* Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
‘O Papa Francisco tem se consolidado
como voz que alerta para a urgência de se combater o crescente processo de
desumanização que assola a sociedade contemporânea. Sua voz ecoa para além do
território da própria Igreja Católica e vai tocando corações e mentes pelo
mundo afora. Na sua Exortação Apostólica Alegria do Evangelho, o Papa Francisco
sublinha que “o grande risco do mundo atual, com múltipla e avassaladora oferta
de consumo, é a tristeza individualista que brota do coração comodista e
mesquinho, da busca desordenada dos prazeres superficiais, da consciência
isolada”. Quando a pessoa se fecha nos seus próprios interesses, o resultado é
o comprometimento da essencialidade da vida interior.
Uma grande indicação do Papa Francisco,
como retomada das mais genuínas raízes do Evangelho de Jesus, é apostar na
simplicidade. Esse caminho supõe exercício diário e adoção de estilos de vida
que proporcionem e mantenham uma interioridade com a sabedoria para priorizar o
que é digno e bom. A simplicidade de vida, incontestavelmente, é o remédio mais
eficaz no combate à desumanização, que embrutece corações e inviabiliza a
convivência social. Trata-se de antídoto para a sociedade, marcada pela
crescente violência, corrupção venenosa e irreversível despersonalização. É
hora, portanto, de admitir e incluir um discernimento evangélico nas análises e
na busca da compreensão da realidade, desafiadora e complexa, desse início de
terceiro milênio.
A busca por soluções não pode
restringir-se ao crescimento e sofisticações tecnológicas, indispensáveis
quando se pensa no avanço da ciência. É preciso retomar o processo de
humanização, contraponto ao lamentável embrutecimento dos corações. Nessa
tarefa, o ensinamento evangélico tem um poder inigualável de modulação e
educação. Vale sempre lembrar a observação de Mahatma Ghandi, em referência ao
Sermão da Montanha, Evangelho de Mateus, capítulos 5 a 7, sublinhando que ali
há um tesouro que praticado pelos cristãos, faria deles instrumento de radical
revolução e transformação da sociedade pelos princípios enraizados na força
inesgotável do amor de Deus.
Não se pode apenas pensar que
definições legislativas e meras providências de repressão serão suficientes
para deter o catastrófico processo de desumanização em curso, responsável pelo
crescimento da violência, aumento assustador da dependência química,
imoralidades de todo tipo como consequência da relativização nociva de valores
e princípios. Brutalidade é o lado oposto da indispensável humanização. A falta
de raízes humanísticas consistentes, como aquelas que os valores do Evangelho
de Jesus Cristo produzem e modulam nos corações que escutam a voz de Deus,
impede o estabelecimento de uma nova ordem social e política. Sem enraizamento
humanístico adequado não veremos mudanças nas lideranças e continuará baixo o
nível da prática política, muitas vezes dinamizada por interesses partidários
tacanhos, conchavos imorais e busca pelo crescimento próprio a partir da
obsoleta prática de atacar o outro para destruí-lo.
Não se conseguirá jamais avançar nas
reformas que a sociedade brasileira precisa sem a necessária e urgente
competência humanística. É em razão da falta desta competência que instituições
políticas e governamentais fazem sempre muito menos do que deveriam.
Alimentam-se da ilusão de que boa política se faz com conchavos, com a
desmoralização dos outros, com a manipulação ideológica ou com as negociatas
internas e partidárias que atrasam o progresso e o atendimento das demandas da
população. Essa desordem produz o descompasso e a baderna que vai compondo
cenários preocupantes de violência, medo e caos. As mudanças estruturais e
conjunturais avançarão pela força do testemunho indispensável de cada cidadão.
Nesse caso, apostar na simplicidade há de ser um compromisso de todos, revendo
práticas, hábitos. Não há lugar para exibicionismos, sofisticações petulantes,
esbanjamentos agressivos e irracionais. É hora de compreender, redimensionar
projetos, práticas pessoais e sociais, sempre apostando na simplicidade.’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/apostar-na-simplicidade
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