quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Quatro jovens em busca de conversão

  
 * Artigo de A. Torres Neiva

          Quatro jovens viviam às margens de um rio perdido entre as rochas de uma montanha. Tinham-se reunido levados por um mesmo sonho que identificava os quatro : a busca da santidade. Resolveram formar uma comunidade de vida, escolhendo para superior um ancião renomado, homem santo e cheio de sabedoria nos caminhos de Deus. A fama daquela comunidade de jovens chegou à cidade e logo outros se reuniram ao pequeno grupo. Ao fim de alguns anos foi preciso construir um convento. Todos falavam da santidade dos irmãos e havia até quem contasse milagres por obra e graça daqueles santos.

Porém os quatro jovens fundadores não estavam contentes. Não é que as coisas estivessem mal, escândalos não havia, mas não corriam como eles gostariam.

Certo dia, durante uma reunião da comunidade, que acontecia toda semana, Cassiano disse o que todos já adivinhavam : abandonaria a comunidade porque ali não se vivia com austeridade e pobreza. Bruno igualmente pediu a palavra para acusar a comunidade de falta de generosidade e de dedicação aos outros. Para isso não valia a pena estar ali. E também ele partiria. Logo em seguida, Geraldo queixou-se do pouco tempo que a comunidade dedicava à oração. Eram orações decoradas, rotineiras, que a ele pouco falavam. Abandonaria da mesma forma a comunidade.

Por fim, Hilário, responsável pelas plantações, manifestou também o seu descontentamento pela pouca vontade de trabalhar que percebia nos seus irmãos. Uma comunidade de gente burguesa era um contra-testemunho. Por isso ele iria tratar da sua vida.

E, assim, aqueles quatro, desejosos de uma comunidade mais perfeita, saíram para o mundo à procura de uma maior radicalidade de vida.

O superior, homem experimentado na vida e cheio de sabedoria nos caminhos de Deus, deixou-os partir. Deu-lhes a bênção e disse-lhes que as portas do convento estariam sempre abertas. Era uma tradição antiga já dos tempos de São Bento. Passaram-se muitos anos. Um belo dia, quatro anciãos de cabelos brancos, bordão na mão e saco ao ombro, bateram à porta do convento.

Cassiano pedia para ser readmitido, pois queria ser pobre e austero; Bruno desejava ser mais generoso; Geraldo vinha à procura de paz e serenidade para rezar e Hilário queria aproveitar as forças que ainda lhe restavam para trabalhar e dar o melhor de si mesmo.

Os quatro compreenderam afinal o seu pecado : desejaram converter a comunidade antes de converterem a si próprios. Agora perceberam que eram eles que deviam se converter.


Fonte :  
* Artigo adaptado de Vida Consagrada, 275 – Janeiro 2005, do Padre Adélio Torres Neiva, C. S. Sp. (missionário espiritano (+2010)). 

Revista Beneditina nrº 15, Março/Abril de 2006, editado pelas monjas beneditinas do Mosteiro da Santa Cruz – Juiz de Fora/Minas Gerais. 
 publicacoesmonasticas@yahoo.com.br
  

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Emirados Árabes Unidos : Uma Igreja migrante

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

* Artigo de Francesco Strazzari, Jornalista

‘A 31 de Maio de 2011, com um decreto da Congregação para a Evangelização dos Povos, assinado pelo prefeito, cardeal Ivan Dias, foram erigidos o Vicariato Apostólico da Arábia do Norte, que se estende por uma superfície de 2 179 856 quilómetros quadrados; tem uma população de cerca de 35 milhões de habitantes e compreende o Bahrein, o Kuwait, o Qatar e a Arábia Saudita, sob a orientação pastoral de D. Camillo Ballin, um comboniano italiano. E o Vicariato Apostólico de Arábia do Sul, que compreende os Emirados Árabes Unidos, o Omã e o Iémen, estende-se por uma superfície de 929 969 quilómetros quadrados e tem uma população de 36 877 959 habitantes, dos quais 882 500 católicos, 15 paróquias e 53 sacerdotes, sob a orientação de D. Paul Hinder, um capuchinho suíço de 71 anos.


Situação desconhecida

«Muitos europeus que não conhecem a situação certamente pensam que na Arábia não haja cristãos e que portanto mesmo para um bispo não haverá lá nada que fazer», relata o bispo Paul Hinder. «Eu mesmo, até 1994, quando fui eleito para o governo central da Ordem dos Capuchinhos, tinha quase a mesma opinião. Mas quando, em Dezembro de 1997, visitei pela primeira vez os nossos confrades do golfo Pérsico, tive de corrigir radicalmente a minha maneira de pensar. Encontrei aí uma variada fileira de capuchinhos e de outros sacerdotes oriundos de países diferentes, que no seio de uma sociedade islâmica assistiam pastoralmente comunidades cristãs bastante vivas de católicos provenientes de mais de uma centena de nacionalidades.»

Continua o bispo: «Como quer que seja, não se podia deixar de notar também durante o sínodo dos bispos do Médio Oriente, em Outubro de 2010, em Roma, que destes países se sabe muito pouco. Quando se fala de cristãos do Médio Oriente, a maior parte pensa nas Igrejas orientais antigas, que, não obstante as muitas dificuldades, sobreviveram até hoje ao longo de uma história rica de lutas e muitas vezes também de sofrimentos. Só uma parte delas vive em comunhão com a Sé Apostólica, por exemplo, os maronitas ou aquelas minorias que no curso da História se expressaram pela união com a Igreja de Roma, desligando-se das suas Igrejas mães.»


