*Artigo
do Padre Robert McTeigue, SJ
‘De
todas as dores que Jesus sofreu em sua paixão, qual lhe doeu mais? Eu suspeito
que foi a dor no seu coração e na sua alma. Há limites para a dor física.
Pode-se desmaiar e assim distanciar-se um pouco da dor. Mas a dor psíquica (isto
é, dor de coração e alma) pode ser sem socorro e imensurável. Pode demorar, e a
raiva, permanecer por muito tempo após o doloroso acontecimento. A dor psíquica
pode infiltrar-se na profundidade da alma e encontrar lugares ocultos para
atormentar, alimentar-se e crescer. A dor do coração e da alma pode fazer
nascer o isolamento e o desespero.
Revendo
os relatos bíblicos da noite de Quinta-feira Santa até Sexta-feira Santa, vejo
que a dor psíquica que causou maior sofrimento em Jesus foi a solidão. Em
Mateus 26, vemos que seus amigos mais próximos, após prometerem que
permaneceriam fiéis até a morte, não ficaram acordados com ele no jardim das
Oliveiras, apesar de Jesus ter suplicado várias vezes. Judas o traiu com um
beijo, e os outros apóstolos fugiram quando as autoridades chegaram. Certamente
Jesus sofreu terrível solidão, permanentemente abandonado por seus amigos e
rodeado por aqueles que o odiavam.
Após
sua prisão, Jesus se apresentou sem advogado, nenhum aliado, nem mesmo um amigo
para assumir a sua causa perante o Sinédrio (a mais alta Corte de Justiça na
antiga Jerusalém). Mais uma vez, Jesus está sozinho, separado de qualquer um
que possa ter reivindicado a amá-lo. Certamente o coração de Jesus, o coração
do amor perfeito, sofreu terrível solidão naquele momento.
Em
Lucas 22, lemos que Jesus olhou para Pedro justamente na hora em que Pedro o
negou, mesmo Jesus sabendo que ele faria isso – assim como Jesus havia
previsto. Certamente não era nenhum consolo para Jesus, apenas que ele estava
certo sobre a negação de Pedro.
Em
João 19, lemos que Jesus lamenta na cruz, ‘tenho sede’. Não é difícil imaginar
que sua sede não seja somente de água, mas de amor, de compaixão e de almas.
Mais
pungente de tudo, talvez, encontra-se quando lemos em Marcos 15 Jesus clamando
na cruz, seu coração trespassado pela dor do abandono, uma dor tão grande que
ele se sente abandonado até mesmo por Deus. Certamente uma dor que não é
exclusivamente uma dor física, mas uma dor verdadeira e penetrante de coração e
alma.
Por
que eu menciono tudo isso? Eu poderia partir das palavras acima e fazer um
pedido urgente a caminhar com Jesus nesta Quaresma em sua solidão, sua sede de
amor e almas, como rezamos nas estações da cruz ou diante do Santíssimo
Sacramento. Tais práticas são sempre louváveis, especialmente durante a
Quaresma, mas eu falo da solidão de Jesus com um objetivo diferente.
Sabemos
que Jesus sofredor pode ser encontrado em nosso vizinho (Mt. 25, 40). Os santos
sempre nos pediram para executar as obras corporais e espirituais de
misericórdia para com o próximo por amor a Cristo sofredor. Tais obras são
sempre importantes – especialmente durante a Quaresma.
Minha
preocupação aqui é alertar para o fato doloroso que facilmente negligenciamos o
vizinho mais próximo no qual podemos encontrar Jesus, e que é nós mesmos. A
solidão que é inevitável neste mundo caído aflige Jesus em seu coração e alma
quando ele habita em nós.
Cada
um de nós sente a ferida da solidão de vez em quando; alguns sofrem de solidão
por uma temporada; e parece que algumas pobres almas são afligidas pela solidão
como uma ferida que se recusa a curar. O que uma agraciada e frutuosa Quaresma
seria se vivêssemos a liberdade e generosidade necessárias para encontrar e
amar Jesus compassivamente sofrendo dentro de nós, como nós passamos por nossa
própria paixão da solidão.
Por
que estamos sós? Porque nós somos incompletos – feitos para amizade, amor e
plenitude. Mesmo a nossa melhor forma humana seria solitária, pois há um buraco
na forma de Deus em nossos corações que não pode ser preenchido nesta vida.
Estamos
sós porque a nossa cultura está doente, ensina-nos a amar as coisas e usar as
pessoas, nos tornando ídolos de criaturas e objetos na esperança de seduzir
nossa solidão. Nossa cultura nos exorta a ser canibais sexuais, alimentando-se de
carne humana, enquanto nega-se à alma humana que tem sido feita divinamente
para o verdadeiro amor.
Estamos
sós porque podemos ter afastado o amor ou bloqueado fora de nós o amor. E nós
podemos ser solitários apenas por circunstâncias – vivendo em separação ou
alienação, não por nossa escolha.
E
dentro dessa vida solitária que todos nós enfrentamos, podemos encontrar o
Jesus compassivo, o Homem das Dores, esperando por nós. A Quaresma é um tempo privilegiado
para promover a liberdade e bondade necessárias para ir ao encontro de Jesus,
que se partiu para atender às nossas necessidades. Vamos olhar para Ele e ter
com Ele, começando com a dor da solidão dos nossos próprios corações. Vamos
agradecer-Lhe por enfrentar sem reservas ou lamentar as nossas necessidades,
dores e incompletudes. Através da nossa oração podemos lembrá-Lo que Ele não
está sozinho em nós; ao fazer isso, podemos enxergar que nós também não estamos
sozinhos. Tal graça surpreendente pode se tornar uma fonte de resistência e
esperança, para que fiquemos com Jesus em seu sofrimento, para que possamos
regozijar com Ele em sua vitória.’
Fonte
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