*Artigo de Dom Alberto Taveira Corrêa,
Arcebispo Metropolitano de Belém, PA
A
escola com a qual Jesus formou seus discípulos acontece ao longo do caminho,
aproveitando os encontros com as pessoas e as eventuais falhas e perguntas de
seus escolhidos (Mc 9, 30-37). O ambiente é da Galileia, vizinhança do
paganismo, lugar provocante e desafiador para todos. Os discípulos tinham sido
chamados, em sua maior parte, dentre a população das pequenas aldeias da
região, vários deles pescadores curtidos pelo vento, o sol e o trabalho,
portadores de muitas esperanças, cultivadas por séculos por todo o povo de
Deus. Eram alunos de uma escola, destinados a amadurecerem como discípulos e
apóstolos.
O
Mestre não quer propaganda, mas convivência respeitosa dos processos vividos
pelo seu grupo de aprendizes de apostolado. Era tempo de cuidado especial com
aqueles que escolhera. A eles, mais uma vez anuncia Jesus a dura realidade da
paixão, morte e ressurreição. Era grande a dificuldade que para entender esta
etapa da formação, pois o projeto que traziam na mente era diferente, pela
situação de opressão e sofrimento vivida por todo o povo da época. Era, como
dizemos hoje, um grande ‘sufoco’ que
aguardava uma saída, e eles eram homens do povo, embebidos da mentalidade
corrente, que os levava a aguardar um libertador poderoso.
Sinal
de que as pretensões incluíam um projeto de poder foi a discussão a respeito de
quem era maior. Sabemos que os detalhes incluem um pedido de Tiago e João,
acompanhados de uma mãe solícita, mas trazem consigo também o ciúme e a inveja
do resto do grupo. Jesus lhes revela os critérios de seu Reino, com palavras
diretas : ‘Se alguém quiser ser o
primeiro, seja o último de todos, aquele que serve a todos’ (Mc 9, 35). Era
a inversão de tudo o que humanamente desejavam. De lá para cá, os discípulos de
Jesus encontrarão sempre a oportunidade para mudar a mentalidade, o que se
chama conversão!
‘Em seguida, pegou uma criança, colocou-a no
meio deles e, abraçando-a, disse : ‘Quem acolhe em meu nome uma destas
crianças, a mim acolhe. E quem me acolhe, acolhe, não a mim, mas Àquele que me
enviou’’ (Mc 9, 36-37). O Senhor aponta um novo e revolucionário critério,
que inclui crianças, pobres, cegos, coxos e aleijados, surdos e mudos,
pecadores, marginalizados em geral, como encontramos em outras etapas da
formação dos discípulos.
Não é
difícil encontrar as muitas lições a serem colhidas para a escola da vida a ser
percorrida em nossos dias. Quando não se vive a Palavra de Deus, quando os
critérios são pautados pelo egoísmo, ou a sociedade constrói casas e estradas
baseadas na exploração dos mais pobres, com a vergonhosa situação de
desigualdade existente em nosso tempo, o resultado não poderia ser outro além
do que estamos assistindo. Se muitos dizem que o dinheiro sumiu, é hora de
perguntar sobre o seu destino! Se todos mergulharam no engano do consumo
proposto nos anos recentes, agora alguém (nós!) deve pagar a conta.
Infelizmente não se veem sinais de humildade e reconhecimento das falhas da
parte dos responsáveis pela situação de nosso país.
A
Liturgia da Igreja nos oferece, neste final de semana, palavras muito fortes,
vindas da boca e da experiência de um dos apóstolos do Senhor, São Tiago (3,
16-4,3) que parecem escritas para nossos dias : ‘Onde há inveja e rivalidade, aí estão as desordens e toda espécie de
obras más. A sabedoria, porém, que vem do alto é, antes de tudo, pura, depois
pacífica, modesta, conciliadora, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem
parcialidade e sem fingimento. O fruto da justiça é semeado na paz, para
aqueles que promovem a paz. De onde vêm as guerras? De onde vêm as brigas entre
vós? Não vêm, precisamente, das paixões que estão em conflito dentro de vós?
Cobiçais, mas não conseguis ter. Matais, fomentais inveja, mas não conseguis
êxito. Brigais e fazeis guerra, mas não conseguis possuir. E a razão por que
não possuís está em que não pedis. Pedis, sim, mas não recebeis, porque pedis
mal. Pois o que pedis, só quereis esbanjá-lo nos vossos prazeres’.
As
crises de toda ordem pelas quais passa nosso mundo foram plantadas pela
liberdade humana, com as escolhas feitas no correr do tempo. Quando se planta
egoísmo, os frutos não podem ser diferentes dos que estamos colhendo. Quando a
sociedade se divide e apenas busca os culpados pelos problemas sempre do outro
lado da rua, e não dentro da própria casa, as consequências vão sempre
aparecer. Se nos assustam as cenas de centenas de milhares de refugiados que se
movimentam hoje pela Europa, com países que precisam urgentemente acolher os
mais sofredores, sabemos que os meios de comunicação mostram a cada momento um
bem estar que atrai gente de toda parte. Não dá para expor ao mundo inteiro e
continuar dizendo que só uns poucos continuam privilegiados. Vai continuar a
invasão de povos chegados de outras regiões do mundo, trazendo seus hábitos,
sua cultura, suas práticas religiosas! Os resultados vão aparecer nos próximos
anos.
Pode
soar ingênuo, da parte de nós cristãos, pensar ou dizer que a acirrada
competição, em todos os níveis, tem gerado o quadro social de desigualdade
terrível em nosso país, mas basta olhar ao redor, para identificar que as
lições do caminho, oferecidas por Jesus, foram desprezadas ou esquecidas, em
nome de um progresso, cujo nome é consumo, correria, prazer desenfreado, vícios
de todos os tipos, liberação das drogas, corrupção deslavada, governantes
irresponsáveis, que não assumem os erros cometidos. Pelo visto, a escola foi
outra! E não haverá mudanças, senão naquele que é caminho, verdade e
vida!
Fonte : * artigo na
íntegra de http://www.cnbb.org.br/artigos-dos-bispos/426-dom-alberto-taveira-correa/17312-licoes-do-caminho.html
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