Novos desenvolvimentos

«Nos últimos anos, verificou-se uma notável imigração de cristãos nos países do Médio Oriente em ascensão económica, especialmente nos do golfo Pérsico. Estes países, a partir dos anos 60 do século passado, atraem cada vez mais investidores e mão-de-obra de todas as regiões do mundo, em particular da Ásia. Actualmente nestes países há pelo menos três milhões de cristãos católicos.»

«A migração conduz a uma situação paradoxal: enquanto muitas Igrejas orientais nas suas zonas de origem, desde o Egipto ao Iraque, têm cada vez menos fiéis – embora tenham muitas vezes estruturas dispendiosas e múltiplas instituições – nos países do golfo Pérsico tem-se vindo a formar uma Igreja de migrantes, jovem, vital, vibrante, mas estruturalmente frágil. O número global destes fiéis parece rondar os 50 por cento de todos os católicos que residem no Médio Oriente. Deles fazem parte fiéis de mais de uma centena de nações, de inúmeras zonas linguísticas e de ritos diferentes. Os fiéis de rito latino rondam os 80 por cento, enquanto cerca de 20 por cento pertence às diversas Igrejas católicas orientais.»

«A Igreja é e permanece por ora uma Igreja de migrantes e para migrantes», conclui o bispo. «Para os fiéis, que vêm de todas as partes do mundo, mas sobretudo das Filipinas e da Índia, a pertença à Igreja Católica é muitas vezes o único ponto firme de referência. Pode estar aqui uma explicação para a surpreendente actividade e vitalidade das nossas comunidades. Essa gente é muitas vezes religiosamente mais activa do que nos seus países de origem.»


Igreja de estrangeiros

Os católicos na Península Arábica são pois «expatriados», isto é, operários, funcionários e empresários estrangeiros, activos na construção civil, na indústria do petróleo e do gás, nos serviços de saúde e noutros serviços, como nos trabalhos domésticos, no turismo, nos bancos e na administração. Provêm de todos os continentes. É notável a presença de católicos que falam árabe, originários dos países do Médio Oriente, especialmente do Líbano, Síria, Jordânia, Palestina, Egipto, Iraque.

«A flutuação da população estrangeira residente, que depende do desenvolvimento económico – observa o bispo Hinder – faz que tenhamos fiéis de todas as tradições eclesiais. Apesar de os católicos pertencentes ao rito latino serem cerca de 80 por cento, há todavia um número consistente que provém das Igrejas orientais sui iuris [igrejas orientais que estão em comunhão com Roma] (maronitas, melquitas, coptas dos países de língua árabe; arménios e – sobretudo – siro-malankares e siro-malabares originários do Kerala, na Índia)».

«Compreende-se porque é que as Igrejas, que experimentam uma diminuição de fiéis nas regiões de origem ou que dependem da ajuda externa, mostram um crescente interesse pelos seus membros que estão emigrados de modo permanente ou de modo temporário. Todavia, no caso dos países islâmicos do Golfo, a falta da completa liberdade de religião e de culto torna muitas vezes difícil ou até mesmo impossível a criação de estruturas próprias para todas as tradições eclesiais. Por isso em 2003, depois de intensas e acesas discussões, a Santa Sé decidiu que, para salvaguardar a unidade eclesial no interior e no exterior, todos os fiéis de qualquer rito para a jurisdição dependam exclusivamente do vicariato apostólico. Esta decisão de princípio, que encontra não poucas resistências, foi mais do que uma vez reconfirmada pela Santa Sé. Por conseguinte, os dois vigários têm a obrigação de garantir aos fiéis das diversas Igrejas católicas orientais a necessária assistência pastoral juntamente com o cuidado da sua liturgia e das suas tradições, tanto quanto seja possível e consentido no âmbito dos limites dos diversos países.»


Nova identidade

D. Hinder faz questão de sublinhar que «muitas vezes não se considera que os fiéis da Igreja dos migrantes dos Estados do Golfo fazem uma nova experiência de fé e de igreja. Pessoas, que na sua pátria eram sujeitas a um rígido código de pertença a um clã familiar e a um determinado rito, de repente encontram-se numa comunidade cristã, na qual se vêem muitas cores de pele, muitas línguas, culturas e tradições eclesiais. É inevitável uma certa mistura e nivelamento das culturas religiosas. Mas nesta transformação da identidade religiosa não devem ser considerados apenas os perigos e a perda do seu rito. Em tudo isto há também a possibilidade de ultrapassar os limites étnicos, raciais e linguísticos e de crescer dentro de uma nova identidade verdadeiramente católica, isto é, universal. Por isso podemos mesmo considerar uma Igreja de migrantes, qual é a do Golfo, como uma espécie de laboratório de como a Igreja pode crescer e prosperar num ambiente onde há apenas poucas estruturas sólidas e onde existe apenas uma frágil segurança social e política. É uma situação que lembra muito de perto as Igrejas dos Actos dos Apóstolos e das Cartas do Novo Testamento, que certamente, pelo menos no início, eram em grande parte comunidades de migrantes e que tiveram de desligar-se das suas origens para se afirmar como fermento na sociedade. Só assim a Igreja pôde crescer e difundir-se. A imagem da semente, que cai na terra e tem de morrer para depois germinar e dar fruto, certamente é válida também a este respeito.»’

