* Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
‘A perda do laço essencial entre verdade, bem e liberdade na cultura contemporânea é a explicitação do caos moral
que vai afundando a sociedade em acontecimentos assustadores. Os fenômenos em
torno de violências, justiça com as próprias mãos, corrupção, fundamentalismos,
entre outros, são resultado da perda deste laço fundamental. Sua recuperação é
um longo caminho a percorrer. Sua urgência deve motivar os mais variados
segmentos da sociedade, desde o recôndito da privacidade familiar, passando
pelas igrejas e escolas, até ações governamentais em diferentes níveis, em um
investimento mais consistente e permanente.
O dia a dia da sociedade sem
comprometimento com a verdade, o bem e o autêntico sentido da
liberdade
pode trazer comprometimentos irreversíveis. O que se vê é um crescente processo
de desumanização, com graves consequências para a vida de todos e impactos na
formação dos mais jovens. Assim, a ausência do laço essencial entre verdade, bem e liberdade impede que sejam dados novos passos no presente e também
engessa a sociedade do amanhã. Muitos se acostumam com os relatos de violência
nos noticiários e até, de certo modo, os esperam a cada dia, cultivando o gosto
pelo hediondo. Alguns se sentem privilegiados, por não serem alvos ou vítimas,
e se comportam como meros espectadores do caos que vai se implantando na
sociedade. No entanto, o aumento crescente desta violência é um risco para
todos, mesmo para os que estão nos seus “bunkers” de defesa e comodidades.
Não basta apenas um olhar sociológico e
estrategista sobre esta situação. Providências e encaminhamentos advindos
dessas análises são importantes. Contudo, o essencial é trabalhar pela
recuperação da perda do laço essencial entre verdade, bem e liberdade. Há, pois, uma questão de ordem moral
pesando sobre os ombros de todos nessa luta de recomposição da sociedade.
Quando se considera, por exemplo, o mundo da política, a luta por reforma
política, obviamente que não basta legislar de modo novo e diferente, embora
necessário. É prioritário poder contar com homens e mulheres à altura de
exercícios cidadãos, superando o comum de se fazer da política um canal para
atendimentos de interesses partidários e de grupos endinheirados.
Os atrasos na sociedade são
incontáveis, atingindo as instituições na sua identidade e missão, desfigurando
o sentido de cidadania que se sustenta na verdade, no bem e na vivência
autêntica da liberdade. O investimento prioritário, portanto, é na ordem moral.
Essa ordem não se enquadra na permissividade de posicionamentos religiosos,
políticos e sociais, nem nos rigores fundamentalistas dos que se elegem como os
iluminados e donos da verdade. Urge um investimento permanente e consistente na
ordem moral. Do contrário, não se vai conseguir debelar o processo que está
levando a sociedade a resvalar na direção de um caos maior.
Que absurdos ainda não foram
presenciados? Repassar essa lista até desanima. A sensibilidade moral é o
remédio para combater o que o Papa Francisco chama de globalização da
indiferença e o veneno da idolatria do dinheiro. A sociedade, por falta de
aprofundado sentido moral, está sendo, passo a passo, conduzida por diferentes
tiranias. Da tirania nascida da ganância que gera a insaciabilidade das
riquezas àquelas novas tiranias, invisíveis, às vezes virtuais, que impõem suas
leis e suas regras, cristalizando grupos radicais, de todo tipo, até
religiosos, contribuindo na complicação que a sociedade contemporânea está
vivendo.
A verdade, o bem e a
liberdade,
como laço essencial da moralidade, devem ser o horizonte inspirador cotidiano
de ações, programas e testemunho individual, em casa, na Igreja, na escola, nas
empresas, nas ruas, em todo lugar. É preciso libertar a sociedade contemporânea
dos excessos de uma cultura em que cada um pretende ser portador de uma verdade
subjetiva própria. Razões meramente políticas não inspirarão ações condizentes,
neste momento, na busca urgente de soluções para mudar os cenários de exclusão
e desigualdades, fontes de violências e disputas que se travam até mesmo sem se
ter clareza a respeito de qual bandeira se está defendendo.
As reações violentas tenderão a crescer
por parte dos excluídos do sistema social e econômico, que é injusto na sua
raiz. O avanço na direção de indispensável equilíbrio, para não inviabilizar a
sociedade, supõe a convicção de que é preciso investir sempre e em todos os
níveis na recuperação da força moral. Cada cidadão deve ser depositário dessa
força, fazendo com que a sociedade redescubra que seu sustento e progresso
dependem do respeito incondicional à verdade, o compromisso com o bem moral e a
permanente aprendizagem quanto à fragilidade e limites da liberdade humana.’
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