de confronto. A indicação da condição de servidor vem do próprio Jesus, o que Ele diz de si mesmo, na obediência amorosa a seu Pai. Trata-se, portanto, de característica inegociável e insubstituível de quem é discípulo de Cristo. Esse serviço é à vida, aos pobres, a cada pessoa, à cultura da paz. Busca a justiça e a superação das exclusões, que perpetuam a violência.

O despertar da consciência de estar a serviço, em nome do Mestre Jesus, em tudo o que se faz - no âmbito profissional, familiar, até naquele da vivência da fé e da disposição ao voluntariado para recuperar e promover a dignidade sagrada de toda pessoa - é o caminho revolucionário que a Igreja sabe que precisa trilhar. Nessa trajetória, a Igreja reconfigurará o seu verdadeiro rosto, superando suas incoerências, considerados os seus funcionamentos e a sua organização interna, particularmente a conduta de seus pastores, ministros e servidores. Essa é a coragem que a própria Igreja precisa revigorar, no mais íntimo de si, conforme indica o Papa Francisco ao dizer : ‘Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos’.

A Igreja Católica assume esse desafio em busca de conversão, de respostas novas e adequadas, de olhar para si no contexto da sociedade contemporânea para servir ainda mais, anunciando o Evangelho. Um compromisso com a vida de todos, sobretudo dos pobres e sofredores, que é iluminado pela convicção e pelo anúncio do Reino de Deus a caminho do qual estamos. Partilhamos a certeza de que há uma vida definitiva a desabrochar plenamente para além deste tempo, garantia incontestável da Páscoa do Senhor Jesus. Em espírito de escuta, de profunda humildade, a Igreja, congregação dos discípulos de Jesus, deixa-se interpelar pela indispensável revisão. Assim, busca avançar ainda mais na vivência e no testemunho da caridade, que transforma e efetiva a missão de servidora que tem a Igreja na sociedade.


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/igreja-na-sociedade