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Abaixo, depoimento de Dom Paul Hinder :


 Forte desempenho dos leigos

‘Nos países da região do Golfo notei logo desde o início o forte empenho dos leigos, homens e mulheres. Actualmente nos sete países da Península Arábica, quase três milhões de católicos, contamos com cerca de 90 sacerdotes. O seu número, relativamente reduzido se comparado com o número dos fiéis, tem como consequência que os sacerdotes sejam completamente absorvidos pelo ministério sacramental e pelo anúncio. Por isso, têm particular significado os carismáticos e os outros grupos de oração, as associações de leigos e assim por diante.

A catequese, que envolve cerca de 30 mil crianças nos dias previstos (quinta/sexta ou sexta/sábado) está na mão de catequistas, homens e mulheres, especialmente preparados, que desenvolvem o seu serviço gratuitamente. O mesmo se diga no tocante aos encontros de oração nos chamados labour-camps, complexos residenciais dos trabalhadores estrangeiros, e no tocante às visitas aos hospitais e às prisões, sempre que possível, para a assistência espiritual aos marinheiros e assim sucessivamente.

A celebração de uma liturgia, que seja envolvente e viva, só é possível graças à ajuda de fiéis empenhados. Voluntários põem-se à disposição para a distribuição da comunhão, para as leituras, para o serviço de ordem na igreja, para os coros. Sem a sua ajuda, a vida da paróquia não funcionaria. Dado que aos fins-de-semana, segundo a amplitude das paróquias, se chegam a celebrar vinte missas ou mais, compreende-se bem como é considerável e precioso o trabalho desenvolvido pelos fiéis, que se disponibilizam. Quem alguma vez passou uma semana no Dubai ou em Abu Dhabi ter-se-á apercebido como a celebração da eucaristia requer uma notável organização. Só para termos uma ideia: no Dubai são distribuídas semanalmente mais de 50 mil hóstias, em Abu Dhabi cerca de 25 mil.’


Fonte :

*Artigo na íntegra de  http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EFllZuZVVyBuBSRkqj


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Missionários

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

* Artigo de Manuel Augusto,
Missionário Comboniano

‘Missionários - foram-no no passado e são-no hoje - os discípulos de Jesus que aceitam o desafio de anunciar o Seu Evangelho entre os povos, de testemunhar a Sua pessoa para além das fronteiras da comunidade dos que n'Ele acreditam. No passado, como hoje, os missionários foram homens de fronteira, sempre em tensão para ir mais longe, sempre prontos a viverem os riscos de levar o Evangelho até aos confins da Terra, de evangelizar toda a cultura, de fazer Igreja no meio de todos os povos.

No passado, habituámo-nos a olhar para os missionários, a fixar a sua imagem-identidade desde fora: o heroísmo e exotismo da sua vida, as barbas ou o hábito, os negros ou os índios, as suas iniciativas humanitárias. Olhando-os desde fora, confundimo-los também com outros emissários, pioneiros da política ou do comércio, agentes de expansionismo cultural. Hoje temos que olhar para os missionários mais desde dentro, procurando apanhar o segredo das suas vidas, descortinar mais claramente os horizontes que os norteiam, as atitudes que os definem.

Ser missionário não é uma profissão, muito menos um ganha-pão. Também não é uma aventura para inconformados com a presente situação eclesial. É, sempre e só, uma vocação que nasce de uma experiência pessoal de Jesus Cristo, de um encontro com Ele. "Separai-me Paulo e Barnabé para a missão que lhes tenho reservada", é a palavra com que o Senhor continua a chamar aqueles que deseja enviar a testemunhar a Sua pessoa.

Por vocação, o missionário é uma pessoa de fronteira, capaz de viver as tensões da periferia, de se aguentar nessa zona de conflito onde o Evangelho se encontra com as culturas, com as pessoas. É homem da palavra, que proclama com respeito a pessoa em que acredita. É mulher do testemunho que vive a verdade que proclama. É pessoa de diálogo, capaz de fazer causa comum com os homens e as mulheres de outras culturas. É andarilho, pessoa de pouca bagagem, sempre pronta a partir, indisposta às honras e incapaz de criar nichos para ser venerada.

Descobrir os missionários por dentro é o desafio que nos fica, numa época em que, à força de considerar os missionários por fora, os apreciamos pelo seu heroísmo mas não nos comprometemos com eles por dentro, nas atitudes e nos empenhos que determinam as suas vidas. Damos-lhes apreço, consideração, dinheiro até; mas não nos damos a nós próprios, nem lhes damos os nossos filhos e filhas para seguirem os seus passos.’


Fonte :
*Artigo na íntegra http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EEuupVypAAuSfqtUVR


sábado, 22 de fevereiro de 2014

Mulheres Doutoras da Igreja

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Santa Teresa de Lisieux
* Artigo de Dom Guy Gaucher

** Santa Hildegarda de Bingen,
posteriormente a este artigo, tornou-se a quarta Doutora


E mulheres doutoras não são do meu gosto. Admito que uma mulher seja perspicaz, mas não lhe desejo absolutamente a paixão chocante de se tornar sábia a fim de ser sábia’. (MOLIÉRE, As Mulheres sábias, I, III)


Santa Catarina de Sena
Quando o Papa Paulo VI, em 1970, declarou duas mulheres Doutoras da Igreja, a espanhola Santa Teresa de Ávila (1515-1582) e a italiana Santa Catarina de Sena, foi um verdadeiro estrondo. Esperamos quase 2000 anos para que mulheres fossem reconhecidas como Doutoras da Igreja universal. Até àquela data, só trinta homens tinham sido declarados Doutores da Igreja.

