*Artigo
do Padre Fernando Domingues,
Missionário Comboniano
‘«Isso
é conversa!», exclamamos nós às vezes, para desqualificar alguma coisa que
alguém nos está a dizer.
Ora
aqueles dois discípulos que ainda não sabiam da ressurreição de Jesus e
caminhavam desiludidos e tristes em direção a Emaús nunca imaginaram que a
conversa que iam fazendo iria ter tanto valor. Hoje, cerca de dois mil anos
mais tarde, o que eles lá disseram e o que descobriram durante aquela conversa
continua a ser motivo de reflexão e de alegria para muitos milhões de pessoas,
todos os cristãos!
De
fato, foi durante aquela conversa que um certo forasteiro desconhecido se
aproximou deles e, entrando na conversa que faziam, começou a «aquecer-lhes
o coração». Não conseguiam ainda reconhecer que era Jesus ressuscitado quem
caminhava com eles, mas já sentiam o primeiro efeito da sua presença : o «coração
aquecido».
Vale
então a pena olhar mais de perto para essa conversa que se tornou ocasião para
Jesus se dar a conhecer, caminhando com aqueles dois que tinham sido seus
discípulos.
Caminhavam
juntos. Juntos por conveniência para se defenderem mutuamente se aparecessem
salteadores pelo caminho? Juntos por acaso? Talvez se tivessem encontrado a
sair de Jerusalém à mesma hora da manhã... Juntos talvez pela dor comum : a
morte do Mestre Jesus ainda doía muito, o melhor era partilhar a dor. Ou talvez
juntos porque no segredo do coração de cada um deles ainda havia uma brasita de
esperança que teimava em ficar acesa : quem sabe se Deus não podia ainda
arranjar maneira de transformar aquela triste morte de Jesus em alguma coisa de
positivo. Afinal ele tinha dito que «quem perde a sua vida pelo reino de
Deus há-de encontrá-la»!
Seja
como for, caminhavam juntos e puseram-se a falar. Contavam um ao outro como
tinham vivido aqueles últimos dias : o momento extraordinário da Última Ceia
com Jesus e o que lhes tinha dito, como lhes tinha lavado os pés, e depois a
cadeia incrível de coisas que aconteceram, desde o jardim das oliveiras até ao
calvário.
Partilhando
o que tinham vivido, foram-se escutando um ao outro, e no diálogo feito com o
coração aberto há sempre lugar para mais um. A conversa dos dois tornou-se
conversa a três. Jesus entrou na conversa. Não o reconheciam, mas já sentiam
algo de novo naquela conversa : «Não nos ardia cá dentro o coração, quando
ele falava conosco?»
Quantas
vezes experimentei o mesmo nas reuniões das pequenas comunidades cristãs no Quenia!
Muitas pequenas comunidades – entre 15 e 30 pessoas – não tinham um espaço
próprio onde se encontrar. Fazíamos a reunião na rua, à frente da casa de uma
das famílias, enquanto as pessoas iam passando com ar cansado, regressando a
casa depois de um dia de trabalho. Às vezes surpreendia em quem passava um
olhar curioso, quase invejoso : «Ao menos estes, ao fim do dia, têm com quem
falar, sabem escutar...» E naquela hora de partilha, nós líamos um texto do
Evangelho, partilha, diálogo, orações, organização da vida da comunidade. E o
mesmo «forasteiro do caminho de Emaús» fazia-nos sentir a sua presença.
Partíamos do encontro da comunidade com «o coração quente», certos de
que Ele tinha estado conosco e nós tínhamos escutado a sua voz. A reunião
terminava sempre com um «regressemos a casa em paz e que Ele nos acompanhe!».
Há
conversas que valem pouco ou nada, mas há maneiras de conversar que abrem o
coração à presença de Jesus que quer caminhar conosco.’
Fonte
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