*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG
'Construir com pouco é exigência
em tempo de crises, pois é o que se tem e esse pouco pode ser multiplicado.
Para isso é necessário utilizar bem os recursos - de itens menores aos mais
relevantes para a vida familiar, comunitária e social. A conjuntura atual passa
a exigir adequações e aí reside o desafio a ser enfrentado pelas pessoas e
instituições. Há grande dificuldade para encontrar o caminho das intervenções
que possam fazer o pouco se tornar muito, ou pelo menos o necessário para
continuar avançando. Esse raciocínio é aplicável na administração da vida
pessoal, nos funcionamentos governamentais, familiares e de organizações
privadas.
Fundamenta essa constatação a dificuldade encontrada
por governos para gastar menos do que arrecada. Imersos em uma luta
insana, falta lucidez para encontrar os ajustes e os alinhamentos que, com a rapidez
necessária, coloquem a máquina nos trilhos. Indivíduos e famílias também
vivenciam esse problema e a busca por uma solução, a partir de ajustamentos,
incide sobre o estilo de vida e a readequação de prioridades. Isso, não
raramente, causa incômodo e dor. Nesse horizonte, há uma pergunta que,
respondida, pode revelar o desempenho de cada pessoa e instituição na tarefa de
superar a crise. Quem mudou, de maneira significativa, seu estilo de vida? Os
que perderam seu emprego, certamente. Os que ganham pouco, assalariados, sem
dúvida. E as faixas que estão acima dessas duas situações – pessoas que
mantiveram seus altos rendimentos? Mudaram seus estilos de vida? Em que
proporção? Em tempo de crise, diante da necessidade de se investir no âmbito
social, quem tem coragem para partilhar os seus ganhos?
Nesse tempo de
carências, indicam o rumo a ser seguido os que adotam um estilo de vida
simples, mesmo ganhando muito em suas instituições e empreendimentos. Depositam
a sobra de seus altos salários não na própria conta, para ajuntar cada vez
mais, mas em um fundo que ampara quem precisa de suporte. São pessoas que se
dedicam a projetos importantes para o conjunto da sociedade. Imaginemos a força
revolucionária dessas atitudes cidadãs. Trata-se, certamente, de remédio para
curar males como a corrupção, a mesquinhez de disputas no interior das famílias
e em outras instituições, atrasando a composição de horizontes promissores.
Muitos são os
entraves que impedem mudanças significativas nos quadros das crises. Entre
eles, a falta de habilidade e sabedoria para se construir com pouco. Os números
da corrupção são astronômicos. Incontroláveis e descontrolados são os gastos
das estruturas governamentais e de outras instituições. Uma sociedade incapaz
de disciplinar o uso de recursos, com dinâmicas que incidam nos estilos de vida
de cada pessoa até nas operações mais sistêmicas, tem mais dificuldade para
sair das crises. Indivíduos e grupos fecham-se na mesquinhez da defesa de
interesses próprios e na indiferença em relação ao que está fora de sua zona de
conforto. Terrível é cada um esperar a solução produzida por outro. Na
contramão das lamentações e distribuição de responsabilidades, todos –
cidadãos, instâncias governamentais, religiosas, empresariais – devem reconhecer
a importância de sua própria atuação e ajudar na edificação de uma nova
realidade.
Construir com
pouco é um jogo inteligente e solidário de articular realismo com ousadia,
inventividade com simplicidade, disciplina e generosidade. É cuidar do que se
tem e respeitar o que é do outro, participar de modo solidário de iniciativas
que busquem o bem da coletividade. Nesse caminho, vale recordar o que diz o
profeta Ageu, com força de advertência e indicação de caminho : 'Acaso para vós é tempo de morardes em casas
revestidas de lambris, enquanto esta casa está em ruínas? Considerai, com todo
o coração, a conjuntura que estais passando : tendes semeado muito e colhido
pouco; tende-vos alimentado e não vos sentis satisfeitos; bebeis e não vos
embriagais; estais vestidos e não vos aqueceis; quem trabalha por salário,
guarda-o em sacola furada. Subi ao monte, trazei madeira e edificai a casa; ela
me será aceitável, nela me glorificarei, diz o Senhor'. É preciso aprender a (re)construir
com pouco.'
Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=5402
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