Subitamente os critérios de uma declaração de doutorado foram abalados, pois Teresa de Ávila sublinhou várias vezes sua ignorância em teologia – ela se dizia, ‘uma fraca mulher’(!). Quanto a Catarina de Sena, era quase analfabeta. Ao mesmo tempo, esse verdadeiro estrondo não foi mais ouvido (1).

No entanto, em Notre-Dame de Paris, no centenário do nascimento de Santa Teresa de Lisieux, em 1973, um eminente teólogo havia dito :

É significativo que, desde a Idade Média até a época moderna, todo um cortejo de santas mulheres tenha silenciosamente protestado contra essa teologia masculina, e fortes, com a audácia de seu coração e por um acesso direto ao mistério da salvação, elas tenham experimentado uma esperança sem limites. Para nos restringirmos aos maiores nomes, mencionemos apenas, Hildegardes, Gertudes, Mectildes de Hackborn, Mectildes de Magdeburg, Juliana de Norwich, Catarina de Gênova, Maria da Encarnação e mesmo Madame Guyon. Mas a teologia das mulheres jamais foi levada a sério nem integrada pela sociedade. Entretanto, depois da mensagem de Lisieux, seria preciso considerá-la na reconstrução atual da dogmática (2).

Relativamente à jovem carmelita de Lisieux, que deixou a escola aos treze anos e meio, seu Doutorado tinha sido pedido, desde 1932, pelo Padre Desbuquois, jesuíta da ação popular, durante o Congresso, quando da inauguração da cripta da basílica de Lisieux. Mas o Papa Pio XI, teresiano sem qualquer dúvida (tinha beatificado Teresa em 1923, canonizado em 1925 e declarado Padroeira Universal das Missões em 1927), recusou firmemente : ‘Sexus obstat’.

Não lhe parecia possível, em 1932, dar um passo tão ousado. Entretanto, acrescentou : ‘Meus sucessores verão’. Foi preciso esperar trinta e oito anos para que Paulo VI desse esse passo.

Quando, em 1987, Dom Pierre Pican, bispo de Bayeux e Lisieux, me confiou a missão de retomar a questão do Doutorado de Santa Teresa de Lisieux, tive de demonstrar que uma mulher podia ser Doutora da Igreja, como já o havia feito, – em vão – o Padre Desbuquois. O obstáculo fora levantado por Paulo VI.

Era preciso mostrar que esta jovem santa propunha uma ‘doutrina eminente’ (‘eminens doctrina’), útil à Igreja universal. Eu podia me apoiar nos trabalhos teológicos dos Padres Petitot OP, Philipon OP, Combes, Bro OP, Congar OP, Daniélou SJ, Bouyer, Durwell, Molinié OP, Le Guillou, Urs von Balthasar, Rideau SJ, Léthel OCD, etc.

Em seguida, em 1996, cinquenta Conferências Episcopais fizeram a João Paulo II o pedido do Doutorado para a santa de Lisieux.

É claro que a aprovação de João Paulo II foi decisiva. Geralmente, com raríssimas exceções (Santo Afonso Maria de Ligório), era preciso esperar quatro séculos após a morte para que um santo fosse proclamado Doutor. Para Teresa de Lisieux, cem anos bastaram (1897-1997). Como sublinhou o Papa em sua Carta Apostólica de 19 de outubro de 1997, Divini Amoris Scientia, Teresa é ‘uma mulher, uma jovem, uma contemplativa’, a mais jovem Doutora da Igreja.

Ele insistiu na ‘mulher’, em conformidade com seus escritos nos quais sempre sublinhou ‘o gênero feminino’ (3).

Em primeiro lugar Teresa é uma mulher que, ao abordar o Evangelho, soube discernir as riquezas escondidas com um sentido do que é real, uma profundidade de assimilação na vida e uma sabedoria que são próprias do gênio feminino. Sua universalidade lhe confere um grande lugar entre as santas mulheres que brilham por sua sabedoria evangélica.

 Notemos que, durante seu pontificado de vinte e sete anos, João Paulo II – que beatificou e canonizou mil oitocentas e vinte pessoas – proclamou somente um Doutor, sublinhando que a mulher pode ter um lugar eminente na Igreja universal como doutrinante.

Até 1970, considerava-se que o Doutorado implicava um ensinamento fundado certamente sobre a santidade (condição primeira), mas principalmente na elaboração de conceitos formais, daí os Tratados, as Sumas.

Isso evidentemente afastava toda contribuição feminina, pois durante séculos, com raras exceções e até ao século XX, as mulheres foram excluídas do ensino e com mais forte razão, das Universidades. Quando se trata porém de falar sobre Deus, de dizer uma palavra sobre Deus (theo-logos), dever-se-ia excluir aquelas que tiveram uma experiência de Deus e que o exprimiram, conforme seus meios não conceituais, mas com uma linguagem imaginativa, simbólica, narrativa, tão ‘teológica’ quanto a linguagem dos homens formados nas universidades?

Santa Teresa de Ávila
Sobre o conhecimento de Deus, não era Santa Teresa de Ávila mais douta que as dezenas de teólogos que consultou e que deveriam decidir se ela era inspirada por Deus ou pelo diabo? Ela esteve `a beira de ser atingida pelos raios da Inquisição.

