*Texto elaborado com base na entrevista feita pelo
Padre Manuel Augusto Lopes Ferreira,
missionário comboniano
‘«Encontro-me
totalmente imobilizado, mas sinto uma plenitude de mente e de coração, sonho
uma realização que antes não conhecia. Esta cadeira de rodas tornou-se para mim
o melhor dos púlpitos», afirma o padre Manuel João, missionário comboniano
afetado há dez anos pela esclerose lateral amiotrófica (ELA).
O
P.e Manuel João Correia nasceu em Penajóia, Lamego. Ordenado
sacerdote a 15 de Agosto de 1978, vive os primeiros anos de sacerdócio
missionário na comunidade comboniana de Coimbra, dedicando-se à animação
missionária e vocacional dos jovens.
Em
1985, é destinado ao Togo, na África Ocidental. Em 1993, o P.e Manuel
João é chamado a Roma como coordenador do sector da formação no Instituto
Comboniano.
Regressa
ao Togo em 2002 e é eleito superior provincial dos Missionários Combonianos do
Togo, Gana e Benim.
No
fim de 2010, chega a notícia inesperada, como relata aos seus amigos : «Deixarei
o Togo e voltarei à Europa, sem saber o que me espera. A doença que me foi
diagnosticada (ELA) segue o seu curso. Também eu me pergunto : porque é que
isto me aconteceu? Mas respondo sempre a mim mesmo : e porque é que não havia
de te acontecer? Por que é que acontece aos outros e a ti não devia acontecer?
Revisitando lugares e pessoas, a mente corre para o passado, recordando a
primeira vez, a minha chegada à missão, jovem missionário pleno de sonhos e
entusiasmo. Então, tudo era novo para mim, e lancei-me, de corpo e alma, nesta
aventura. As dificuldades do início, a adaptação ao clima, o esforço por
aprender a língua e os costumes, o empenho e o desafio de uma nova cultura...
não diminuíram o meu entusiasmo. Hoje, muitas coisas mudaram; mudou a África e
a sua gente, o rosto da Igreja e dos missionários... e também eu mudei, como é
natural!»
Sempre em missão
A
doença afasta o P.e Manuel João de África, mas, para ele, este
retorno forçado à Europa é uma nova oportunidade e um recomeço : «Regresso
sereno, convicto de que o Senhor continuará fiel à promessa que me fez: estarei
sempre contigo, para dar sentido à tua vida! Regresso, por isso, convicto de
que o melhor ainda está por chegar! Como o vinho do milagre de Jesus nas bodas
de Caná! Termino a minha missão louvando o Senhor e acolhendo o seu convite
para retomar o caminho.»
O
novo serviço missionário do P.e Manuel João é determinado pela
natureza da ELA, doença do foro neurológico que, gradualmente, priva a pessoa
dos movimentos musculares. Em Roma integra-se na equipa que coordena a formação
permanente do Instituto Comboniano. Resiste ao decurso da doença movendo-se
primeiro com as muletas e depois em cadeira de rodas, superando os prognósticos
dos médicos. No início, explica, «a doença é como um muro que corta
completamente todas as perspectivas de vida, os sonhos que se tinham, as
realizações que se queriam fazer». No entanto, pouco a pouco, o P.e Manuel
João deu-se conta que, «em qualquer circunstância, a vida oferece novas
oportunidades, que, no final, se revelam muito mais fecundas».
Em
2016 deixa Roma para ser transferido para a comunidade de Castel D’Azzano, em
Verona, onde, como afirma «possa ser melhor assistido, porque a minha
inseparável companheira, a ELA, não me deixa». Parte, afirma, «para
responder a um outro chamamento de Deus, para deixar as minhas seguranças e
partir, mais uma vez, em missão. Trata-se da penúltima missão, porque a última
será aquela que nos será confiada no Paraíso. Disponho-me a vivê-la com o
empenho e a generosidade dos trabalhadores da última hora da parábola
evangélica.»
O
P.e Manuel João, agora com 68 anos, já ultrapassou a esperança
média de vida desde que a enfermidade lhe foi diagnosticada. Encontra-se
limitado fisicamente, mas o seu coração mantém-se livre e missionário. «Por
vezes penso naquilo que poderia ter feito se não tivesse esta doença que me
conduziu à imobilidade total... Mas penso que esta é a condição, este é o lugar
onde vivo a minha vocação missionária e onde a minha vida é mais fecunda. Com
esta doença encontro-me num espaço reduzido, mas aqui posso viver com
fecundidade apostólica. Deus pode fazer, e faz, grandes coisas mesmo neste
pequeno espaço em que vivo. Experimento que pequenas coisas, a que antes dava
pouco valor, como a palavra, o sorriso, a serenidade, a capacidade de escuta e
de empatia... surpreendem-me como instrumentos de graça que Deus usa para
tornar fecunda a minha vida. Esta cadeira de rodas tornou-se para mim o melhor
dos púlpitos.»-’
Fonte
:
* Artigo na íntegra https://www.combonianos.pt/alem-mar/actualidade/6/238/a-cadeira-de-rodas-como-pulpito/
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