* Artigo de Fernando Domingues,
Missionário Comboniano
‘Era quarta-feira de tarde. À noite, nesse
mesmo dia, tinha o meu voo marcado para regressar do Paquistão, onde tinha
passado uma semana repleta de visitas surpreendentes e experiências muito,
muito enriquecedoras. Como ainda tinha umas horas livres, pedi ao bispo que me
hospedava e ele disponibilizou um carro com motorista para eu poder ir até à
fronteira com a Índia ver uma cerimónia especial de que me tinham falado, o
arriar da bandeira na zona onde se tinha combatido a última guerra entre os
dois países, há menos de vinte anos. Acompanhava-me Amjad, o jovem sacerdote
paquistanês, meu aluno em Roma, em cuja ordenação eu tinha participado alguns
dias antes, na catedral de Lahore.
Seguindo acordos entre os
dois países, a cerimónia prevê que a bandeira de cada um dos países seja
arriada todos os dias antes do pôr-do-sol, exactamente ao mesmo tempo, por dois
grupos de soldados alinhados a um metro de distância um do outro, cada grupo do
seu lado da linha de fronteira. O arriar da bandeira é precedido por uma parada
militar cheia de gestos de força e valentia militar. De cada lado da fronteira
os militares seguem exactamente o mesmo programa cronometrado com precisão,
cada um dos grupos encorajados por uma plateia de cidadãos de cada lado da
fronteira que cantam e gritam palavras de ordem patrióticas. A certa altura,
levado pelo entusiasmo, um rapazito diante de mim começou a gritar insultos
contra os soldados indianos; imediatamente um dos soldados do nosso lado veio
ter com ele para o mandar calar e disse-lhe alto e bom som: «Deves amar a tua
pátria sem odiar a pátria dos outros!» De facto, ao início da cerimónia, os
altifalantes tinham avisado que se encorajava a todos a exprimir o próprio
espírito patriótico, mas era proibido ofender os que estavam do outro lado da
fronteira. No meio de muitos milhares de pessoas que cantavam e gritavam
palavras de ordem de ambas as partes, gostei imenso de ver que o primeiro e o
último gesto da cerimónia oficial foi feito pelos comandantes dos dois
contingentes militares que, sozinhos, cada um do seu lado, marcharam
solenemente para a linha da fronteira, deram um ao outro a saudação militar e
um forte aperto de mão de amizade. Mesmo se a memória da guerra ainda é fresca,
ali, na fronteira de Waga, todos os dias ao pôr do Sol, é possível celebrar a
paz e cultivar a amizade.
À noite, peguei o avião e
regressei a Roma. Na minha memória continuam muitas recordações de um povo onde
a convivência pacífica não é fácil entre pessoas de categorias sociais muito
diferentes e comunidades que vivem e professam religiões diversas. Tanto os
cristãos como os muçulmanos vivem permanentemente sob a ameaça da violência do
terrorismo extremista. Enquanto eu lá estava, uma mesquita foi bombardeada, e
poucos dias depois uma missionária cristã foi atacada e gravemente ferida.
Apesar das dificuldades que são bem visíveis, são admiráveis os esforços que se
fazem para cultivar activamente uma coexistência pacífica entre todos. Em todas
as dioceses, a comissão de diálogo inter-religioso é sempre activa. Em várias
povoações que visitei, os jovens cristãos e muçulmanos frequentam a mesma
escola. Particularmente, da parte das escolas católicas, há uma grande abertura
para acolher crianças e jovens de todas as religiões e um empenho constante
para cultivar o sentido de estima e respeito entre todos.
Numa sociedade plural, onde convivem pessoas de
tradições, culturas e religiões diferentes, a paz e a concórdia precisam de ser
activamente cultivadas. A Igreja define-se a si
mesma como sacramento e sinal daquela unidade que Deus sonha para toda a
família humana; é por isso que toda a comunidade cristã é chamada a ver estes
esforços concretos para cultivar activamente a reconciliação e a paz como parte
integrante da missão que o Senhor lhe confiou.’
Fonte :
*Artigo na íntegra http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EFVZkpAuFlUbiZUQwC
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