Além disso, as mulheres deviam enfrentar a desconfiança dos teólogos que suspeitavam das ‘místicas’ que se metiam a falar sobre Deus.

Catarina de Sena foi felizmente protegida por Raimundo de Cápua, OP. Mas Joana d’Arc não teve defensor algum diante do tribunal.

Ainda hoje esses Doutorados femininos não foram reconhecidos como palavras decisivas em teologia. Mas se nós fomos criados ‘à imagem e semelhança de Deus’, homens e mulheres, uma palavra exclusivamente masculina sobre Deus não pode exprimir todo o seu Mistério. Uma palavra feminina é necessária. Já se demonstrou que essas mulheres santas foram mais longe do que os homens na reflexão sobre o mistério da misericórdia divina, por exemplo (4).

Uma mulher sintetizou bem o papel de suas co-irmãs na teologia :

O reconhecimento dessas mulheres, por diferentes que sejam, prova que em momentos diferentes da História e em lugares diferentes, a Igreja institucional sabia aceitar o risco de uma reviravolta hermenêutica. Tanto no século XIX bem como no século XVI isso não é possível, senão pela conjunção da espiritualidade e da lúcida sabedoria : por um lado, mulheres desprovidas de ciência filosófica e teológica, mas humildes e obedientes, e por outro, homens lúcidos e dotados de discernimento que, ao controlar os dogmas e o saber na Igreja, conhecem a necessidade do risco e da abertura múltipla do sentido.

A teologia tradicional, sistema por demais irrefutável, pode se degradar em ideologia : as mulheres, por não terem acesso ao saber teológico, são capazes de acrescentar a razão teológica à sua idade hermenêutica : não apenas conhecimento, mas interpretação viva (5).

Certamente, hoje em dia as mulheres são professoras de teologia, decanas de faculdades teológicas.

Edith Stein era doutora em filosofia antes de ser carmelita e mártir. Mas estamos ainda muito longe da igualdade em teologia. Ninguém duvida que o longo combate pela igualdade entre homens e mulheres em nossa sociedade e em nossa Igreja vai continuar ainda por muito tempo. Santa Teresa de Lisieux sofreu essa injustiça.

Depois de sua grande peregrinação a Roma, sendo Papa Leão XIII, ela escreveu :

Não posso ainda compreender porque as mulheres são tão facilmente excomungadas na Itália; a cada instante nos diziam : ‘Não entrem aqui... Não entrem lá, vocês seriam excomungadas!...’ Ah! As pobres mulheres, como são desprezadas!... No entanto elas amam o Bom Deus em número bem maior do que o dos homens, e durante a Paixão de Nosso Senhor, as mulheres tiveram mais coragem do que os apóstolos, uma vez que desafiaram os insultos dos soldados e ousaram enxugar a Face adorável de Jesus... É sem dúvida por isso que Ele permite que o desprezo seja a sua parte na terra, uma vez que Ele o escolheu para si mesmo... No céu, Ele mostrará que seus pensamentos não são iguais aos dos homens, pois então, as últimas serão as primeiras... (Manuscrito A, 66).

Ela não podia imaginar que nesta mesma Praça de São Pedro, no domingo das Missões, 19 de outubro de 1997, um outro papa a proclamaria Doutora da Igreja, diante de sessenta mil pessoas, dizendo :

Com razão, portanto, pode-se reconhecer na Santa de Lisieux o carisma de Doutora da Igreja, quer pelo dom do Espírito Santo que ela recebeu para viver e exprimir a sua experiência de fé, quer pela particular inteligência do mistério de Cristo. Nela convergem os dons da lei nova, isto é, a graça do Espírito Santo que Se manifesta na fé viva e operante por meio da caridade (cf. Santo Tomás de Aquino, I-II, q. 106, art 1; q. 108, art. 1). Podemos aplicar a Teresa de Lisieux quanto teve a ocasião de dizer o meu Predecessor Paulo VI a respeito de outra jovem santa, Doutora da Igreja, Catarina de Sena : ‘O que mais impressiona na Santa é a sabedoria infusa, isto é, a lúcida, profunda e inebriante assimilação das verdades divinas e dos mistérios da fé (...) : uma assimilação favorecida, sim, por dotes naturais singularíssimos, mas evidentemente prodigiosa, devida a um carisma de sabedoria do Espírito Santo’ (AAS 62 (1979), p. 675).

Certamente, esta declaração foi um avanço considerável. Fazemos votos que não seja necessário ‘esperar o Céu’ para que outras mulheres santas digam o que sabem sobre o mistério que é Deus, com uma ‘doutrina eminente’.


Fonte : 
* Dom Guy Gaucher, é Bispo auxiliar emérito de Bayeux e Lisieux.
  Artigo publicado em ‘La vie spirituelle’, 790 – setembro 2010.
  Traduzido do francês pelo Mosteiro da Santa Cruz, Juiz de Fora/Minas Gerais.

Revista Beneditina nrº 40, Outubro/Novembro de 2010, editado pelas monjas beneditinas do Mosteiro da Santa Cruz – Juiz de Fora/Minas Gerais.

