* Artigo de Dom Alberto Taveira Corrêa,
arcebispo de Belém do Pará,
reflete sobre as escolhas diárias
‘Nossa vida é feita de escolhas
diárias, que se renovam e se aperfeiçoam de acordo com os valores que norteiam
nossos passos. Maria e José foram confrontados com o plano de Deus, para ir
atrás de suas indicações. Anjos, sonhos e fatos foram a linguagem usada pelo
Eterno Pai para se manifestar àquelas pessoas tão simples quanto profundas em
sua profissão de fé. É que faziam parte de uma raça de gente sadiamente
teimosa, que não tinha perdido a esperança, qual farol a iluminar os rumos da
história. Mas tiveram sempre a magnífica margem de liberdade, para optarem por
Deus e por sua vontade. O que impressiona é que nunca regatearam com o Senhor!
Antes, deram sempre e cada vez mais o que tinham de melhor!
O tesouro de suas vidas e da
humanidade, o Menino Jesus, foi levado ao templo de
Jerusalém, para ser apresentado ao Senhor, conforme estava escrito na lei (Lc
2,22-40). Um casal muito simples, levando a oferenda dos pobres, um par de
rolas ou dois pombinhos, pode passar despercebido diante de todos, menos de
Simeão e Ana, idosos cheios de sabedoria, confiantes nas promessas de Deus, que
enxergam longe e veem dentro! Sendo justos e piedosos, trazem a profecia na
boca! Identificam a prometida visita de Deus ao seu templo e são capazes de
fazer festa pelo homem-menino que chega, cumprindo todas as leis humanas e
religiosas, mas sabem que ali está o verdadeiro Menino-Deus! Brotam de seus
corações o hino, a profecia e o anúncio, quando Ana se põe a falar do menino “a
todos os que esperavam a libertação de Jerusalém” (Lc 2,38). Ao mesmo tempo, o
realismo da fé professada faz com que Simeão anuncie o mistério da dor e da
contradição, que cercaria a vida daquela criança e de sua mãe: “Este menino
será causa de queda e de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal
de contradição – uma espada traspassará a tua alma! – e assim serão revelados
os pensamentos de muitos corações” (Lc 2, 34-35).
A bênção de Simeão a Maria e José não
lhes poupa um futuro cheio de dificuldades e contradições. No entanto, os dois
não esmorecem e continuam sua magnífica aventura, que incluiria, ao lado de
muitas alegrias, perseguição, fuga para o Egito, discernimento contínuo dos
passos a serem dados, trabalho, dificuldades e lutas cotidianas, fidelidade no
escondimento de Nazaré, lugar de gente briguenta! No meio de tudo isso, “o
menino crescia, tornava-se forte, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava
com ele” (Lc 2, 40).
Nossa vida não é muito diferente. A
escolha do seguimento de Jesus não funciona como uma vacina ou defesa
automática frente aos desafios da existência humana. Deus nos concede as graças
necessárias, no momento certo, mas não toma conta de nossa vida como se fosse
um servo à nossa disposição, ou, quem sabe, um operador de um controle remoto
que, à distância, monitorasse todos os nossos passos. E não vale, diante do
Deus verdadeiro, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, pretender exigir direitos ou
recompensas, inclusive aquelas que hoje as pessoas chamam “sonhos de consumo”.
Seu amor é infinito e muito maior do que nossas limitadas pretensões! Não, Deus
nos concede o precioso dom da liberdade, permitindo-nos tecer a trama da
existência, com uma história pessoal construída em primeira pessoa. Liberdade e
responsabilidade!
No uso do precioso dom da liberdade,
Deus nos desafia a escolher em primeiro lugar a resposta ao seu amor! Amar a
Deus sobre todas as coisas, manter-se fiel a suas promessas, mesmo quando a
limitada lógica humana nos conduz a outras direções. Acreditar que Ele é o
Senhor da história, malgrado todas as contradições com que convivemos.
Fidelidade aos mandamentos, amor à Igreja de Jesus Cristo, na qual se realiza o
Reino do Senhor, não buscar atalhos quando o verdadeiro Caminho (Cf. Jo 14,6)
se revela diante de nossos olhos! Bonito, sim! Mas, desafiador e difícil!
Trata-se de escolher o melhor e não o mais fácil!
Sendo Deus escolhido como Senhor de
nossas vidas, sabemos que amá-lo significa cumprir seus mandamentos. Na
escolha, amar a Deus passa na frente, mas na sua vontade, o amor ao próximo é o
que se pode fazer de melhor, também porque “nós amamos, porque ele nos amou
primeiro. Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, é mentiroso;
pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não
vê. E este é o mandamento que dele recebemos: quem ama a Deus, ame também seu
irmão” (1 Jo 4, 20-21). Sim, a melhor escolha, para nossa realização pessoal e
para a realização do plano de Deus é deixar que o próximo passe na frente!
Surge natural a pergunta: “E eu, como é
que fico nesta história?” O grande desafio é escolher o melhor e não o mais
agradável no momento! Deus não se deixa vencer em generosidade e responde com
amor e realização a todos os que entram nesta verdadeira voragem de amor! Na
história da humanidade e na vida da Igreja, há uma verdadeira constelação de
homens e mulheres que fizeram escolhas diferentes para melhor, que se decidiram
a dar a vida, inclusive no martírio, e a testemunhar, uns com os outros, o amor
recíproco, com frutos de realização e felicidade para si e para os outros.
Priorizar o serviço aos outros, enxergar o bem comum na sociedade, olhar ao
redor para ver as iniciativas a serem tomadas, buscar com intensidade o bem das
pessoas! Trata-se da revolução silenciosa, da qual participaram Maria e José. E
traziam nos braços aquele que pode mudar e efetivamente muda o mundo.
Em todas as Igrejas, neste final de
semana, se realiza a procissão das velas. Levá-las acesas em
nossas mãos significa que desejamos seguir o caminho da virtude, para chegar à
luz que não se apaga, Jesus Cristo. Para muitas pessoas, termina o período
de férias e se retoma o ritmo de trabalho. Vale a pena aceitar o desafio de
iluminar nosso dia a dia com uma luz diferente, com escolhas e prioridades
novas, a fim de nosso mundo “velho de guerra” encontre no Menino de Belém, de
Jerusalém, de Nazaré ou de todas as nossas vidas sua graça e as forças
necessárias para realizar o plano de Deus. Para tanto, cada um de nós escolha
hoje o que é melhor!’
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