* Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
‘Os cenários nas sociedades
contemporâneas merecem atenção e tratamento especial por parte de todos,
particularmente das lideranças políticas, governamentais e religiosas. Estes
cenários estão marcados pela banalização crescente da dignidade humana, que favorece
atos de delinquência, trazendo prejuízos irreversíveis. A perda do sentido
autêntico da pessoa tem sido um vetor determinante do esvaziamento da
consciência individual e coletiva. Aí está uma incontestável e perene fonte da
violência, da corrupção e dos mais diversos tipos de manipulações - de coisas,
instituições e pessoas.
A gravidade dessa situação atinge o
núcleo da consciência moral que deve sustentar cada pessoa no desabrochamento
de sua conduta, pautada no mais relevante sentido de respeito ao outro. No
coração humano há uma lei inscrita pelo próprio Deus, no fundo da própria
consciência. É uma lei que o homem não impôs a si mesmo, mas à qual ele deve
obedecer, como uma voz que está chamando-o ao amor, ao bem. Quando o indivíduo
perde a competência para ouvir esta voz, se encontra às portas do mal. A perda
e esvaziamento da consciência moral são, pois, o impulso determinante que faz
nascer o delinquente.
Criminosos, dos mais variados tipos,
escutam outra voz que determina a submissão interesseira à idolatria do
dinheiro, ao entendimento do prazer como fonte de manipulação e lucro. Essa voz
alimenta a ganância que inaugura a cada momento uma corrida desenfreada,
pautada na disputa, que faz de cada um inimigo do outro. Essa delinquência está
nas violências de todo tipo, inclusive nos radicalismos políticos e
fundamentalismos religiosos, arregimentando muita gente aos extremos,
equivocada e lamentavelmente convencidas de estarem mais próximas da verdade,
sentindo-se no direito de produzir, segundo seus critérios, os ordenamentos
necessários, e a implantação de uma justiça que é cega e incapaz de estabelecer
a verdadeira dignidade que configura e define a pessoa.
O princípio sagrado e intocável da
dignidade humana não permite que cada pessoa se pense como absoluta, edificada
por si mesma, sobre si mesma e de si mesma dependente. A sociedade
contemporânea está sendo levada por dinâmicas que estão alimentando
reducionismos muito perigosos. Isso compromete o entendimento do sentido de
dignidade, gera um enfraquecimento da fraternidade e incapacita para a
solidariedade. Lamentável é o entendimento da consciência moral com a simples
função de aplicação de normas gerais aos casos individuais da vida. A
decomposição da consciência moral deve inspirar uma “trincheira” guerreando por
sua recuperação. No caminho oposto, corre-se o risco de se produzir colapsos em
série que inviabilizarão o futuro das sociedades. Crescerão as barbáries e os
descompassos regerão a vida cotidiana, que se tornará, impulsionada pelo frenesi
da vida moderna e das ganâncias, um lento suicídio coletivo, atingindo
culturas, tradições e pessoas.
É preciso eleger como prioridade a
permanente recomposição da consciência moral individual e comunitária. O
inadequado tratamento dessa primazia é a produção de delinquências praticadas,
tanto por “engravatados” quanto por “maltrapilhos”. Deve-se investir, de modo
sério e profundo, em toda a esfera psicológica e afetiva de cada pessoa, bem
como nos múltiplos contextos do ambiente social e cultural. Esse investimento,
portanto, há de ter cada pessoa como destinatária. Seu encaminhamento concreto
indica que o conjunto da sociedade precisa ser mapeado e tratamentos
específicos precisam ser disponibilizados. Assim será possível alcançar um
processo educativo e de recuperação dessa consciência moral perdida. Esse
mapeamento se desdobra em vários capítulos, cada um com a tarefa de
sensibilizar e buscar contribuições para resgatar pessoas e qualificar a
cidadania.
Capítulo determinante desse processo
são as reflexões sobre a realidade carcerária do Brasil, com seus 500 mil
presos, em condições de contínua e acentuada perda da consciência moral, em
razão das dinâmicas e das condições dos presídios. Uma realidade que envolve
muitas situações, de diferentes matizes, e gera grande preocupação pelo que se
está produzindo. O sistema prisional tem feito surgir contextos inadequados,
atingindo famílias, presos que não deveriam estar no cárcere e até aqueles de
alta periculosidade. Uma situação que se agrava diante da grande comunidade
atingida por compreensões equivocadas ou ineficazes sobre a prioridade de se
recuperar pessoas, permitindo-lhes recompor a consciência moral.
Esse capítulo, entre outros mapeamentos
que a sociedade brasileira precisa considerar, é prioridade do Vicariato
Episcopal para Ação Social e Política da Arquidiocese de Belo Horizonte, com
sua Pastoral Carcerária, e de experiências exitosas como as Associações de
Proteção e Assistência aos Condenados (APACs), instituições que estão em
diálogo com a sensibilidade social e comprometimento da ministra Cármen Lúcia
Antunes, do Supremo Tribunal Federal. Um trabalho necessário pela certeza de
que o Estado precisa de ajuda. É preciso o envolvimento de instituições
especializadas em humanidade para recuperar dignidades e superar delinquências.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
de http://www.news.va/pt/news/dignidade-e-delinquencia
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