** Em outubro de 2012, numa Carta Apostólica, Bento XVI proclama Santa Hildegarda de Bingen, Monja Professa da Ordem de São Bento, como Doutora da Igreja universal

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Notas : 

(1)   Uma obra coletiva de 875 páginas sobre Paulo VI e a modernidade na Igreja (1984) ignora esta proclamação!
(2) Hans Urs von BALTHASAR, Atualidade de Teresa, conferências do Centenário (1873-1973), Instituto Católico de Paris, p. 120-121.
(3) Divini Amoris, Scientia, nr. 30. Ver Mulieres dignitatem, nr. 30, 1988, Carta às Mulheres, 1995.
(4) Ver François LÉTHEL, Théologie de l’Amour de Jésus. Écrits sur la théologie des saints. Éd. Du Carmel, 1996.
(5) Dominique DE COURCELLES, La Vie spirituelle, nr. 718, março 1996, p. 43.


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Dignidade e delinquência

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 * Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

‘Os cenários nas sociedades contemporâneas merecem atenção e tratamento especial por parte de todos, particularmente das lideranças políticas, governamentais e religiosas. Estes cenários estão marcados pela banalização crescente da dignidade humana, que favorece atos de delinquência, trazendo prejuízos irreversíveis. A perda do sentido autêntico da pessoa tem sido um vetor determinante do esvaziamento da consciência individual e coletiva. Aí está uma incontestável e perene fonte da violência, da corrupção e dos mais diversos tipos de manipulações - de coisas, instituições e pessoas.

A gravidade dessa situação atinge o núcleo da consciência moral que deve sustentar cada pessoa no desabrochamento de sua conduta, pautada no mais relevante sentido de respeito ao outro. No coração humano há uma lei inscrita pelo próprio Deus, no fundo da própria consciência. É uma lei que o homem não impôs a si mesmo, mas à qual ele deve obedecer, como uma voz que está chamando-o ao amor, ao bem. Quando o indivíduo perde a competência para ouvir esta voz, se encontra às portas do mal. A perda e esvaziamento da consciência moral são, pois, o impulso determinante que faz nascer o delinquente.

Criminosos, dos mais variados tipos, escutam outra voz que determina a submissão interesseira à idolatria do dinheiro, ao entendimento do prazer como fonte de manipulação e lucro. Essa voz alimenta a ganância que inaugura a cada momento uma corrida desenfreada, pautada na disputa, que faz de cada um inimigo do outro. Essa delinquência está nas violências de todo tipo, inclusive nos radicalismos políticos e fundamentalismos religiosos, arregimentando muita gente aos extremos, equivocada e lamentavelmente convencidas de estarem mais próximas da verdade, sentindo-se no direito de produzir, segundo seus critérios, os ordenamentos necessários, e a implantação de uma justiça que é cega e incapaz de estabelecer a verdadeira dignidade que configura e define a pessoa.

O princípio sagrado e intocável da dignidade humana não permite que cada pessoa se pense como absoluta, edificada por si mesma, sobre si mesma e de si mesma dependente. A sociedade contemporânea está sendo levada por dinâmicas que estão alimentando reducionismos muito perigosos. Isso compromete o entendimento do sentido de dignidade, gera um enfraquecimento da fraternidade e incapacita para a solidariedade. Lamentável é o entendimento da consciência moral com a simples função de aplicação de normas gerais aos casos individuais da vida. A decomposição da consciência moral deve inspirar uma “trincheira” guerreando por sua recuperação. No caminho oposto, corre-se o risco de se produzir colapsos em série que inviabilizarão o futuro das sociedades. Crescerão as barbáries e os descompassos regerão a vida cotidiana, que se tornará, impulsionada pelo frenesi da vida moderna e das ganâncias, um lento suicídio coletivo, atingindo culturas, tradições e pessoas.

É preciso eleger como prioridade a permanente recomposição da consciência moral individual e comunitária. O inadequado tratamento dessa primazia é a produção de delinquências praticadas, tanto por “engravatados” quanto por “maltrapilhos”. Deve-se investir, de modo sério e profundo, em toda a esfera psicológica e afetiva de cada pessoa, bem como nos múltiplos contextos do ambiente social e cultural. Esse investimento, portanto, há de ter cada pessoa como destinatária. Seu encaminhamento concreto indica que o conjunto da sociedade precisa ser mapeado e tratamentos específicos precisam ser disponibilizados. Assim será possível alcançar um processo educativo e de recuperação dessa consciência moral perdida. Esse mapeamento se desdobra em vários capítulos, cada um com a tarefa de sensibilizar e buscar contribuições para resgatar pessoas e qualificar a cidadania.

Capítulo determinante desse processo são as reflexões sobre a realidade carcerária do Brasil, com seus 500 mil presos, em condições de contínua e acentuada perda da consciência moral, em razão das dinâmicas e das condições dos presídios. Uma realidade que envolve muitas situações, de diferentes matizes, e gera grande preocupação pelo que se está produzindo. O sistema prisional tem feito surgir contextos inadequados, atingindo famílias, presos que não deveriam estar no cárcere e até aqueles de alta periculosidade. Uma situação que se agrava diante da grande comunidade atingida por compreensões equivocadas ou ineficazes sobre a prioridade de se recuperar pessoas, permitindo-lhes recompor a consciência moral.

Esse capítulo, entre outros mapeamentos que a sociedade brasileira precisa considerar, é prioridade do Vicariato Episcopal para Ação Social e Política da Arquidiocese de Belo Horizonte, com sua Pastoral Carcerária, e de experiências exitosas como as Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (APACs), instituições que estão em diálogo com a sensibilidade social e comprometimento da ministra Cármen Lúcia Antunes, do Supremo Tribunal Federal. Um trabalho necessário pela certeza de que o Estado precisa de ajuda. É preciso o envolvimento de instituições especializadas em humanidade para recuperar dignidades e superar delinquências.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/dignidade-e-delinquencia

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Catequese para Adultos : uma catequese em tempos de mudança

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

* Artigo de José Barbosa de Miranda,
Diácono Permanente na Arquidiocese de Brasília


 O que restou da minha infância

‘O que foi feito da catequese que recebi para a Primeira Eucaristia? Por que fugi da Igreja e permaneço ausente, agora como adulto? O próprio indivíduo, tanto homem como mulher, no seu interior, tem uma vaga recordação dessa fase da vida. Parece que gostaria de reviver aqueles momentos, mas faltam oportunidades e coragem, ou quem sabe, alguém que o ajude nesse recaminhar. Vivemos em um mundo de profundas e rápidas transformações. E essas mudanças afetam, no primeiro momento, a fé, pela contraposição de valores e colocações de meias verdades. Surge, com isso, a necessidade de uma atualização evangélica seguida de catequese inculturada.


O mundo interfere na minha fé

O Documento de Aparecida desnuda essa realidade com a seguinte reflexão: “Na evangelização, na catequese e, em geral, na pastoral, persistem também linguagens pouco significativas para a cultura atual e em particular para os jovens. Muitas vezes as linguagens utilizadas parecem não levar em consideração a mutação dos códigos existencialmente relevantes nas sociedades influenciadas pela pós-modernidade e marcadas por amplo pluralismo social e cultural. As mudanças culturais dificultam a transmissão da Fé por parte da família e da sociedade. Frente a isso, não se vê uma presença importante da Igreja na geração de culturas, de modo especial no mundo universitário e nos meios de comunicação social” (Documento de Aparecida, n. 100d).Se houve mudanças de época, é urgente que, também, haja mudança na comunicação da fé. Não mudança da fé, mas do processo de transmiti-la.


Contraposição dos valores

A mídia difunde informações fundadas nos princípios de seus alimentadores, e os usuários as assimilam como novidades a serem seguidas e, em algumas vezes, como dogmas que devem ser norteadores da sociedade pós-moderna. É importante que haja oportunidade de confrontos com outras informações, com outros princípios. Pode ser uma catequese de confronto, mas não de disputa, fornecendo dados para a formação de juízo equilibrado e maduro. Não basta dizer que a Igreja é ultrapassada e não se atualiza, sem antes conhecê-la. É preciso aprofundar nos princípios seculares que geraram famílias e sociedades justas. A catequese permanente para adultos é um repensar e discernir o pluralismo social e cultural que vivemos.

Se a catequese inicial não foi suficiente para “ajudar as pessoas no caminho rumo à maturidade na fé, no amor e na esperança” (DNC, n. 146), é preciso redescobrir essas metas nas trilhas da catequese permanente para adultos. A mesma verdade tem o dinamismo do Espírito Santo agindo nessa sociedade em mudanças. Por que não contrapor com os valores evangélicos, sazonados na vida da Igreja, ao pluralismo social e cultural, num diálogo caridoso e aberto? A catequese não é estanque, acompanha a sociedade, a família, as pessoas nos diversos estágios de sua vida, por isso é uma companheira fiel, amiga e necessária.


Uma catequese adulta para adultos

Aqui se trata dos objetivos de uma séria de artigos que publicaremos: uma catequese adulta com adultos. Os problemas atuais que afrontam a fé dos adultos, no seu dia-a-dia. Os desafios para seguir a Jesus de Nazaré. Emílio Alberich, sobre a catequese com adultos, enfoca : Aqui está, talvez, a novidade mais significativa da mudança pós-conciliar. Não só sublinha a urgência da catequese com adultos, mas sobretudo se insiste na necessidade de uma catequese que já não seja extensão da catequese infantil aos adultos, mas que se trate efetivamente de uma catequese adulta, isto é, que se tenha em conta e respeito realmente a condição e  as exigências dos adultos (Conferência proferida na Segunda Semana Brasileira Catequese, sob o título MODELOS DE CATEQUESE COM ADULTOS. Estudos da CNBB n. 84).

Há um grande diferencial entre catequese infantil e adulta, uma catequese de iniciação cristã (sacramental) e a catequese que amadurece a fé, constrói o amor e faz Igreja. Não se pode contentar em dizer que Jesus foi o maior homem da história, mas é necessário entrar na sua vida como ele entrou na nossa. O seu mistério foi revelado para que seja modelo de vida para todos. Se pessoas mudaram o seu jeito de ser é porque se deixaram envolver por Ele.

Catequese de adultos é uma decisão adulta. É a coragem de abrir folhas ainda não lidas ou que se apagaram de nossa história.’


Fonte :
*Artigo na íntegra http://www.zenit.org/pt/articles/catequese-para-adultos-uma-catequese-em-tempos-de-mudanca



terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

São Bento Missionário

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 * Artigo de Irmã Úrsula Worringen, OSB

Estamos mais bem acostumadas(os) a ver nosso querido pai São Bento, mergulhado na meditação da Palavra de Deus e de pé no Louvor divino. Podemos chamá-lo também de Missionário? Vamos refletir.

“Proclamai a salvação entre todas as nações” (Sl 95) e “Aclamemos o rochedo que nos salva” (Sl 94). Assim canta a comunidade diariamente no primeiro Ofício do dia nascente, na presença de Deus, que ouve o convite para anunciá-lo até aos confins da terra. Como cheguei a descobrir estes traços da personalidade Missionária de São Bento? Cheguei a esta conclusão através da meditação da Regra de São Bento complementada pela leitura dos Diálogos de São Gregório Magno e pelas visitas que pude fazer aos lugares onde São Bento viveu.

Na gruta de Subiaco, o jovem Bento vive na solidão, sob o olhar de Deus, deixando-se penetrar pela Palavra. Descoberto por pastores reparte com eles o pão da Palavra e recebe deles o alimento do corpo. É da gruta dos pastores que partiu a evangelização da Europa. Os nomes dos evangelizadores beneditinos encontram-se escritos naquelas paredes, a começar por Agostinho de Cantuária – enviado para a Inglaerra por São Gregório Magno, – até os monges beneditinos que no século XIX foram enviados para a América do Norte e a Austrália. Como a fama das virtudes de São Bento chegasse até Roma, famílias nobres vieram entregar aos seus cuidados a educação de seus filhos. Desde então a educação das crianças e jovens “Para Deus” é missão beneditina a partir de Subiaco. São Bento envia seus monges para a fundação do mosteiro em Terracina, na época o maior centro de Júpiter num cruzamento de vias marítimas e terrestres. Nessa cidade portuária, a grandeza das ruínas dos templos pagãos é impressionante.

Em certa ocasião, visitando Monte Cassino tive uma grande surpresa. Antes de sair da Basílica, levantei os olhos para cima da porta e deparei-me com um quadro moderno, do pintor R. Stefanelli com a data de 1984. Ele expressa vivamente o que São Gregório Magno descreve no fim do capítulo 8 dos seus Diálogos : São Bento caminhando no meio dos habitantes de Monte Cassino, anunciando-lhes a Palavra de Deus. Após ter destruído o templo dos ídolos, ele ergueu um oratório a São Martinho e uma capela a São João Batista.

No capítulo 19 dos Diálogos, encontramos, na moldura do milagre dos lencinhos, o Bento Missionário que prega e manda seus filhos em missão. Estes cuidam também do progresso espiritual da comunidade das monjas que certamente foi fruto da Evangelização. Mergulhado na Palavra de Deus, “à porta” do mosteiro, recebe a força para libertar o camponês acorrentado e a inspiração de acolher o cruel Zala, empenhando-se na sua conversão. Introduzindo-o na casa, manda oferecer-lhe um pedaço de pão bento. Na moldura do milagre da farinha encontramos o Bento que se compadece da fome do povo, a ponto de distribuir com os famintos toda a farinha da comunidade.

Em sua missão atinge o homem todo. Dedica seu tempo e atenção à pessoa que procura seus conselhos como Teóprobo, que se converteu por suas exortações a ponto de abraçar a vida monástica. Estes aspectos missionários encontram-se também em sua Regra, pois São Bento só podia escrever aquilo que ele mesmo viveu.

Todos os hóspedes são acolhidos no amor de Cristo. Principalmente os pobres. A todos é anunciada a Palavra de Deus e se unem na oração. O Ofício divino, a cuja organização São Bento dedica 10 capítulos, é um anúncia da grandeza e do amor de Deus. Padre Andreas Amrhein escreve a este respeito nos Sete Princípios Fundamentais, documento aprovado por Leão XIII para a fundação da nova Congregação Beneditina com fim Missionário (cf. Pág. 11 e 12). “...O Ofício divino rezado em comum é uma fonte de graças que brota mais abundantemente e corre para a vida eterna, com muito mais entusiasmo e devoção chameja mais claro, alto e quente, quando muitas chamas ardem juntas do que quando uma pequena chama sozinha... À comunidade orante de dois ou tres é prometido um poder maior sobre o Coração divino do que à oração individual, porque onde dois ou tres estiverem reunidos em seu nome, Jesus estará no meio deles (cf. Mt 18,20)”.

Como o Apósto Paulo e todos os pobres, os filhos e filhas de São Bento vivem do trabalho de suas mãos, não buscando lucro ou autorrealização, mas, “para que em tudo Deus seja glorificado”, modelo que transformou a Europa antiga e as terras de missão. Contemplando o mundo que nos cerca e ouvindo os gritos de tantos irmãos nas trevas e na indigência, em nome deles rezamos com fervor os salmos de petição, como por exemplo, “Salvai-me, ó Deus, por teu nome, faze justiça para mim!” Este grito tão real em nossos dias nos impulsiona a darmos uma resposta concreta. Como Cristo de braços abertos na cruz, sinal de nossa libertação, estejamos nós, filhos e filhas de São Bento Missionário, abertos para Deus, para a realidade, para os nossos irmãos e para o mundo.


Fonte :  
* Irmã Úrsula Worringen, OSB, é Beneditina Missionária de Tutzing, nasceu em 12.02.1919, em Colônia, na Alemanha. Ingressou na Congregação das Beneditinas Missionárias de Tutzing, Alemanha; era noviça quando foi enviada ao Priorado de Olinda (PE), onde fez sua primeira Profissão em 01.11.1940. Reside atualmente em Olinda sendo grande incentivadora da vida monástica no Brasil.

Revista Beneditina nrº 37, Janeiro/Março de 2010, editado pelas monjas beneditinas do Mosteiro da Santa Cruz – Juiz de Fora/Minas Gerais. 
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